quarta-feira, 1 de janeiro de 2025 0 comentários By: Fred

{clube-do-e-livro} Vou te receitar um gato Ishida Syou




Vou te receitar um gato
Ishida Syou

Best-seller japonês chega ao Brasil trazendo história comovente e inovadora sobre como o amor de um animal pode mudar a nossa vida


No final de um beco escuro, há um
prédio antigo onde funcionam vários estabelecimentos. Um deles é a Clínica Kokoro, um lugar que apenas as almas que mais precisam de ajuda conseguem encontrar. A misteriosa clínica oferece um tratamento exclusivo — e um tanto estranho — para aqueles que chegam até lá: gatos.


Os pacientes muitas vezes ficam intrigados com essa prescrição nada convencional, mas quando "tomam" o animal pelo período recomendado, testemunham profundas transformações em suas vidas — efeito colateral causado pelos gatinhos brincalhões, cativantes e de vez em quando bagunceiros.


Graças ao remédio milagroso — e muito fofo — receitado pelo excêntrico dr. Nike e sua enfermeira mal-humorada, Chitose, um corretor de investimentos se depara com uma alegria inesperada após ser demitido; um homem de meia-idade encontra paz no trabalho e em casa; uma mãe cansada se reconecta com a filha; uma designer de bolsas aprende finalmente a relaxar; e uma gueixa abalada pela perda de sua gata descobre como seguir em frente.


À medida que os pacientes da clínica lidam com seus conflitos internos e buscam soluções, os companheiros felinos os conduzem à cura e lhes mostram que, às vezes, tudo o que você precisa é do amor de um gato.


De: Márcia Regina Munhoz 

FELIZ ANO NOVO 2025 !
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{clube-do-e-livro} LANÇAMENTO : SÃO BERNARDO - GRACILIANO RAMOS - FORMATOS: PDF E TXT

102� edi��o


2019



CIP-BRASIL. CATALOGA��O NA PUBLICA��O
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ


Ramos, Graciliano, 1892-1953
R143s

S. Bernardo [recurso eletr�nico] / Graciliano Ramos. -1. ed. -Rio de Janeiro : Record, 2020.
recurso digital
Formato: epub
Requisitos do sistema: adobe digital editions
Modo de acesso: world wide web
ISBN 978-85-01-11912-4 (recurso eletr�nico)


1. Romance brasileiro. 2. Livros eletr�nicos. I. T�tulo.
CDD: 869.3
CDU: 82-31(81)
20-62155

Leandra Felix da Cruz -Bibliotec�ria -CRB-7/6135


Copyright � by herdeiros de Graciliano Ramos
http://www.graciliano.com.br


Projeto gr�fico de capa e miolo da vers�o impressa: Leonardo Iaccarino
Ilustra��es de capa: Renan Araujo


Esta edi��o de S. Bernardo tem como base a 3� edi��o do livro, publicado pela J. Olympio, com as
�ltimas corre��es feitas por Graciliano Ramos. E, tamb�m, retoma a grafia original do t�tulo. Os
originais est�o no Fundo Graciliano Ramos, sob a guarda do Arquivo do Instituto de Estudos
Brasileiros da Universidade de S�o Paulo.


Todos os direitos reservados. Proibida a reprodu��o, armazenamento ou transmiss�o de partes deste
livro, atrav�s de quaisquer meios, sem pr�via autoriza��o por escrito.


Texto revisado segundo o novo Acordo Ortogr�fico da L�ngua Portuguesa.


Direitos exclusivos desta edi��o reservados pela
EDITORA RECORD LTDA.
Rua Argentina, 171 � Rio de Janeiro, RJ � 20921-380 � Tel.: (21) 2585-2000.
Produzido no Brasil


ISBN 978-85-01-11912-4 (


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SUM�RIO


I
II
III
IV
V
VI
VII
VIII
IX
X
XI
XII
XIII
XIV
XV
XVI
XVII
XVIII
XIX
XX


XXII

XXIII

XXIV

XXV

XXVI

XXVII

XXVIII

XXIX

XXX

XXXI

XXXII

XXXIII

XXXIV

XXXV

XXXVI

POSF�CIO

VIDA E OBRA DE GRACILIANO RAMOS
CRONOLOGIA
BIBLIOGRAFIA DE AUTORIA DE GRACILIANO RAMOS
ANTOLOGIAS, ENTREVISTAS E OBRAS EM COLABORA��O
OBRAS TRADUZIDAS
BIBLIOGRAFIA SOBRE GRACILIANO RAMOS


Antes de iniciar este livro, imaginei constru�-lo pela divis�o do trabalho.

Dirigi-me a alguns amigos, e quase todos consentiram de boa vontadeem contribuir para o desenvolvimento das letras nacionais. Padre Silvestreficaria com a parte moral e as cita��es latinas; Jo�o Nogueira aceitou apontua��o, a ortografia e a sintaxe; prometi ao Arquimedes a composi��otipogr�fica; para a composi��o liter�ria convidei L�cio Gomes de AzevedoGondim, redator e diretor do Cruzeiro. Eu tra�aria o plano, introduziria nahist�ria rudimentos de agricultura e pecu�ria, faria as despesas e poria o
meu nome na capa.

Estive uma semana bastante animado, em confer�ncias com os principaiscolaboradores, e j� via os volumes expostos, um milheiro vendido gra�as aoselogios que, agora com a morte do Costa Brito, eu meteria na esfomeadaGazeta, mediante lambujem. Mas o otimismo levou �gua na fervura,
compreendi que n�o nos entend�amos.

Jo�o Nogueira queria o romance em l�ngua de Cam�es, com per�odosformados de tr�s para diante. Calculem.

Padre Silvestre recebeu-me friamente. Depois da revolu��o de Outubro,
tornou-se uma fera, exige devassas rigorosas e castigos para os que n�ousaram len�os vermelhos. Torceu-me a cara. E �ramos amigos. Patriota. Est�direito: cada qual tem as suas manias.

Afastei-o da combina��o e concentrei as minhas esperan�as em L�cioGomes de Azevedo Gondim, periodista de boa �ndole e que escreve o quelhe mandam.

Trabalhamos alguns dias. � tardinha Azevedo Gondim entregava a
reda��o ao Arquimedes, trancava a gaveta onde guarda os n�queis e aspratas, tomava a bicicleta e, pedalando meia hora pela estrada de rodagemque ultimamente Casimiro Lopes andava a consertar com dois ou tr�s
homens, alcan�ava S. Bernardo. Comentava os telegramas dos jornais,


atacava o governo, bebia um copo de conhaque que Maria das Dores lhetrazia e, sentindo-se necess�rio, comandava com submiss�o:

� Vamos a isso.
�amos para o alpendre, mergulh�vamos em cadeiras de vime e
ajeit�vamos o enredo, fumando, olhando as novilhas caracus que pastavamno prado, embaixo, e mais longe, � entrada da mata, o telhado vermelho daserraria.

A princ�pio tudo correu bem, n�o houve entre n�s nenhuma diverg�ncia.
A conversa era longa, mas cada um prestava aten��o �s pr�prias palavras,
sem ligar import�ncia ao que o outro dizia. Eu por mim, entusiasmado com

o assunto, esquecia constantemente a natureza do Gondim e chegava aconsider�-lo uma esp�cie de folha de papel destinada a receber as ideiasconfusas que me fervilhavam na cabe�a.
O resultado foi um desastre. Quinze dias depois do nosso primeiro
encontro, o redator do Cruzeiro apresentou-me dois cap�tulos
datilografados, t�o cheios de besteiras que me zanguei:

� V� para o inferno, Gondim. Voc� acanalhou o tro�o. Est� pern�stico,
est� safado, est� idiota. H� l� ningu�m que fale dessa forma!
Azevedo Gondim apagou o sorriso, engoliu em seco, apanhou os cacosda sua pequenina vaidade e replicou amuado que um artista n�o podeescrever como fala.

� N�o pode? perguntei com assombro. E por qu�?
Azevedo Gondim respondeu que n�o pode porque n�o pode.
� Foi assim que sempre se fez. A literatura � a literatura, seu Paulo. Agente discute, briga, trata de neg�cios naturalmente, mas arranjar palavrascom tinta � outra coisa. Se eu fosse escrever como falo, ningu�m me lia.
Levantei-me e encostei-me � balaustrada para ver de perto o touro
limosino que Marciano conduzia ao est�bulo. Uma cigarra come�ou a chiar.
A velha Margarida veio vindo pelo pared�o do a�ude, curvada em duas. Na
torre da igreja uma coruja piou. Estremeci, pensei em Madalena. Em
seguida enchi o cachimbo:

� � o diabo, Gondim. O mingau virou �gua. Tr�s tentativas falhadasnum m�s! Beba conhaque, Gondim.

Abandonei a empresa, mas um dia destes ouvi novo pio de coruja � e

iniciei a composi��o de repente, valendo-me dos meus pr�prios recursos esem indagar se isto me traz qualquer vantagem, direta ou indireta.

Afinal foi bom privar-me da coopera��o de padre Silvestre, de Jo�oNogueira e do Gondim. H� fatos que eu n�o revelaria, cara a cara, a
ningu�m. Vou narr�-los porque a obra ser� publicada com pseud�nimo. E sesouberem que o autor sou eu, naturalmente me chamar�o potoqueiro.

Continuemos. Tenciono contar a minha hist�ria. Dif�cil. Talvez deixe de
mencionar particularidades �teis, que me pare�am acess�rias e dispens�veis.
Tamb�m pode ser que, habituado a tratar com matutos, n�o confie
suficientemente na compreens�o dos leitores e repita passagensinsignificantes. De resto isto vai arranjado sem nenhuma ordem, como se v�.
N�o importa. Na opini�o dos caboclos que me servem, todo o caminho d�na venda.

Aqui sentado � mesa da sala de jantar, fumando cachimbo e bebendocaf�, suspendo �s vezes o trabalho moroso, olho a folhagem das laranjeirasque a noite enegrece, digo a mim mesmo que esta pena � um objeto pesado.
N�o estou acostumado a pensar. Levanto-me, chego � janela que deita para ahorta. Casimiro Lopes pergunta se me falta alguma coisa.

� N�o.
Casimiro Lopes acocora-se num canto. Volto a sentar-me, releio estes
per�odos chinfrins.
Ora vejam. Se eu possu�sse metade da instru��o de Madalena,
encoivarava isto brincando. Reconhe�o finalmente que aquela papelada
tinha pr�stimo.

O que � certo � que, a respeito de letras, sou versado em estat�stica,
pecu�ria, agricultura, escritura��o mercantil, conhecimentos in�teis nesteg�nero. Recorrendo a eles, arrisco-me a usar express�es t�cnicas,


desconhecidas do p�blico, e a ser tido por pedante. Saindo da�, a minhaignor�ncia � completa. E n�o vou, est� claro, aos cinquenta anos, munir-mede no��es que n�o obtive na mocidade.

N�o obtive, porque elas n�o me tentavam e porque me orientei numsentido diferente. O meu fito na vida foi apossar-me das terras de S.
Bernardo, construir esta casa, plantar algod�o, plantar mamona, levantar aserraria e o descaro�ador, introduzir nestas brenhas a pomicultura e a
avicultura, adquirir um rebanho bovino regular. Tudo isso � f�cil quandoest� terminado e embira-se em duas linhas, mas para o sujeito que vaicome�ar, olha os quatro cantos e n�o tem em que se pegue, as dificuldadess�o terr�veis. H� tamb�m a capela, que fiz por insinua��es de padre Silvestre.

Ocupado com esses empreendimentos, n�o alcancei a ci�ncia de Jo�oNogueira nem as tolices do Gondim. As pessoas que me lerem ter�o, pois, abondade de traduzir isto em linguagem liter�ria, se quiserem. Se n�o
quiserem, pouco se perde. N�o pretendo bancar escritor. � tarde para mudarde profiss�o. E o pequeno que ali est� chorando necessita quem o
encaminhe e lhe ensine as regras de bem viver.

� Ent�o para que escreve?
� Sei l�!
O pior � que j� estraguei diversas folhas e ainda n�o principiei.
� Maria das Dores, outra x�cara de caf�.
Dois cap�tulos perdidos. Talvez n�o fosse mau aproveitar os do Gondim,
depois de expurgados.


III


Come�o declarando que me chamo Paulo Hon�rio, peso oitenta e nove

quilos e completei cinquenta anos pelo S. Pedro. A idade, o peso, as
sobrancelhas cerradas e grisalhas, este rosto vermelho e cabeludo t�m-merendido muita considera��o. Quando me faltavam estas qualidades, a
considera��o era menor.

Para falar com franqueza, o n�mero de anos assim positivo e a data de S.
Pedro s�o convencionais: adoto-os porque est�o no livro de assentamentosde batizados da freguesia. Possuo a certid�o, que menciona padrinhos, masn�o menciona pai nem m�e. Provavelmente eles tinham motivos para n�odesejarem ser conhecidos. N�o posso, portanto, festejar com exatid�o o meuanivers�rio. Em todo o caso, se houver diferen�a, n�o deve ser grande: m�s amais ou m�s a menos. Isto n�o vale nada: acontecimentos importantes est�onas mesmas condi��es.

Sou, pois, o iniciador de uma fam�lia, o que, se por um lado me causaalguma decep��o, por outro lado me livra da ma�ada de suportar parentespobres, indiv�duos que de ordin�rio escorregam com uma sem-vergonhezada peste na intimidade dos que v�o trepando.

Se tentasse contar-lhes a minha meninice, precisava mentir. Julgo querolei por a� � toa. Lembro-me de um cego que me puxava as orelhas e davelha Margarida, que vendia doces. O cego desapareceu. A velha Margaridamora aqui em S. Bernardo, numa casinha limpa, e ningu�m a incomoda.
Custa-me dez mil-r�is por semana, quantia suficiente para compensar obocado que me deu. Tem um s�culo, e qualquer dia destes compro-lhemortalha e mando enterr�-la perto do altar-mor da capela.

At� os dezoito anos gastei muita enxada ganhando cinco tost�es por dozehoras de servi�o. A� pratiquei o meu primeiro ato digno de refer�ncia. Numasentinela, que acabou em furdun�o, abrequei a Germana, cabritinha sarar�danadamente assanhada, e arrochei-lhe um belisc�o retorcido na popa da


bunda. Ela ficou-se mijando de gosto. Depois botou os quartos de banda eenxeriu-se com o Jo�o Fagundes, um que mudou o nome para furtar
cavalos. O resultado foi eu arrumar uns cocorotes na Germana e esfaquearJo�o Fagundes. Ent�o o delegado de pol�cia me prendeu, levei uma surra decip� de boi, tomei cabacinho e estive de molho, pubo, tr�s anos, nove mesese quinze dias na cadeia, onde aprendi leitura com o Joaquim sapateiro, quetinha uma b�blia mi�da, dos protestantes.

Joaquim sapateiro morreu. Germana arruinou. Quando me soltaram, elaestava na vida, de porta aberta, com doen�a do mundo.

Nesse tempo eu n�o pensava mais nela, pensava em ganhar dinheiro.
Tirei o t�tulo de eleitor, e seu Pereira, agiota e chefe pol�tico, emprestou-mecem mil-r�is a juro de cinco por cento ao m�s. Paguei os cem mil-r�is eobtive duzentos com o juro reduzido para tr�s e meio por cento. Da� n�obaixou mais, e estudei aritm�tica para n�o ser roubado al�m da
conveni�ncia.

De bicho na capa��o (falando com pouco ensino), esperneei nas unhasdo Pereira, que me levou m�sculo e nervo, aquele malvado. Depois vinguei-
me: hipotecou-me a propriedade e tomei-lhe tudo, deixei-o de tanga. Masisso foi muito mais tarde.

A princ�pio o capital se desviava de mim, e persegui-o sem descanso,
viajando pelo sert�o, negociando com redes, gado, imagens, ros�rios,
miudezas, ganhando aqui, perdendo ali, marchando no fiado, assinandoletras, realizando opera��es embrulhad�ssimas. Sofri sede e fome, dormi naareia dos rios secos, briguei com gente que fala aos berros e efetuei
transa��es comerciais de armas engatilhadas. Est� um exemplo. O dr.
Sampaio comprou-me uma boiada, e na hora da on�a beber �gua deu-me
com o cotovelo, ficou palitando os dentes. Andei, virei, mexi, procurei
empenhos � e ele duro como beira de sino. Chorei as minhas desgra�as:
tinha obriga��es em penca, aquilo n�o era trato, e tal, enfim, etc. O safadodo velhaco, turuna, homem de fac�o grande no munic�pio dele, passou-meum esbregue. N�o desanimei: escolhi uns rapazes em Cancalanc� e quando

o doutor ia para a fazenda, ca�-lhe em cima, de supet�o. Amarrei-o, meti-mecom ele na capoeira, estraguei-lhe os couros nos espinhos dos mandacarus,
quip�s, alastrados e rabos-de-raposa.
� Vamos ver quem tem roupa na mochila. Agora eu lhe mostro comquantos paus se faz uma canoa.

O doutor, que ensinou rato a furar almotolia, sacudiu-me a justi�a e areligi�o.

� Que justi�a! N�o h� justi�a nem h� religi�o. O que h� � que o senhorvai espichar aqui trinta contos e mais os juros de seis meses. Ou paga ou eumando sangr�-lo devagarinho.
Dr. Sampaio escreveu um bilhete � fam�lia e entregou-me no mesmo diatrinta e seis contos e trezentos. Casimiro Lopes foi o portador. Passei o
recibo, agradeci e despedi-me:

� Obrigado, Deus o acrescente. Sinto muito ter-lhe causado inc�modo.
Adeus. E n�o me venha com a sua justi�a, porque se vier, eu viro cachorrodoido e o senhor morre na faca cega.
N�o tornei a aparecer por aquelas bandas. Se tornasse, era um tiro de p�de pau na certa, a cara esfolada para n�o ser reconhecido quando me
encontrassem com os dentes de fora, fazendo munganga ao sol, e a
supress�o da minha fortuna, que eu conduzia dentro de um chocalho
grande, arrolhado com folhas e pendurado no ar��o da sela. Ali estava emseguran�a: se o dinheiro e as folhas ca�ssem, o chocalho tocava.

Afinal, cansado daquela vida de cigano, voltei para a mata. Casimiro
Lopes, que n�o bebia �gua na ribeira do Navio, acompanhou-me. Gosto
dele. � corajoso, la�a, rasteja, tem faro de c�o e fidelidade de c�o.


IV


Resolvi estabelecer-me aqui na minha terra, munic�pio de Vi�osa, Alagoas,

e logo planeei adquirir a propriedade S. Bernardo, onde trabalhei, no eito,
com sal�rio de cinco tost�es.

Meu antigo patr�o, Salustiano Padilha, que tinha levado uma vida deeconomias indecentes para fazer o filho doutor, acabara morrendo do
est�mago e de fome sem ver na fam�lia o t�tulo que ambicionava. Como
quem n�o quer nada, procurei avistar-me com Padilha mo�o (Lu�s).
Encontrei-o no bilhar, jogando bacar�, completamente b�bedo. Est� claroque o jogo � uma profiss�o, embora censur�vel, mas o homem que bebejogando n�o tem ju�zo. Aperuei meia hora e percebi que o rapaz era pexote eestava sendo roubado descaradamente.

Travei amizade com ele e em dois meses emprestei-lhe dois contos der�is, que ele sapecou depressa na orelha da sota e em folias de bacalhau eaguardente, com f�meas ratu�nas, no P�o-sem-Miolo. Vi essas maluqueirasbastante satisfeito, e quando um dia, de novo quebrado, ele me veio convidarpara um S. Jo�o na fazenda, afrouxei mais quinhentos mil-r�is. Ao ver aletra, fingi desprendimento:

� Para que isso? Entre n�s... Formalidades.
Mas guardei o papel.
Achei a propriedade em cacos: mato, lama e pot� como os diabos. A
casa-grande tinha paredes ca�das, e os caminhos estavam quase
intransit�veis. Mas que terra excelente!

� noite, enquanto a negrada sambava, num forrobod� empestado,
levantando poeira na sala, e a m�sica de zabumba e p�fanos tocava o hinonacional, Padilha andava com um lote de caboclas fazendo voltas em redor
de um tacho de canjica, no p�tio que os mu�amb�s invadiam. Tirei-o desseinteressante divertimento:

� Por que � que voc� n�o cultiva S. Bernardo?

� Como? perguntou Padilha esfregando os olhos por causa da fuma�a eencostando-se a um mamoeiro que murchava ao calor do fogo.
� Tratores, arados, uma agricultura decente. Voc� nunca pensou?
Quanto julga que isto rende, sendo bem aproveitado?
Lu�s Padilha revelou com a m�o e com o bei�o ignor�ncia lastim�vel numpropriet�rio e, sem ligar import�ncia ao assunto, voltou �s rodas
interrompidas e �s caboclas. Mas de madrugada, numa carraspana terr�vel,
importunou-me gemendo palavras desconexas. A cada solavanco do carrode bois que nos conduzia � cidade, levantava a cabe�a:

� Tudo rico, seu Paulo. Vai ser uma desgraceira.
Agarrava-se a um fueiro do carro e punha-se a vomitar. Depois pegavano sono para acordar agoniado e arrotando:

� Arados, n�o h� nada como os arados.
Apareceu-me no dia seguinte, ainda com vest�gios do pif�o:
� Seu Paulo Hon�rio, venho consult�-lo. O senhor, homem pr�tico...
� �s ordens.
� Creio que j� lhe disse que resolvi cultivar a fazenda.
� Mais ou menos.
� Resolvi. Aquilo como est� n�o conv�m. Produz bastante, mas poder�produzir muito mais. Com arados... O senhor n�o acha? Tenho pensadonuma planta��o de mandioca e numa f�brica de farinha, moderna. Que diz?
Burrice. Estragar terra t�o f�rtil plantando mandioca!

� � bom.
E n�o prestei mais aten��o ao caso, deixei que ele se entusiasmasse s� efosse discutir o seu projeto no Gurganema, � noite, ao som do viol�o.
Realmente transformou-se. Nas pedras do Para�ba, com uma garrafa decacha�a, aperreava os companheiros de farra � declamando sementes e
adubos qu�micos. Tornou-se regularmente vaidoso, desejava aprenderagronomia, e em pouco tempo a cidade inteira conheceu as planta��es, asm�quinas, a f�brica de farinha.

� Como vai a lavoura, Padilha?
A princ�pio respondia, depois compreendeu o rid�culo e deu para seesquivar, magoado com as perf�dias dos amigos.

� Selvagens! rosnava aguentando as batotas no bacar�. Vamos para
diante.

E a gente ficava sem saber se ele se referia aos parceiros que o pelavam ouaos camaradas que mangavam dele. Procurou-me e desabafou:

� Selvagens! Um empreendimento de vulto, o senhor est� vendo, e essesburros v�m com picuinha. Aqui ningu�m entende nada, seu Paulo, isto � umlugar infeliz. Aqui s� se cogita de safadeza e pulhice.
Cheio de amargura, abalada a decis�o dos primeiros dias, confessou-meque tinha tentado contrair um empr�stimo com o Pereira.

� Cavalo! Fiz uma exposi��o minuciosa, demonstrei cabalmente que oneg�cio � magn�fico. N�o acreditou, disse que estava no pau da arara. E eucalculei que talvez a transa��o lhe interessasse. Quer desembolsar a� uns
vinte contos?
Examinei sorrindo aquele bichinho amarelo, de bei�os delgados e dentespodres.

� � Padilha, gracejei, voc� j� fechou cigarros?
Padilha comprava cigarros feitos.
� � mais c�modo, concordei, mas � mais caro. Pois, Padilha, se voc�
tivesse fechado cigarros, sabia como � dif�cil enrolar um milheiro deles.
Imagine agora que d� mais trabalho ganhar dez tost�es que fechar umcigarro. E um conto de r�is tem mil notas de dez tost�es. Vinte contos de r�iss�o vinte mil notas de dez tost�es. Parece que voc� ignora isto. Fala em vintecontos assim com essa carinha, como se dinheiro fosse papel sujo. Dinheiro� dinheiro.
Padilha baixou a cabe�a e resmungou amuado que sabia contar. Saiu,
voltou outras vezes, insistindo.

� Eu sou capitalista, homem? Voc� quer-me arrasar?
Padilha rezingava e oferecia a hipoteca de S. Bernardo.
� Bobagem! S. Bernardo n�o vale o que um periquito r�i. O Pereira tem
raz�o. Seu pai esbaga�ou a propriedade.
Afinal prometi vagamente:

� Est� bem. Vou refletir.
No outro dia ainda estava refletindo:
� Vamos ver, Padilha. Dinheiro � dinheiro.
Passei uma semana nesse jogo, colhendo informa��es sobre a idade, asa�de e a fortuna do velho Mendon�a. Quando me decidi, sujeitos prudentesjuraram que eu estava doido.


Padilha recebeu os vinte contos (menos o que me devia e os juros),
comprou uma tipografia e fundou o Correio de Vi�osa, folha pol�tica,
noticiosa, independente, que teve apenas quatro n�meros e foi substitu�dapelo Gr�mio Liter�rio e Recreativo. Azevedo Gondim elaborou os estatutos,
e na primeira sess�o de assembleia geral Padilha foi aclamado s�cio
benem�rito e presidente honor�rio perp�tuo.

Relativamente � agricultura Lu�s Padilha acuou, esperando uns cat�logos
de m�quinas, que nunca chegaram. Come�ou a fugir de mim. Se me
encontrava, encolhia-se, fingia-se distra�do, embicava o chap�u. No
vencimento da primeira letra adoeceu. Fui visit�-lo e achei-o escondido nasala de jantar, jogando gam�o com Jo�o Nogueira. Vendo-me, atrapalhou-se
tanto que os dedos magros, queimados, de unhas ro�das, tremiam
chocalhando os dados.

Da� em diante encantou-se. Disseram-me que tinha ensebado as canelaspara S. Bernardo.

� Que estar� fazendo por l�?
A �ltima letra se venceu num dia de inverno. Chovia que era um deusnos acuda. De manh� cedinho mandei Casimiro Lopes selar o cavalo, vesti ocapote e parti. Duas l�guas em quatro horas. O caminho era um atoleiro semfim. Avistei as chamin�s do engenho do Mendon�a e a faixa de terra quesempre foi motivo de quest�o entre ele e Salustiano Padilha. Agora as cercasde Bom-Sucesso iam comendo S. Bernardo.

Dirigi-me � casa-grande, que parecia mais velha e mais arruinada
debaixo do aguaceiro. Os mu�amb�s n�o tinham sido cortados. Apeei-me eentrei, batendo os p�s com for�a, as esporas tinindo. Lu�s Padilha dormia nasala principal, numa rede encardida, insens�vel � chuva que a�oitava asjanelas e �s goteiras que alagavam o ch�o. Balancei o punho da rede. O exdiretor
do Correio de Vi�osa ergueu-se, atordoado:

� Por aqui? Como vai?
� Bem, agradecido.
Sentei-me num banco e apresentei-lhe as letras. Padilha, com um
estremecimento de repugn�ncia, mudou a vista:

� Eu tenho pensado nesse neg�cio, tenho pensado muito. At� perdi osono. Ontem amanheci com vontade de lhe aparecer, para combinar. Masn�o pude. Semelhante chuva...
� Deixemos a chuva.

� Estou em dificuldades s�rias. Ia propor uma prorroga��o com jurosacumulados. Recurso n�o tenho.
� E a f�brica, os arados?
Lu�s Padilha respondeu ambiguamente:
� Um inverno deste esculhamba tudo. Recurso n�o tenho, mas o
neg�cio est� garantido. A prorroga��o...
� N�o vale a pena. Vamos liquidar.
� Ora liquidar! J� n�o lhe disse que n�o posso? Salvo se quiser aceitar atipografia.
� Que tipografia! Voc� � besta?
� � o que tenho. Cada qual se remedeia com o que tem. Devo, n�o nego,
mas como hei de pagar assim de faca no peito? Se me virarem hoje decabe�a para baixo, n�o cai do bolso um n�quel. Estou liso.
� Isso n�o s�o maneiras, Padilha. Olhe que as letras se venceram.
� Mas se n�o tenho! Hei de furtar? N�o posso, est� acabado.
� Acabado o qu�, meu sem-vergonha! Agora � que vai come�ar. Tomo-
lhe tudo, seu cachorro, deixo-o de camisa e ceroula.
O presidente honor�rio perp�tuo do Gr�mio Liter�rio e Recreativo
assustou-se:

� Tenha paci�ncia, seu Paulo. Com barulho ningu�m se entende. Eu
pago. Espere uns dias. A d�vida s� � ruim para quem deve.
� N�o espero nem uma hora. Estou falando s�rio, e voc� com tolices!
Desprop�sito n�o! Quer resolver o caso amigavelmente? Fa�a pre�o na
propriedade.
Lu�s Padilha abriu a boca e arregalou os olhos mi�dos. S. Bernardo erapara ele uma coisa in�til, mas de estima��o: ali escondia a amargura e aquebradeira, matava passarinhos, tomava banho no riacho e dormia.
Dormia demais, porque receava encontrar o Mendon�a.

� Fa�a o pre�o.
� Aqui entre n�s, murmurou o desgra�ado, sempre desejei conservar afazenda.
� Para qu�? S. Bernardo � uma pinoia. Falo como amigo. Sim senhor,
como amigo. N�o tenciono ver um camarada com a corda no pesco�o. Essesbachar�is t�m fome canina, e se eu mandar o Nogueira tocar fogo na binga,
voc� fica de saco nas costas. Despesa muita, Padilha. Fa�a pre�o. Debatemos

a transa��o at� o lusco-fusco. Para come�ar, Lu�s Padilha pediu oitenta
contos.

� Voc� est� maluco! Seu pai dava isto ao Fid�lis por cinquenta. E eracaro. Hoje que o engenho caiu, o gado dos vizinhos rebentou as porteiras, ascasas s�o taperas, o Mendon�a vai passando as unhas nos babados...
Perdi o f�lego. Respirei e ofereci trinta contos. Ele baixou para setenta emudamos de conversa. Quando tornamos � barganha, subi a trinta e dois.
Padilha fez abate para sessenta e cinco e jurou por Deus do c�u que era a�ltima palavra. Eu tamb�m asseverei que n�o pingava mais um vint�m,
porque n�o valia. Mas lancei trinta e quatro. Padilha, por camaradagem,
consentiu em receber sessenta. Discutimos duas horas, repetindo os mesmosembelecos, sem nenhum resultado.

Resolvi discorrer sobre as minhas viagens ao sert�o. Depois, com
indiferen�a, insisti nos trinta e quatro contos e obtive modifica��o paracinquenta e cinco. Mostrei generosidade: trinta e cinco. Padilha endureceunos cinquenta e cinco, e eu injuriei-o, declarei que o velho Salustiano tinhadeitado fora o dinheiro gasto com ele, no col�gio. Cheguei a amea��-lo comas m�os. Recuou para cinquenta. Avancei a quarenta e afirmei que estavaroubando a mim mesmo. Nesse ponto cada um puxou para o seu lado.
Finca-p�. Chamei em meu aux�lio o Mendon�a, que engolia a terra, o oficialde justi�a, a avalia��o e as custas. O infeliz, apavorado, desceu a quarenta eoito. Arrependi-me de haver arriscado quarenta: n�o valia, era um roubo.
Padilha escorregou a quarenta e cinco. Firmei-me nos quarenta. Em seguidaro� a corda:

� Muito por baixo. Pinda�ba.
Descontado o que ele me devia, o resto seria dividido em letras. Padilhaendoideceu: chorou, entregou-se a Deus e desmanchou o que tinha feito.
Viesse o advogado, viesse a justi�a, viesse a pol�cia, viesse o diabo.
Tomassem tudo. Um fumo para o acordo! Um fumo para a lei!

� Eu me importo com lei? Um fumo!
Tinha meios. Perfeitamente, n�o andava com a cara para tr�s. Tinha
meios. Ia � tribuna da imprensa, reclamar os seus direitos, protestar contra oesbulho. Afetei comisera��o e prometi pagar com dinheiro e com uma casaque possu�a na rua. Dez contos. Padilha botou sete contos na casa e quarentae tr�s em S. Bernardo. Arranquei-lhe mais dois contos: quarenta e dois pela


propriedade e oito pela casa. Arengamos ainda meia hora e findamos o
ajuste.

Para evitar arrependimento, levei Padilha para a cidade, vigiei-o durante
a noite. No outro dia, cedo, ele meteu o rabo na ratoeira e assinou a
escritura. Deduzi a d�vida, os juros, o pre�o da casa, e entreguei-lhe setecontos quinhentos e cinquenta mil-r�is. N�o tive remorsos.


� O senhor andou mal adquirindo a propriedade sem me consultar,
gritou Mendon�a do outro lado da cerca.
� Por qu�? O antigo propriet�rio n�o era maior?
� Sem d�vida, respondeu Mendon�a avan�ando as barbas brancas e onariz curvo. Mas o senhor devia ter-se informado antes de comprar quest�o.
� Eu por mim n�o desejo questionar. Creio que nos entendemos.
� Depende do senhor. Os limites atuais s�o provis�rios, j� sabe? � bomesclarecermos isto. Cada qual no que � seu. N�o vale a pena consertar acerca. Eu vou derrub�-la para acertarmos onde deve ficar.
Ponderei ao velho Mendon�a que ele j� tinha encolhido muito as terrasde S. Bernardo. Pedi-lhe que mostrasse os seus pap�is. N�o sendo poss�velacordo, era melhor vir o advogado e vir o agrimensor.

� �timo! Arranjava-se com os tabeli�es e metia-me no bolso. Mas eun�o vou nisso. Derruba-se a cerca.
Contei rapidamente os caboclos que iam com ele, contei os meus easseverei que a cerca n�o se derrubava. Explica��es, com bons modos, sim;
gritos n�o.

E abrandei, meio arrependido, porque n�o me convinha uma briga comMendon�a, homem reimoso. O que eu n�o queria era baixar a crista logo noprimeiro encontro.

Casimiro Lopes deu um passo; toquei-lhe no ombro e ele recuou.
Mendon�a compreendeu a situa��o, passou a tratar-me com amabilidadeexcessiva. Paguei na mesma moeda, e como ele precisasse de uns cedros quehavia perto de Bom-Sucesso, ofereci-lhe os cedros. Recusou, prop�s troc�los
por novilhas zebus. Declarei que n�o tencionava criar gado indiano, faleicom entusiasmo sobre o limosino e o Schwitz. Mendon�a desdenhava as
ra�as finas, que comem demais e n�o aguentam o carrapato: engordava
garrotes para a�ougue.


Insisti no oferecimento da madeira, e ele estremeceu. A nossa conversa
era seca, em voz r�pida, com sorrisos frios. Os caboclos estavam
desconfiados. Eu tinha o cora��o aos baques e avaliava as consequ�nciasdaquela falsidade toda. Mendon�a co�ava a barba.

� Relativamente aos limites, julgo que podemos resolver isso depois,
com calma.
� Perfeitamente, concordou Mendon�a.
Despedimo-nos. Continuei a estirar o arame farpado e a substituir osgrampos velhos por outros novos. Mendon�a, de longe, ainda se virou,
sorrindo e pregando-me os olhos vermelhos.

� tarde, quando voltei para casa, Casimiro Lopes acompanhou-me,
carrancudo. Como eu n�o dissesse nada, tossiu, parou. Encostei-me a umlimoeiro e espalhei ideias ruins que me perseguiam:

� Amanh� traga quatro homens, venha aterrar este charco. E limpe aqui
o riacho para as �guas n�o entrarem na v�rzea.
� S�?
Pensei que, em vez de aterrar o charco, era melhor mandar chamarmestre Caetano para trabalhar na pedreira. Mas n�o dei contraordem, coisaprejudicial a um chefe.

� S�? tornou a perguntar Casimiro Lopes.
Apanhei o pensamento que lhe escorregava pelos cabelos emaranhados,
pela testa estreita, pelas ma��s enormes e pelos bei�os grossos. Talvez eletivesse raz�o. Era preciso mexer-me com prud�ncia, evitar as moitas, tercuidado com os caminhos. E aquela casa esburacada, de paredes ca�das...

Decidi convidar mestre Caetano e cavouqueiros.
Diabo! Agitei a cabe�a e afastei um plano mal esbo�ado.


� Por enquanto, s�.

VI


Naquele segundo ano houve dificuldades medonhas. Plantei mamona e

algod�o, mas a safra foi ruim, os pre�os baixos, vivi meses aperreado,
vendendo macacos e fazendo das fraquezas for�as para n�o ir ao fundo.
Trabalhava danadamente, dormindo pouco, levantando-me �s quatro damanh�, passando dias ao sol, � chuva, de fac�o, pistola e cartucheira,
comendo nas horas de descanso um peda�o de bacalhau assado e um
punhado de farinha. � noite, na rede, explicava pormenores do servi�o aCasimiro Lopes. Ele acocorava-se na esteira e, apesar da fadiga, ouvia atento.
�s vezes Tubar�o ladrava l� fora e n�s agu��vamos o ouvido.

Uma feita distinguimos passos em redor da casa. Olhei por uma fresta naparede. A escurid�o era grande, mas percebi um vulto. E as pisadas
continuaram. O cachorro latiu e rosnou.

� Mais esta! cochichou Casimiro Lopes.
No dia seguinte visitei Mendon�a, que me recebeu inquieto.
Conversamos sobre tudo, especialmente sobre votos. Dirigi amabilidades �sfilhas dele, duas solteironas, e lamentei a morte da mulher, excelente pessoa,
caridosa, amiga de servir, sim senhor. Mendon�a, espantado, perguntou
onde eu tinha visto d. Alexandrina.

� Faz tempo. Fui morador do velho Salustiano. Arrastei a enxada, no
eito.
As mo�as acanharam-se, mas o pai achou que eu procedia com
honestidade revelando francamente a minha origem. Depois queixou-se dosvizinhos (nenhum se dava com ele).

� H� por a� umas pestes que principiaram como o senhor e arrotamimport�ncia. Trabalhar n�o � desonra. Mas se eu tivesse nascido na poeira,
por que havia de negar?
Tentou envergonhar-me:


� Trabalhador alugado, hem? N�o se incomode. O Fid�lis, que hoje �senhor de engenho, e conceituado, furtou galinhas.
Enquanto ele tesourava o pr�ximo, observei-o. Pouco a pouco ia
perdendo os sinais de inquieta��o que a minha presen�a lhe tinha trazido.
Parecia � vontade catando os defeitos dos vizinhos e esquecido do resto domundo, mas n�o sei se aquilo era tapea��o. Eu me insinuava, discutindoelei��es. � poss�vel, por�m, que n�o conseguisse engan�-loconvenientemente e que ele fizesse comigo o jogo que eu fazia com ele.
Sendo assim, acho que representou bem, pois cheguei a capacitar-me de queele n�o desconfiava de mim. Ou ent�o quem representou bem fui eu, se oconvenci de que tinha ido ali politicar. Se ele pensou isso, era doido.
Provavelmente n�o pensou. Talvez tenha pensado depois de iludir-se e
julgar que estava sendo sincero. Foi o que me sucedeu. Repetindo as mesmaspalavras, os mesmos gestos, e ouvindo as mesmas hist�rias, acabei gostandodo propriet�rio de Bom-Sucesso.

Continuava a observ�-lo, mas a observa��o era instintiva. Despertou.
Bocejando, mostrando os caninos amarelos e pontudos, Mendon�a bateupalmas e esfarelou um mosquito. Mosquito como bala! Tinha passado umanoite horr�vel.

Respondi que havia dormido como pedra. Os p�ntanos em S. Bernardoestavam aterrados, n�o restava um mosquito para rem�dio. Arrependi-mede ter falado precipitadamente. Mendon�a examinou-me de trav�s, e
suponho que n�o ficou satisfeito. Tornou a referir-se � noite de ins�nia, e eurepeti que tinha dormido. Pouco seguro, com a cara mexendo. Naturalmenteele compreendeu que era mentira.

Cada um de n�s mentiu estupidamente. Empurrei de novo na palestra aminha vida de trabalhador. Resultado med�ocre: as mo�as cochilaram e
Mendon�a estirou o bei�o.

Um caboclo mal-encarado entrou na sala. Mendon�a franziu a testa. Quis
despedir-me; receei, por�m, que o momento fosse impr�prio e conservei-mesentado, esperando modificar a impress�o desagrad�vel que produzia. As
mo�as me achavam ma�ador, evidentemente.

� Se o inverno vindouro for como este, desgra�a-se tudo: isto vira lama en�o nasce um p� de mandioca.
� Decerto, concordou Mendon�a, visivelmente aporrinhado com o
caboclo, que me olhava tranquilo, sem levantar a cabe�a.

� Pois at� logo, exclamei de chofre. A elei��o domingo, hem? Entendido.
Mato um... (Ia dizer um boi. Moderei-me: todo o mundo sabia que eu tinhameia d�zia de eleitores) um carneiro. Um carneiro � bastante, n�o? Est�
direito. At� domingo.
E sa�, descontente. Creio que foi mais ou menos o que aconteceu. N�o melembro com precis�o.

Atravessei o p�tio e entrei no atalho que ia ter a S. Bernardo. Que
vergonha! Tomar a terra dos outros e deix�-la com aquelas veredas
indecentes, cheias de camale�es, o mato batendo no rosto de quem passava!

Percorri a zona da encrenca. A cerca ainda estava no ponto em que eu atinha encontrado no ano anterior. Mendon�a forcejava por avan�ar, mascontinha-se; eu procurava alcan�ar os limites antigos, inutilmente. Disc�rdias�ria s� esta: um moleque de S. Bernardo fizera mal � filha do mestre dea��car de Mendon�a, e Mendon�a, em consequ�ncia, metera o alicate no
arame; mas eu havia consertado a cerca e arranjado o casamento do
moleque com a cabrochinha.

Dei uma vista no algodoal e encaminhei-me ao pared�o do a�ude.
Poucos trabalhadores.

Subi a colina. Tinham-se conclu�do os alicerces desta nossa casa, as
paredes come�avam a elevar-se. De repente um tiro. Estremeci. Era na
pedreira, que mestre Caetano escavacava lentamente, com dois
cavouqueiros. Outro tiro, ruim: pedra mi�da voando.

Quando se acabariam aqueles servi�os moles? Desgra�adamente
faltavam-me recursos para atac�-los firme. Assim mesmo, lidando com
pessoal escasso, �s vezes na sexta-feira eu n�o sabia onde buscar dinheiropara pagar as folhas no s�bado.

Fiz algumas perguntas ao pedreiro. Um pedreiro s�. As paredes tinhamum metro de altura. Se eu empregasse muitos oper�rios, as obras sairiammais baratas. O pared�o do a�ude n�o ia para a frente, acuava. E a pedreira,
onde uns vultos miudinhos se moviam, era como se em seis meses de
trabalho n�o tivesse sido desfalcada.

Um carro de bois passou l� embaixo; outro carro de bois veio vindo,
carregado de tijolos.
Onde andaria a velha Margarida? Seria bom encontrar a velha Margaridae traz�-la para S. Bernardo. Devia estar pegando um s�culo, pobre da negra.


Demorei-me at� que os serventes lavaram as colheres e guardaram asferramentas. Fiquei s�. Os homens da lavoura e os do a�ude foram
debandando tamb�m.

Mais tiros na pedreira, os �ltimos. Pensei no Mendon�a. Canalha. Dolado de c� da cerca o algod�o pintava, a mamona crescia nos aceiros da ro�a;
do lado de l�, sap� e espinho. Quantas bra�as de terra aquele malandro tinhafurtado! Felizmente est�vamos em paz. Aparentemente. De qualquer formaera-me necess�rio caminhar depressa.

Desci a ladeira e fui jantar. Enquanto jantava, falei em voz baixa a
Casimiro Lopes, a princ�pio com panos mornos, depois delineando umprojeto. Casimiro Lopes desviou-se dos panos mornos e colaborou no
projeto.

Deixei o neg�cio entabulado, fechei as portas e escrevi algumas cartas aosbancos da capital e ao governador do Estado. Aos bancos solicitei
empr�stimos, ao governador comuniquei a instala��o pr�xima de
numerosas ind�strias e pedi a dispensa de imposto sobre os maquinismosque importasse. A verdade � que os empr�stimos eram improv�veis e eu n�oimaginava a maneira de pagar os maquinismos. Mas havia-me habituado aconsider�-los meio comprados.

Em seguida consultei o Aprendizado Agr�cola da Satuba relativamente �poss�vel aquisi��o de um bezerro limosino.

Quando ia terminando, ouvi pisadas em redor da casa. Levantei-me eolhei pela fresta. L� estava um tipo dando estalos com os dedos, enganando

o Tubar�o. Reparando, julguei reconhecer o fregu�s carrancudo que tinhaentrado na sala do Mendon�a. Abandonei a espreita e chamei Casimiro
Lopes, que me substituiu. Deitei-me pensando em mestre Caetano e napedreira. Marretas, alavancas, a�o para broca, p�lvora, estopim.
� Gente de l�, murmurou Casimiro Lopes balan�ando o punho da rede.
� Com certeza.
No outro dia, s�bado, matei o carneiro para os eleitores. Domingo �tarde, de volta da elei��o, Mendon�a recebeu um tiro na costela mindinha e
bateu as botas ali mesmo na estrada, perto de Bom-Sucesso. No lugar h�hoje uma cruz com um bra�o de menos.

Na hora do crime eu estava na cidade, conversando com o vig�rio arespeito da igreja que pretendia levantar em S. Bernardo. Para o futuro, se osneg�cios corressem bem.


� Que horror! exclamou padre Silvestre quando chegou a not�cia. Eletinha inimigos?
� Se tinha! Ora se tinha! Inimigo como carrapato. Vamos ao resto, padreSilvestre. Quanto custa um sino?

VII


Por esse tempo encontrei em Macei�, chupando uma barata na Gazeta do

Brito, um velho alto, magro, curvado, amarelo, de su��as, chamado Ribeiro.
Via-se perfeitamente que andava com fome. Simpatizei com ele e, comonecessitava um guarda-livros, trouxe-o para S. Bernardo. Dei-lhe algumaconfian�a e ouvi a sua hist�ria, que aqui reproduzo pondo os verbos naterceira pessoa e usando quase a linguagem dele.

Seu Ribeiro tinha setenta anos e era infeliz, mas havia sido mo�o e feliz.
Na povoa��o onde ele morava os homens descobriam-se ao avist�-lo e asmulheres baixavam a cabe�a e diziam:

� Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo, seu major.
Quando algu�m recebia cartas, ia pedir-lhe a tradu��o delas. Seu Ribeirolia as cartas, conhecia os segredos, era considerado e major.
Se dois vizinhos brigavam por terra, seu Ribeiro chamava-os, estudava ocaso, tra�ava as fronteiras e impedia que os contendores se grudassem.
Todos acreditavam na sabedoria do major. Com efeito, seu Ribeiro n�oera inocente: decorava leis, antigas, relia jornais, antigos, e, � luz da candeiade azeite, queimava as pestanas sobre livros que encerravam palavras
misteriosas de pron�ncia dif�cil. Se se divulgava uma dessas palavras
esquisitas, seu Ribeiro explicava a significa��o dela e aumentava o
vocabul�rio da povoa��o.

Os outros homens, sim, eram inocentes.

Acontecia �s vezes que uma dessas criaturas inocentes aparecia morta acacete ou a faca. Seu Ribeiro, que era justo, procurava o matador, amarrava-
o, levava-o para a cadeia da cidade. E a fam�lia do defunto ficava sob a
prote��o do major.

Tamb�m acontecia que uma sujeitinha come�ava a chorar e acabavaconfessando que estava pejada. Seu Ribeiro descobria o sedutor, chamava o


padre, e o casamento se realizava na capela da povoa��o. Nascia um menino

� e seu Ribeiro era o padrinho.
O major decidia, ningu�m apelava. A decis�o do major era um prego.
N�o havia soldados no lugar, nem havia juiz. E como o vig�rio residia
longe, a mulher de seu Ribeiro rezava o ter�o e contava hist�rias de santos �scrian�as. � poss�vel que nem todas as hist�rias fossem verdadeiras, mas ascrian�as daquele tempo n�o se preocupavam com a verdade.

Seu Ribeiro tinha fam�lia pequena e casa grande. A casa estava semprecheia. Os algodoais do major eram grandes tamb�m. Nas colheitas a
popula��o corria para eles. E os pretos n�o sabiam que eram pretos, e osbrancos n�o sabiam que eram brancos.

Na verdade seu Ribeiro infundia respeito. Se havia barulho na feira,
levantava o bra�o e gritava:

� Quem for meu me acompanhe.
E a feira se desmanchava, o barulho findava, todo o mundo seguia omajor porque todo o mundo era do major.
Nas noites de S. Jo�o uma fogueira enorme iluminava a casa de seuRibeiro. Havia fogueiras diante das outras casas, mas a fogueira do majortinha muitas carradas de lenha. As mo�as e os rapazes andavam em redordela, de bra�o dado. Assava-se milho verde nas brasas e davam-se tiros
medonhos de bacamarte. O major possu�a um bacamarte, mas o bacamartes� se desenferrujava pelos festejos de S. Jo�o.

Ora, essas coisas se passaram antigamente.

Mudou tudo. Gente nasceu, gente morreu, os afilhados do major
cresceram e foram para o servi�o militar, em estrada de ferro.

O povoado transformou-se em vila, a vila transformou-se em cidade,
com chefe pol�tico, juiz de direito, promotor e delegado de pol�cia.

Trouxeram m�quinas � e a bolandeira do major parou.

Veio o vig�rio, que fechou a capela e construiu uma igreja bonita. As

hist�rias dos santos morreram na mem�ria das crian�as.
Chegou o m�dico. N�o acreditava nos santos. A mulher de seu Ribeiroentristeceu, emagreceu e finou-se.
O advogado abriu consult�rio, a sabedoria do major encolheu-se � e
surgiram no foro numerosas quest�es.
Efetivamente a cidade teve um progresso r�pido. Muitos homens
adotaram gravatas e profiss�es desconhecidas. Os carros de bois deixaram


de chiar nos caminhos estreitos. O autom�vel, a gasolina, a eletricidade e ocinema. E impostos.

As mo�as e os rapazes n�o rodeavam, de bra�o dado, as fogueiras de S.
Jo�o: dan�avam o tango, no frevo.

Um dia seu Ribeiro reconheceu que vivia numa casa grande demais.
Vendeu-a e adquiriu outra, pequena. Como havia agora liberdade excessiva,
a autoridade dele foi minguando, at� desaparecer.

Seu Ribeiro tinha um filho, que jogava futebol, e uma filha, que usavafitas, muitas fitas. Acharam o lugar atrasado e fugiram. Seu Ribeiro
escondeu-se, cheio de vergonha. Amofinou-se uma semana, desfez-se doscacarecos e foi procurar os filhos. N�o os encontrou: andavam por a�, elapelas f�bricas, ele no ex�rcito.

Seu Ribeiro enraizou-se na capital. Conheceu enfermarias de indigentes,
dormiu nos bancos dos jardins, vendeu bilhetes de loterias, tornou-se
bicheiro e agente de sociedades ratoeiras. Ao cabo de dez anos era gerente eguarda-livros da Gazeta, com cento e cinquenta mil-r�is de ordenado, epedia dinheiro aos amigos.

Quando o velho acabou de escorrer a sua narrativa, exclamei:

� Tenho a impress�o de que o senhor deixou as pernas debaixo de umautom�vel, seu Ribeiro. Por que n�o andou mais depressa? � o diabo.

VIII


O
caboclo mal-encarado que encontrei um dia em casa do Mendon�a

tamb�m se acabou em desgra�a. Uma limpeza. Essa gente quase nunca
morre direito. Uns s�o levados pela cobra, outros pela cacha�a, outros
matam-se.

Na pedreira perdi um. A alavanca soltou-se da pedra, bateu-lhe no peito,
e foi a conta. Deixou vi�va e �rf�os mi�dos. Sumiram-se: um dos meninos
caiu no fogo, as lombrigas comeram o segundo, o �ltimo teve angina e amulher enforcou-se.

Para diminuir a mortalidade e aumentar a produ��o, proibi a aguardente.

Concluiu-se a constru��o da casa nova. Julgo que n�o preciso descrev�la.
As partes principais apareceram ou aparecer�o; o resto � dispens�vel eapenas pode interessar aos arquitetos, homens que provavelmente n�o ler�oisto. Ficou tudo confort�vel e bonito. Naturalmente deixei de dormir em
rede. Comprei m�veis e diversos objetos que entrei a utilizar com receio,
outros que ainda hoje n�o utilizo, porque n�o sei para que servem.

Aqui existe um salto de cinco anos, e em cinco anos o mundo d� umbando de voltas.

Ningu�m imaginar� que, topando os obst�culos mencionados, eu hajaprocedido invariavelmente com seguran�a e percorrido, sem me deter,
caminhos certos. N�o senhor, n�o procedi nem percorri. Tive abatimentos,
desejo de recuar; contornei dificuldades: muitas curvas. Acham que andeimal? A verdade � que nunca soube quais foram os meus atos bons e quaisforam os maus. Fiz coisas boas que me trouxeram preju�zo; fiz coisas ruinsque deram lucro. E como sempre tive a inten��o de possuir as terras de S.
Bernardo, considerei leg�timas as a��es que me levaram a obt�-las.

Alcancei mais do que esperava, merc� de Deus. Vieram-me as rugas, j� sev�, mas o cr�dito, que a princ�pio se esquivava, agarrou-se comigo, as taxasdesceram. E os neg�cios desdobraram-se automaticamente.


Automaticamente. Dif�cil? Nada! Se eles entram nos trilhos, rodam que �uma beleza. Se n�o entram, cruzem os bra�os. Mas se virem que est�o desorte, metam o pau: as tolices que praticarem viram sabedoria. Tenho vistocriaturas que trabalham demais e n�o progridem. Conhe�o indiv�duos
pregui�osos que t�m faro: quando a ocasi�o chega, desenroscam-se, abrem aboca � e engolem tudo.

Eu n�o sou pregui�oso. Fui feliz nas primeiras tentativas e obriguei afortuna a ser-me favor�vel nas seguintes.

Depois da morte do Mendon�a, derrubei a cerca, naturalmente, e levei-apara al�m do ponto em que estava no tempo de Salustiano Padilha. Houvereclama��es.

� Minhas senhoras, seu Mendon�a pintou o diabo enquanto viveu. Masagora � isto. E quem n�o gostar, paci�ncia, v� � justi�a.
Como a justi�a era cara, n�o foram � justi�a. E eu, o caminho aplainado,
invadi a terra do Fid�lis, paral�tico de um bra�o, e a dos Gama, que
pandegavam no Recife, estudando direito. Respeitei o engenho do dr.
Magalh�es, juiz.

Viol�ncias mi�das passaram despercebidas. As quest�es mais s�rias
foram ganhas no foro, gra�as �s chicanas de Jo�o Nogueira.

Efetuei transa��es arriscadas, endividei-me, importei maquinismos e n�oprestei aten��o aos que me censuravam por querer abarcar o mundo com aspernas. Iniciei a pomicultura e a avicultura. Para levar os meus produtos aomercado, comecei uma estrada de rodagem. Azevedo Gondim comp�ssobre ela dois artigos, chamou-me patriota, citou Ford e Delmiro Gouveia.
Costa Brito tamb�m publicou uma nota na Gazeta, elogiando-me e
elogiando o chefe pol�tico local. Em consequ�ncia mordeu-me cem mil-r�is.

N�o obstante essa propaganda, as dificuldades surgiram. Enquanto estiveesburacando S. Bernardo, tudo andou bem; mas quando varei quatro oucinco propriedades, caiu-me em cima uma nuvem de maribondos. Perdi
dois caboclos e levei um tiro de emboscada. Ferimento leve, tenho a cicatriz
no ombro. Exasperado, mandei mais cem mil-r�is a Costa Brito e procureiJo�o Nogueira e Gondim:

� Desorientem essas cavalgaduras. Olhem que estou fazendo obra
p�blica e n�o cobro imposto. � uma vergonha. O munic�pio devia auxiliar-
me. Fale com o prefeito, dr. Nogueira. Veja se ele me arranja umas barricasde cimento para os mata-burros.

N�o recebi o cimento, mas constru� os mata-burros. Como os meus
planos eram volumosos e adotei processos irregulares, as pessoas
comodistas julgaram-me doido e deixaram-me em paz.

Tive por esse tempo a visita do governador do Estado. Fazia tr�s anos que

o a�ude estava conclu�do � burrice, na opini�o do Fid�lis.
Para que a�ude onde corre um riacho que n�o seca?
Realmente parecia n�o servir. Mas saiu dali, numa levada, a �gua que foi
movimentar as m�quinas do descaro�ador e da serraria.

O governador gostou do pomar, das galinhas Orpington, do algod�o e da
mamona, achou conveniente o gado limosino, pediu-me fotografias e
perguntou onde ficava a escola. Respondi que n�o ficava em parte nenhuma.
No almo�o, que teve champanhe, o dr. Magalh�es gemeu um discurso. S.
excia. tornou a falar na escola. Tive vontade de dar uns apartes, mas contive-
me.

Escola! Que me importava que os outros soubessem ler ou fossem
analfabetos?

� Esses homens de governo t�m um parafuso frouxo. Metam pessoalletrado na apanha da mamona. H�o de ver a colheita.
Levantando-se da mesa, Padilha, de olho vidrado, pediu-me em vozbaixa cinquenta mil-r�is.

� Nem um tost�o.
E fui mostrar ao ilustre h�spede a serraria, o descaro�ador e o est�bulo.
Expliquei em resumo a prensa, o d�namo, as serras e o banheiro
carrapaticida. De repente supus que a escola poderia trazer a benevol�nciado governador para certos favores que eu tencionava solicitar.

� Pois sim senhor. Quando V. excia. vier aqui outra vez, encontrar� essagente aprendendo cartilha.
Mais tarde, enquanto dos alicerces da igreja olh�vamos a paisagem,
chamei de parte o advogado:

� � dr. Nogueira, mande-me c� o Padilha amanh�. Preciso falar comele, mas esse desgra�ado nem se aguenta nas pernas. N�o se esque�a, ouviu?
Amanh�, quando ele curtir o pileque.
S. excia. despediu-se, e aquela data ficou c�lebre. Os autom�veis rolaramna estrada. Olhando a nuvem de poeira que levantavam, esfreguei as m�os:
� Com os diabos! Esta visita me traz uma penca de vantagens. Um
capital. Quero ver quanto rende.

A verdade � que, aparentando seguran�a, eu andava assustado com oscredores. Ia bem, sem d�vida, o ativo era superior ao passivo, mas se aquelesmalvados quisessem, capavam-me. Agora os receios diminu�am. A escolaseria um capital. Os alicerces da igreja eram tamb�m capital.

Continuei a esfregar as m�os. Com os diabos! E decidi proteger as
Mendon�a. A minha prosperidade come�ara depois da morte do pai delas.
Naquele tempo algumas bra�as de massap� valiam muito para mim.
Ninharia o massap�.

Senti pena das Mendon�a. Mandaria no dia seguinte dar uma limpa noalgod�o de Bom-Sucesso, enfezado, coberto de mato. Muito por baixo, asMendon�a. O pai era safado, mas que culpa tinham as pobres? Resolvi abriro olho para que vizinhos sem escr�pulos n�o se apoderassem do que eradelas. Mulheres quase nunca se defendem. Pois se qualquer daqueles patifestentasse prejudic�-las, estava embrulhado comigo.


IX


No outro dia, de volta do campo, encontrei no alpendre Jo�o Nogueira,

Padilha e Azevedo Gondim elogiando umas pernas e uns peitos. Elevaram a
conversa.

� Mulher educada, afirmou Jo�o Nogueira. Instru�da.
� E sisuda, acrescentou Azevedo Gondim. Padilha n�o achou qualidadeque se comparasse aos peitos e �s pernas.
� Realmente, murmurou esgaravatando as unhas com um f�sforo.
Jo�o Nogueira lembrou-se de que era homem de responsabilidades.
Bacharel, mais de quarenta anos, uma calv�cie respeit�vel. �s vezes metia-seem badernas. Mas com os clientes s� neg�cios. E a mim, que lhe dava quatrocontos e oitocentos por ano para ajudar-me com leis a melhorar S. Bernardo,
exibia ideias corretas e algum pedantismo.

Eu tratava-o por doutor: n�o poderia trat�-lo com familiaridade. Julgava-
me superior a ele, embora possuindo menos ci�ncia e menos manha. At�certo ponto parecia-me que as habilidades dele mereciam desprezo. Mas
eram �teis � e havia entre n�s muita considera��o.

� Acompanhamos o nosso Padilha, disse Nogueira. Viemos andando.
Como o passeio era agrad�vel, com a fresca da tarde, cheguei c�, paraconsult�-lo.
Convidei-o silenciosamente olhando uma janela por onde se viam, sobrelivros de escritura��o, as su��as brancas e os �culos de seu Ribeiro. Entramos
no escrit�rio. Est�vamos em princ�pio de m�s. Abri o cofre e entreguei aoadvogado duas pelegas de duzentos. Seu Ribeiro tremeu no borrador umlan�amento circunstanciado e afastou-se discretamente. Jo�o Nogueirasentou-se, passou o recibo, tirou pap�is da pasta e explicou-me o estado dev�rios processos. Logo no primeiro convenci-me de que os quatrocentosmil-r�is tinham sido gastos com proveito. Os outros tamb�m iam em bom


caminho. O tabeli�o � que n�o inspirava confian�a. E o oficial de justi�a.
Arame.

� Claro. Fa�a promessas, dr. Nogueira. N�o adiante um vint�m.
Prometa. O pagamento no fim, se eles forem honestos.
Inteirei-me de particularidades pouco interessantes, dei umas instru��esa seu Ribeiro e voltamos ao alpendre, onde Lu�s Padilha tinha recome�adocom Azevedo Gondim os elogios �s pernas.

� De quem s�o as pernas?
� Da Madalena, respondeu Gondim.
� Quem?
� Uma professora. N�o conhece? Bonita.
� Educada, atalhou Jo�o Nogueira.
� Bonita, disse outra vez Gondim. Uma lourinha, a� de uns trinta anos.
� Quantos? perguntou Jo�o Nogueira.
� Uns trinta, pouco mais ou menos.
� Vinte, se tanto.
� � porque voc� n�o viu de perto, interrompeu Gondim. Se tivesse visto,
n�o sustentava semelhante barbaridade.
� Como n�o? Vi muito de perto, em casa do Magalh�es, no anivers�rioda Marcela. Tem vinte.
� � porque voc� viu � noite. De manh� � diferente. Tem trinta.
Padilha, observando com tristeza as novilhas que pastavam no capim-
gordura, � margem do riacho, e o a�ude, onde patos nadavam, suspirou eprop�s vinte e cinco:

� � o que ela tem. Vinte e cinco.
Estirei os bra�os, fatigado de haver passado o dia inteiro ao sol, brigandocom os trabalhadores:

� Muito bem, Padilha, vinte e cinco para acabar. Voc�s jantam, n�ojantam? Voltam no autom�vel. Preciso falar com voc�, Padilha.
Lu�s Padilha tinha recebido o recado e desde a v�spera remexia o quengo,
curioso.

� � isto. Creio que estou com vontade de abrir uma escola.
� Magn�fico! exclamou Azevedo Gondim com um sorriso que lhe
achatou mais o nariz. Aceitou o meu conselho, hem? N�o h� nada como a
instru��o.

O advogado passou os dedos pela testa e pressagiou, distra�do, que aescola teria grande utilidade.

Encolhi os ombros:

� Sei l�! N�o acredito. Tanto que resolvi aproveitar o Padilha. Est� claroque se poderia arranjar uma boa escola rural, com ensino razo�vel de
agricultura e pecu�ria. Mas onde vou encontrar t�cnicos? E que dinheir�o!
Por enquanto � apenas um bocado de leitura, escrita e conta. Voc� estar� emcondi��es de encarregar-se disso, Padilha?
Lu�s Padilha informou-se do ordenado e declarou que vivia cheio deocupa��es.

Devagarinho, foram clareando as l�mpadas da ilumina��o el�trica. Luzestamb�m nas casas dos moradores. Se aqueles desgra�ados que se apertavaml� embaixo, ao p� das cercas de Bom-Sucesso, tinham nunca pensado emalumiar-se com eletricidade! Luz at� meia-noite. Conforto! E eu pretendiainstalar telefones.

Casimiro Lopes aproximou-se, capengando.

� Vamos jantar. Mandei cham�-lo porque julguei que voc� necessitasse,
Padilha. Desde que est� ocupado, ponto final. Vamos para a mesa.
Durante o jantar Azevedo Gondim referiu o motivo da sua visita: tinha-
se descoberto o paradeiro da velha Margarida.

� Que est� dizendo! E voc� calado, Gondim!
Azevedo Gondim encheu o copo:
� Mora em Jacar�-dos-Homens.
� Onde � isso?
� Em P�o-de-A��car. Recebi hoje uma carta. Os sinais, a idade, a cor,
tudo confere. Vive com uma fam�lia que faz queijos. J� retirei o an�ncio doCruzeiro.

� Est� direito. Voc�s conhecem algu�m em P�o-de-A��car? Conhece
algu�m em P�o-de-A��car, seu Ribeiro?
N�o conheciam.

� � Gondim, j� que tomou a empreitada, pe�a ao vig�rio que escreva aopadre Soares sobre a remessa da negra. Acho que acompanho voc�s, voufalar a padre Silvestre. � conveniente que a mulher seja remetida com
cuidado, para n�o se estragar na viagem. E quando ela chegar, pode
encomendar as mi�angas, Gondim. Como se chamam?
� Clich�s. Clich�s e vinhetas.

� Pois sim. Mande buscar os clich�s e as vinhetas, quando tivermos a
velha.
� Estava aqui pensando na escola, murmurou Padilha.
� E eu. Tirou-me a palavra da boca, atalhou Jo�o Nogueira. Convide aMadalena, seu Paulo Hon�rio. Excelente aquisi��o, mulher instru�da.
� At� lhe enfeita a casa, seu Paulo, gritou Azevedo Gondim.
� Tolice. Ando l� procurando bibel�s?
Padilha, meio desconcertado, rosnou, agarrando-se ao osso:
� Eu n�o disse que n�o aceitava. O que disse � que tenho muitas
ocupa��es. Mas perguntei qual � o ordenado.
Entretido em desarticular uma asa de galinha, n�o respondi.

� Perguntei qual � o ordenado, tornou Padilha timidamente.
Coitado! T�o mi�do, t�o chato, parecia um percevejo.
� Conforme. Nem sei quanto voc� vale. Uns cem mil-r�is por m�s.
Ponhamos cento e cinquenta a t�tulo de experi�ncia. Casa, mesa, boas
conversas, cento e cinquenta mil-r�is por m�s e oito horas de trabalho pordia. Conv�m? Mas aviso logo: servi�o � servi�o, e aqui ningu�m bebe. Aquis� bebem os h�spedes.
� Perfeitamente, mastigou Padilha encabulado. Vou refletir. Quanto �bebida dispenso recomenda��o, que n�o bebo. Bebo nas refei��es, nem
sempre, e l� uma vez ou outra um c�lice, por insist�ncia de amigos. Talvezaceite.
Acabamos o jantar em sil�ncio. Maria das Dores trouxe o caf� e retirou ospratos. Abri a caixa de charutos, acendi o cachimbo e fomos para o sal�o.

Seu Ribeiro desdobrou a Gazeta. Instintivamente escondi-me num canto,
afastado das portas abertas. N�o consegui evitar uma janela. Quis fech�-la,
mas sosseguei: Casimiro Lopes, que vigiava a casa, sentou-se numa dasparedes come�adas da igreja, acomodou o rifle entre as pernas e ficouim�vel, farejando.

� Vai o nosso Padilha voltar a S. Bernardo, disse Jo�o Nogueira.
� E concluir o livro, acrescentou Azevedo Gondim. Voc�, com a vida
regularizada, escreve � be�a, Padilha.
� Qual nada!
Envergonha-se de compor uns contos que publica no Cruzeiro, com
pseud�nimo, e quando lhe falam neles, imagina que � esculhamba��o e


atrapalha-se. Aprumou-se, lan�ou um olhar amargurado �s cadeiras, aosoalho, �s l�mpadas:

� O ordenado � pequeno, n�o chega para os livros. Mas venho. Venho
porque se trata de instru��o e tenho embocadura para o magist�rio.
Seu Ribeiro virava a folha do jornal, movia os bei�os, �s vezes gesticulava.
Indecente, aquela Gazeta. E o Brito, a pedir dinheiro, estava-se tornando

insuport�vel.
Azevedo Gondim, cansado por duas l�guas a p�, bocejou e espregui�ou-
se:

� Ent�o os candidatos do Pereira s�o derrotados, hem?
Elei��o municipal.
� N�o interessa. Bico de pena!
Torcidas de verdade, sim: mandava os meus eleitores �s urnas e recebia
em troca os agradecimentos do partido. Tricazinhas locais, n�o. Se o Pereiratinha pisado em casca de banana, pior para ele: ca�a, vinha outro e
arranjava-se nova chapa.

� Bem feito, resmungou Padilha, que n�o perdoa ao Pereira ter
desconfiado dos seus projetos de agricultura. Aquilo � um jumento.
� Que injusti�a! bradou Jo�o Nogueira sorrindo. O Pereira at� agora foium sujeito de tino.
Todo o mundo gabava a prud�ncia dele. Hoje o Padilha tacha-o de
jumento.

� Homem, aventurou Azevedo Gondim co�ando a barba, n�o � s� o
Padilha. Eu tamb�m. E voc�. Num momento como este dar murro em faca
de ponta! Se tiv�ssemos uma elei��o federal de cabala, v�. Mas quando ogoverno n�o faz caso de votos, querer sacudir padre Silvestre na prefeitura!
O Padilha tem raz�o.
� Ora essa! atalhei. Voc� n�o sustentou a candidatura do vig�rio no
jornal, Gondim?
� Sustentei. Sustentei por dever de solidariedade pol�tica. Mas
particularmente discordei. O Nogueira est� a� para atestar. E quanto a dizerque era disparate, era.
Sabia que padre Silvestre falara em cortar a subven��o de cento e
cinquenta mil-r�is mensais que o munic�pio dava ao Cruzeiro. Tinha esta
amea�a atravessada na garganta. E, cheio de raiva, defendia o vig�rio,
exaltando-lhe as virtudes e esquecendo o resto de prop�sito.


� Um desastre. Bom homem. � pouco. Muito ing�nuo, emprenha pelosouvidos, intelig�ncia de peru novo, besta como aru�.
� Padres! exclamou Lu�s Padilha com desprezo.
Era ateu e transformista. Depois que eu o havia desembara�ado da
fazenda, manifestava ideias sanguin�rias e pregava, cochichando, o
exterm�nio dos burgueses.

� Canalha!
E roeu as unhas com furor.
Seu Ribeiro, os �culos atentos, comentava em sil�ncio, com gestos de
desagrado, a prosa ruim do Brito.

� O que eu n�o compreendo, estranhei, � a raz�o dessa rasteira novig�rio. Estava quase eleito, reconhecido, empossado, e de repente � z�s! �
no ch�o. Por que foi?
� Padre Silvestre � revolucion�rio, explicou Jo�o Nogueira. Pretende
salvar o pa�s por processos violentos.
Estremeci. Casimiro Lopes, de binga na m�o, acendia o cigarro. O luarestava muito branco. Um peda�o de mata aparecia, longe, e distinguiam-seas flores amarelas dos paus-d�arco.

Levantei-me, fiz um sinal a Jo�o Nogueira e aproximamo-nos da janela.

� � dr. Nogueira, diga-me c�, perguntei em voz baixa, essa hist�ria daqueda do Pereira � certa?
Jo�o Nogueira aceitou um charuto e declarou que n�o havia d�vidanenhuma.

� O governador estava razo�vel e prop�s um acordo metendo o padreno conselho. O Pereira jogou no padre e levou taboca.
� Pois, dr. Nogueira, murmurei abafando mais a voz, cuido que chegou aocasi�o de liquidar os meus neg�cios com o Pereira. Tenho marombado,
espiado mar�, porque o chefe era ele. Mas se foi ao barro, acabou-se. Est�aqui enrascado numa conta de cabelos brancos. Vou entregar-lhe a conta.
Veja se me consegue uma hipoteca.
� Perfeitamente, concordou Jo�o Nogueira.
E entusiasmou-se:
� Perfeitissimamente! Passe a procura��o. O senhor vai prestar ao
partido um grande servi�o. Aperte o Pereira, seu Paulo Hon�rio.

Aqui nos dias santos surgem viagens, doen�as e outros pretextos para o

trabalhador gazear. O domingo � perdido, o s�bado tamb�m se perde, porcausa da feira, a semana tem apenas cinco dias, que a Igreja ainda reduz. Oresultado � a paga encolher e essa cambada viver com a barriga tinindo.

Num feriado de mentira, n�o tendo podido encontrar gente para tirarbaronesas do a�ude e brocar um peda�o de capoeira, distra�-me ouvindoPadilha e Casimiro Lopes conversarem a respeito de on�as.

N�o se entendem. Padilha, homem da mata e franzino, fala muito e
admira as a��es violentas; Casimiro Lopes � coxo e tem um vocabul�riomesquinho. Julga o mestre-escola uma criatura superior, porque usa livros,
mas para manifestar esta opini�o arregala os olhos e d� um pequenoassobio. Gagueja. No sert�o passava horas calado, e quando estava satisfeito,
aboiava. Quanto a palavras, meia d�zia delas. Ultimamente, ouvindo
pessoas da cidade, tinha decorado alguns termos, que empregava fora deprop�sito e deturpados. Naquele dia, por mais que forcejasse, s� conseguiadizer que as on�as s�o bichos brabos e arteiros.

� Pintada. Dent�o grande, pez�o grande, cada unha! Medonha!
Padilha exigia que o outro repetisse a descri��o e ia intercalando nela,
por conta pr�pria, caracteres novos. Casimiro Lopes divergia; mas, confiadona ci�ncia de Padilha, capitulava � e ao cabo de minutos a on�a estava umanimal como nunca se viu.

� � Casimiro, voc� vai levar um papel ao vig�rio.
E escrevi a padre Silvestre agradecendo o interesse que ele tinha tomadopela viagem dif�cil de Margarida. Chegara dias antes e estava alojada numacasinha cercada de bananeiras.

Entreguei a carta a Casimiro Lopes, tomei o chap�u e fui fazer a minhasegunda visita � preta. Desci a ladeira. Ao atravessar o pared�o do a�ude,
amedrontei uma nuvem de marrecas e ja�an�s. Com as �ltimas chuvas a


represa aumentara muito, os bancos de baronesa estavam com vontade deentupir o sangradouro. A levada que ia ter ao descaro�ador e � serrariatransbordava. Fechada a serraria, fechado o descaro�ador. Dia perdido.

Encontrei Margarida sentada numa esteira, riscando os tijolos com
carv�es.

� M�e Margarida, como vai a senhora?
Tentou endireitar o espinha�o emperrado e, antes de lan�ar-me os olhosbrancos, reconheceu-me pela voz.

� Aqui gemendo e chorando, meu filho, cheia de pecados.
Pecados! Antigamente era uma santa. E agora, miudinha, encolhidinha,
com pouco movimento e pouco pensamento, que pecados poderia ter?
Como estava com a vista curta, falou sem levantar a cabe�a, repetindo osconselhos que me dava quando eu era menino. Uma fraqueza apertou-me ocora��o, aproximei-me, sentei-me na esteira, junto dela.

� M�e Margarida, procurei a senhora muito tempo. Nunca me esqueci.
Foi uma felicidade encontr�-la. E carecendo de alguma coisa, � dizer. Mandebuscar o que for necess�rio, m�e Margarida, n�o se acanhe.
Olhou com espanto as cadeiras, a mesinha, a l�mpada el�trica, os m�veisdo quarto pr�ximo.

� Para que tanto luxo? Guarde os seus tro�os, que podem servir. Emcama n�o me deito. E quem d� o que tem a pedir vem.
� N�o faz mal, m�e Margarida. Esteja sossegada, durma sossegada.
Faltando lenha para o fogo, avise. N�o deixe o fogo apagar-se, que as noitesest�o frias.
� � o que eu preciso, o fogo. O fogo e um pote.
Continuou a riscar figuras no ch�o. Curvada, um ros�rio de contas
brancas e azuis aparecia pelo cabe��o aberto e batia-lhe nas pelancas dospeitos.

� Queria tamb�m um tacho. O outro furtaram.
Lembrei-me do tacho velho, que era o centro da pequenina casa ondeviv�amos. Mexi-me em redor dele v�rios anos, lavei-o, tirei-lhe com areia e
cinza as manchas de azinhavre � e dele recebi sustento. Margarida utilizou-

o durante quase toda a vida. Ou foi ele que a utilizou. Agora, decr�pita, n�opodia ser doceira, e aquele traste se tornava inteiramente desnecess�rio.
� Est� bem, m�e Margarida, ter� um tacho igual ao outro.

XI


Amanheci um dia pensando em casar. Foi uma ideia que me veio sem que

nenhum rabo de saia a provocasse. N�o me ocupo com amores, devem ternotado, e sempre me pareceu que mulher � um bicho esquisito, dif�cil de
governar.

A que eu conhecia era a Rosa do Marciano, muito ordin�ria. Havia
conhecido tamb�m a Germana e outras dessa laia. Por elas eu julgava todas.
N�o me sentia, pois, inclinado para nenhuma: o que sentia era desejo depreparar um herdeiro para as terras de S. Bernardo.

Tentei fantasiar uma criatura alta, sadia, com trinta anos, cabelos pretos

� mas parei a�. Sou incapaz de imagina��o, e as coisas boas que mencioneivinham destacadas, nunca se juntando para formar um ser completo.
Lembrei-me de senhoras minhas conhecidas: d. Em�lia Mendon�a, uma
Gama, a irm� de Azevedo Gondim, d. Marcela, filha do dr. Magalh�es, juizde direito.
Nesse ponto surgiu-me um pequeno contratempo. Uma tarde surpreendino oit�o da capela (a capela estava conclu�da; faltava pintura) Lu�s Padilhadiscursando para Marciano e Casimiro Lopes:

� Um roubo. � o que tem sido demonstrado categoricamente pelosfil�sofos e vem nos livros. Vejam: mais de uma l�gua de terra, casas, mata,
a�ude, gado, tudo de um homem. N�o est� certo.
Marciano, mulato esbodegado, regalou-se, entronchando-se todo e
mostrando as gengivas banguelas:

� O senhor tem raz�o, seu Padilha. Eu n�o entendo, sou bruto, masperco o sono assuntando nisso. A gente se mata por causa dos outros. � oun�o �, Casimiro?
Casimiro Lopes franziu as ventas, declarou que as coisas desde o come�odo mundo tinham dono.


� Qual dono! gritou Padilha. O que h� � que morremos trabalhando
para enriquecer os outros.
Sa� da sacristia e estourei:

� Trabalhando em qu�? Em que � que voc� trabalha, parasita,
pregui�oso, lambaio?
� N�o � nada n�o, seu Paulo, defendeu-se Padilha, tr�mulo. Estava aquidesenvolvendo umas teorias aos rapazes.
Atirei uma por��o de desaforos aos dois, mandei que arrumassem atrouxa, fossem para a casa do diabo.

� Em minha terra n�o, acabei j� rouco. Puxem! Das cancelas paradentro ningu�m mija fora do caco. Peguem as suas burundangas e danem-
se. Com um professor assim, estou bonito. Dou por visto o que este sem-
vergonha ensina aos alunos.
Mais tarde, por�m, cheio de embroma��es e lam�rias, Padilha jurou portodos os santos que a escola funcionava normalmente e fazia cortar cora��odeixar tantas crian�as sem o p�o do saber. Quanto �s teorias, aquilo era s�para matar tempo e empulhar o Casimiro.

� Eu meto a m�o em cumbuco? Sou l� capaz de propagar ideias
subversivas?
No outro dia pela manh�, choramingando, balbuciando pedit�rios, aRosa, com cinco filhos (tr�s agarrados �s saias, um nos bra�os, outro nobucho), atracou-me no pomar. E eu, que n�o tenho grande autoridade juntodela, sosseguei-a:

� Mande-me c� o Marciano, aquele cachorro. At� logo, vou ver.
� noite reuni Marciano e Padilha na sala de jantar, berrei um serm�ocomprido para demonstrar que era eu que trabalhava para eles. Mas
atrapalhei-me e contentei-me com injuri�-los:

� Mal-agradecidos, est�pidos.
Amunhecaram, e baixei a pancada:
� Ju�zo de galinha. Embarcando em canoa furada! Tontos.
Dei-lhes conselhos. Encontrando macieza, Lu�s Padilha quis discutir;
tornei a zangar-me, e ele se convenceu de que n�o tinha raz�o. Marcianoencolhia-se, levantava os ombros e intentava meter a cabe�a dentro do
corpo. Parecia um c�gado. Padilha ro�a as unhas.

� Por esta vez passa. Mas se me constar que voc�s andam com saltos depulga, chamo o delegado de pol�cia, que isto aqui n�o � a R�ssia, est�o

ouvindo? E sumam-se.
Sumiram-se. Ficou-me um resto de indigna��o, depois serenei.

� Faz de conta que n�o houve nada.
Lorotas. Todos esses malucos dormem demais, falam � toa.
� Marciano, coitado, nem por isso. Trata bem do gado, � marido da
Rosa.
Quanto ao Padilha, eu sentia prazer em humilh�-lo mostrando-lhe osmelhoramentos que introduzia na propriedade.
E recomecei a elaborar mentalmente a mulher a que me referi no
princ�pio deste cap�tulo. Revistei a Mendon�a, a Gama, a irm� do Gondim(eu nem sabia como se chamava a Gondim) e d. Marcela do dr. Magalh�es.

D. Marcela era um pancad�o. Cada olho! O que tinha de ruim era usar
muita tinta no rosto e muitos ss na conversa. Paci�ncia. Perfeito s� Deus.
Bambeava para me dirigir ao dr. Magalh�es quando Costa Brito vooupara cima de mim, numa carta, com a inten��o de avan�ar-me em duzentosmil-r�is.

Costa Brito tinha virado. A Gazeta, que sempre louvara furiosamente ogoverno, fugira para a oposi��o, por causa de um emprego de deputadoestadual, e achava a administra��o p�blica desorganizada, entregue a
homens incompetentes. A n�s que vot�vamos com o partido dominante,
mas n�o �ramos peixe nem carne � queixumes, nariz torcido, modos deenjoo. Da minha �ltima viagem � capital, em troca de uma not�cia besta dequatro linhas, o diretor da Gazeta ainda me lambera cinquenta mil-r�is, nocaf�, bebendo cerveja com indigna��o:

� Querem jornal de gra�a. Para o inferno! A vida inteira escrevendocomo um condenado, mentindo, para esses mo�os subirem! S� a despesaque se tem! s� o pre�o do papel! E na elei��o, coice. Nem uma porcaria, umadesgra�a que qualquer prefeito analfabeto consegue com facilidade. Queremelogios. Est� aqui para eles.
Eu n�o precisava do Brito, mas passei o dinheiro, em aten��o a servi�osprestados anteriormente e porque n�o gosto de quest�es com gente deimprensa. Depois aludi � crise e dei a entender que n�o continuava a
sangrar.

Mas o Brito tem barriga de ema: desprezou o aviso e mandou-me
diversas cartas, as primeiras com choro, as �ltimas com exig�ncias. Essa que


me vinha embrulhar os planos de casamento trazia amea�as. Recusei o
cobre, num telegrama: �In�til insistir. Fart�ssimo.�

Tinha gra�a viver aqui suando para sustentar um literato. Eu era pai dele?

� Quem pariu mateu que o balance. Uma ou outra facada razo�vel, commodera��o, v�. Amea�as, n�o. Chantagem, n�o.
Que diabo diria ele contra mim na folha? N�o sendo funcion�rio p�blico,
as minhas rela��es com o partido limitavam-se a aliciar eleitores, entregarlhes
a chapa oficial e contribuir para m�sica e foguetes nas recep��es dogovernador. O veneno da Gazeta n�o me atingia. Salvo se ela bulisse com os
meus neg�cios particulares. Nesse caso s� me restava pegar um pau e
quebrar as costelas do Brito.

Recalquei as ideias violentas e esforcei-me por trazer de novo ao esp�ritoas tintas e os ss de d. Marcela. Vieram. Mas afastavam-se de quando em
quando � e nos intervalos apareciam Marciano, a Rosa com os meninos,
Lu�s Padilha e Costa Brito.


XII


A
quest�o do Pereira estava dormindo no cart�rio, esperando que o juiz de

direito desse uma penada nos autos. Jo�o Nogueira disse-me isso uma tarde.
Eu ent�o, ligando o caso do Pereira aos predicados de d. Marcela, desci nodia seguinte � cidade, resolvido a visitar o dr. Magalh�es.

Encontrei-o � noitinha no sal�o, que servia de gabinete de trabalho, coma filha e tr�s visitantes: Jo�o Nogueira, uma senhora de preto, alta, velha,
magra, outra senhora mo�a, loura e bonita.

Estavam calados, em dois grupos, os homens separados das mulheres.

O dr. Magalh�es � pequenino, tem um nariz grande, um pince-nez e pordetr�s do pince-nez uns olhinhos risonhos. Os bei�os, delgados, apertam-se.
S� se descolam para o dr. Magalh�es falar a respeito da sua pessoa. Tamb�mquando entra neste assunto, n�o para.

Naquele momento, por�m, como j� disse, conservavam-se todos em
sil�ncio. D. Marcela sorria para a senhora nova e loura, que sorria tamb�m,
mostrando os dentinhos brancos. Comparei as duas, e a import�ncia daminha visita teve uma redu��o de cinquenta por cento.

Larguei, pois, d. Marcela e procurei, por meios indiretos, arrancar do juizas linhas indispens�veis ao advogado.

O dr. Magalh�es passou a m�o pela testa e perguntou:

� Quais s�o os jornais que o senhor assina? Respondi que assinavarevistas de agricultura, a folha do partido, o Cruzeiro e a Gazeta. Elogiei
Azevedo Gondim e ataquei o Brito.
� Um caradura, n�o �?
O dr. Magalh�es amoitou-se. Jo�o Nogueira foi � estante de duas
prateleiras, tirou um livro, voltou a sentar-se e come�ou a ler.

Houve no outro lado da sala um sussurro entrecortado de risinhos.

Necessitando pensar, pensei que � esquisito este costume de viverem os

machos apartados das f�meas. Quando se entendem, quase sempre s�o


levados por motivos que se referem ao sexo. Vem da� talvez a mal�cia
excessiva que h� em torno de coisas feitas inocentemente. Dirijo-me a umasenhora, e ela se encolhe e se arrepia toda. Se n�o se encolhe nem se arrepia,
um sujeito que est� de fora jura que h� safadeza no caso.

� N�o tem aparecido ultimamente no cinema, hem? disse em voz alta asenhora de preto.
� Faz quinze dias, d. Gl�ria, respondeu d. Marcela. Acho que faz quinzedias. � papai, quanto tempo faz que n�s fomos ao cinema?
O dr. Magalh�es calculou. Tirou do bolso um cigarro, dividiu-o em duaspartes, transformou uma delas num cigarrinho fino, acendeu-o:

� Duas semanas.
� � isso mesmo, quinze dias.
� N�o, discordou o dr. Magalh�es, duas semanas. Voc� est� equivocada.
� Duas semanas n�o s�o quinze dias? perguntou d. Marcela.
� N�o. Duas semanas s�o catorze dias.
D. Marcela n�o se convenceu:
� Sempre ouvi dizer que duas semanas s�o quinze dias.
� Eu tamb�m tenho ouvido, confessou o dr. Magalh�es. Tenho ouvidoat� muitas vezes. Mas � engano. Uma semana tem sete dias. Sete e sete n�os�o catorze? E ent�o? S�o catorze.
Jo�o Nogueira soltou o livro. Talvez d. Marcela contasse com o dia docinema.

� � poss�vel, acedeu o dr. Magalh�es. N�o contando, s�o catorze.
� Mas contando, s�o quinze, gritou d. Marcela.
� � bom n�o contar, aconselhou o dr. Magalh�es.
Despertaram todos, e a lourinha fez um movimento para se levantar.
� Muito cedo, murmurou d. Marcela.
A senhora de preto continuou sentada e entrou a discorrer sobre
romances. D. Marcela tinha acabado um, de aventuras. Ia ver se se lembrava
do enredo. Mas enganchou-se e n�o acertou com os nomes das personagens.
Recome�ou, tornou a enganchar-se:

� Um romance que faz gosto, d. Gl�ria.
� Eu n�o gosto de literatura, disse o dr. Magalh�es. Folheei algumasobras antigamente. Hoje n�o. Desconhe�o tudo isso. Sou apenas juiz, pchiu!
juiz.

D. Marcela estava quase acertando com o enredo do romance de
aventuras. D. Gl�ria escutava. A loura tinha a cabecinha inclinada e as
m�ozinhas cruzadas, lindas m�os, linda cabe�a.
� Quando julgo, anunciava o dr. Magalh�es, abstraio-me, afasto os
sentimentos.
� Estive comentando isso ontem � tarde com o dr. Nogueira, atalhei.
O dr. Magalh�es agradeceu.
� Para proceder assim � necess�rio ter independ�ncia. Eu tenho
independ�ncia. Que � que eles podem fazer comigo? N�o preciso deles.
Ignoro a que pessoas se referia o dr. Magalh�es. Jo�o Nogueira tocou-lheno ombro e cochichou. Compreendi que se tratava do neg�cio do Pereira.
Levantei-me, arredei-me, para n�o prejudicar a integridade do juiz e paradesemburrar-me um pouco. Fui � janela, acendi o cachimbo.

D. Marcela ia terminando a narra��o do romance. O advogado estavasatisfeito. Apertei nos dentes o cachimbo e esfreguei as m�os com for�a:
� Ora muito bem. Que me dizem os senhores da chapa do partido? N�oconhe�o os candidatos, mas suponho que h� uns dois ou tr�s oradoresarrojados.
� O senhor acredita nisso? perguntou Jo�o Nogueira.
� Em qu�?
� Elei��es, deputados, senadores.
Retra�-me, indeciso, porque n�o tenho ideias seguras a respeito dessascoisas.

� A gente se acostuma com o que v�. E eu, desde que me entendo, vejoeleitores e urnas. �s vezes suprimem os eleitores e as urnas: bastam livros.
Mas � bom um cidad�o pensar que tem influ�ncia no governo, embora n�otenha nenhuma. L� na fazenda o trabalhador mais desgra�ado est�
convencido de que, se deixar a peroba, o servi�o emperra. Eu cultivo a
ilus�o. E todos se interessam.
Jo�o Nogueira refletiu um instante:

� O que eu acho � que os deputados e os senadores s�o in�teis e comemdemais.
Ia responder, mas notei que o dr. Magalh�es se mexia. Fiquei com aresposta nas goelas. Ele conteve-se, e estivemos um minuto nesse jogo, cadaum esperando pelo outro. Observei ent�o que a mocinha loura voltava paran�s, atenta, os grandes olhos azuis.


De repente conheci que estava querendo bem � pequena. Precisamente ocontr�rio da mulher que eu andava imaginando � mas agradava-me, comos diabos. Miudinha, fraquinha. D. Marcela era bich�o. Uma peitaria, um p�de rabo, um toiti�o!

Como o sil�ncio se prolongasse, repliquei ao Nogueira, quase me
dirigindo � lourinha:

� Existem coisas in�teis que n�s conservamos. Eu conservo este
cachimbo, que � in�til e at� me faz mal.
Enchi o cachimbo:

� Que, para ser franco, nem sei se ele � in�til. Talvez n�o seja. Por isso
vou �s elei��es. O senhor com certeza n�o quer acabar com as leis.
O dr. Magalh�es, para quem a lei escrita � como o ar, escandalizou-se:

� Oh!
� N�o, tornou Jo�o Nogueira. Que essas do congresso ordinariamenten�o prestam. O que � bom acabar � o congresso. As leis deviam ser feitas porespecialistas.
� Ah! suspirou o dr. Magalh�es, aliviado. Leis ou decretos, desde queestivessem no papel, em forma, era tudo o mesmo. Cruzou as pernas,
balan�ou a cabe�a, estirou o bei�o e levantou um dedo:
� O que precisamos � uma elite.
� Perfeitamente, apoiou Jo�o Nogueira, uma oli-garquia.
Mas o dr. Magalh�es embirrou com o nome:
� Ah! n�o.
� Ora essa! exclamou Jo�o Nogueira. S� podemos ter no governo umaelite de poucos indiv�duos. � oligarquia.
� Mas que � que a oposi��o faz sen�o berrar nos jornais e nos meetingscontra isso? perguntei.
� A oposi��o n�o sabe o que diz. N�s temos l� oligarquia? Temos umaquantidade enorme de cavadores no poder. S� os congressistas! E os
ministros, os presidentes, os governadores, os secret�rios, os pol�ticos do sul.
Muito dente roendo o tesouro. E que s�cia! Veja os nossos representantes nocongresso federal. Que diz, seu Magalh�es?
O dr. Magalh�es n�o dizia nada.

� Nunca leio pol�tica. Sou apenas juiz. Estudo, compulso os meus livros,
pchiu! Acordo cedo, tomo uma x�cara de caf�, pequena, fa�o a barba, vou aobanho. Depois passeio pelo quintal, volto, distraio-me com as revistas e

almo�o, pouco, por causa do est�mago. Descanso uma hora, escrevo,
consulto os mestres. Janto, dou um giro pela cidade, � noite recebo osamigos, quando aparecem, durmo.

D. Gl�ria n�o se conteve:
� Obra com acerto, � preciso preservar a sa�de.
Jo�o Nogueira deu ao rosto uma express�o safada:
� Sem d�vida, � preciso preserv�-la. Mas, como �amos dizendo, isto
nunca foi oligarquia. H� gente demais.
� Pois se, havendo tanta, a oposi��o grita, imagine se o n�mero fossemenor. A� � que a gritaria n�o findava.
� Por qu�?
� Porque muitos dos que est�o em cima estariam embaixo, o
descontentamento seria maior.
Como o advogado se aproximasse da janela, soprei-lhe ao ouvido:

� Ele prometeu o despacho?
Jo�o Nogueira afirmou com um gesto. Despedi-me:
� N�o concordo com o senhor n�o, dr. Nogueira. A rep�blica vai bem.
S� a justi�a que temos... Reflita.
� Eu por mim sou apenas juiz, disse o dr. Magalh�es. Estudo, consultoos bons autores...

Demorei-me at� que ele terminasse, despedi-me pela segunda vez e sa�.

Percorri a cidade, bestando, impressionado com os olhos da mocinha

loura e esperando um acaso que me fizesse saber o nome dela. O acaso n�oveio, e decidi procurar Jo�o Nogueira, informar-me do nome, posi��o,
fam�lia, as particularidades necess�rias a quem pretende dar uma cabe�adas�ria. �s dez horas fui � reda��o do Cruzeiro, mas s� encontrei Arquimedes,
compondo. Estive no bilhar do Sousa. N�o havia fregueses; apenas um, meiogolado.

� O dr. Nogueira deve estar em casa da Ernestina.
Eu n�o sabia onde era a casa da Ernestina. Cerca de meia-noite descobri
o advogado no hotel, discutindo poesia com Azevedo Gondim. Escutei umahora, desejoso de instruir-me. N�o me instru�.
� Dr. Nogueira, faz obs�quio? � um instante, Gondim.
Mas tive acanhamento de tocar naquele assunto delicado, receei tornar-
me rid�culo, imaginei que podia o Nogueira andar tamb�m arrastando a asa


para a lourinha e, sentindo uma esp�cie de despeito, pedi informa��esminuciosas sobre o processo do Pereira.


XIII


Tornei a encontrar a mocinha loura. Eu voltava da capital, aonde tinha ido

por causa do sem-vergonha do Brito.

A coisa se deu assim. Depois do meu telegrama (lembram-se: o telegramaem que recusei duzentos mil-r�is �quele pirata), a Gazeta entrou a difamar-
me. A princ�pio foram mofinas cheias de rodeios, com muito vinagre, emseguida o ataque tornou-se claro e sa�ram dois artigos furiosos em que onome mais doce que o Brito me chamava era assassino. Quando li essa
inf�mia, armei-me de um rebenque e desci � cidade.

� O que o senhor deve fazer � process�-lo, aconselhou Jo�o Nogueira. �f�cil met�-lo na cadeia.
� E querendo defender-se, tem c� o Cruzeiro, insinuou Azevedo
Gondim. Pode escrever. Ou ent�o escrevo eu, ou escreve o Nogueira.
Infelizmente o Cruzeiro circula pouco. Mas � o que temos. Disponha.
� Obrigado, Gondim; obrigado, dr. Nogueira. Depois resolvemos. N�ovale a pena quebrar a cabe�a com uma tolice dessa.

E ficamos no hotel at� onze da noite, jogando domin� a tost�o o tento.

No outro dia tomei o trem, ferrei no sono e acordei �s dez horas, na
esta��o central. Logo ali, com o rebenque debaixo do bra�o, comecei aexaminar as caras.

Subi a rua do Com�rcio, dobrei o Livramento, a Alegria, parei em frente �Gazeta. Olhei um instante, pelas grades, as caixetas imundas, entrei,
atravessei a sala de composi��o, a de impress�o e, l� no fundo, desemboqueina reda��o, onde s� estava um rapaz amarelo preparando telegramas com osjornais do Recife da v�spera. O diretor tinha ido a Paju�ara.

� Obrigado.
Voltei pelo mesmo caminho e estive uma hora no rel�gio oficial,
observando os passageiros dos bondes de Ponta-da-Terra. Afinal surgiu ofocinho de rato do Brito.


� Ol�!
Recuou, tentou retomar o estribo, mas o carro j� ia longe. Franziu a testacom dignidade. Vendo o rebenque, empalideceu e gaguejou:

� Bons olhos o vejam. Que sorte! Sim senhor, precisamos conversar.
Agarrei-lhe o bra�o, puxei-o para junto do rel�gio e disse-lhe, quasecochichando para n�o espantar os transeuntes:

� Ent�o, seu filho de uma �gua, esses artigos...
� Aquilo � mat�ria paga, explicou o Brito. Se��o livre, n�o viu logo?
Vamos � reda��o, l� nos entendemos melhor.
Em resposta passei-lhe os gadanhos no cacha�o e dei-lhe um bando dechicotadas. Juntaram-se muitas pessoas, um guarda civil apitou, houveprotestos, gritos, afinal Costa Brito conseguiu escapulir-se e azulou peloCom�rcio, em dire��o aos Mart�rios.

Encaminhei-me ao hotel, mas nem tive tempo de almo�ar, porque fuichamado � pol�cia. Apertaram-me com interrogat�rios redundantes, perdi otrem das tr�s e n�o consegui demonstrar ao delegado que ele era ranzinza eest�pido. Aborrecido, aporrinhado, recorri a um bacharel (trezentos milr�is,
fora despesas mi�das com autom�vel, gorjetas, etc.) e embarquei vinte equatro horas depois, levando nos ouvidos um serm�o do secret�rio dointerior, que me seringou liberdade de imprensa e outros disparates.

No vag�o comprei os jornais do dia. Nenhum noticiava o espalhafato.
Camaradas. Comecei a ler umas coisas interessantes sobre a apicultura.
Pouco a pouco esqueci as burrices do delegado e o liberalismo do secret�rio.
E reconciliado com o Brito, confessei a mim mesmo que ele tinha bomcora��o e provavelmente n�o reincidiria. Concentrei-me na leitura.
Efetivamente as abelhas seriam para n�s uma fonte de riqueza.

Nesse ponto veio sentar-se a meu lado uma senhora vestida de preto.
Como o sol a incomodasse, baixei a portinhola.

� Agradecida.
Reparando nela, reconheci a mulher que, um m�s antes, em casa do dr.
Magalh�es, escutava o romance de d. Marcela.

� N�o tem de qu�, d. Gl�ria.
Notei que ela estava com um pacote a furar-se nos joelhos agudos e pedi-
o, coloquei-o junto � minha bagagem. Era uma velha acanhada: sorriso
insignificante e modos de pobre. O trem p�s-se em movimento. E
encetamos um di�logo que se foi animando at� nos tornarmos amigos.


� Esta Great Western � uma jo�a. Porcaria! Isto nunca foi carro. Quechiqueiro!
Inicio de ordin�rio com frases assim as minhas viagens a trem. D. Gl�riasobressaltou-se, receando que a companhia ouvisse. Em tom confidencial,
achou que os carros n�o eram bons.

� P�ssimos, d. Gl�ria.
Ela atentou em mim com respeito:
� Creio que j� nos vimos. N�o me lembro. A minha mem�ria � umal�stima.
� Em casa do juiz, o m�s passado. A senhora e uma mocinha loura...
Arregalou os olhos:
� Ah! sim.
E a conversa caiu. Para levant�-la, abri o jornal e preguei-lhe um dedo:
� Est� aqui um artigo baita sobre a apicultura. O autor disto � osso.
N�o compreendeu. De repente exclamou:
� Agora me recordo. O senhor estava com o dr. Nogueira, discutindopol�tica.
� � isso mesmo.
Houve uma pausa.
� O senhor mora na capital?
� N�o, moro no interior.
� Em Vi�osa?
� �.
� Eu tamb�m, h� pouco tempo. Mas cidade pequena... Horr�vel, n�o �?
� A cidade pequena? E a grande. Tudo � horr�vel. Gosto do campo,
entende? do campo.
D. Gl�ria fechou a cara:
� Mato? Santo Deus! Mato s� para bicho. E o senhor vive no mato?
� Em S. Bernardo.
D. Gl�ria n�o conhecia S. Bernardo, e essa ignor�ncia me ofendeu,
porque para mim S. Bernardo era o lugar mais importante do mundo.
� Uma boa fazenda. N�o h� l� essa �gua podre que se bebe por a�. Lama.
N�o senhora, h� conforto, h� higiene.
D. Gl�ria retificou a espinha, ergueu a voz e desfez o ar apoucado:
� N�o me dou. Nasci na cidade, criei-me na cidade. Saindo da�, sou
como peixe fora da �gua. Tanto que estive cavando transfer�ncia para um

grupo da capital. Mas � preciso muito pistol�o. Promessas...

� Ah! � professora?
� N�o. Professora � minha sobrinha.
� Aquela mo�a que estava com a senhora em casa do dr. Magalh�es?
� Sim.
� E como � a gra�a de sua sobrinha, d. Gl�ria?
� Madalena. Veja o senhor. Fez um curso brilhante...
� Espere l�. O Nogueira e o Gondim me falaram nela. Mulher prendada,
bonita. Perfeitamente. O Gondim falou muito. O Gondim do Cruzeiro, um
da venta chata.
� Sei.
E recolheu, sorrindo, os elogios � sobrinha.
� Pois uma menina como aquela encafuar-se num buraco, seu...
� Paulo Hon�rio, d. Gl�ria. Faz pena. Isso de ensinar b�-�-b� � tolice.
Perdoe a indiscri��o, quanto ganha sua sobrinha ensinando b�-�-b�?
D. Gl�ria baixou a voz para confessar que as professoras de primeiraentr�ncia tinham apenas cento e oitenta mil-r�is.
� Quanto?
� Cento e oitenta mil-r�is.
� Cento e oitenta mil-r�is? Est� a�! � uma desgra�a, minha senhora.
Como diabo se sustenta um crist�o com cento e oitenta mil-r�is por m�s?
Quer que lhe diga? Faz at� raiva ver uma pessoa de certa ordem sujeitar-se asemelhante mis�ria. Tenho empregados que nunca estudaram e s�o maisbem pagos. Por que n�o aconselha sua sobrinha a deixar essa profiss�o, d.
Gl�ria?
D. Gl�ria referiu-se � dificuldade de arranjar empregos e ao montepio.
� Que montepio! Isso vale nada! E empregos... Vou indicar um meio desua sobrinha e a senhora ganharem dinheiro a rodo. Criem galinhas.
D. Gl�ria formalizou-se, e um passageiro pr�ximo, como eu gritavaentusiasmado, p�s-se a rir. Era um mocinho de bigodinho e rubi no dedo.
Aproximei dele o rosto cabeludo e a m�o cabeluda:
� O senhor est� rindo sem saber de qu�. Vejo que possui uma carta.
Quanto lhe rende? Se n�o tem pai rico, deve ser promotor p�blico. Fariamelhor neg�cio criando galinhas.
O mocinho encabulou.


� Boa ocupa��o, d. Gl�ria, ocupa��o decente. Se quiser dedicar-se a ela,
recomendo-lhe a Orpington. Escola! Bestidade. Abri uma na fazenda e
entreguei-a ao Padilha. Sabe quem �? Um idiota. Mas diz ele que h�
progresso. E eu acredito. Pelo menos o Gondim e padre Silvestre estiveraml� examinando a molecoreba e acharam tudo em ordem.
D. Gl�ria enrugou e desenrugou a cara:
� Cada qual tem o seu meio de vida.
� Hist�ria! D� um salto a S. Bernardo para eu lhe mostrar o que � umalavoura de fazer �gua na boca.
Essa conversa, � claro, n�o saiu de cabo a rabo como est� no papel. Houvesuspens�es, repeti��es, mal-entendidos, incongru�ncias, naturais quando a
gente fala sem pensar que aquilo vai ser lido. Reproduzo o que julgointeressante. Suprimi diversas passagens, modifiquei outras. O discurso queatirei ao mocinho do rubi, por exemplo, foi mais en�rgico e mais extensoque as linhas chochas que aqui est�o. A parte referente � enxaqueca de d.
Gl�ria (e a enxaqueca ocupou, sem exagero, metade da viagem) virou
fuma�a. Cortei igualmente, na c�pia, numerosas tolices ditas por mim e por

d. Gl�ria. Ficaram muitas, as que as minhas luzes n�o alcan�aram e as queme pareceram �teis. � o processo que adoto: extraio dos acontecimentosalgumas parcelas; o resto � baga�o. Ora vejam. Quando arrastei Costa Britopara o rel�gio oficial, apliquei-lhe uns quatro ou cinco palavr�es obscenos.
Esses palavr�es, desnecess�rios porque n�o aumentaram nem diminu�ram ovalor das chicotadas, sumiram-se, conforme notar� quem reler a cena daagress�o, cena que, expurgada dessas indec�ncias, est� descrita com bastantesobriedade.
Uma coisa que omiti e produziria bom efeito foi a paisagem. Andei mal.
Efetivamente a minha narrativa d� ideia de uma palestra realizada fora daterra. Eu me explico: ali, com a portinhola fechada, apenas via de relance,
pelas outras janelas, peda�os de esta��es, peda�os de mata, usinas e
canaviais. Muitos canaviais, mas este g�nero de agricultura n�o me interessa.
Vi tamb�m novilhos zebus, gado que, na minha opini�o, est� acabando deescangalhar os nossos rebanhos.

Hoje isso forma para mim um todo confuso, e se eu tentasse uma
descri��o, arriscava-me a misturar os coqueiros da lagoa, que apareceram �str�s e quinze, com as mangueiras e os cajueiros, que vieram depois. Essadescri��o, por�m, s� seria aqui embutida por motivos de ordem t�cnica. E


n�o tenho o intuito de escrever em conformidade com as regras. Tanto quevou cometer um erro. Presumo que � um erro. Vou dividir um cap�tulo emdois. Realmente o que se segue podia encaixar-se no que procurei exporantes desta digress�o. Mas n�o tem d�vida, fa�o um cap�tulo especial porcausa da Madalena.


XIV


Na esta��o d. Gl�ria apresentou-me a sobrinha, que tinha ido receb�-la.

Atrapalhei-me e, para desocupar a m�o, deixei cair um dos pacotes que iaentregar ao ganhador.

� Muito prazer. Eu j� conhecia a senhora de nome. E de vista. Mas n�osabia que era uma pessoa s�. Encontramo-nos h� dias.
� H� um m�s.
� Perfeitamente. Estive conversando sobre isso com sua tia, �tima
companheira de viagem. Sim senhora, muito prazer.
Dirigi-me ao hotel. E como a casa delas era no meu caminho, sa�mosjuntos.

� D. Marcela disse-me que o senhor tem uma propriedade bonita,
come�ou Madalena.
� Bonita? Ainda n�o reparei. Talvez seja bonita. O que sei � que � umapropriedade regular.
E embuchei, afobado. At� ent�o os meus sentimentos tinham sido
simples, rudimentares, n�o havia raz�o para ocult�-los a criaturas como aGermana e a Rosa. A essas azunia-se a cantada sem rodeios, e elas n�o se
admiravam, mas uma senhora que vem da escola normal � diferente.
Emburrei, pois, e contei os embrulhos que o ganhador equilibrava na
cabe�a. Fiz um esfor�o para endere�ar amabilidades a d. Gl�ria:

� O convite est� de p�, sim senhora, e eu tenho a sua promessa de ir
passar uns dias na fazenda. Espero que leve a professora. Vem um
autom�vel, em dez minutos est�o l�.
D. Gl�ria n�o tinha prometido nada. Madalena espantou-se:
� Ah! n�o.
� Por qu�? Agora com as f�rias...
� Passeios... Isso � para rico.
E, sorrindo:

� Que diria sua fam�lia se o senhor metesse duas desconhecidas em
casa?
A� quem se espantou fui eu:

� Mas n�o tenho fam�lia, minha senhora, nunca tive. Vivo s�, com Deus.
� Ent�o � pior, respondeu Madalena.
� Inconveniente, declarou d. Gl�ria.
Cocei a barba:
� � pena. Um lugar t�o bom para uma pessoa se refazer! Acabou-se. Se �
inconveniente, fica o dito por n�o dito.
Depois tornei:

� Mas inconveniente por qu�? Pois eu tinha muito gosto em mostrar a d.
Gl�ria uns marrecos-de-pequim que s�o mesmo uma beleza. J� viu os
marrecos-de-pequim, d. Madalena?
� Ainda n�o.
� Est� a�! resmunguei. Estudam a vida inteira nem sei para qu�.
� Descansar um pouco? disse d. Gl�ria.
Est�vamos � porta da casa delas, na Canaf�stula.
� Obrigado. Vou chegando ao hotel.
Demorei-me ainda um minuto:
� Est�o as senhoras aqui pessimamente instaladas. Adeus. E se
resolverem ir a S. Bernardo, avisem, para mandar o autom�vel.
� Perfeitamente, disse d. Gl�ria. E muito agradecida pela companhia.
� N�o tem de qu�.
No hotel marchei para o banheiro, fui tirar o carv�o e o suor. E ia-mesentando � mesa quando chegaram Jo�o Nogueira, Azevedo Gondim epadre Silvestre.

� Ent�o que desordem foi essa? perguntou Azevedo Gondim. Soubemosontem � noite.
� Imagine como nos assustamos, acrescentou o vig�rio. Um esc�ndalo!
� verdade que o Brito andou mal.
� Andou. Necessidade. Ele n�o � ruim. Queria duzentos mil-r�is,
coitado, e eu torci o corpo. Tolice: gastei bem seiscentos, sem contar aaporrinha��o de dois dias. O diabo � que, se ele recebesse os duzentos, haviade pedir mais duzentos e assim por diante.
� A not�cia que circulou ontem foi que ele estava no hospital, com umapunhalada, informou padre Silvestre. Constou at� que tinha morrido.

Felizmente hoje sossegamos. Ferimentos leves, n�o?

� Que ferimentos! O que houve foi troca de palavras. O Brito disse unsdesaforos, eu disse outros, juntou-se gente e a pol�cia entrou na quest�o, quen�o era com ela. N�o houve nada.
� Logo vi, bradou padre Silvestre. Um homem prudente como o senhorn�o ia provocar barulho.
� Essa agora! gritou Azevedo Gondim. Pois eu tinha escrito duas
colunas sobre o caso para o n�mero de domingo.
Jo�o Nogueira aproximou-se e falou-me ao ouvido:

� Francamente, que foi que houve?
� Uma arenga sem import�ncia.
E, pegando a ocasi�o:
� � dr. Nogueira, quem � aquela d. Gl�ria?
� A tia da professora?
� Sim. Que tal � essa fam�lia?
� Em que sentido?
� Em tudo, respondi evasivamente. A velha viajou hoje comigo, no trem.
� simp�tica.
� Mas que interesse tem o senhor...
� � que a mulher, indiretamente, tocou-me numa pretens�o:
transfer�ncia da sobrinha. Eu nunca vi o diretor da instru��o p�blica, masdou-me com o Silveira, que faz regulamentos. Talvez n�o fosse imposs�velconseguir a transfer�ncia. Se elas merecem, est� claro.
� Mas � uma excelente professora, seu Paulo, e um nobre car�ter. Osenhor quer retir�-la! Que lembran�a! Se ela sair, sabe o que acontece?
Mandam para c� uma velha analfabeta.
� Tem raz�o.
E, em voz alta:
� Jantar?
Agradeceram e despediram-se. Padre Silvestre abra�ou-me:
� O amigo numa entala��o dessa! A culpa foi do Brito. Ele � meio
esquentado, mas ultimamente a orienta��o que vem dando � Gazeta � boa.
Acompanhei-os:

� � Gondim, eu precisava falar com voc�.
Ficou.

� Estou morrendo de fome, Gondim. Dois dias quase sem comer!
Calcule. Vamos jantar?
Recusou o jantar, mas aceitou um copo de cerveja. Quando cheguei �sobremesa, ele ia na terceira garrafa.

� � Gondim, voc� me falou h� tempo numa professora.
� A Madalena?
� Sim. Encontrei-a uma noite destas e gostei da cara. � mo�a direita?
Azevedo Gondim encetou a quarta garrafa de cerveja e desmanchou-seem elogios.

� Mulher superior. S� os artigos que publica no Cruzeiro!
Desanimei:
� Ah! faz artigos!
� Sim, muito instru�da. Que neg�cio tem o senhor com ela?
� Eu sei l�! Tinha um projeto, mas a colabora��o no Cruzeiro me
esfriou. Julguei que fosse uma criatura sensata.
� Essa agora! bradou Gondim picado. O senhor tem cada uma!
� Est� bem. Para voc� n�o h� segredo. Ou�a. Estou aborrecido com oPadilha.
� Alguma carraspana que ele tomou?
� Pior. Anda querendo botar socialismo na fazenda. Surpreendi-o
dizendo besteiras. N�o liguei import�ncia, tanto que o conservei, mas, ocaso bem pensado, talvez fosse melhor arranjar para ele outra coloca��o,
fora.
� E convidar a Madalena.
� Sim, estive pensando. N�o sei. Se ela for mo�a de bons costumes.
� De bons costumes? Claro. O diabo � que talvez n�o aceite. Morar nasbrenhas!
� Isso s�o bobagens da tia, uma velha tonta. Mas a outra, se tem ju�zo
como voc� diz, aceita.
Azevedo Gondim mastigava amendoins torrados e bebia cerveja:

� �, pode ser. Vantagem para ela, com certeza, aumento de ordenado.
� Sem d�vida.
� Pode ser. Eu s� tenho pena do pobre do Padilha.
� N�o. Cavo uma coloca��o para ele. J� n�o lhe disse? � um canalha,
coitado. E a respeito da mo�a...
� O senhor entendeu-se com ela?

� N�o, homem. Se me tivesse entendido, n�o estava consultando voc�. �
Gondim, fa�a-me um favor. Foi justamente para isso que lhe pedi que
ficasse. Sonde a mulher.
Azevedo Gondim resistiu, encarecendo o servi�o que ia prestar:

� Mas eu n�o tenho intimidade com ela. Fale o senhor.
� Imposs�vel. H� dois dias que estou ausente. Preciso chegar a S.
Bernardo hoje. E n�o sei a maneira de tratar com essa gente. Muitas voltas...
Peite a mo�a, Gondim, fa�a-me o favor.
� Pois sim. Arrumo-lhe a paisagem, a poesia do campo, a simplicidadedas almas. E se ela n�o se convencer, sapeco-lhe um bocado de patriotismopor cima.

XV


Depois do convite, tornei-me quase �ntimo das duas mulheres. Madalena

n�o se decidiu logo. E eu, a pretexto de saber a resposta, comecei a
frequentar a casinha da Canaf�stula. Um dia dei uns toques a d. Gl�ria:

� Por que � que sua sobrinha n�o procura marido?
Melindrou-se:
� Minha sobrinha n�o � feij�o bichado para se andar oferecendo.
� Nem eu digo isso, minha senhora. Deus me livre. � um conselho deamigo. Garantir o futuro...
D. Gl�ria empinou a coluna vertebral, e o peito cavado se achatou. Essemovimento de dignidade repentina fazia-lhe o vestido preto, j� gasto, ficaresticado na barriga e frouxo nas costas. Resmungou palavras impercept�veis.
Pouco a pouco voltou � posi��o normal, a omoplata adaptou-se novamenteao pano co�ado e o gargarejo tornou-se compreens�vel:
� Est� visto que o casamento para as mulheres � uma situa��o...
� Razo�vel, d. Gl�ria. E at� � bom para a sa�de.
� Mas h� tantos casamentos desastrados... Demais isso n�o � coisa quese imponha.
� N�o, infelizmente. � preciso propor. Tudo mal organizado, d. Gl�ria.
H� l� ningu�m que saiba com quem deve casar?
� Quanto a mim, acho que em quest�es de sentimento � indispens�velhaver reciprocidade.
� Qual reciprocidade! Pieguice. Se o casal for bom, os filhos saem bons;
se for ruim, os filhos n�o prestam. A vontade dos pais n�o tira nem p�e.
Conhe�o o meu manual de zootecnia.
Depois dessa conversa, a colheita do algod�o prendeu-me duas semanasem S. Bernardo. Refleti algumas vezes no caso. Era prov�vel que d. Gl�riahouvesse batido com a l�ngua nos dentes. Que teria dito? Apareci a


Madalena com medo de ser mal recebido por causa da sugest�o. Fui bemrecebido:

� Como vai a lavoura?
� Vai regularmente. Creio que vai regularmente: ainda n�o posso prever
o resultado da safra. E a sua escola? Os meninos, a d. Gl�ria, sem novidade?
Estimo. O que � certo � que a senhora n�o se importa com lavoura, e euvinha tratar de outro assunto.
� O convite que me fez pelo Gondim?
Vacilei:
� Mais ou menos.
� J� lhe devia ter respondido que n�o aceito.
� Que diabo! Mas o aumento do ordenado, filha de Deus?
� N�o conv�m. Estou em seis anos de magist�rio, n�o deixo o certo pelo
duvidoso. Essas escolas particulares hoje se abrem, amanh� se fecham...
Fiz-lhe um cumprimento:

� Felicito-a pela sua prud�ncia. Efetivamente a senhora arriscava a ficarsem mel nem caba�o.
� Se o senhor reconhece...
� Reconhe�o. E venho trazer-lhe outra proposta. Para ser franco, essa
hist�ria de escola foi tapea��o.
Madalena esperava, com uma rugazinha entre as sobrancelhas.

� O que vou dizer � dif�cil. Deve compreender... Enfim, para n�o
estarmos com pr�logos, arreio a trouxa e falo com o cora��o na m�o.
Tossi, encalistrado:

� Est� a�. Resolvi escolher uma companheira. E como a senhora me
quadra... Sim, como me engracei da senhora quando a vi pela primeira vez...
Engasguei-me. S�ria, p�lida, Madalena permaneceu calada, mas n�o
parecia surpreendida.

� J� se v� que n�o sou o homem ideal que a senhora tem na cabe�a.
Afastou a frase com a m�o fina, de dedos compridos:
� Nada disso. O que h� � que n�o nos conhecemos.
� Ora essa! N�o lhe tenho contado peda�os da minha vida? O que n�ocontei vale pouco. A senhora, pelo que mostra e pelas informa��es quepeguei, � sisuda, econ�mica, sabe onde tem as ventas e pode dar uma boam�e de fam�lia.

Madalena foi � janela e esteve algum tempo debru�ada, olhando a rua.
Quando se voltou, eu passeava pela sala, enchendo o cachimbo.

� Deve haver muitas diferen�as entre n�s.
� Diferen�as? E ent�o? Se n�o houvesse diferen�as, n�s ser�amos uma
pessoa s�. Deve haver muitas. Com licen�a, vou acender o cachimbo. A
senhora aprendeu v�rias embrulhadas na escola, eu aprendi outras
quebrando a cabe�a por este mundo. Tenho quarenta e cinco anos. A
senhora tem uns vinte.
� N�o, vinte e sete.
� Vinte e sete? Ningu�m lhe d� mais de vinte. Pois est� a�. J� nos
aproximamos. Com um bocado de boa vontade, em uma semana estamosna igreja.
� O seu oferecimento � vantajoso para mim, seu Paulo Hon�rio,
murmurou Madalena. Muito vantajoso. Mas � preciso refletir. De qualquermaneira, estou agradecida ao senhor, ouviu? A verdade � que sou pobrecomo J�, entende?
� N�o fale assim, menina. E a instru��o, a sua pessoa, isso n�o valenada? Quer que lhe diga? Se chegarmos a acordo, quem faz um neg�ciosupimpa sou eu.

XVI


Uma semana depois, � tardinha, eu, que ali estava aboletado desde meio-

dia, tomava caf� e conversava, bastante satisfeito. No melhor da conversa
Azevedo Gondim entrou sem cerim�nia e atirou uma inconveni�ncia quen�o tinha tamanho:

� Ah! O senhor est� aqui? Eu vinha dar os parab�ns a d. Madalena. Foibom encontr�-lo. Minhas felicita��es.
� Que hist�ria � essa? perguntei estremecendo.
� O casamento, explicou Azevedo Gondim. � em que se fala. O senhorn�o tinha dito nada... Quando � isso?
N�o respondi. Madalena contou os fios do bordado. D. Gl�ria
imobilizou-se, com uma x�cara na m�o. Tive desejo de torcer o pesco�o doGondim, que, percebendo a tolice, se encostou � parede, raspando o queixo.
Levantei-me, cheguei � janela para disfar�ar o constrangimento. Como
Gondim se aproximasse, rosnei:

� Voc� est� b�bedo?
� Julguei que n�o fosse segredo. Todo o mundo sabe.
� Idiota.
E voltei a sentar-me. Acanhado, as orelhas num fogar�u, agarrei-me aohospital de Nossa Senhora da Concei��o e ao Gr�mio Liter�rio e Recreativo,
que levava uma exist�ncia prec�ria, com as estantes cheias de tra�as e
abrindo-se uma vez por ano para a posse da diretoria.

� Que utilidade tem isso?
Azevedo Gondim sentou-se, pouco a pouco serenou:
� � uma sociedade que presta bons servi�os, seu Paulo.
� Lorota! O hospital, sim senhor. Mas biblioteca num lugar como este!
Para qu�? Para o Nogueira ler um romance de m�s em m�s. Uma literaturadesgra�ada...

Azevedo Gondim, aferrando-se a uma ideia, gira em redor dela, como
peru:

� A instru��o � indispens�vel, a instru��o � uma chave, a senhora n�oconcorda, d. Madalena?
� Quem se habitua aos livros...
� � n�o habituar-se, interrompi. E n�o confundam instru��o com leiturade papel impresso.
� D� no mesmo, disse Gondim.
� Qual nada!
� E como � que se consegue instru��o se n�o for nos livros?
� Por a�, vendo, ouvindo, correndo mundo. O Nogueira veio da escolasabido como o diabo, mas n�o sabia inquirir uma testemunha. Hoje
esqueceu o latim e � um bom advogado.
� Entretanto o senhor acha o hospital necess�rio. E por que n�o deitafora os seus tratados de agricultura?
� � diferente. Em todo o caso suponho que os m�dicos estudam menosnos livros que abrindo barrigas, cortando vivos e defuntos em experi�ncias.
Eu, nas horas vagas, leio apenas observa��es de homens pr�ticos. E n�o douvalor demasiado a elas, confio mais em mim que nos outros. Os meus
autores n�o vieram olhar de perto os homens e as terras de S. Bernardo.
Madalena balan�ava a cabe�a:

� Perfeitamente. O que h� � que n�o estamos acostumados a pensarassim. Assisti um dia destes a uma fita no cinema, e creio que aprendi maisque se visse aquilo escrito. Sem contar que se gasta menos tempo.
� E n�o se enche o quengo com estopadas, acrescentei. Voc�s engolemmuita bucha, Gondim. H� por a� volumes que cabem em quatro linhas.
D. Gl�ria estava quase dormindo. Azevedo Gondim, aturdido, agastado,
ergueu os ombros:
� C� para mim os livros s�o �teis. Se o senhor julga que s�o in�teis, deveter l� as suas raz�es.
� Voc� v� que me refiro �s hist�rias fiadas do Gr�mio.
� O pior � que o que � desnecess�rio ao senhor talvez seja necess�rio amuitos, disse Madalena.
� Sem d�vida, a beleza, triunfou Azevedo Gondim. � o que se quer.
Harmonia, beleza, entende?
� Ora sebo!

D. Gl�ria levantou-se e entrou. Como o assunto estivesse reduzido a
cinza, calamo-nos. Azevedo Gondim tentou ati��-lo, inutilmente.
� Que poeira, hem? com o nordeste.
Retirou-se.
Animei-me e avizinhei-me de Madalena:
� Est� vendo? Por a� j� falam. E s� em que falam, pelo que disse o
Gondim.
Nenhuma resposta.

� N�o torno a p�r os p�s aqui. Primeiro porque n�o quero prejudic�-la,
segundo porque � rid�culo. Naturalmente a senhora j� refletiu.
Madalena soltou o bordado:

� Parece que nos entendemos. Sempre desejei viver no campo, acordarcedo, cuidar de um jardim. H� l� um jardim, n�o? Mas por que n�o esperamais um pouco? Para ser franca, n�o sinto amor.
� Ora essa! Se a senhora dissesse que sentia isso, eu n�o acreditava. E
n�o gosto de gente que se apaixona e toma resolu��es �s cegas.
Especialmente uma resolu��o como esta. Vamos marcar o dia.
� N�o h� pressa. Talvez daqui a um ano... Eu preciso preparar-me.
� Um ano? Neg�cio com prazo de ano n�o presta. Que � que falta? Um
vestido branco faz-se em vinte e quatro horas.
Ouvindo passos no corredor, baixei a voz:

� Podemos avisar sua tia, n�o?
Madalena sorriu, irresoluta.
� Est� bem.
� J� acabaram aquela discuss�o pau? perguntou d. Gl�ria da porta. Euestava morrendo de sono.
� E eu. O culpado foi o Gondim, que tem ideias extravagantes.
Procurei maneira de formular o pedido, mas perturbei-me e n�o atineicom o que devia dizer:

� D. Gl�ria, comunico-lhe que eu e sua sobrinha dentro de uma semanaestaremos embirados. Para usar linguagem mais correta, vamos casar. A
senhora, est� claro, acompanha a gente. Onde comem dois comem tr�s. E acasa � grande, tem uma por��o de carit�s.
D. Gl�ria come�ou a chorar.

XVII


Casou-nos o padre Silvestre, na capela de S. Bernardo, diante do altar de

S. Pedro.
Est�vamos em fim de janeiro. Os paus-d�arco, floridos, salpicavam a matade pontos amarelos; de manh� a serra cachimbava; o riacho, depois das�ltimas trovoadas, cantava grosso, bancando rio, e a cascata em que sedespenha, antes de entrar no a�ude, enfeitava-se de espuma.

Quando viu os arames da ilumina��o, o telefone, os m�veis, v�rios trastes
de metal, que Maria das Dores conservava areados, brilhando, d. Gl�ria
confessou que a vida ali era suport�vel.

� Eu n�o dizia?
Ofereci-lhe um quarto no lado esquerdo da casa, por detr�s do escrit�rio,
com janela para o muro da igreja, vermelho. O muro est� hoje esverdeadopelas �guas da chuva, mas naquele tempo era novo e cor de carne crua. Eu eMadalena ficamos no lado direito � e da nossa varanda avist�vamos o
algodoal, o prado, o descaro�ador com a serraria e a estrada, que se torcecontornando um morro.

� Vamos come�ar vida nova, hem? disse Madalena alegremente.
Desde ent�o comecei a fazer nela algumas descobertas que me
surpreenderam. Como se sabe, eu me havia contentado com o rosto e comalgumas informa��es ligeiras.

Tive, durante uma semana, o cuidado de procurar afinar a minha sintaxepela dela, mas n�o consegui evitar numerosos solecismos. Mudei de rumo.
Tolice. Madalena n�o se incomodava com essas coisas. Imaginei-a umaboneca da escola normal. Engano. Enjoou o Padilha, que achou �uma almabaixa�. (A� eu expliquei que a alma dele n�o tinha import�ncia. Exigia dosmeus homens servi�os: o resto n�o me interessava.) Enjoou o Padilha. Masgostou de seu Ribeiro: meteu-se no escrit�rio, folheou os livros, examinoudocumentos, desarmou a m�quina de escrever, que estava emperrada. E dois


dias depois do casamento, ainda com um ar machucado, largou-se para ocampo e rasgou a roupa nos garranchos do algod�o. A hora do jantarencontrei-a no descaro�ador, conversando com o maquinista.

� Ora muito bem. Isto � mulher.
Mas aconselhei-a a n�o expor-se:
� Esses caboclos s�o uns brutos. Quer trabalhar? Combino. Trabalhe
com Maria das Dores. A gente da lavoura s� comigo.
� A ocupa��o de Maria das Dores n�o me agrada. E eu n�o vim paraaqui dormir.
� S�o entusiasmos do princ�pio.
� Outra coisa, continuou Madalena. A fam�lia de mestre Caetano est�
sofrendo priva��es.
� J� conhece mestre Caetano? perguntei admirado. Priva��es, � semprea mesma cantiga. A verdade � que n�o preciso mais dele. Era melhor ir cavara vida fora.
� Doente...
� Devia ter feito economia. S�o todos assim, imprevidentes. Uma
doen�a qualquer, e � isto: adiantamentos, rem�dios. Vai-se o lucro todo.
� Ele j� trabalhou demais. E est� t�o velho!
� Muito, perdeu a for�a. P�e a alavanca numa pedra pequena e chama oscavouqueiros para desloc�-la. N�o vale os seis mil-r�is que recebia. Mas n�otem d�vida: mande o que for necess�rio. Mande meia cuia de farinha,
mande uns litros de feij�o. � dinheiro perdido.

XVIII


� Aexcelent�ssima, declarou seu Ribeiro, entende de escritura��o.
Seu Ribeiro morava aqui, trabalhava comigo, mas n�o gostava de mim.
Creio que n�o gostava de ningu�m. Tudo nele se voltava para o lugarejo quese transformou em cidade e que tinha, h� meio s�culo, bolandeira, ter�os,
candeias de azeite e adivinha��es em noites de S. Jo�o. Com mais de setenta
anos, andava a p�, de prefer�ncia pelas veredas. E s� falava ao telefone
constrangido. Odiava a �poca em que vivia, mas tirava-se de dificuldadesempregando uns modos cerimoniosos e express�es que hoje n�o se usam. Oreduzido calor que ainda guardava servia para aquecer aqueles livros
grossos, de cantos e lombadas de couro. Escrevia neles com amor
lan�amentos complicados, e gastava quinze minutos para abrir um t�tulo, emletras grandes e curvas, um pouco tr�mulas, as iniciais cheias de enfeites.

� Entende muito, continuou. E embora eu n�o concorde integralmentecom o m�todo que preconiza, reconhe�o que poder�, querendo, encarregar-
se da escrita.
� Obrigada.
� N�o h� de qu�. A excelent�ssima conhece a mat�ria e tem caligrafia. Eu
sou uma ru�na. Qualquer dia destes...
Catou palavras:

� Qualquer dia destes estou com Deus.
� Sempre diz isso, resmungou Padilha. O senhor tem f�lego de sete
gatos.
Pretendia acumular os cargos de professor e guarda-livros. E
impacientava-se.

� N�o duro, estou gasto, respondeu seu Ribeiro. E morreria tranquilodeixando os livros a uma pessoa que n�o viesse estrag�-los com raspadelas.
� Isso � f�cil, murmurou Padilha.
� Talvez, mas conv�m saber. Aqui a excelent�ssima...

� Tinha gra�a, tornou Padilha, d. Madalena escrevendo os diversos adiversos.
� Nada mais natural, atalhou Madalena. N�o desejo, Deus me livre. SeuRibeiro est� forte.
� Somos todos mortais, minha senhora. � verdade que ningu�m podepenetrar os des�gnios da Provid�ncia, mas na minha idade...
� Qual � o ordenado?
� Ora essa! estranhou Padilha. A senhora ocupar-se com essas migalhas!
Receber ordenado! Era tirar de uma m�o e deitar na outra.
� Por que n�o? Se seu Ribeiro tiver de aposentar-se... Quanto ganha o
senhor, seu Ribeiro?
O guarda-livros afagou as su��as brancas:

� Duzentos mil-r�is.
Madalena desanimou:
� � pouco.
� Como? bradei estremecendo.
� Muito pouco.
� Que maluqueira! Quando ele estava com o Brito, ganhava cento ecinquenta a seco. Hoje tem duzentos, casa, mesa e roupa lavada.
� � exato, confessou seu Ribeiro. N�o me falta nada, o que recebo chega.
� Se o senhor tivesse dez filhos, n�o chegava, disse Madalena.
� Naturalmente, concordou d. Gl�ria.
� Ora gaitas! berrei. At� a senhora? Meta-se com os romances.
Madalena empalideceu:
� N�o � preciso zangar-se. Todos n�s temos as nossas opini�es.
� Sem d�vida. Mas � tolice querer uma pessoa ter opini�o sobre assuntoque desconhece. Cada macaco no seu galho. Que diabo! Eu nunca andeidiscutindo gram�tica. Mas as coisas da minha fazenda julgo que devo saber.
E era bom que n�o me viessem dar li��es. Voc�s me fazem perder a
paci�ncia.
Joguei o guardanapo sobre os pratos, antes da sobremesa, e levantei-me.
Um bate-boca oito dias depois do casamento! Mau sinal. Mas atirei a
responsabilidade para d. Gl�ria, que s� tinha dito uma palavra.


XIX


Conheci que Madalena era boa em demasia, mas n�o conheci tudo de

uma vez. Ela se revelou pouco a pouco, e nunca se revelou inteiramente. Aculpa foi minha, ou antes, a culpa foi desta vida agreste, que me deu umaalma agreste.

E, falando assim, compreendo que perco o tempo. Com efeito, se me
escapa o retrato moral de minha mulher, para que serve esta narrativa? Paranada, mas sou for�ado a escrever.

Quando os grilos cantam, sento-me aqui � mesa da sala de jantar, bebocaf�, acendo o cachimbo. �s vezes as ideias n�o v�m, ou v�m muito
numerosas � e a folha permanece meio escrita, como estava na v�spera.
Releio algumas linhas, que me desagradam. N�o vale a pena tentar corrigilas.
Afasto o papel.

Emo��es indefin�veis me agitam � inquieta��o terr�vel, desejo doido devoltar, tagarelar novamente com Madalena, como faz�amos todos os dias, aesta hora. Saudade? N�o, n�o � isto: � desespero, raiva, um peso enorme nocora��o.

Procuro recordar o que diz�amos. Imposs�vel. As minhas palavras eramapenas palavras, reprodu��o imperfeita de fatos exteriores, e as dela tinhamalguma coisa que n�o consigo exprimir. Para senti-las melhor, eu apagava asluzes, deixava que a sombra nos envolvesse at� ficarmos dois vultos
indistintos na escurid�o.

L� fora os sapos arengavam, o vento gemia, as �rvores do pomar
tornavam-se massas negras.

� Casimiro!
Casimiro Lopes estava no jardim, acocorado ao p� da janela, vigiando.
� Casimiro!
A figura de Casimiro Lopes aparece � janela, os sapos gritam, o ventosacode as �rvores, apenas vis�veis na treva. Maria das Dores entra e vai abrir


o comutador. Detenho-a: n�o quero luz.
O tique-taque do rel�gio diminui, os grilos come�am a cantar. E
Madalena surge no lado de l� da mesa. Digo baixinho:

� Madalena!
A voz dela me chega aos ouvidos. N�o, n�o � aos ouvidos. Tamb�m j� n�oa vejo com os olhos.
Estou encostado � mesa, as m�os cruzadas. Os objetos fundiram-se, e n�oenxergo sequer a toalha branca.

� Madalena...
A voz de Madalena continua a acariciar-me. Que diz ela? Pede-me
naturalmente que mande algum dinheiro a mestre Caetano. Isto me irrita,
mas a irrita��o � diferente das outras, � uma irrita��o antiga, que me deixainteiramente calmo. Loucura estar uma pessoa ao mesmo tempo zangada etranquila. Mas estou assim. Irritado contra quem? Contra mestre Caetano.
N�o obstante ele ter morrido, acho bom que v� trabalhar. Mandri�o!

A toalha reaparece, mas n�o sei se � esta toalha sobre que tenho as m�oscruzadas ou a que estava aqui h� cinco anos.

Rumor do vento, dos sapos, dos grilos. A porta do escrit�rio abre-se demanso, os passos de seu Ribeiro afastam-se. Uma coruja pia na torre daigreja. Ter� realmente piado a coruja? Ser� a mesma que piava h� dois anos?
Talvez seja at� o mesmo pio daquele tempo.

Agora seu Ribeiro est� conversando com d. Gl�ria no sal�o. Esque�o queeles me deixaram e que esta casa est� quase deserta.

� Casimiro!
Penso que chamei Casimiro Lopes. A cabe�a dele, com o chap�u decouro de sertanejo, assoma de quando em quando � janela, mas ignoro se avis�o que me d� � atual ou remota.

Agitam-se em mim sentimentos inconcili�veis: encolerizo-me e
enterne�o-me; bato na mesa e tenho vontade de chorar.

Aparentemente estou sossegado: as m�os continuam cruzadas sobre atoalha e os dedos parecem de pedra. Entretanto amea�o Madalena com opunho. Esquisito.

Distingo no ramerr�o da fazenda as mais insignificantes minud�ncias.
Maria das Dores, na cozinha, d� li��es ao papagaio. Tubar�o rosna acol� nojardim. O gado muge no est�bulo.


O sal�o fica longe: para irmos l� temos de atravessar um corredor
comprido. Apesar disso a palestra de seu Ribeiro e d. Gl�ria � bastante clara.
A dificuldade seria reproduzir o que eles dizem. � preciso admitir que est�oconversando sem palavras.

Padilha assobia no alpendre. Onde andar� Padilha?

Se eu convencesse Madalena de que ela n�o tem raz�o... Se lhe explicasseque � necess�rio vivermos em paz... N�o me entende. N�o nos entendemos.
O que vai acontecer ser� muito diferente do que esperamos. Absurdo.

H� um grande sil�ncio. Estamos em julho. O nordeste n�o sopra e ossapos dormem. Quanto �s corujas, Marciano subiu ao forro da igreja eacabou com elas a pau. E foram tapados os buracos de grilos.

Repito que tudo isso continua a azucrinar-me.

O que n�o percebo � o tique-taque do rel�gio. Que horas s�o? N�o possover o mostrador assim �s escuras. Quando me sentei aqui, ouviam-se aspancadas do p�ndulo, ouviam-se muito bem. Seria conveniente dar corda aorel�gio, mas n�o consigo mexer-me.


XX


Conforme declarei, Madalena possu�a um excelente cora��o. Descobri

nela manifesta��es de ternura que me sensibilizaram. E, como sabem, n�osou homem de sensibilidades. � certo que tenho experimentado mudan�asnestes dois �ltimos anos. Mas isto passa.

As amabilidades de Madalena surpreenderam-me. Esmola grande.
Percebi depois que eram apenas vest�gios da bondade que havia nela paratodos os viventes. Paci�ncia. Eu n�o devia esperar nem esses sobejos � e o
que viesse era lucro. Vivemos algum tempo muito bem.

Lembram-se de que deixei a mesa aborrecido com d. Gl�ria. Pois,
passados minutos, Madalena me trouxe uma x�cara de caf� e deu a entenderque estava arrependida de haver provocado o incidente.

� Foi uma leviandade.
� Foi, balbuciou Madalena vermelhinha, foi inconsidera��o.
� Antes de falar, a gente pensa.
� Com certeza, disse ela bastante perturbada. Esqueci que os dois eramempregados e deixei escapar aquela inconveni�ncia. Ah! foi uma
inconveni�ncia e grande.
A� eu peguei a x�cara de caf� e amoleci:

� N�o, assim tamb�m n�o. Para que exagerar? Houve apenas
incompreens�o. Obrigado, pouco a��car. Incompreens�o, � o termo. Eu
explico. Aqui n�o � como l� fora. O cinema, o bar, os convites, a loteria, obilhar, o diabo, n�o temos nada disso, e �s vezes nem sabemos em que gastardinheiro. Quer que lhe diga? Comecei a vida com cem mil-r�is alheios. Cemmil-r�is, sim senhora. Pois estiraram como borracha. Tudo quantopossu�mos vem desses cem mil-r�is que o ladr�o do Pereira me emprestou.
Usura de judeu, cinco por cento ao m�s.
Madalena ouviu atenta, aprovando, com modos de menina bem-educada:


� Acredito, acredito. O que h� � que ainda n�o conhe�o o meio. Preciso
acostumar-me.
Chamei Casimiro Lopes, entreguei-lhe a x�cara e a bandeja. Depois
acendi o cachimbo:

� O que sinto...
Ergui-me:
� Nunca me arrependo de nada. O que est� feito est� feito. Mas enfimcara feia n�o bota ningu�m para diante. E aquilo que eu azuni a d. Gl�ria...
� Coitada! Ela nem estava prestando aten��o � conversa. Falou por falar.
� Foi uma dos diabos. Pois fa�a-me um favor: mostre a ela, por alto, quen�o tive inten��o de mago�-la. Uma pessoa idosa e respeit�vel... Que n�otive inten��o, ouviu? Eu sou mesmo um sujeito meio azuretado.
Veem que est�vamos brandos como duas bananas. E assim passamos umm�s. Por insist�ncia dela, dei-lhe ocupa��o:

� Fa�a a correspond�ncia. Quer ordenado. Perfeitamente, depois
combinaremos isso. Seu Ribeiro que lhe abra uma conta.

XXI


Pois, apesar das precau��es que tomamos, do asbesto que usamos para

amortecer os atritos, veio nova desintelig�ncia. Depois vieram muitas.

Pela manh� Madalena trabalhava no escrit�rio, mas � tarde sa�a a passear,
percorria as casas dos moradores. Garotos empalamados e bei�udos
agarravam-se �s saias dela.

Foi � escola, criticou o m�todo de ensino do Padilha e entrou a amolar-
me reclamando um globo, mapas, outros arreios que n�o menciono porquen�o quero tomar o inc�modo de examinar ali o arquivo. Um dia,
distraidamente, ordenei a encomenda. Quando a fatura chegou, tremi. Umburaco: seis contos de r�is. Seis contos de folhetos, cart�es e pedacinhos det�bua para os filhos dos trabalhadores. Calculem. Uma dinheirama t�o
grande gasta por um homem que aprendeu leitura na cadeia, em carta deABC, em almanaques, numa b�blia de capa preta, dos bodes. Mas contive-
me. Contive-me porque tinha feito ten��o de evitar dissid�ncias com minhamulher e porque imaginei mostrar aquelas complica��es ao governadorquando ele aparecesse aqui. Em todo o caso era despesa sup�rflua.

Assinei a duplicata, pus o chap�u e sa�. Ao passar pelo est�bulo, notei queos animais n�o tinham ra��o.

� Isto vai mal.
E gritei:
� Marciano!
Gritei em v�o. Desci a ladeira, com raiva. L� embaixo, � porta da escola,
descobri Marciano escanchado num tamborete, taramelando com o Padilha.

� J� para as suas obriga��es, safado.
� Acabei o servi�o, seu Paulo, gaguejou Marciano perfilando-se.
� Acabou nada!
� Acabei, senhor sim. Juro por esta luz que nos alumia.
� Mentiroso. Os animais est�o morrendo de fome, roendo a madeira.

Marciano teve um rompante:

� Ainda agorinha os cochos estavam cheios. Nunca vi gado comer tanto.
E ningu�m aguenta mais viver nesta terra. N�o se descansa.
Era verdade, mas nenhum morador me havia ainda falado de semelhante
modo.

� Voc� est� se fazendo besta, seu corno?
Mandei-lhe o bra�o ao p� do ouvido e derrubei-o. Levantou-se zonzo,
bambeando, recebeu mais uns cinco trompa�os e levou outras tantas quedas.
A �ltima deixou-o esperneando na poeira. Enfim ergueu-se e saiu de cabe�abaixa, trocando os passos e limpando com a manga o nariz, que escorriasangue. Estive uns minutos soprando. Depois voltei-me para o Padilha:

� O culpado � voc�.
� Eu?
� Sim, voc�, que anda enchendo de folhas as ventas daquele sem-
vergonha.
Padilha defendeu-se, p�lido:

� N�o ando enchendo nada n�o, seu Paulo. � injusti�a. Ele veio de
enxerido, acredite. N�o chamei, at� disse: �Marciano, � melhor que voc� v�dar comida aos bichos.� N�o escutou e ficou a�, lesando. Eu estava enjoado,
por Deus do c�u, que n�o gosto da cara desse moleque.
Ia pregar-lhe uma descompostura, mas avistei Madalena, que, no pared�odo a�ude, se virava para as ru�nas do Marciano. Fui ao encontro dela,
resmungando:

� Insolente! d�-se o p�, e quer tomar a m�o.
Mas a c�lera tinha desaparecido. O que agora me importunava eram ascaixas com o material pedag�gico in�til nestes cafund�s. Para que aquilo? Ogovernador se contentaria se a escola produzisse alguns indiv�duos capazesde tirar o t�tulo de eleitor.

� Tomando fresca, hem? perguntei a Madalena, que tinha a vista presano telhado escuro do est�bulo.
N�o deu resposta. Pus-me a olhar o bebedouro dos animais, o leito vaziodo riacho al�m do sangradouro do a�ude e, longe, na encosta da serra, apedreira, que era apenas uma n�doa alvacenta. A mata ia enegrecendo. Umvento frio come�ou a soprar. As �ltimas cargas de algod�o chegaram ao
descaro�ador. Houve um apito demorado e os trabalhadores largaram oservi�o. Consultei o rel�gio: seis horas.


� � horr�vel! bradou Madalena.
� Como?
� Horr�vel! insistiu.
� Que �?
� O seu procedimento. Que barbaridade! Despro-p�sito.
� Que diabo de hist�ria...
Estaria tresvariando? N�o: estava bem acordada, com os bei�os
contra�dos, uma ruga entre as sobrancelhas.

� N�o entendo. Explique-se.
Indignada, a voz tr�mula:
� Como tem coragem de espancar uma criatura daquela forma?
� Ah! sim! por causa do Marciano. Pensei que fosse coisa s�ria.
Assustou-me.
Naquele momento n�o supus que um caso t�o insignificante pudesseprovocar desaven�a entre pessoas razo�veis.

� Bater assim num homem! Que horror!
Julguei que ela se aborrecesse por outro motivo, pois aquilo era umafrivolidade.

� Ninharia, filha. Est� voc� a� se afogando em pouca �gua. Essa gente faz
o que se manda, mas n�o vai sem pancada. E Marciano n�o � propriamenteum homem.
� Por qu�?
� Eu sei l�! Foi vontade de Deus. � um molambo.
� Claro. Voc� vive a humilh�-lo.
� Protesto! exclamei alterando-me. Quando o conheci, j� ele era
molambo.
� Provavelmente porque sempre foi tratado a pontap�s.
� Qual nada! � molambo porque nasceu molambo.
Madalena calou-se, deu as costas e come�ou a subir a ladeira.
Acompanhei-a, embuchado. De repente voltou-se e, com voz rouca, umachama nos olhos azuis, que estavam quase pretos:

� Mas � uma crueldade. Para que fez aquilo?
Perdi os estribos:
� Fiz aquilo porque achei que devia fazer aquilo. E n�o estou habituadoa justificar-me, est� ouvindo? Era o que faltava. Grande acontecimento, tr�s

ou quatro muxic�es num cabra. Que diabo tem voc� com o Marciano paraestar t�o parida por ele?


XXII


D.
Gl�ria gostava de conversar com seu Ribeiro. Eram conversas
intermin�veis, em dois tons: ele falava alto e olhava de frente, ela cochichava
e olhava para os lados. Quando me via, calava-se.

Compreendo perfeitamente essas mudan�as. Fui trabalhador alugado esei que de ordin�rio a gente mi�da emprega as horas de folga depreciando osque s�o mais gra�dos. Ora, as horas de folga de d. Gl�ria eram quase todas.

Dormia, almo�ava, jantava, ceava, lia romances � sombra das laranjeiras e
atenazava Maria das Dores, que endoidecia com a colabora��o dela.
Queixava-se de tudo: dos ratos, dos sapos, das cobras, da escurid�o. Afetavana minha presen�a uma atitude de v�tima. N�o se cansava de gabar a cidade,
fora de prop�sito. Passava parte dos dias no escrit�rio.

Seu Ribeiro tratava-a por excelent�ssima senhora (Madalena era apenasexcelent�ssima). Julguei perceber, por certas palavras, gestos e sil�ncios, queela ia ali deplorar a sorte da sobrinha. Estava sempre ao p� da carteira,
amolando.

Madalena batia no teclado da m�quina. Seu Ribeiro escrevia com
lentid�o tr�mula, �s vezes se aperreava procurando a r�gua, a borracha, ofrasco de cola, que se ausentavam, porque d. Gl�ria tinha o mau costume demexer nos objetos e n�o os p�r nunca onde os encontrava. Eu me danavacom essa desordem, fechava a cara, dava ordens secas rapidamente e sa�apara n�o estourar. Enfim desabafei. Num dia quatro o balancete do m�s
passado n�o estava pronto.

� Por que foi esse atraso, seu Ribeiro? Doen�a?
O velho esfregou as su��as, angustiado:
� N�o senhor. � que h� uma diferen�a nas somas. Desde ontem procurofazer a confer�ncia, mas n�o posso.
� Por qu�, seu Ribeiro?
E ele calado.

� Est� bem. Ponha um cartaz ali na porta proibindo a entrada �s pessoasque n�o tiverem neg�cio. Aqui trabalha-se. Um cartaz com letras bem
grandes. Todas as pessoas, ouviu? Sem exce��o.
� Isso � comigo? disse d. Gl�ria esticando-se.
� Prepare logo o cartaz, seu Ribeiro.
� Perguntei se era comigo, tornou d. Gl�ria diminuindo um pouco.
� Ora, minha senhora, � com toda a gente. Se eu digo que n�o h�
exce��o, n�o h� exce��o.
� Vim falar com minha sobrinha, balbuciou d. Gl�ria reduzindo-se ao
seu volume ordin�rio.
� Sua sobrinha, enquanto estiver nesta sala, n�o recebe visitas, � umempregado como os outros.
� Eu n�o sabia. Pensei que n�o interrompesse.
� Pensou mal. Ningu�m pode escrever, calcular e conversar ao mesmo
tempo.
D. Gl�ria saiu descrevendo um �ngulo reto: esgueirou-se da carteira at� aparede e, beirando-a, alcan�ou a porta, que se abriu e fechou
silenciosamente. Sentei-me e comecei a confrontar o di�rio com o raz�o. Seu
Ribeiro aproximou-se para auxiliar-me.
� Obrigado.
Seu Ribeiro aprontou, com o canivete e a r�gua, um quadrado de papel�o.
Madalena levantou-se, cobriu a m�quina, trouxe-me as cartas, esperou queeu terminasse a leitura delas e retirou-se. Assinei as cartas e meti-as nos
envelopes.

� Que � que d. Gl�ria vem fuxicar aqui, seu Ribeiro?
� Nada de import�ncia, respondeu o guarda-livros. A senhora d. Gl�ria� um cora��o de ouro e versa diferentes temas com profici�ncia, mas eu,
para ser franco, n�o a tenho escutado com a devida aten��o.
Achei rid�culo interrogar aquele homem grave sobre os mexericos de d.
Gl�ria.

� Excelente senhora, afirmava seu Ribeiro pautando a l�pis o quadradode papel�o.
� Mais ou menos.
Levantei-me:
� Cuidado com os intrusos.
� Perfeitamente, respondeu seu Ribeiro.

No sal�o encontrei Madalena ca�da no sof�, acabrunhada. Enxugou osolhos � pressa:

� Por que foi aquela brutalidade?
Madalena estava prenhe, e eu pegava nela como em lou�a fina.
Ultimamente dizia-me coisas desagrad�veis, que eu fingia n�o compreender.
Via a barriga crescer-lhe. Uma compensa��o. Sentei-me e, para n�o
desgost�-la:

� Foi realmente brutalidade. Brutalidade necess�ria, mas enfim
brutalidade. � uma peste recorrer a isso.
� E para que recorre? chasqueou Madalena.
� J� voc� come�a. Esses modos n�o, tenha paci�ncia. Detesto picuinhas.
Comigo � tr�s z�s, n� cego. Subterf�gios n�o.
� Quem � que est� com subterf�gios? Foi uma brutalidade.
� Necess�ria.
� Desnecess�ria. V�-se bem que voc� n�o gosta de minha tia.
� Eu? Nem gosto nem desgosto. Pensei que ela quisesse algumaocupa��o. A prop�sito, � bom voc� deixar a m�quina. Aquilo � ruim para abarriga. N�o se sente mal?
� N�o.
� Em todo o caso uns meses antes e uns meses depois do parto tem
f�rias.
� Obrigada.
� Como ia dizendo, julguei que sua tia quisesse trabalhar. At� uma vez
dei a ela uns conselhos, no trem. Espinhou-se. Vive a� com as m�os
abanando, lendo bobagens. N�o lhe quero mal por isso. Agora o que n�oacho direito � empatar o servi�o dos outros.
� Escute, Paulo, solu�ou Madalena. Est� enganado. N�o tem raz�o,
garanto que n�o tem raz�o. Minha tia � uma criatura digna.
� Efetivamente, ela tem uma esp�cie de dignidade, �s vezes, mas a
dignidade nela dura pouco.
Madalena prosseguiu:

� N�o conhe�o ningu�m que trabalhe mais que d. Gl�ria.
� Ora essa! bradei com um espanto que me levantou do sof�.
� Vai sair?
Pensando bem, creio que n�o foi o espanto que me levantou.
Provavelmente foi o costume que eu tinha de me dirigir ao campo todos os


dias pela manh�. � verdade que o meu esp�rito estava completamenteafastado da lavoura, mas d. Gl�ria e Madalena j� me haviam retardado quaseuma hora, e o movimento que fiz correspondia a uma necessidade que setornou clara quando me pus em p�.

� Vamos?
Madalena acompanhou-me e em caminho falou desta forma:
� Voc�, pelo que me disse, principiou a vida muito pobre.
� Sei l� como principiei! Quando dei por mim, era guia de cego. Depoisvendi as cocadas da velha Margarida. J� lhe contei.
� J�. Lutou muito. Mas acredite que d. Gl�ria tem desenvolvido maisatividade que voc�.
� Estou esperando. Que fez ela?
� Tomou conta de mim, sustentou-me e educou-me.
� S�?
� Acha pouco? � porque voc� n�o sabe o esfor�o que isso custou. Maiorque o seu para obter S. Bernardo. E o que � certo � que d. Gl�ria n�o metroca por S. Bernardo.
Vaidade. Professorinhas de primeiras letras a escola normal fabricava �sd�zias. Uma propriedade como S. Bernardo era diferente.

� N�o h� compara��o.
� Mor�vamos em casa de jogador de espada, disse Madalena. Havia
duas cadeiras. Se chegava visita, d. Gl�ria sentava-se num caix�o de
querosene. A saleta de jantar era o meu gabinete de estudo. A mesa tinhauma perna quebrada e encostava-se � parede. Trabalhei ali muitos anos. �noite baixava a luz do candeeiro, por economia. D. Gl�ria ia para a cozinha
resmungar, chorar, lastimar-se. O h�bito que ela tem de cochichar e
caminhar nas pontas dos p�s vem desse tempo. Dorm�amos as duas numacama estreita. Se eu adoecia, d. Gl�ria passava a noite sentada; quando n�oaguentava o sono, deitava-se no ch�o.
Madalena calou-se. Impressionado com aquela pobreza, exclamei:

� Diabo! Voc�s comeram uma cachorra insossa.
� Quem n�o adoecia era d. Gl�ria, continuou Madalena. Eu sa�a para aescola e ela punha o xale, ia cavar a vida. Tinha muitas profiss�es. Conheciapadres � e fazia flores, punha em ordem alfab�tica os assentamentos de
batizados, enfeitava altares. Conhecia desembargadores � e copiava os
ac�rd�os do tribunal. � noite vendia bilhetes no Floriano. E como o padeiro

nosso vizinho era analfabeto, escriturava as contas dele num caderno de
balc�o. Est� claro que, dedicando-se a tantas ocupa��es mi�das, era mal
paga.

� Deve compreender... murmurei vagamente, olhando os dorsos
vermelhos das novilhas mergulhadas no capim-gordura.
Madalena interrompeu-me:

� E nos exames ainda tinha tempo de cabalar os examinadores, Deus e omundo para eu n�o ser reprovada. D. Gl�ria � incans�vel. O que ela n�opode � dedicar-se a um trabalho continuado: consome-se em trabalhosincompletos. � por isso a inquieta��o em que vive. Aqui n�o h� os bilhetesdo cinema, os ac�rd�os do tribunal, os assentamentos de batizados, o
caderno de contas do padeiro. D. Gl�ria v� m�quinas e homens quefuncionam como as m�quinas. Entretanto, d. Gl�ria procura ser �til: vai �igreja, p�e flores nos altares e limpa os vidros das imagens na sacristia; tentacozinhar e n�o se entende com Maria das Dores; oferece-se para ajudar seuRibeiro; j� experimentou escrever em m�quina.
Um caminh�o rodou em dire��o � serraria; vinham da mata pancadassecas de machado; carros de bois chiavam para os lados de Bom-Sucesso.

� Como tenho dito, n�o concordo com esse esbanjamento de energia. Agente deve habituar-se a fazer uma coisa s�.
� D. Gl�ria nada ganharia se se aperfei�oasse em vender bilhetes nocinema ou escrever os batizados: a paga seria sempre insignificante.
� Por que n�o se empregou em of�cio mais rendoso?
� Dif�cil. Demais � necess�rio haver quem venda os bilhetes e copie osac�rd�os.
Calei-me � e n�o senti nenhuma simpatia � pobre da d. Gl�ria.
Continuei a julg�-la uma velha bisbilhoteira e de m�os lastim�veis, quedeitavam a perder o que pegavam. Aquelas ocupa��es espalhadasaborreciam-me. Levantei os ombros. E, para n�o descontentar Madalena:

� Pode ser que voc� tenha raz�o. Eu discordo. Mas enfim cada qual teml� o seu modo de matar pulgas.

XXIII


Era domingo, de tarde, e eu voltava do descaro�ador e da serraria, onde

tinha estado a arengar com o maquinista. Um volante empenado e umd�namo que emperrava. O homem prometera endireitar tudo em dois dias.
Contratempo. Montes de madeira, algod�o enchendo os pai�is.

� Desleixados.
� beira do riacho, topei a velha Margarida sentada numa pedra, lavandoas canelas finas como gravetos.

� Boa tarde, m�e Margarida.
� Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo, respondeu a negra
procurando reconhecer-me com o nariz e com a orelha.
Descobriu-me entre cheiros e ru�dos:

� An!
� Como vai isso, m�e Margarida? A sa�de?
� Aqui vamos dando, meu filho. Melhor do que mere�o a Deus, disse avelha enxugando na saia de riscado os cambitos das pernas.
� Falta alguma coisa l� no rancho?
� Falta nada! Tem tudo, a sinh� manda tudo. Um despotismo de luxo:
len��is, sapatos, tanta roupa! Para que isso? Sapato no meu p� n�o vai. E n�ome cubro. S� preciso uma esteira. Uma esteira e o fogo.
� Est� direito, m�e Margarida. Passe bem. E sa�, agastado com
Madalena. Avistei na outra banda Marciano, que tangia o gado.
� Espera l�.
Atravessei a pinguela e fui ver o �ltimo produto limosino-caracu.
� Magreir�o.
N�o estava, mas achei que estava.
� N�o me responda, entupa-se.
A culpada era Madalena, que tinha oferecido � Rosa um vestido de seda.
� verdade que o vestido tinha um rasg�o. Mas era disparate.


� Deitasse fora, foi o que eu disse a Madalena. Se estava estragado, eradeitar fora. N�o � pelo preju�zo, � pelo desarranjo que traz a esse povinhoum vestido de seda.
Madalena respondeu-me com quatro pedras na m�o, e ficamos de ventainchada uma semana. Eu por mim remo� um rancor excessivo.

O telhado da serraria era uma n�doa vermelha que as chuvas, aqui e ali,
haviam tingido de preto. Na outra margem do riacho a cabe�a curvada deMargarida mexia-se lentamente por cima das hastes do capim. E, subindouma vereda, a figurinha de Marciano colava-se �s reses.

� Est�pida! exclamei com raiva.
E pensei no vestido da Rosa, nos sapatos e nos len��is da velha
Margarida.

� Desperd�cio.
Depois recordei o volante e o d�namo.
� Est�pida!
Est� visto que Madalena n�o tinha nada com o descaro�ador e a serraria,
mas naquele momento n�o refleti nisso: misturei tudo e a minha c�leraaumentou. Uma c�lera despropositada. Esqueci os presentes que, h� algunsanos, a Rosa me comeu (p� de arroz, voltas de conta) e as despesas que fiz
com Margarida, at� autom�vel ao sert�o, at� clich�s para o jornal doGondim. O que me pareceu foi que Madalena estava gastando � toa.

� � toa, percebem?
Repeti para convencer-me:
� � toa. Desperd�cio.
Por cima do capim-gordura j� n�o se via a cabecinha branca de
Margarida. Num cotovelo do caminho o vulto de Marciano tinha
desaparecido. Com o descambar do sol, o telhado da serraria estava maisvermelho.

N�o seria mau despedir o maquinista.


� Que gente!
Concentrei-me no caso do d�namo, que era o que me havia predisposto a
considerar prodigalidades os sapatos, os len��is e o vestido de seda.

Depois tranquilizei-me. Arredar o maquinista, sim senhor, boa solu��o.

Demorei-me um instante vendo um casal de papa-capins namorando

escandalosamente. Uma galinhagem desgra�ada. Dentro de alguns dias


aquilo se descasava, cada qual tomava seu rumo, sem dar explica��es aningu�m. Que sorte!

E dirigi-me a casa. No alpendre Madalena, Padilha, d. Gl�ria e seu
Ribeiro conversavam. Com a minha chegada calaram-se.

Puxei uma cadeira e sentei-me longe deles. Era poss�vel que a palestran�o me interessasse, mas suspeitei que estivessem falando mal de mim.
Provavelmente. D. Gl�ria sempre com segredinhos ao ouvido de seu Ribeiro.
E Madalena escutando o Padilha. O Padilha, que tinha uma alma baixa, naopini�o dela. Para o inferno. T�o bom era um como o outro. Entretidos,
animados. Conspira��o. Talvez n�o fosse nada. Mas para quem, como eu,
andava com a pulga atr�s da orelha! Aborrecia.

Estavam constrangidos, certamente adivinhando o que eu pensava.
Padilha mastigava com os dentes estragados o sorriso servil.

Levantei-me, encostei-me � balaustrada e comecei a encher o cachimbo,
voltando-me para fora, que no interior da minha casa tudo era desagrad�vel.

No fim do p�tio um moleque passou, com um bodoque na m�o. Estavaali para que servia a escola. Vadiando, matando passarinhos, num dia dedescanso, bom para soletrar a cartilha e riscar papel.

Seis contos de t�buas, mapas, quadros e outros enfeites de parede. Seiscontos!

Carrancudo, olhei de esguelha para Madalena, que ficou sossegada, comose aquilo n�o tivesse sido feito por ela.

Acendi o cachimbo, furiosamente, e procurei distrair-me. O rancho deMargarida escondia-se entre as folhas das bananeiras. Marciano saiu do
est�bulo e veio vindo, banzeiro, derreando-se; diante da casa-grande tirou ochap�u e escondeu o cigarro. A pedreira, l� em cima, estava quase invis�veldepois que o caminho para ela se tinha fechado.

A prefeitura n�o queria mais comprar pedras, as constru��es na fazendaestavam terminadas. E mestre Caetano, gemendo no catre, recebia todas assemanas um dinheir�o de Madalena. Sim senhor, uma panqueca. Visitas,
rem�dios de farm�cia, galinhas.

� N�o h� nada como ser entrevado.
Necessitava, � claro, mas se eu fosse sustentar os necessitados, arrasava-
me.
Al�m de tudo vestido de seda para a Rosa, sapatos e len��is paraMargarida. Sem me consultar. J� viram descaramento assim? Um abuso, um


roubo, positivamente um roubo.

Voltei a sentar-me. Madalena entrou a falar com o Padilha, mas n�o
percebi o que diziam. O constrangimento foi desaparecendo. Padilha tinhaos olhos baixos.

Por que era que eu n�o punha o Padilha fora de casa, aquele parasita queme levava cento e cinquenta mil-r�is por m�s com a tapea��o da escola eestava fuxicando, visivelmente fuxicando?

Virei o rosto e descansei a vista no p�tio, muito alvo, coberto de pedrami�da e areia. Andavam ali �quela hora pombos como os diabos, voandobaixo, passeando, emproados, beliscando o ch�o. Contei uns cinquenta.
Perdi a conta, recomecei sem resultado. Eram bem duzentos.

Recordei o tempo em que aquilo s� tinha mu�amb�s e lama. O riacho,
um pouco de �gua turva num sulco estreito e tortuoso, derramava-se pelav�rzea, empapando o solo. E as cercas do Mendon�a avan�ando.

Que diferen�a! Senti desejo de levantar-me e exclamar:

� Vejam isto. Est�o dormindo? Acordem. As casas, a igreja, a estrada, oa�ude, as pastagens, tudo � novo. O algodoal tem quase uma l�gua de
comprimento e meia de largura. E a mata � uma riqueza. Cada p� de
amarelo! cada cedro! Olhem o descaro�ador, a serraria. Pensam que isto
nasceu assim sem mais nem menos?
Padilha continuava tagarelando com Madalena. Ergui os ombros:


� Para o inferno, para a casa da peste!
Seu Ribeiro aprovava com gravidade as tolices de d. Gl�ria.
Casimiro Lopes veio sentar-se num degrau da cal�ada. Picando fumo
com a faca de ponta e preparando o cigarro de palha, deitava os olhos de c�oao prado, ao a�ude, � igreja, �s planta��es. Pobre do Casimiro Lopes. Ia-meesquecendo dele. Calado, fiel, pau para toda a obra, era a �nica pessoa queme compreendia. Mandou-me um sorriso triste. Estirei o bei�o, dizendo emsil�ncio:

� Isto vai ruim, Casimiro.
Casimiro Lopes arrega�ou as ventas numa careta desgostosa.
Os outros continuavam a zumbir. Sebo! Uns insetos. N�o valia a pena
prestar aten��o a semelhantes insignific�ncias. Gente besta.
Ergui-me, bocejando. O que eu estava era cansado. O dia inteiro no
campo, inquirindo, esmiu�ando. Senti as pernas bambas. Cansado.


A noite chegava. Um pretume no interior da casa. Lembrei-me do
d�namo encrencado. Mais esta. Deixei o alpendre e entrei:

� Maria das Dores, acenda os candeeiros.
O pequeno berrava como bezerro desmamado. N�o me contive: voltei egritei para d. Gl�ria e Madalena:

� V�o ver aquele infeliz. Isso tem jeito? A� na prosa, e pode o mundo vir
abaixo. A crian�a esgoelando-se!
Madalena tinha tido menino.


XXIV


Fazia dois anos que eu estava casado, e por isso Jo�o Nogueira, padre

Silvestre e Azevedo Gondim jantavam conosco.

Ora exatamente nesse dia repreendi Padilha e ele me gaguejou umasdesculpas a que n�o liguei import�ncia, mas que depois de algumas horascresceram muito.

� � Padilha, chegue c�, disse-lhe de manh� no jardim, onde ele colhiaflores. Ningu�m aqui est� preso. Se o servi�o lhe desagrada, � arribar.
� Por qu�, seu Paulo? exclamou Lu�s Padilha atordoado.
� Ora por qu�! Apanhando flores, homem! Olhe o rel�gio.
� Foi a d. Madalena que mandou tirar umas rosas.
� Voc� � jardineiro? A d. Madalena n�o d� ordens. Voc� me anda
gastando o tempo com falat�rios!
� Isso n�o � comigo, defendeu-se Padilha. Queixe-se dela. A mo�a mepediu umas flores para enfeitar a mesa, � tarde. Que � que eu havia de fazer?
Havia de negar? E quanto �s conversas, seu Paulo compreende. Uma
senhora instru�da meter-se nestas bibocas! Precisa uma pessoa com quempossa entreter de vez em quando palestras amenas e variadas.
Achei gra�a. E n�o prestei mais aten��o a Padilha, que, espetando osdedos nos espinhos, devastou uma roseira, � pressa, e escapuliu-se. Palestrasamenas!

Mais tarde, no escrit�rio, uma ideia indeterminada saltou-me na cabe�a,
esteve por l� um instante quebrando lou�a e deu o fora. Quando tentei
agarr�-la, ia longe. Interrompi a leitura da carta que tinha diante de mim e,
sem saber por qu�, olhei Madalena desconfiado. Estava de p�, encostada �carteira, mexia distra�da as folhas do raz�o e contemplava pela janela ospaus-d�arco distantes.

Maquinalmente, assinei o papel; Madalena estendeu-me outro,
maquinalmente. Nisto a ideia voltou. Movia-se, por�m, com tanta rapidez


que n�o me foi poss�vel distingui-la. Estremeci, e pareceu-me que a cara deMadalena estava mudada. Mas a impress�o durou pouco.

Embrenhei-me no trabalho e, � tarde, quando os amigos desceram doautom�vel, sentia-me perfeitamente tranquilo.

� Ora, sejam bem aparecidos.
Como n�o eram de cerim�nia, levei-os para o interior, fui matar a sededo Gondim, que, quando chega a S. Bernardo, exige conhaque.
Durante o jantar, estiveram todos muito animados. E at� eu, que ignoroos assuntos que eles debatiam, entrei na dan�a.
Para come�ar, Azevedo Gondim, a quem o conhaque tinha tirado aspeias da l�ngua, elogiou a vida campestre:

� Isto � que �! Vejam se na cidade, ciscando no fundo dos quintais, secriava um peru deste tamanho. Que bicho fornido! Benza-o Deus.
D. Gl�ria deu um muxoxo e desviou a vista do centro da mesa, onde,
acocorado na travessa, um peru recebia aqueles louvores despropositados.
Padre Silvestre acompanhou o movimento de d. Gl�ria e deu com os
olhos nos canteiros do jardim e nas alamedas do pomar.

� Realmente deve ser uma del�cia viver neste para�so. Que beleza!
� Para quem vem de fora, atalhei. Aqui a gente se acostuma. Afinal n�ocultivo isto como enfeite. � para vender.
� As flores tamb�m? perguntou Azevedo Gondim.
� Tudo. Flores, hortali�a, fruta...
� Est� a�! exclamou padre Silvestre balan�ando a cabecinha grisalha eenrugando a testa estreita. O que � ter senso! Se todos os brasileiros
pensassem assim, n�o estar�amos presenciando tanta mis�ria.
� Pol�tica, padre Silvestre? fez Jo�o Nogueira sorrindo.
Padre Silvestre arregalou os olhinhos ba�os:
� Por que n�o? O senhor h� de confessar que estamos � beira de umabismo.
Padre Silvestre � desorientado. Com uma freguesia trabalhosa, anda no
mundo da lua. Danadamente liberal.
Padilha meteu o bedelho na conversa:

� Apoiado.
� Um abismo, repetiu padre Silvestre.
� Que abismo? perguntou Azevedo Gondim.
O reverendo estudou uma resposta en�rgica:

� Isso que se v�. � a fal�ncia do reg�men. Desonestidades, patifarias.
� Quais s�o os patifes? inquiriu Jo�o Nogueira.
Padre Silvestre estirou o bei�o inferior e amoitou-se. As opini�es dele s�o
as opini�es dos jornais. Como, por�m, essas opini�es variam, padreSilvestre, impossibilitado de admitir coisas contradit�rias, l� apenas as folhasda oposi��o. Acredita nelas. Mas experimenta �s vezes d�vidas. Elas juramque os homens do governo s�o malandros, e ele conhece alguns respeit�veis.
Isso prejudica as convic��es que a letra impressa lhe d�. Necessitando
acomodar as suas observa��es com as afirma��es alheias, acha que os
pol�ticos, individualmente, s�o criaturas como as outras, mas em conjuntos�o uns malfeitores.

� Ora essa! N�o me compete denunciar ningu�m. Os fatos s�o os fatos.
Observe.
� � bom apontar, insistiu Jo�o Nogueira.
� Para qu�? A fac��o dominante est� caindo de podre. O pa�s naufraga,
seu doutor. � o que lhe digo: o pa�s naufraga.
Passei-lhe uma garrafa e informei-me:

� Que foi que lhe aconteceu para o senhor ter essas ideias? Desgostos?
C� no meu fraco entender, a gente s� fala assim quando a receita n�o cobre adespesa. Suponho que os seus neg�cios v�o bem.
� N�o se trata de mim. S�o as finan�as do Estado que v�o mal. As
finan�as e o resto. Mas n�o se iludam. H� de haver uma revolu��o!
� Era o que faltava. Escangalhava-se esta gangorra.
� Por qu�? perguntou Madalena.
� Voc� tamb�m � revolucion�ria? exclamei com mau modo.
� Estou apenas perguntando por qu�.
� Ora por qu�! Porque o cr�dito se sumia, o c�mbio baixava, a
mercadoria estrangeira ficava pela hora da morte. Sem falar na atrapalha��opol�tica.
� Seria magn�fico, interrompeu Madalena. Depois se endireitava tudo.
� Com certeza, apoiou Lu�s Padilha.
� Voc�s sabem o que est�o dizendo?
� O que admira � padre Silvestre desejar a revolu��o, disse Nogueira.
Que vantagem lhe traria ela?
� Nenhuma, respondeu o vig�rio. A mim n�o traria vantagem. Mas acoletividade ganharia muito.

� Esperem por isso, atalhou Azevedo Gondim. Os senhores est�o
preparando uma fogueira e v�o assar-se nela.
� Literatura! resmungou Padilha.
� Literatura n�o, gritou Azevedo Gondim. Se rebentar a encrenca, h� desair boa coisa, hem, Nogueira?
� O fascismo.
� Era o que voc�s queriam. Teremos o comunismo.
D. Gl�ria benzeu-se e seu Ribeiro opinou:
� Deus nos livre.
� Tem medo, seu Ribeiro? perguntou Madalena sorrindo.
� J� vi muitas transforma��es, excelent�ssima, e todas ruins.
� Nada disso, asseverou padre Silvestre. Essas doutrinas ex�ticas n�o seadaptam entre n�s. O comunismo � a mis�ria, a desorganiza��o da
sociedade, a fome.
Seu Ribeiro passou os dedos pela careca lustrosa:

� No tempo de d. Pedro, corria pouco dinheiro, e quem possu�a umconto de r�is era rico. Mas havia fartura, a ab�bora apodrecia na ro�a.
Mamona, caro�o de algod�o, n�o tinham valor. Com a proclama��o da
rep�blica ficaram custando os olhos da cara. Por isso eu digo que essasmudan�as s� servem para atrapalhar a vida. A estrada de ferro...
� Uma na��o sem Deus! bradava padre Silvestre a d. Gl�ria. Fuzilaramos padres, n�o escapou um. E os soldados, b�bedos, espatifavam os santos edan�avam em cima dos altares.
D. Gl�ria gemia com as m�os no peito:
� Que horror! � poss�vel! Nos altares!
� Espatifaram nada! interveio Padilha. Isso � propaganda
contrarrevolucion�ria.
� E o senhor trabalha para isso, padre Silvestre, exclamou Gondim.
O vig�rio desculpou-se:
� Eu n�o. Estou quieto, no meu canto. Agora achar que o governo �mau, eu acho. Que h� urg�ncias de reforma, h�. Quanto ao comunismo,
lorota, n�o pega. Descansem: entre n�s n�o pega. O povo tem religi�o, opovo � cat�lico.
Jo�o Nogueira discordou:

� � o que ele n�o �. Ningu�m conhece doutrina. Se um protestante cantahinos e prega o evangelho, os devotos das prociss�es v�o escut�-lo; outros

pendem para o espiritismo; e a canalha acredita em feiti�aria e at� adora�rvores. Muitos entram no catolicismo como num hotel, escolhem um prato,
com fastio, e cruzam o talher. Os mais avan�ados s�o disp�pticos. O senhorse engana, padre Silvestre; essa gente ouve missa, mas n�o � cat�lica, e tantose deixa levar para um lado como para outro.

Padre Silvestre desnorteou-se:

� Nesse caso...
Mas Jo�o Nogueira tinha terminado. E estava conversando comigo, em
voz baixa, esculhambando o dr. Magalh�es.
Madalena falava com seu Ribeiro:

� Que � que o senhor perdia?
� N�o sei, excelent�ssima. Talvez perdesse. A mim s� chegam desgra�as.
Enfim tenho aqui um peda�o de p�o. E se essa infelicidade viesse, nem issome davam.
Madalena procurava convenc�-lo, mas n�o percebi o que dizia. De
repente invadiu-me uma esp�cie de desconfian�a. J� havia experimentadoum sentimento assim desagrad�vel. Quando?

Jo�o Nogueira aniquilava o dr. Magalh�es. D. Gl�ria, cheia de comida ede calor, ia cerrando os olhos, j� indiferente ao perigo que anunciavam. SeuRibeiro, cabe�udo, n�o queria inova��es. E Azevedo Gondim, vermelho,
afirmava a padre Silvestre:

� N�o h�. O Nogueira tem raz�o, n�o h�. Conhe�o homens que
defendem a religi�o nos jornais e nunca viram a B�blia.
Quando? Num momento esclareceu-se tudo: tinha sido naquele mesmodia, no escrit�rio, enquanto Madalena me entregava as cartas para assinar.
Sim senhor! Conluiada com o Padilha e tentando afastar os empregadoss�rios do bom caminho. Sim senhor, comunista! Eu construindo e ela
desmanchando.

Levantamo-nos e fomos tomar caf� no sal�o.


� Sim senhor, comunista!
� � a corru��o, a dissolu��o da fam�lia, teimava padre Silvestre.
Ningu�m respondeu.
Ignoro essas coisas, naturalmente, mas desejei saber o que Madalena
pensava a respeito delas.
O vig�rio s� fazia gritar.
Qual seria a opini�o de Madalena?


� A� padre Silvestre tem raz�o, concordou Gondim. A religi�o � um
freio.
� Bobagem! disse Nogueira. Quem � cavalo para precisar freio?
Qual seria a religi�o de Madalena? Talvez nenhuma. Nunca me havia
tratado disso.

� Monstruosidade.
E repeti baixinho, lentamente e sem convic��o:
� Monstruosidade!
Materialista. Lembrei-me de ter ouvido Costa Brito falar em
materialismo hist�rico. Que significava materialismo hist�rico?
A verdade � que n�o me preocupo muito com o outro mundo. AdmitoDeus, pagador celeste dos meus trabalhadores, mal remunerados c� na terra,
e admito o diabo, futuro carrasco do ladr�o que me furtou uma vaca de ra�a.
Tenho portanto um pouco de religi�o, embora julgue que, em parte, ela �dispens�vel num homem. Mas mulher sem religi�o � horr�vel.

Comunista, materialista. Bonito casamento! Amizade com o Padilha,
aquele imbecil. �Palestras amenas e variadas.� Que haveria nas palestras?
Reformas sociais, ou coisa pior. Sei l�! Mulher sem religi�o � capaz de tudo.

� Sem d�vida, respondi a uma lenga-lenga que padre Silvestre me
infligia.
Seu Ribeiro e Azevedo Gondim amolavam-se, com pachorra. D. Gl�riacochilava. Padilha fumava a um canto.

� Provavelmente.
Creio que disse disparate, porque padre Silvestre divergiu e sapecou-meuma demonstra��o incompreens�vel.
Procurei Madalena e avistei-a derretendo-se e sorrindo para o Nogueira,
num v�o de janela.
Confio em mim. Mas exagerei os olhos bonitos do Nogueira, a roupabenfeita, a voz insinuante. Pensei nos meus oitenta e nove quilos, neste rostovermelho de sobrancelhas espessas. Cruzei descontente as m�os enormes,
cabeludas, endurecidas em muitos anos de lavoura. Misturei tudo ao
materialismo e ao comunismo de Madalena � e comecei a sentir ci�mes.


XXV


Comecei a sentir ci�mes. O meu primeiro desejo foi agarrar o Padilha

pelas orelhas e deit�-lo fora, a pontap�s. Mas conservei-o para vingar-me.
Arredei-o de casa, a bem dizer prendi-o na escola. L� vivia, l� dormia, l�recebia alimento, boia fria, num tabuleiro.

Estive quatro meses sem lhe pagar o ordenado. E quando o vi sucumbido,
magro, com o colarinho sujo e o cabelo crescido, pilheriei:

� Tenha paci�ncia. Logo voc� se desforra. Voc� � um ap�stolo. Continuea escrever os contozinhos sobre o prolet�rio.
O infeliz defendia-se. Com as humilha��es continuadas, limitava-se porfim a engolir em seco. Um dia chorou, pediu-me solu�ando que lhe
arranjasse uma coloca��o no fisco estadual.

� Imposs�vel, Padilha. Espere o soviete. Voc� se colocar� com facilidadena guarda vermelha. Quando isso acontecer, n�o se lembre de mim n�o,
Padilha, seja camarada.
Na casa-grande, que Tubar�o e Casimiro Lopes guardavam, a vida erauma tristeza, um aborrecimento. D. Gl�ria passava as tardes debaixo daslaranjeiras, empalhando-se com brochuras e folhetins. Madalena bordava etinha o rosto coberto de sombras.

�s vezes as sombras se adelga�avam. E findo o trabalho, tudo convidava agente �s conversas moles, aos cochilos, ao embrutecimento.

Uma aragem corria. Vinham-me arrepios bons, desejo de espregui�ar-
me. Via o monte, que a fita vermelha da estrada contorna, a mata, o
algodoal, a �gua parada do a�ude.

Madalena soltava o bordado e enfiava os olhos na paisagem. Os olhoscresciam. Lindos olhos.
Sem nos mexermos, sent�amos que nos junt�vamos, cautelosamente,
cada um receando magoar o outro. Sorrisos constrangidos e gestos vagos.


Eu narrava o sert�o. Madalena contava fatos da escola normal. Depoisvinha o arrefecimento. Infal�vel. A escola normal! Na opini�o do Silveira, asnormalistas pintam o bode, e o Silveira conhece instru��o p�blica nas
pontas dos dedos, at� comp�e regulamentos. As mo�as aprendem muito naescola normal.

N�o gosto de mulheres sabidas. Chamam-se intelectuais e s�o horr�veis.
Tenho visto algumas que recitam versos no teatro, fazem confer�ncias econduzem um marido ou coisa que o valha. Falam bonito no palco, masintimamente, com as cortinas cerradas, dizem:

� Me auxilia, meu bem.
Nunca me disseram isso, mas disseram ao Nogueira. Imagino. Aparecem
nas cidades do interior, sorrindo, vendendo folhetos, discursos, etc.
Provavelmente empestaram as capitais. Horr�veis.

Madalena, propriamente, n�o era uma intelectual. Mas descuidava-se dareligi�o, lia os telegramas estrangeiros.

E eu me retra�a, murchava.

Requebrando-se para o Nogueira, ao p� da janela, sorrindo! Sorrindoexatamente como as outras, as que fazem confer�ncias. Perigo. Quem se
remexer para Jo�o Nogueira estrepa-se. Bom advogado, neg�cios direitos,
sim sim, n�o n�o; mas no g�nero mulher � uma rede, n�o deita �gua a pinto.
E aquela conversa teria sido a primeira? Antes da minha bruta cabe�ada, elesse entendiam. Talvez namorassem. Quando, em casa do dr. Magalh�es, eutinha encontrado Madalena, Jo�o Nogueira estava l�. Tapado, o dr.
Magalh�es, tapad�ssimo. Escut�-lo � pior que ouvir serrar madeira. �Sou
juiz, entende? Juiz. Levanto-me pela manh�.� O Nogueira, de olho duro,
gramando aquilo! Interesse. Come�ara a falar em pol�tica, Madalena
levantara a cabe�a, curiosa. E, com dois anos de casada, num v�o de janela,
desmanchava-se toda para ele.

Erguia-me, insultava-a mentalmente:

� Perua!
At� com o Padilha! Como diabo tinha ela coragem de se chegar a umalazeira como o Padilha? A quest�o social.

� Est� aqui para a quest�o social. O que h� � sem-vergonheza.
Depois a colabora��o no jornal do Gondim. Continuava a colaborar.
Pouco, mas continuava. O Gondim e ela tinham sido unha com carne.


Lembram-se da tarde em que ele me deu parab�ns, estupidamente?

Familiaridade. E discutiam as pernas e os peitos dela!

Eu tinha raz�o para confiar em semelhante mulher? Mulher intelectual.

E a minha cara devia ser terr�vel, porque Madalena empalidecia e dava
para tremer.

Se eu soubesse... Soubesse o qu�! H� l� marido que saiba nada?

Era poss�vel que os caboclos do eito estivessem mangando de mim. At�Marciano e a Rosa comentariam o caso, na cama, de noite.

O Marciano conheceria as minhas rela��es com a Rosa? N�o conhecia.
Tive sempre o cuidado de mand�-lo � cidade, a compras, oportunamente. Etalvez n�o quisesse conhecer. Tamb�m se podia admitir que fosse dotado depouca penetra��o.

� Enfim certeza, certeza de verdade, ningu�m tem.
Que diria seu Ribeiro? Que diria d. Gl�ria?
Afastava-me, lento, ia ver o pequeno, que engatinhava pelos quartos, �s
quedas, abandonado. Acocorava-me e examinava-o. Era magro. Tinha os
cabelos louros, como os da m�e. Olhos agateados. Os meus s�o escuros.
Nariz chato. De ordin�rio as crian�as t�m o nariz chato.

Interrompia o exame, indeciso: n�o havia sinais meus; tamb�m n�o haviaos de outro homem.

E o pequeno continuava a arrastar-se, caindo, chorando, feio como ospecados. As perninhas e os bracinhos eram finos que faziam d�. Gritava diae noite, gritava como um condenado, e a ama vivia meio doida de sono. �svezes ficava roxo de berrar, e receei que estivesse morrendo quando padreSilvestre lhe molhou a cabe�a na pia. Com a denti��o encheu-se de tumores,
cobriram-no de esparadrapos: direitinho uma r�s casteada. Ningu�m se
interessava por ele. D. Gl�ria lia. Madalena andava pelos cantos, com asp�lpebras vermelhas e suspirando. Eu dizia comigo:

� Se ela n�o quer bem ao filho!
E o filho chorava, chorava continuadamente. Casimiro Lopes era a �nicapessoa que lhe tinha amizade. Levava-o para o alpendre e l� se punha apapaguear com ele, dizendo hist�rias de on�as, cantando para o embalar ascantigas do sert�o. O menino trepava-lhe �s pernas, puxava-lhe a barba, eele cantava:


Eu nasci de sete meses,
Fui criado sem mamar.
Bebi leite de cem vacas
Na porteira do curral.


Boa alma, Casimiro Lopes. Nunca vi ningu�m mais simples. Estou
convencido de que n�o guarda lembran�a do mal que pratica. Toda a gente ojulga uma fera. Exagero. A ferocidade aparece nele raramente. N�o
compreende nada, exprime-se mal e � cr�dulo como um selvagem.


XXVI


Fui indo sempre de mal a pior. Tive a impress�o de que me achava doente,

muito doente. Fastio, inquieta��o constante e raiva. Madalena, Padilha, d.
Gl�ria, que trempe! O meu desejo era pegar Madalena e dar-lhe pancada at�
no c�u da boca. Pancada em d. Gl�ria tamb�m, que tinha gasto anos
trabalhando como cavalo de matuto para criar aquela cobrinha.

Os fatos mais insignificantes avultaram em demasia. Um gesto, uma
palavra � toa logo me despertavam suspeitas.

Mulher de escola normal! O Silveira me tinha prevenido, indiretamente.
Agora era aguentar as consequ�ncias da topada, para n�o ser besta.

Aguentar! Ora aguentar! Eu ia l� continuar a aguentar semelhante
desgra�a? O que me faltava era uma prova: entrar no quarto de supet�o e v�la
na cama com outro.

Atormentava-me a ideia de surpreend�-la. Comecei a mexer-lhe nas
malas, nos livros, e a abrir-lhe a correspond�ncia. Madalena chorou, gritou,
teve um ataque de nervos. Depois vieram outros ataques, outros choros,
outros gritos, choveram descomposturas e a minha vida se tornou um
inferno.

Um dia, de passagem pela fazenda, o dr. Magalh�es almo�ou comigo.
Espreitando-o, notei que as amabilidades dele para Madalena foram
excessivas. Efetivamente nas palavras que disseram n�o descobri mau
sentido; a inten��o estava era nos modos, nos olhares, nos sorrisos. Houve,
segundo me pareceu, cochichos e movimentos equ�vocos.

� noite n�o consegui dormir. Passei horas sentado, odiando Madalena,
que se enroscava num canto da cama, as pernas encolhidas apertando oest�mago.

Com o dr. Magalh�es, homem idoso! Considerei que tamb�m eu era umhomem idoso, esfreguei a barba, triste. Em parte, a culpa era minha: n�o metratava. Ocupado com o diabo da lavoura, ficava tr�s, quatro dias sem raspar


a cara. E quando voltava do servi�o, trazia lama at� nos olhos: deem porvisto um porco. Metia-me em �gua quente, mas n�o havia esfrega��o quetirasse aquilo tudo.

Que m�os enormes! As palmas eram enormes, gretadas, calosas, durascomo casco de cavalo. E os dedos eram tamb�m enormes, curtos e grossos.
Acariciar uma f�mea com semelhantes m�os!

As do dr. Magalh�es, homem de pena, eram macias como pelica, e asunhas, bem aparadas, certamente n�o arranhavam. Se ele s� pegava em
autos!

Madalena ressonava. T�o franzina, t�o delicada! Ultimamente ia
emagrecendo.

Levantei-me e aproximei-me da luz. As minhas m�os eram realmente
enormes. Fui ao espelho. Muito feio, o dr. Magalh�es; mas eu, naquela vidados mil diabos, berrando com os caboclos o dia inteiro, ao sol, estava
medonho. Queimado. Que sobrancelhas! O cabelo era grisalho, mas a barbaembranquecia. Sem me barbear! Que desleixo!

No dia seguinte encontrei Madalena escrevendo. Avizinhei-me nas
pontas dos p�s e li o endere�o de Azevedo Gondim.

� Faz favor de mostrar isso?
Madalena agarrou uma folha que ainda n�o havia sido dobrada.
� N�o tem que ver. S� interessa a mim.
� Perfeitamente. Mas � bom mostrar. Faz favor?
� J� n�o lhe disse que s� interessa a mim? Que arrelia!
� Mostra a carta, insisti segurando-a pelos ombros.
Madalena defendia-se, ora levantando o papel com os bra�os estirados,
ora escondendo-o atr�s das costas:

� V� para o inferno, trate da sua vida.
Aquela resist�ncia enfureceu-me:
� Deixa ver a carta, galinha.
Madalena desprendeu-se e entrou a correr pelo quarto, gritando:
� Canalha!
D. Gl�ria chegou � porta, assustada:
� Pelo amor de Deus! Est�o ouvindo l� fora.
Perdi a cabe�a:
� V� amolar a puta que a pariu. Est� mouca, a� com a sua carinha desanta? � isto: puta que a pariu. E se achar ruim, rua. A senhora e a boa de

sua sobrinha, compreende? Puta que pariu as duas.

D. Gl�ria fugiu com o len�o nos olhos.
� Miser�vel! bradou Madalena.
E eu s� sabia dizer:
� Mostra a carta, perua.
Madalena rasgou o papel em pedacinhos e atirou-os pela janela:
� Miser�vel!
Saiu como um redemoinho. No corredor ainda gritou:
� Assassino!
Atordoado, murmurei:
� Cachorra!
E fiquei olhando os peda�os de papel que na manh� de vento esvoa�avampelo jardim, entre as folhas das roseiras. Longe, no sal�o ou na cozinha,
Madalena continuava a gritar:

� Assassino!
Os outros nomes feios que ela me havia dito n�o tinham significa��o.
Aquele tinha uma significa��o. Era o que me atormentava. Mulheres,
criaturas sens�veis, n�o devem meter-se em neg�cios de homens.

Antes dela, a �nica pessoa que, na t�bua da venta, me tachou de assassinofoi Costa Brito, pela se��o livre da Gazeta. Justamente quando acabava dedar-lhe o troco, tinha-me encangado a Madalena. Canga infeliz! N�o eramelhor que eu tivesse quebrado uma perna? Mais vale uma boa amiga��o
que certos casamentos.

Assassino! Como achara ela uma ofensa t�o inesperada? Acaso? Ou terialido o jornal do Brito? O mais prov�vel era Padilha haver referido algunsmexericos que por a� circulam. Sim senhor! Estava o Padilha mudado emindiv�duo capaz de fazer mal. Que gra�a! O Padilha! Recordei-me do casodo Jaqueira, mas a recorda��o desapareceu, e comecei a dizer mentalmente:

� Assassino! Assassino!
Encolerizei-me por estar perdendo tempo com tolices.
� Madalena, d. Gl�ria, Padilha, puta que pariu a todos.
Ali malucando, e a gente do eito � vontade, cobrindo mato. Espreguicei-
me. Uma noite sem dormir! Depois estremeci e olhei as m�os. As minhasm�os eram enormes, com efeito.

O Jaqueira... Ah! sim! tinha sido anos atr�s.


De repente achei que Madalena estava sendo ingrata com o pobre doCasimiro Lopes. Afinal...

Assassino! Que sabia ela da minha vida? Nunca lhe fiz confid�ncias. Cada
qual tem os seus segredos. Seria interessante se and�ssemos dizendo tudouns aos outros. Cada um tem os seus achaques. Madalena, que vinha daescola normal, devia ter muitos. Podia eu conhecer o passado dela? Opresente era ruim, via-se que era ruim.

Ainda em cima ingrata. Casimiro Lopes levava o filho dela para o
alpendre e embalava-o, cantando, aboiando. Que trapalhada! que confus�o!
Ela n�o tinha chamado assassino a Casimiro Lopes, mas a mim. Naquelemomento, por�m, n�o vi nas minhas ideias nenhuma incoer�ncia. E n�o meespantaria se me afirmassem que eu e Casimiro Lopes �ramos uma pessoas�.

O Padilha! Cabra ruim � que desgra�a um homem. Quem havia de suporque o Jaqueira...

Outra vez o Jaqueira. Aqui vai, resumido, o caso do Jaqueira. Jaqueira eraum sujeito empambado, e os moleques, as quengas de pote e esteira, batiamnele. Jaqueira recebia as pancadas e resmungava:

� Um dia eu mato um peste.
Toda a gente dormia com a mulher do Jaqueira. Era s� empurrar a porta.
Se a mulher n�o abria logo, Jaqueira ia abrir, bocejando e amea�ando:

� Um dia eu mato um peste.
Matou. Escondeu-se por detr�s de um pau e descarregou a lazarina bem
no cora��o de um fregu�s. No j�ri, cortaram a cabe�a por seis votos
(patifaria). Saiu da cadeia e tornou-se um cidad�o respeitado. Nunca maisningu�m buliu com o Jaqueira.


XXVII


Quando serenei, pareceu-me que houvera barulho sem motivo. O dr.

Magalh�es tinha feitio para dirigir amabilidades a qualquer senhora sem queningu�m desconfiasse dele. E o papel endere�ado ao Gondim devia serliteratura para composi��o. N�o era sen�o isso. Coisas t�o f�teis � e em
consequ�ncia um arranca-rabo est�pido, com desaforo grosso, Maria dasDores ouvindo, seu Ribeiro ouvindo. Sebo!

Madalena era honesta, claro. N�o mostrara o papel para n�o dar o bra�oa torcer, por dignidade, clar�ssimo. Ci�me idiota.

Mais bem-comportada que ela s� num convento. Circunspecta, sem n�pelas costas. E caridosa, de quebra, at� com os bichinhos do mato. A respeitode pensamento nada se sabia, que no pensamento de outra pessoa ningu�mvai; mas quanto a palavras e obras era inatac�vel. Podia ter-me dito insultospiores. Pior que assassino? Muito duro. Mas n�o me queixava dela,
queixava-me do Padilha, aquele descarado.

Depois da viol�ncia da manh�, sentia-me cheio de otimismo, e a
brutalidade que h� em mim virava-se para o mestre-escola.

Sem-vergonha! Era despedi-lo. � tarde fui tratar disso.

Padilha ofereceu-me a cadeira, sentou-se num tamborete e, s�rio, em
atitude de galinha assada:

� �s suas ordens, seu Paulo Hon�rio.
� Uma not�cia desagrad�vel. N�o preciso mais dos seus servi�os.
� Por qu�? disse Padilha aturdido. Que foi que eu fiz?
� Ora essa! Pergunta a mim? Voc� deve saber o que fez.
� N�o fiz nada. Que � que havia de fazer, trancado? A minha sujei��o �maior que a dos presos da cadeia. N�o saio. Se me afasto vinte passos, � com
o Casimiro no c�s das cal�as. Que foi que eu fiz? Aponte uma falta.
� N�o dou explica��es.
Padilha baixou a cabe�a:

� Est� certo. Sempre na linha, e por fim uma desta! Entra ano, sai ano, e
o trouxa do empregado no toco, direito como um fuso, cumprindo asobriga��es, procurando agradar. Quando espera aumento de ordenado, l�vem pontap�.
Levantou-se:

� D�-me ao menos alguns dias para arrumar os tro�os e cavar um osso.
Eu n�o posso sair assim com uma m�o atr�s, outra adiante.
Ergui-me tamb�m:

� Tem um m�s para se retirar.
� Muito obrigado, balbuciou Padilha. A gente ainda deve agradecer.
Bem feito. Se eu n�o servisse de espoleta a sua mulher, n�o acontecia isto.
Indignou-se:

� Espoleta! �V� buscar um livro, seu Padilha.� Eu ia. �Traga papel, seu
Padilha.� Eu trazia. �Copie esta p�gina, seu Padilha.� Eu copiava. �Apanhe
umas laranjas, seu Padilha.� At� apanhar laranjas! Espoleta! Aquela mulherfoi a causa da minha desgra�a.
� Emende a l�ngua, ordenei.
� Que foi que eu disse? Que era espoleta. Era. Por isso o senhor medemite.
� Nada! O que h� � que voc� andava fazendo fuxicos, homem. Andava
intrigando, homem. Andava tecendo enredos, homem.
Lu�s Padilha embatucou. Depois, de um f�lego:

� Quais s�o as intrigas, os fuxicos, os enredos? O senhor n�o mostraum. Eu sou culpado de sua mulher ter ideias avan�adas? Se � isso...
� N�o, n�o � isso.
� Ent�o n�o sei.
� Escute, Padilha. Eu estou pegando cinquenta anos e tenho corridomundo. Voc� n�o me bota papa na l�ngua n�o. Vejo muita coisa e fecho osolhos, filho de Deus. Se eu afirmo que voc� vivia com fuxicos, � porque voc�vivia com fuxicos.
Padilha catava pulgas:

� Pois diga. A minha consci�ncia n�o me acusa. Diga. Quando a gentesabe, diz.
� Deixe de chove n�o molha, repliquei tro�ando com ele. Voc� n�o
contou inven��es a Madalena? Voc� n�o falou de mim? Falou ou n�o falou?
� N�o falei n�o, seu Paulo. Se eu n�o sei nada!

� Tire o cavalo da chuva, rapaz. Eu ouvi.
Padilha encabulou:
� Est� bem. Se o senhor ouviu, n�o discutimos. Naturalmente ouviu o
que eu n�o disse.
� Ouvi o que voc� disse. N�o teime. Tenho bom ouvido.
� Se ouviu, concedeu Padilha, foi a hist�ria da morte do Mendon�a. D.
Madalena j� sabia...
� Sabia o qu�?
� O que o povo resmunga. Cal�nias. Eu expliquei tudo e defendi o
senhor: �D. Madalena, isso � um caso antigo, e mexer nele n�o d� vida aningu�m. O velho Mendon�a era uma postema, furtava as terras dos
vizinhos. Quanto ao que espalham por a�, n�o acredite: s�o aleives. Seu
Paulo tem bom cora��o e � incapaz de matar um pinto.�
Lembrei-me da briga da manh�. Exatamente o que eu tinha presumido:
mexericos daquele traste.

� � Padilha, por que foi que voc� disse que Madalena era a causa da suadesgra�a?
� E o senhor quer negar? Se n�o fosse ela, eu n�o perdia o emprego. Foiela. E, veja o senhor, eu n�o gostava daquilo. Muitas vezes opinei, sem
rebu�o: �D. Madalena, seu Paulo embirra com o socialismo. � melhor a
senhora deixar de novidade. Essas conversas n�o servem.� Est� a�. Papagaio
come milho, periquito leva a fama. O periquito sou eu.
Fraquejei:

� Que diabo discutiam voc�s?
O meu ci�me tinha-se tornado p�blico. Padilha sorriu e respondeu,
hip�crita:

� Literatura, pol�tica, artes, religi�o... Uma senhora inteligente, a d.
Madalena. E instru�da, � uma biblioteca. Afinal eu estou chovendo no
molhado. O senhor, melhor que eu, conhece a mulher que possui.

XXVIII


�OSenhor conhece a mulher que possui.�

Que frase!

Padilha sabia alguma coisa. Saberia? Ou teria falado � toa?

Conjecturas. O que eu desejava era ter uma certeza e acabar depressacom aquilo. Sim ou n�o.

�O senhor conhece a mulher que possui.� Conhecia nada! Era justamente

o que me tirava o apetite. Viver com uma pessoa na mesma casa, comendona mesma mesa, dormindo na mesma cama, e perceber ao cabo de anos queela � uma estranha! Meu Deus! Mas se eu ignoro o que h� em mim, seesqueci muitos dos meus atos e nem sei o que sentia naqueles meses
compridos de tortura!
J� viram como perdemos tempo em padecimentos in�teis? N�o era
melhor que f�ssemos como os bois? Bois com intelig�ncia. Haver� estupidezmaior que atormentar-se um vivente por gosto? Ser�? n�o ser�? Para queisso? Procurar dissabores! Ser�? n�o ser�?

Se eu tivesse uma prova de que Madalena era inocente, dar-lhe-ia umavida como ela nem imaginava. Comprar-lhe-ia vestidos que nunca mais seacabariam, chap�us caros, d�zias de meias de seda. Seria atencioso, muitoatencioso, e chamaria os melhores m�dicos da capital para curar-lhe a
palidez e a magr�m. Consentiria que ela oferecesse roupa �s mulheres dostrabalhadores.

E se eu soubesse que ela me tra�a? Ah! Se eu soubesse que ela me tra�a,
matava-a, abria-lhe a veia do pesco�o, devagar, para o sangue correr um diainteiro.

Mas logo me enjoava do pensamento feroz. Que rendia isso? Um crimein�til! Era melhor abandon�-la, deix�-la sofrer. E quando ela tivesse viajadopelos hospitais, quando vagasse pelas ruas, faminta, esfrangalhada, com os


ossos furando a pele, costuras de opera��es e marcas de feridas no corpo,

dar-lhe uma esmola pelo amor de Deus.

Seria? n�o seria?

Insignific�ncias. No meio das canseiras a morte chega, o diabo carrega agente, os amigos entortam o focinho na hora do enterro, depois esquecemat� os pir�es que filaram.

Que me importavam as opini�es do Padilha, de seu Ribeiro, de d. Gl�ria,
de Marciano? Casimiro Lopes � que n�o tinha opini�o. Quem me dera sercomo Casimiro Lopes!

� Isto vai mal, Casimiro, dizia eu com os olhos.
Casimiro Lopes concordava, erguendo os ombros.

XXIX


Quando as d�vidas se tornavam insuport�veis, vinha-me a necessidade de
afirmar. Madalena tinha manha encoberta, indubitavelmente.

� Indubitavelmente, indubitavelmente, compreendem?
Indubitavelmente.

As repeti��es continuadas traziam-me uma esp�cie de certeza.

Esfregava as m�os. Indubitavelmente. Antes isso que oscilar de um lado
para outro.

Via-se muito bem que d. Gl�ria era alcoviteira. Passadas mansinhas,
olhos baixos, voz sumida � estava mesmo a preceito para alcoviteira.
Antigamente devia ter dado com os burros na �gua. Alcoviteira,
desencaminhara a sobrinha. Sempre de acordo, aquelas duas �guas.

Enfim o Padilha tinha sido at� camarada.
Monologava com raiva:


� Obrigado, Padilha.
Sim senhor, boa bisca. N�o havia gato nem cachorro em S. Bernardo queignorasse o procedimento dela.
�Aquela mulher foi a causa da minha desgra�a.� Que falta de respeito! H�quem atire semelhante heresia em cima de uma senhora casada, nas barbasdo marido? H�? N�o h�. Querem mais claro?

Padre Silvestre passou por S. Bernardo � e eu fiquei de orelha em p�,
desconfiado. Deus me perdoe, desconfiei. Cavalo amarrado tamb�m come.
A infelicidade deu um pulo medonho: notei que Madalena namorava oscaboclos da lavoura. Os caboclos, sim senhor.
�s vezes o bom-senso me puxava as orelhas:

� Baixa o fogo, sendeiro. Isso n�o tem p� nem cabe�a.
Realmente, uma criatura branca, bem lavada, bem-vestida, bem
engomada, bem aprendida, n�o ia encostar-se �queles brutos escuros, sujos,
fedorentos a pituim. Os meus olhos me enganavam. Mas se os olhos me


enganavam, em que me havia de fiar ent�o? Se eu via um trabalhador deenxada fazer um aceno a ela!

Com esfor�o e procurando distra��o, conseguia reprimir-me. Era
intuitivo que o aceno n�o podia ser para ela. N�o podia.

Ora n�o podia!

� Mulher n�o vai com carrapato porque n�o sabe qual � o macho.
Uma tarde em que a velha Margarida subiu a ladeira a vara e a remo paravisitar-nos, vigiei-a uma hora, com receio de que a pobre fosse portadora dealguma carta.

Creio que estava quase maluco.


XXX



noite parecia-me ouvir passos no jardim. Por que diabo aquele Tubar�o

n�o ladrava? O safado do cachorro ia perdendo o faro.
Erguia-me, pegava o rifle, soprava a luz, abria a janela:

� Quem est� a�?
Seria inimigo, gente dos Gama, do Pereira, do Fid�lis? Pouco prov�vel. As
amea�as tinham cessado: eu e Casimiro Lopes cri�vamos ferrugem.
Instintivamente, resguardava-me colado � parede. Julgava distinguir um
vulto.

� Quem est� a�? � bicho de f�lego ou � marmota? N�o responde n�o?
E l� ia no sil�ncio um tiro que assustava os moradores, fazia Madalena
saltar da cama, gritando.
Fechava a janela e acendia o candeeiro.

� Que foi? gemia Madalena aterrada.
� S�o os seus parceiros que andam rondando a casa. Mas n�o tem
d�vida: qualquer dia fica um diabo a� estirado.
Madalena abra�ava-se aos travesseiros, solu�ando.
Um assobio, longe. Algum sinal convencionado.

� � assobio ou n�o �? Marcou entrevista aqui no quarto, em cima demim? � s� o que falta. Quer que eu saia? Se quer que eu saia, � dizer. N�o seacanhe.
Madalena chorava como uma fonte.
Entristecia-me. Grosseiro, monstruosamente grosseiro.
E se as passadas e o assobio n�o fossem por causa dela? Ah! Sendo assim,


eu picado para lingui�a n�o pagava o que devia. E se as passadas e o assobion�o existissem? Lembrava-me de uma noite em que me aperreei de verdadee puxei a lambedeira, com medo de um rato. H� neste mundo cada engano!
E decidia corrigir-me:


� Vamos deixar de choradeira. L� por assobiarem no pomar e passearemno jardim n�o � preciso a senhora se desmanchar em �gua. � melhor acabarcom essa cavila��o.
Madalena chorava, chorava, at� que por fim, cansada de chorar, pegavano sono. Encolhia-me � beira da cama, para evitar o contacto dela. Quandoia adormecendo, percebia o ranger de chave em fechadura e o rumor detelhas arrastadas. Despertava num sobressalto e continha a respira��o.
Quem estaria futucando portas? Quem estaria destelhando a casa?

Aproximava-me de Madalena, observava-lhe o rosto. Teria ouvido? Ouestaria a fingir que dormia?

Levantava-me, arrastava uma cadeira, sentava-me. Madalena ressonava.

Com certeza ningu�m tinha bulido na fechadura nem nas telhas.
Maluqueiras de sonho. Talvez as pisadas tamb�m tivessem sido abus�o desonho. Um pesadelo. Isso. Um pesadelo. Era poss�vel que o assobio fossegrito de coruja.

Uma pancada no rel�gio da sala de jantar. Que horas seriam? Meia? uma?
uma e meia? ou metade de qualquer outra hora?

N�o podia dormir. Contava de um a cem, e dobrava o dedo mindinho;
contava de cem a duzentos, dobrava o seu vizinho; assim por diante, at�completar mil e ter as duas m�os fechadas. Depois contava cem, e soltava odedo grande; mais cem, o fura-bolo; e quando chegava a dois mil, as duasm�os estavam abertas. Repetia a leseira, imaginava para cada dedo que semovia um conto de r�is de lucro no balan�o, o que me rendia fortunaimensa, t�o grande que me enjoava dela e interrompia a contagem.

Segunda pancada no rel�gio. Uma hora? uma e meia? S� vendo. Erguia-
me, pisava com for�a. Madalena continuava a dormir.

Destrancava e trancava a porta do corredor. Tornava a destrancar,
tornava a trancar. E examinava o rosto de Madalena. Que sono! Ali
descansada, e eu me roendo por dentro. Descansada como se tudo estivessemuito direito. Tinha desejo de acord�-la, recome�ar a contenda em que
viv�amos. Dormir assim, quando eu estava preocupado, seriamente
preocupado, n�o era justo. Preocupado com qu�? Afinal que fazia ali, com am�o na chave e os olhos esbugalhados para Madalena?

� Por que diabo estou mexendo nisto?
Ah! sim! ver as horas. Empurrava a porta, atravessava o corredor, entravana sala de jantar. Sempre era alguma coisa saber as horas.


Sentava-me no meu lugar � mesa. No come�o das nossas desaven�as
todas as noites aqui me sentava, arengando com Madalena. T�nhamos
desperdi�ado tantas palavras!

� Para que serve a gente discutir, explicar-se? Para qu�?
Para qu�, realmente? O que eu dizia era simples, direto, e procuravadebalde em minha mulher concis�o e clareza. Usar aquele vocabul�rio,
vasto, cheio de ciladas, n�o me seria poss�vel. E se ela tentava empregar aminha linguagem resumida, matuta, as express�es mais inofensivas e
concretas eram para mim semelhantes �s cobras: faziam voltas, picavam etinham significa��o venenosa.


XXXI


Uma tarde subi � torre da igreja e fui ver Marciano procurar corujas.

Algumas se haviam alojado no forro, e � noite era cada pio de rebentar osouvidos da gente. Eu desejava assistir � extin��o daquelas aves
amaldi�oadas.

L� de cima escutava o barulho que Marciano, invis�vel, fazia. E, pelasquatro janelinhas abertas aos quatro cantos do c�u, contemplava a paisagem.
Por uma delas via embaixo um peda�o do escrit�rio, uma banca e, sentada �banca, minha mulher escrevendo. Com um ligeiro desvio de olhos, afastavaa cena familiar e corriqueira, divisava o oit�o da casa, portas, janelas, a camade d. Gl�ria, um canto da sala de jantar. Levantava a cabe�a � e o horizontecompunha-se de telhas, argamassa, lambrequins. Mais para cima, campos,
serra, nuvens.

O capim-gordura tinha virado grama, e os bois que pastavam nele eramcomo brinquedos de celuloide. O algodoal galgava colinas, descia, tornava amostrar-se mais longe, desbotado. Numa clareira da mata escura, quasenegra, desmaiavam na sombra figurinhas de lenhadores.

Uma coruja gritava. E Marciano surgia de esconderijos cheios de treva, opixaim branco de teias de aranha:

� Mais uma. � um coruj�o da peste, seu Paulo.
Eu fungava:
� Em que estar� pensando aquela burra? Escrevendo. Que estupidez!
Rosa do Marciano atravessava o riacho. Erguia as saias at� a cintura.
Depois que passava o lugar mais fundo, ia baixando as saias. Alcan�ava amargem, ficava um instante de pernas abertas, escorrendo �gua, e sa�atorcendo-se, com um remeleixo de bunda que era mesmo uma tenta��o.

A dist�ncia arredondava e o sol dourava cocurutos de montes. Pareciam
extraordin�rias cabe�as de santos.


� Se aquela mosca-morta prestasse e tivesse ju�zo, estaria aqui
aproveitando esta catervagem de belezas.
Ali pelos cafus desci as escadas, bastante satisfeito. Apesar de ser umindiv�duo medianamente impression�vel, convenci-me de que este mundon�o � mau. Quinze metros acima do solo, experimentamos a vaga sensa��ode ter crescido quinze metros. E quando, assim agigantados, vemos
rebanhos numerosos a nossos p�s, planta��es estirando-se por terras largas,
tudo nosso, e avistamos a fuma�a que se eleva de casas nossas, onde vivegente que nos teme, respeita e talvez at� nos ame, porque depende de n�s,
uma grande serenidade nos envolve. Sentimo-nos bons, sentimo-nos fortes.
E se h� ali perto inimigos morrendo, sejam embora inimigos de poucamonta que um moleque devasta a cacete, a convic��o que temos da nossafortaleza torna-se est�vel e aumenta. Diante disto, uma boneca tra�ando
linhas invis�veis num papel apenas vis�vel merece pequena considera��o.
Desci, pois, as escadas em paz com Deus e com os homens, e esperava queaqueles pios infames me deixassem enfim tranquilo.

Matutando, penetrei no jardim e encaminhei-me ao pomar, fazendo
ten��o de ver se a poda estava em regra.

Defronte do escrit�rio descobri no ch�o uma folha de prosa, com certezatrazida pelo vento. Apanhei-a e corri a vista, sem interesse, pela bonita letraredonda de Madalena. Francamente, n�o entendi. Encontrei diversas
palavras desconhecidas, outras conhecidas de vista, e a disposi��o delas,
terrivelmente atrapalhada, muito me dificultava a compreens�o. Talvez
aquilo fosse bem feito, pois minha mulher sabia gram�tica por baixo da �guae era fecunda em riscos e entrelinhas, mas estavam riscados per�odos certos,
e em v�o tentei justificar as emendas.

� Ocultar com artif�cios o que deve ser evidente!
Passeando entre as laranjeiras, esqueci a poda, reli o papel e agadanheiideias indefinidas que se baralharam, mas que me trouxeram um arrepio.
Diabo! Aquilo era trecho de carta, e de carta a homem. N�o estava l� o nomedo destinat�rio, faltava o princ�pio, mas era carta a homem, sem d�vida.

Li a folha pela terceira vez, atordoado, detendo-me nas express�es clarase procurando adivinhar a significa��o dos termos obscuros.

� Est� aqui a prova, balbuciei assombrado. A quem ser�o dirigidas estasporcarias?

As suspeitas voaram para cima de Jo�o Nogueira, do dr. Magalh�es, deAzevedo Gondim, do Silveira da escola normal. Reli a carta um pelot�o devezes, e enquanto lia, praguejava como um condenado, e as fontes melatejavam.

Afinal a noite caiu, n�o enxerguei mais as letras.

Sim senhor! Carta a homem!

Estive um temp�o caminhando debaixo das fruteiras.

� Eu sou algum Marciano, bando de filhos das putas?
E voltei furioso, decidido a acabar depressa com aquela infelicidade.
Zumbiam-me os ouvidos, dan�avam-me listras vermelhas diante dos olhos.
Ia t�o cego que bati com as ventas em Madalena, que sa�a da igreja.

� Meia-volta, gritei segurando-lhe um bra�o. Temos neg�cio.
� Ainda? perguntou Madalena.
E deixou-se levar para a escurid�o da sacristia.
Acendi uma vela e, encostando-me � mesa carregada de santos, sobre o
estrado onde padre Silvestre se paramenta em dias de missa:

� Que estava fazendo aqui? Rezando? � capaz de dizer que estava
rezando.
� Ainda? repetiu Madalena.
Esperei que ela me sacudisse desaforos, mas enganei-me: p�s-se a
observar-me como se me quisesse comer com os olhos muito abertos.
Ferviam dentro de mim viol�ncias desmedidas. As minhas m�os tremiam,
agitavam-se em dire��o a Madalena. Apertei-as para conter os movimentose, com os queixos contra�dos:

� A senhora escreveu uma carta.
O vento frio da serra entrava pela janela, mordia-me as orelhas, e eusentia calor. A porta gemia, de quando em quando dava no batente pancadascol�ricas, depois continuava a gemer. Aquilo me irritava, mas n�o me veio aideia de fech�-la. Madalena estava como se n�o ouvisse nada. E eu,
dirigindo-me a ela e a uma litografia pendurada � parede:

� Cuidam que isto vai ficar assim?
O pequeno mais velho do Marciano entrou nas pontas dos p�s. Sem mevoltar para ele, bradei:

� Vai-te embora.
O menino aproximou-se da janela.
� Vai-te embora, berrei de novo.

Provavelmente o meu aspecto lhe causou estranheza. Balbuciou:

� Fechar a igreja, seu Paulo.
Percebi que os meus modos eram desarrazoados e respondi com
simulada brandura:

� Perfeitamente. Volta mais tarde, ainda � cedo.
Nove horas no rel�gio da sacristia.
O nordeste come�ou a soprar, e a porta bateu com f�ria. Mergulhei os
dedos nos cabelos.

� Que est�s fazendo, peste?
O cabrito fugiu.
Nem sei quanto tempo estive ali, em p�. A minha raiva se transformava
em ang�stia, a ang�stia se transformava em cansa�o.

� Para quem era a carta?
E olhava alternadamente Madalena e os santos do orat�rio. Os santos n�o
sabiam, Madalena n�o quis responder.
O que me espantava era a tranquilidade que havia no rosto dela. Eu tinhachegado fervendo, projetando mat�-la. Podia viver com a autora de
semelhante maroteira?

� medida, por�m, que as horas se passavam, sentia-me cair num estadode perplexidade e covardia.

As imagens de gesso n�o se importavam com a minha afli��o. E
Madalena tinha quase a impassibilidade delas. Por que estaria assim t�o
calma?

Afirmei a mim mesmo que mat�-la era a��o justa. Para que deixar vivamulher t�o cheia de culpa? Quando ela morresse, eu lhe perdoaria os
defeitos.

As minhas m�os contra�am-se, moviam-se para ela, mas agora as
contra��es eram fracas e espa�adas.

� Fale, exclamei com voz mal segura.
� Para qu�?
� H� uma carta. Eu preciso saber, compreende?
Meti a m�o no bolso e apresentei-lhe a folha, j� amarrotada e suja.
Madalena estendeu-a sobre a mesa, examinou-a, afastou-a para um lado.

� Ent�o?
� J� li.

A vela acabou-se. Acendi outra e fiquei com o f�sforo entre os dedos at�queimar-me.

� Diga alguma coisa.
Pareceu-me que havia ali um equ�voco e que, se Madalena quisesse, tudose esclareceria. O cora��o dava-me coices desesperados, desejei doidamenteconvencer-me da inoc�ncia dela.

� Para qu�? murmurou Madalena. H� tr�s anos vivemos uma vida
horr�vel. Quando procuramos entender-nos, j� temos a certeza de que
acabamos brigando.
� Mas a carta?
Madalena apanhou o papel, dobrou-o e entregou-mo:
� O resto est� no escrit�rio, na minha banca. Provavelmente esta folha
voou para o jardim quando eu escrevi.
� A quem?
� Voc� ver�. Est� em cima da banca. N�o � caso para barulho. Voc� ver�.
� Bem.
Respirei. Que fadiga!
� Voc� me perdoa os desgostos que lhe dei, Paulo?
� Julgo que tive as minhas raz�es.
� N�o se trata disso. Perdoa?
Rosnei um monoss�labo.
� O que estragou tudo foi esse ci�me, Paulo.
Palavras de arrependimento vieram-me � boca. Engoli-as, for�ado porum orgulho est�pido. Muitas vezes por falta de um grito se perde uma
boiada.

� Seja amigo de minha tia, Paulo. Quando desaparecer essa quiz�lia,
voc� reconhecer� que ela � boa pessoa.
Eu era t�o bruto com a pobre da velha!

� Consequ�ncia desse mal-entendido. Ela tamb�m tem culpa. Um
bocado ranzinza.
� Seu Ribeiro � trabalhador e honesto, voc� n�o acha?
� Acho. Antigamente deu cartas e jogou de m�o. Hoje � refugo. Umsujeito decente, coitado.
� E o Padilha...
� Ah! n�o! Um enredeiro. Nem est� direito voc� torcer por ele.
Safad�ssimo.

� Paci�ncia! O Marciano... Voc� � rigoroso com o Marciano, Paulo.
� Ora essa! exclamei enfadado. Que ros�rio!
� N�o se zangue, disse Madalena sem erguer a voz.
� O que eu queria...
Sentei-me num banco.
O que eu queria era que ela me livrasse daquelas d�vidas.
� Que � que voc� queria? perguntou Madalena sentando-se tamb�m.
� Sei l�!
E encolhi-me, as m�os pesadas sobre os joelhos. Madalena, com ar meios�rio, meio de brincadeira:

� Se eu morrer de repente...
� Que hist�ria � essa, mulher? Lembran�a fora de prop�sito.
� Por que n�o? Quem sabe qual h� de ser o meu fim? Se eu morrer de
repente...
� Acabe com isso, criatura. Para que falar nessas coisas?
� Ofere�a os meus vestidos � fam�lia de mestre Caetano e � Rosa.
Distribua os livros com seu Ribeiro, o Padilha e o Gondim.
Levantei-me, impaciente:

� Que conversa sem jeito!
E agarrei-me a um assunto agrad�vel para afugentar aquelas ideias tristes:
� Estou com vontade de viajar.
Sentei-me novamente, animei-me, acendi um cigarro:
� Depois da safra. Deixo seu Ribeiro tomando conta da fazenda. Vamos� Bahia. Ou ao Rio. O Rio � melhor. Passamos uns meses descansando, voc�cura a macacoa do est�mago, engorda e se distrai. � bom a gente arejar. Avida inteira neste buraco, trabalhando como negro! E damos um salto a S�oPaulo. Valeu?
Madalena, olhando a luz, que tremia, agitando sombras nas paredes,
saiu-se com esta:

� Hoje pela manh� j� havia na mata alguns paus-d�arco com flores.
Contei uns quatro. Daqui a uma semana est�o lindos. � pena que as florescaiam t�o depressa.
� Efetivamente, resmunguei procurando relacionar o Rio e S�o Paulo
com os paus-d�arco. E que me diz da viagem?
Madalena tinha os olhos presos na vela:


� Sim, estive rezando. Rezando, propriamente, n�o, que rezar n�o sei.
Falta de tempo.
Meu Deus! como andava aquela cabe�a! Era a resposta � minha primeira
pergunta.

� Escrevia tanto que os dedos adormeciam. Letras miudinhas, para
economizar papel. Nas v�speras dos exames dormia duas, tr�s horas por
noite. N�o tinha prote��o, compreende? Al�m de tudo a nossa casa naLevada era �mida e fria. No inverno levava os livros para a cozinha. Podiavisitar igrejas? Estudar sempre, sempre, com medo das reprova��es...
Estava perturbada, via-se perfeitamente que estava perturbada. Largououtras incoer�ncias:

� As casas dos moradores, l� embaixo, tamb�m s�o �midas e frias. �
uma tristeza. Estive rezando por eles. Por voc�s todos. Rezando... Estive
falando s�.
O rel�gio da sacristia tocou meia-noite.

� Meu Deus! J� t�o tarde! Aqui, tagarelando...
Levantou-se e p�s-me a m�o no ombro:
� Adeus, Paulo. Vou descansar.
Voltou-se da porta:
� Esque�a as raivas, Paulo.
Por que n�o acompanhei a pobrezinha? Nem sei. Porque guardava umresto de dignidade besta. Porque ela n�o me convidou. Porque me invadiuuma grande pregui�a.

Fiquei remoendo as palavras desconexas e os modos esquisitos de
Madalena. Depois pensei na carta que ela havia deixado no escrit�rio,
incompleta.

Para quem seria? L� vinha novamente o ci�me. Aquilo ainda causariainfelicidades sem rem�dio.

Pouco a pouco me fui amadornando, at� cair num sono embrulhado epenoso. Creio que sonhei com rios cheios e atoleiros.

Quando dei acordo de mim, a vela estava apagada e o luar, que eu n�otinha visto nascer, entrava pela janela. A porta continuava a ranger, o
nordeste atirava para dentro da sacristia folhas secas, que farfalhavam noch�o de ladrilhos brancos e pretos. O rel�gio tinha parado, mas julgo quedormi horas. Galos cantaram, a lua deitou-se, o vento se cansou de gritar �toa e a luz da madrugada veio brincar com as imagens do orat�rio.


Ergui-me, o espinha�o do�do da posi��o inc�moda. Estirei os bra�os.
Mo�do, como se tivesse levado uma surra.

Sa�, dirigi-me ao curral, bebi um copo de leite. Conversei um instantecom Marciano sobre as corujas. Em seguida fui passear no p�tio, esperandoque o dia clareasse de todo.

Realmente a mata, enfeitada de paus-d�arco, estava uma beleza.

Tr�s anos de casado. Fazia exatamente um ano que tinha come�ado odiabo do ci�me.

A serraria apitou; as su��as de seu Ribeiro surgiram a uma janela; Mariadas Dores abriu as portas; Casimiro Lopes apareceu com uma bra�ada dehortali�as.

Desci ao a�ude. Derreado, as cadeiras doendo. Que noite! Despi-me entreas bananeiras, meti-me na �gua, mergulhei e nadei.

Quando cheguei a casa, o sol j� estava alto. O espinha�o ainda me do�a.
Que noite!

Subindo os degraus da cal�ada, ouvi gritos horr�veis l� dentro.

� Que diabo de chamego � este?
Entrei apressado, atravessei o corredor do lado direito e no meu quarto
dei com algumas pessoas soltando exclama��es. Arredei-as e estaquei:
Madalena estava estirada na cama, branca, de olhos vidrados, espuma noscantos da boca.

Aproximei-me, tomei-lhe as m�os, duras e frias, toquei-lhe o cora��o,
parado. Parado.
No soalho havia manchas de l�quido e cacos de vidro.

D. Gl�ria, ca�da no tapete, solu�ava, estrebuchando. A ama, com a
crian�a nos bra�os, choramigava. Maria das Dores gemia.
Comecei a friccionar as m�os de Madalena, tentando reanim�-la. E
balbuciava:

� A Deus nada � imposs�vel.
Era uma frase ouvida no campo, dias antes, e que me voltava,
oferecendo-me esperan�a absurda.
Pus um espelho diante da boca de Madalena, levantei-lhe as p�lpebras. Erepetia maquinalmente:

� A Deus nada � imposs�vel.
� Que desastre, senhor Paulo Hon�rio, que irrepar�vel desastre!
murmurou seu Ribeiro perto de mim.

E Padilha, encolhido por detr�s dele:

� Num momento como este a minha obriga��o era vir.
� Agradecido, muito agradecido.
E encaminhei-me ao escrit�rio, levado pelo h�bito, murmurando sempre:
� A Deus nada � imposs�vel.
Sobre a banca de Madalena estava o envelope de que ela me havia falado.
Abri-o. Era uma carta extensa em que se despedia de mim. Li-a, saltandopeda�os e naturalmente compreendendo pela metade, porque topava a cadapasso aqueles palavr�es que a minha ignor�ncia evita. Faltava uma p�gina:
exatamente a que eu trazia na carteira, entre faturas de cimento e ora��escontra maleitas que a Rosa anos atr�s me havia oferecido.


XXXII


Enterrou-se debaixo do mosaico da capela-mor.

Vesti-me de preto; encomendei uma l�pida; o dr. Magalh�es, padre
Silvestre, Jo�o Nogueira, Azevedo Gondim, os propriet�rios vizinhos,
vieram trazer-me p�sames. Deixei a cama de casal e mudei-me para umquarto pequeno que tinha, � beira do telhado, um ninho de carri�as. Pelamanh� as carri�as pipilavam desesperadamente. Na mesa da cabeceira
amontoavam-se telegramas e envelopes tarjados.

Como necessitava distra��o, dediquei-me nervosamente a uma
derrubada de madeira na mata. Depois mandei consertar o pared�o do
a�ude, que vazava.

Mas o entusiasmo esfriou depressa. Aquilo era meio de vida, n�o era
meio de morte.

E pensava em Madalena. Creio na verdade que a lembran�a dela sempreesteve em mim. O que houve foi que, na atrapalha��o dos primeiros dias,
confundiu-se com uma chusma de azucrina��es diferentes umas das outras.
Mas quando essas azucrina��es se tornaram apenas um sedimento no meuesp�rito, veio � superf�cie. Raramente conseguia agitar-me e dissolv�-la:
recompunha-se logo e ficava em suspens�o. E os assuntos mais atraentes metraziam enfado e bocejos.

Vivia agora a passear na sala, as m�os nos bolsos, o cachimbo apagado naboca. Ia ao escrit�rio, olhava os livros com t�dio, sa�a, atravessava os
corredores, percorria os quartos, voltava �s caminhadas na sala.

Certo dia, na horta, espiava um formig�o que se exercitava em marchas econtramarchas inconsequentes. Inconsequentes para mim, est� visto, queignorava as inten��es dele. A voz antip�tica de d. Gl�ria interrompeu-me aobserva��o:

� Vim dizer adeus. Vou-me embora.

Levantei a cabe�a e vi-a diante de mim, tesa, enlutada naquele vestidovelho malfeito, que entufava nos ombros quando ela se aprumava.

� Para onde?
D. Gl�ria descreveu vagamente, com o dedo descarnado, um arco:
� Vou-me embora.
� A senhora n�o tem para onde ir.
E procurei o formig�o, que tinha desaparecido.
� Vou, respondeu firme d. Gl�ria.
Esforcei-me por dissuadi-la:
� Isso n�o tem cabimento, mulher. Ganhar o mundo sem destino! Crie
ju�zo.
D. Gl�ria continuou, direita como um cabo de vassoura:
� N�o estou pedindo conselho. Vim despedir-me, que n�o saio como
negro fugido. Mande-me as suas ordens.
Encetei um dos meus intermin�veis passeios, de um lado para outro:

� Est� bem. Cada qual � dono do seu nariz. Quando volta?
� Nunca.
� Est� bem.
Apressei o passo:
� Com quem vai?
� Com Deus.
� Pois sim. O autom�vel tem gasolina. Divirta-se.
� Obrigada. Vou a p�.
A� eu queimei as alpercatas:
� Vai nada!
Parei soprando:
� Largar-se pelo mundo, � toa, e dizer que eu botei a senhora de casapara fora, que sou morto a fome, que arribou daqui com a roupa do corpo,
n�o �?
D. Gl�ria, cada vez mais espichada, agastou-se:
� E o senhor me prende? N�o matei, n�o roubei, n�o difamei... Vou.
E eu:
� Quem est� falando em prender a senhora? Deixe de doidice. Quer dar
o fora? Perfeitamente, n�o lhe seguro as pernas. Se quisesse ficar, podia vivera� at� criar canh�o, que ningu�m lhe pisava nos calos. Mas se n�o quer,
acabou-se. Agora o que n�o tem jeito � escafeder-se como quem vai tangido.

Isso n�o. Ao deus-dar�, com uma no cano, outra no fecho, n�o. Prepare-se,
arranje os seus picu�s.

� Est�o arranjados.
� Ent�o � viajar como gente, com dec�ncia. � necess�rio que se saibaonde vai morar e quanto precisa para se manter.
� N�o preciso de nada. Onde vou morar n�o sei. O que sei � que tenhode sair hoje.
� N�o seja crian�a, disse eu arrastando as palavras. A senhora � capaz depegar no pesado? N�o d� meia missa. Encruou nos romances e at� os
assentamentos de batizados lhe seriam dif�ceis.
Pouco a pouco d. Gl�ria abrandou. Ignoro se procedeu assim em
conformidade com o h�bito de abrandar ou se tinha vindo resolvida a
abrandar.

� Pense no aluguel das casas na cidade, pense no pre�o dos rem�dios.
Adoecer � f�cil, d. Gl�ria, mas tirar a mol�stia do corpo � um trabalh�o.
Pense no mercado, no cobrador da luz, na pena-d��gua. Hoje em dia a vida �dif�cil em toda a parte, mas na cidade a vida � um buraco, d. Gl�ria.
D. Gl�ria confessou que a vida na cidade � de fato um buraco. Tinhamostrado o desprendimento e a altivez indispens�veis. N�o era justo exigirmais.
Declarei que devia a Madalena o ordenado de tr�s anos. D. Gl�ria
acreditou, ou fingiu acreditar.

� � razo�vel a senhora receber isso.
D. Gl�ria concordou.
Dei-lhe dinheiro para a viagem, marquei-lhe uma pens�o de duzentosmil-r�is mensais e remeti-a a Jo�o Nogueira, que a hospedou por uma noitee a embarcou.

Passados alguns dias seu Ribeiro demitiu-se.

� Est� falando sisudo, seu Ribeiro?
� Esta casa me provoca recorda��es muito pungentes.
� E a mim, homem. Que diabo! Mas a sua sa�da � tolice.
� N�o duvido, senhor Paulo Hon�rio, n�o duvido.
� Ofereceram-lhe algum emprego?
� Nenhum.
� Ent�o! � tolice. E o pior � que nem lhe posso dar uma recomenda��o.
O senhor com essa idade n�o se coloca. Felizmente est� aqui h� anos e tem

feito economia. Vai retirar uma fortuna. Sempre d� para ir roendo.

� Levo muita saudade, senhor Paulo Hon�rio, gemeu seu Ribeiro
limpando os olhos. Saudade cruciante. Parto com o cora��o dilacerado.
� Pois n�o v�, homem. Todos gostam do senhor. Fique.
� Imposs�vel, inteiramente imposs�vel. A minha resolu��o � inabal�vel.
� Est� bem.
E olhei com tristeza o escrit�rio, mais desatravancado depois que a bancade Madalena tinha sido afastada para um canto.
Assim o excelente seu Ribeiro, que eu esperava enterrar em S. Bernardo,
foi terminar nos caf�s e nos bancos dos jardins a sua velhice e as suaslembran�as.


XXXIII


Padilha come�ou a andar no p�tio, aproximando-se da casa e fazendo,

quando me via, grandes cumprimentos. Afinal chegou ao alpendre e
demorou-se um instante. Fingi n�o perceber esses manejos.

� Emboque, Padilha.
O prazo de um m�s que eu tinha marcado para ele retirar-se voara.
Padilha entrou, ficou. Deix�-lo. Sempre era uma companhia.
Enquanto eu, carrancudo e cheio de pregui�a, olhava as cercas de Bom-
Sucesso e pensava nas duas Mendon�a, que viviam quase na mis�ria, Padilhafalava. Falava como quem bebeu �gua de chocalho. Eu n�o prestava aten��oao que ele dizia. Nada. Sempre era uma voz humana.

Afastou-se logo.
Um dia Azevedo Gondim trouxe boatos de revolu��o. O sul revoltado, o
centro revoltado, o nordeste revoltado.

� � um fim de mundo.
Padilha esfregou as m�os:
� Afinal a postema rebentou, com os diabos!
� noite o chefe pol�tico escreveu-me pedindo armas e cabroeira. De
madrugada enviei-lhe um caminh�o com rifles e homens.
Depois os boatos engrossaram e viraram fatos: batalh�es aderindo,
regimentos aderindo, colunas organizando-se e deslocando-se rapidamente,
bandeiras encarnadas por toda a parte, o governo da rep�blica encurraladono Rio.

� Uma invas�o de b�rbaros! gritava Azevedo Gondim. Estamos
perdidos.
Padilha, numa agita��o constante, devorava manifestos e ro�a as unhas.
Enfim, quando a onda vermelha inundou o Estado, desapareceu
subitamente. Jo�o Nogueira elucidou o caso:


� Padilha e padre Silvestre incorporaram-se �s tropas revolucion�rias econseguiram gal�es.

XXXIV


Na cidade havia um fuxico nojento. E eu, que nunca tive gosto para

safadezinhas de lugar mi�do, entoquei-me.

Lamentava, sem d�vida, que o meu partido tivesse ido abaixo com umsopro. Que rem�dio!

� � comer agora da banda podre. E calado.
Os Gama, o Pereira, o Fid�lis, iam serrar de cima e fazer-me picuinhas.
Aborrecia-me de tudo isso. Tamb�m n�o fariam grande coisa. Cortar o
arame da cerca, mandar o delegado de pol�cia tomar a faca de um cabra, nafeira, e sapecar-lhe o zinco. Natural.

O pior era Padilha ter seduzido uns dez ou doze caboclos bestas, quehaviam entrado com ele no ex�rcito revolucion�rio. Voltariam.

Para qu�? Era melhor ficarem na malandragem, nos exerc�cios.

Bocejava. Cada bocejo de quebrar queixo. Vida est�pida! � certo que

havia o pequeno, mas eu n�o gostava dele. T�o franzino, t�o amarelo!
Se melhorar, entrego-lhe a serraria. Se crescer assim bambo, meto-o noestudo para doutor.
L� vinham os projetos.

� Diabo leve os projetos.
O mundo que me cercava ia-se tornando um horr�vel estrup�cio. E o
outro, o grande, era uma balb�rdia, uma confus�o dos dem�nios, estrup�ciomuito maior.

Os amigos e os jornais traziam-me a revolu��o.

� Uma peste! bradava Azevedo Gondim. Foi um bluff. Amea�as pelotel�grafo e pelo r�dio, boletins jogados por aeroplanos � todo o mundo sepelava de medo. Isto � o povo mais covarde que Deus fabricou.
� Exagero, opinava o advogado. Houve bravura.
� Que bravura! berrava Gondim. Gente que devia pegar no pau-furadoescondeu-se.

� Os da situa��o passada. Entre os revolucion�rios � diferente: h�
idealismo, h� coragem. N�o digo isto em p�blico, mas h�.
� Diabo leve o idealismo deles. E quanto a coragem...
� Vamos ser justos, Gondim, intervinha eu conciliador e murcho. Essacoisa estava na massa do sangue do povo. N�o valia a pena brigar.
� N�o valia! Ora n�o valia! Todos iam pensando assim e eles foramentrando. E que falta de vergonha! Figur�es do governo apareceram derepente com len�os vermelhos no pesco�o.
� Isso foi em Alagoas, atalhava Jo�o Nogueira.
� Foi em toda a parte, homem. E mesmo agora, muitos n�o se passamporque n�o s�o aceitos.
� Quanto a mim, declarava Nogueira, tanto me faz estar em cima comoembaixo, que pol�tica nunca me rendeu nada. Estou embaixo e n�o pretendosubir. � verdade que sempre achei a democracia um contrassenso. Muitasvezes lhe disse. O diabo � que votei na chapa do governo. Mas, aqui entren�s, a ditadura s� n�o presta porque estamos no ch�o.
Gondim protestava, indignava-se. E eu:


� S� queria ver padre Silvestre fardado de tenente.
� Que interesse tem ele em bancar o patriota? dizia Nogueira.
� Animal! resmungava Azevedo Gondim.
O Cruzeiro tinha perdido a subven��o.
Conversas assim, repetidas, distra�am-me. Uma vez por semana os dois
jantavam comigo. E na cidade sujeitos exaltados come�avam a espalhar que

S. Bernardo era um ninho de reacion�rios.
� Como vai o fuzu�?
� Mal.
E l� vinham not�cias de viol�ncias desnecess�rias, vingan�as, comiss�es
de sindic�ncias lavando roupa suja.
Nogueira, moderado, desejava um acordo entre vencedores e vencidos.
Gondim detestava acordos. Dente por dente, perceb�amos? Dava-nos

conselhos violentos, a mim, ao Nogueira, �s �rvores do pomar, e instigava-
nos a uma contrarrevolu��o (quanto mais depressa melhor) que varresse dopoder aquela cambada de parlapat�es. Queria um governo en�rgico, sim
senhor, duro, sim senhor, mas sensato, um governo que trabalhasse,
restabelecesse a ordem, a confian�a do credor e a subven��o de cento e


cinquenta mil-r�is mensais ao Cruzeiro. Como �amos � que n�o pod�amos
continuar.

Atirava-nos palavr�es encorpados que no jornal lhe serviam para tudo.
S�o Paulo havia de se erguer, intr�pido; em S�o Paulo ardia o fogo sagrado;
de S�o Paulo, terra de bandeirantes, sairiam novas bandeiras para a
conquista da liberdade postergada.

� Voc� fala bem, Gondim, murmurava eu impressionado. Voc� havia detrepar, Gondim, se o nosso partido n�o tivesse virado de pernas para o ar.
Jo�o Nogueira metia as botas na elei��o e inculcava os conselhos
t�cnicos. Gondim gostava do voto como de um filho pequeno e s� admitiat�cnicos nas comiss�es da c�mara.

Casimiro Lopes, afastado, escutava-os com assombro.

Eu olhava a torre da igreja. E o meu pensamento estirava-se pelapaisagem, encolhia-se, descia as escadas, ia ao jardim, ao pomar, entrava nasacristia.

Jo�o Nogueira condenava a literatura revolucion�ria, a patriotice
alambicada.

O orat�rio, sobre a mesa, estava cheio de santos; na parede penduravam-
se litografias; a porta dava pancadas no batente; apagava-se a vela, eu
acendia outra e ficava com o f�sforo entre os dedos at� queimar-me. As
casas dos moradores eram �midas e frias. A fam�lia de mestre Caetano vivia
num aperto que fazia d�. E o pobre do Marciano t�o esbodegado, t�o
escavacado, t�o por baixo!

Azevedo Gondim reclamava liberdade, aos gritos. Contenta-se com a
renda mofina do jornal e deve os cabelos da cabe�a. Conforma-se com isso.
O que deseja � ver a gazeta de mangas arrega�adas, espumando, e no bilhardo Sousa, quando a carambola falha, insultar os pol�ticos, umas toupeiras.

Agora a vela estava apagada. Era tarde. A porta gemia. O luar entravapela janela. O nordeste espalhava folhas secas no ch�o. E eu j� n�o ouvia osberros do Gondim.


XXXV


Entrei nesse ano com o p� esquerdo. V�rios fregueses que sempre tinham

procedido bem quebraram de repente. Houve fugas, suic�dios, o Di�rio
Oficial se emprenhou com fal�ncias e concordatas. Tive de aceitar
liquida��es p�ssimas.

O resultado foi desaparecerem a avicultura, a horticultura e a
pomicultura. As laranjas amadureciam e apodreciam nos p�s. Deix�-las.
Antes isso que fazer colheita, escolha, embalagem, expedi��o, para d�-las de
gra�a.

Uma infelicidade n�o vem s�. As f�bricas de tecidos, que adiantavam
dinheiro para a compra de algod�o, abandonaram de chofre esse bom
costume e at� deram para comprar fiado. Vendi uma safra no fuso, e
enganaram-me na classifica��o.

Era necess�rio adquirir novas m�quinas para o descaro�ador e para aserraria, mas na hora dos c�lculos vi que ia gastar uma fortuna: o d�larestava pelas nuvens.

� Vamos deixar de novidade. Sacrificar-me e no fim entregar a
mercadoria de m�o beijada a esses velhacos!
Ainda por cima os bancos me fecharam as portas. N�o sei por qu�, masfecharam. E olhem que nunca atrasei pagamentos. Enfim uma penca decaiporismos. Cheguei a dizer inconveni�ncias a um gerente:

� Pois se os senhores n�o querem transigir, acabem com isso. Ou os
pap�is valem ou n�o valem. Se valem, � passar o arame. P�lulas! Eu
encomendei revolu��o?
Em seis meses havia t�o grande quebradeira que torrei nos cobres oautom�vel para n�o me protestarem uma letra vagabunda de seis contos.

� Mar� vazante. Agora ganham os pregui�osos. Quem devia estar vivoera o velho Mendon�a, que deixava a propriedade coberta de capoeira e oengenho de fogo morto. Trabalhar para formiga! E cruzar os bra�os.

E cruzei os bra�os.

Um dia em que, assim de bra�os cruzados, contemplavamelancolicamente o descaro�ador e a serraria, Jo�o Nogueira me trouxe anot�cia de que o Fid�lis e os Gama iam remexer as quest�es dos limites. E opior era que o dr. Magalh�es estava noutra comarca.

� Belezas da revolu��o, comentou Nogueira. Um funcion�rio
inamov�vel! E um juiz decente como o Magalh�es! um juiz �ntegro!
Encolhi os ombros, desanimado. Jo�o Nogueira desanimou tamb�m.
Paci�ncia.
E recomecei os meus passeios mec�nicos pelo interior da casa. �s vezes
empurrava a porta do escrit�rio para dar uma ordem a seu Ribeiro.

Parecia-me ver d. Gl�ria malucando no pomar, com o romance.

E os meus passos me levavam para os quartos, como se procurassem

algu�m.


XXXVI


Faz dois anos que Madalena morreu, dois anos dif�ceis. E quando os

amigos deixaram de vir discutir pol�tica, isto se tornou insuport�vel.

Foi a� que me surgiu a ideia esquisita de, com o aux�lio de pessoas maisentendidas que eu, compor esta hist�ria. A ideia gorou, o que j� declarei. H�cerca de quatro meses, por�m, enquanto escrevia a certo sujeito de Minas,
recusando um neg�cio confuso de porcos e gado zebu, ouvi um grito decoruja e sobressaltei-me.

Era necess�rio mandar no dia seguinte Marciano ao forro da igreja.

De repente voltou-me a ideia de construir o livro. Assinei a carta ao
homem dos porcos e, depois de vacilar um instante, porque nem sabiacome�ar a tarefa, redigi um cap�tulo.

Desde ent�o procuro descascar fatos, aqui sentado � mesa da sala dejantar, fumando cachimbo e bebendo caf�, � hora em que os grilos cantam ea folhagem das laranjeiras se tinge de preto.

�s vezes entro pela noite, passo tempo sem fim acordando lembran�as.
Outras vezes n�o me ajeito com esta ocupa��o nova.

Anteontem e ontem, por exemplo, foram dias perdidos. Tentei debaldecanalizar para termo razo�vel esta prosa que se derrama como a chuva daserra, e o que me apareceu foi um grande desgosto. Desgosto e a vaga
compreens�o de muitas coisas que sinto.

Sou um homem arrasado. Doen�a? N�o. Gozo perfeita sa�de. Quando oCosta Brito, por causa de duzentos mil-r�is que me queria abafar, vomitouos dois artigos, chamou-me doente, aludindo a crimes que me imputam. OBrito da Gazeta era uma besta. At� hoje, gra�as a Deus, nunca um m�dicome entrou em casa. N�o tenho doen�a nenhuma.

O que estou � velho. Cinquenta anos pelo S. Pedro. Cinquenta anosperdidos, cinquenta anos gastos sem objetivo, a maltratar-me e a maltratar


os outros. O resultado � que endureci, calejei, e n�o � um arranh�o quepenetra esta casca espessa e vem ferir c� dentro a sensibilidade embotada.

Cinquenta anos! Quantas horas in�teis! Consumir-se uma pessoa a vidainteira sem saber para qu�! Comer e dormir como um porco! Como umporco! Levantar-se cedo todas as manh�s e sair correndo, procurandocomida! E depois guardar comida para os filhos, para os netos, para muitasgera��es. Que estupidez! Que porcaria! N�o � bom vir o diabo e levar tudo?

Sol, chuva, noites de ins�nia, c�lculos, combina��es, viol�ncias, perigos

� e nem sequer me resta a ilus�o de ter realizado obra proveitosa. O jardim,
a horta, o pomar � abandonados; os marrecos-de-pequim � mortos; o
algod�o, a mamona � secando. E as cercas dos vizinhos, inimigos ferozes,
avan�am.
Est� visto que, cessando esta crise, a propriedade se poderia reconstituir evoltar a ser o que era. A gente do eito se esfalfaria de sol a sol, alimentadacom farinha de mandioca e barbatanas de bacalhau; caminh�es rodariam
novamente, conduzindo mercadorias para a estrada de ferro; a fazenda seencheria outra vez de movimento e rumor.

Mas para qu�? Para qu�? n�o me dir�o? Nesse movimento e nesse rumorhaveria muito choro e haveria muita praga. As criancinhas, nos casebres
�midos e frios, inchariam ro�das pela verminose. E Madalena n�o estariaaqui para mandar-lhes rem�dio e leite. Os homens e as mulheres seriamanimais tristes.

Bichos. As criaturas que me serviram durante anos eram bichos. Haviabichos dom�sticos, como o Padilha, bichos do mato, como Casimiro Lopes,
e muitos bichos para o servi�o do campo, bois mansos. Os currais que se
escoram uns aos outros, l� embaixo, tinham l�mpadas el�tricas. E os
bezerrinhos mais taludos soletravam a cartilha e aprendiam de cor os
mandamentos da lei de Deus.

Bichos. Alguns mudaram de esp�cie e est�o no ex�rcito, volvendo �esquerda, volvendo � direita, fazendo sentinela. Outros buscaram pastos
diferentes.

Se eu povoasse os currais, teria boas safras, depositaria dinheiro nosbancos, compraria mais terra e construiria novos currais. Para qu�? Nadadisso me traria satisfa��o.

Coloquei-me acima da minha classe, creio que me elevei bastante. Comolhes disse, fui guia de cego, vendedor de doce e trabalhador alugado. Estou


convencido de que nenhum desses of�cios me daria os recursos intelectuaisnecess�rios para engendrar esta narrativa. Magra, de acordo, mas em
momentos de otimismo suponho que h� nela peda�os melhores que a
literatura do Gondim. Sou, pois, superior a mestre Caetano e a outros
semelhantes. Considerando, por�m, que os enfeites do meu esp�rito se
reduzem a farrapos de conhecimentos apanhados sem escolha e mal
cosidos, devo confessar que a superioridade que me envaidece � bem
mesquinha.

Al�m disso estou certo de que a escritura��o mercantil, os manuais deagricultura e pecu�ria, que forneceram a ess�ncia da minha instru��o, n�ome tornaram melhor que o que eu era quando arrastava a peroba. Pelo
menos naquele tempo n�o sonhava ser o explorador feroz em que metransformei.

Quanto �s vantagens restantes � casas, terras, m�veis, semoventes,
considera��o de pol�ticos, etc. � � preciso convir em que tudo est� fora demim.

Julgo que me desnorteei numa errada.

Se houvesse continuado a arear o tacho de cobre da velha Margarida, eu eela ter�amos uma exist�ncia quieta. Falar�amos pouco, pensar�amos pouco, e� noite, na esteira, depois do caf� com rapadura, rezar�amos rezas africanas,
na gra�a de Deus.

Se n�o tivesse ferido o Jo�o Fagundes, se tivesse casado com a Germana,
possuiria meia d�zia de cavalos, um pequeno cercado de capim, encerados,
cangalhas, seria um bom almocreve. Teria cr�dito para comprar cem milr�is
de fazenda nas lojas da cidade e pelas quatro festas do ano a mulher e osmeninos vestiriam roupa nova. Os meus desejos percorreriam uma �rbitaacanhada. N�o me atormentariam preocupa��es excessivas, n�o ofenderianingu�m. E, em manh�s de inverno, tangendo os cargueiros, dando estaloscom o buranh�m, de alpercatas, chap�u de ouricuri, alguns n�queis nacapanga, beberia um gole de cacha�a para espantar o frio e cantaria por estescaminhos, alegre como um desgra�ado.

Hoje n�o canto nem rio. Se me vejo ao espelho, a dureza da boca e adureza dos olhos me descontentam.

Penso no povoado onde seu Ribeiro morou, h� meio s�culo. Seu Ribeiroacumulava, sem d�vida, mas n�o acumulava para ele. Tinha uma casa
grande, sempre cheia, o jerimum caboclo apodrecia na ro�a � e por aquelas


beiradas ningu�m tinha fome. Imagino-me vivendo no tempo da
monarquia, � sombra de seu Ribeiro. N�o sei ler, n�o conhe�o ilumina��oel�trica nem telefone. Para me exprimir recorro a muita per�frase e muitagesticula��o. Tenho, como todo o mundo, uma candeia de azeite, que n�oserve para nada, porque � noite a gente dorme. Podem rebentar centenas derevolu��es. N�o receberei not�cia delas. Provavelmente sou um sujeito feliz.

Com um estremecimento, largo essa felicidade que n�o � minha e
encontro-me aqui em S. Bernardo, escrevendo.

As janelas est�o fechadas. Meia-noite. Nenhum rumor na casa deserta.

Levanto-me, procuro uma vela, que a luz vai apagar-se. N�o tenho sono.
Deitar-me, rolar no colch�o at� a madrugada, � uma tortura. Prefiro ficarsentado, concluindo isto. Amanh� n�o terei com que me entreter.

Ponho a vela no casti�al, risco um f�sforo e acendo-a. Sinto um arrepio.
A lembran�a de Madalena persegue-me. Diligencio afast�-la e caminho emredor da mesa. Aperto as m�os de tal forma que me firo com a unhas, equando caio em mim estou mordendo os bei�os a ponto de tirar sangue.

De longe em longe sento-me fatigado e escrevo uma linha. Digo em vozbaixa:

� Estraguei a minha vida, estraguei-a estupidamente.
A agita��o diminui.
� Estraguei a minha vida estupidamente.
Penso em Madalena com insist�ncia. Se fosse poss�vel recome�armos...
Para que enganar-me? Se fosse poss�vel recome�armos, aconteceria
exatamente o que aconteceu. N�o consigo modificar-me, � o que mais meaflige.

A molecoreba de mestre Caetano arrasta-se por a�, lambuzada, faminta.
A Rosa, com a barriga quebrada de tanto parir, trabalha em casa, trabalhano campo e trabalha na cama. O marido � cada vez mais molambo. E osmoradores que me restam s�o uns cambembes como ele.

Para ser franco, declaro que esses infelizes n�o me inspiram simpatia.
Lastimo a situa��o em que se acham, reconhe�o ter contribu�do para isso,
mas n�o vou al�m. Estamos t�o separados! A princ�pio est�vamos juntos,
mas esta desgra�ada profiss�o nos distanciou.

Madalena entrou aqui cheia de bons sentimentos e bons prop�sitos. Ossentimentos e os prop�sitos esbarraram com a minha brutalidade e o meuego�smo.


Creio que nem sempre fui ego�sta e brutal. A profiss�o � que me deuqualidades t�o ruins.

E a desconfian�a terr�vel que me aponta inimigos em toda a parte!

A desconfian�a � tamb�m consequ�ncia da profiss�o.

Foi este modo de vida que me inutilizou. Sou um aleijado. Devo ter umcora��o mi�do, lacunas no c�rebro, nervos diferentes dos nervos dos outros
homens. E um nariz enorme, uma boca enorme, dedos enormes.

Se Madalena me via assim, com certeza me achava extraordinariamente
feio.

Fecho os olhos, agito a cabe�a para repelir a vis�o que me exibe essasdeformidades monstruosas.

A vela est� quase a extinguir-se.

Julgo que delirei e sonhei com atoleiros, rios cheios e uma figura delobisomem.

L� fora h� uma treva dos diabos, um grande sil�ncio. Entretanto o luarentra por uma janela fechada e o nordeste furioso espalha folhas secas noch�o.

� horr�vel! Se aparecesse algu�m... Est�o todos dormindo.

Se ao menos a crian�a chorasse... Nem sequer tenho amizade a meu filho.
Que mis�ria!

Casimiro Lopes est� dormindo. Marciano est� dormindo. Patifes!

E eu vou ficar aqui, �s escuras, at� n�o sei que hora, at� que, morto defadiga, encoste a cabe�a � mesa e descanse uns minutos.


POSF�CIO


GODOFREDO DE OLIVEIRA NNETO

S.
Bernardo � o segundo romance de Graciliano Ramos, lan�ado em 1934,
um ano ap�s a publica��o de Caet�s. A cr�tica o considera a mais importanteobra de fic��o do movimento modernista envolvendo o regime fundi�rio eos conflitos sociais no Nordeste brasileiro. S. Bernardo firmou Graciliano
Ramos como um dos maiores romancistas de toda a literatura brasileira. A
linguagem despojada do escritor � comumente comparada � numa vis�o
impressionista e sem embasamento te�rico � � aridez do sert�o e ao
reduzido vocabul�rio do sertanejo, personagem que mobilia a sua narrativa.
De fato, s�o por todos sobejamente conhecidas, al�m da nobreza e da
parcim�nia com que Graciliano faz uso do idioma, as preocupa��es doautor com o uso da l�ngua portuguesa. Chegou a escrever � esposa que,
quando terminou de compor o romance, tratou de �traduzi-lo� para
�brasileiro�, entenda-se variante brasileira da l�ngua portuguesa. A
aproxima��o entre l�ngua escrita e l�ngua falada inclu�a-se nas
reivindica��es dos autores contempor�neos de Graciliano, como mostra, porexemplo, a tentativa, frustrada, de M�rio de Andrade de elaborar a suaGramatiquinha da fala brasileira. Manuel Bandeira (�Evoca��o do Recife�)
batia na mesma tecla.

Algumas desaven�as em torno da autenticidade dos originais de
Graciliano Ramos, que a Editora Record tratou de definitivamente resolver,
s�o conhecidas dos especialistas. S. Bernardo padece menos dessa cr�tica porter sido publicado v�rias vezes durante a vida do autor.

A hist�ria de S. Bernardo se passa na d�cada de trinta. O narrador, PauloHon�rio, cinquenta anos, tenta revisitar dramas da sua vida e conflitosinternos que at� o momento em que o livro era escrito permaneciaminexplic�veis. Nem a fazenda S. Bernardo, que Paulo Hon�rio comprou por


pre�o irris�rio, nem a professora Madalena, a quem contratou paraalfabetizar as crian�as do seu empreendimento rural e com quem acaba secasando, deram-lhe o sossego que tanto buscava. Resta-lhe a escrita; talvezela lhe devolva a paz desejada. Mas os fatos e o tempo n�o voltam. H�,
assim, em fun��o desse tipo de narrativa, uma constante transi��o entrepassado e presente, j� que o narrador, al�m de n�s, leitores, � tamb�m odestinat�rio da hist�ria que ele tenta reeditar.

A refer�ncia a um projeto, a um imagin�rio, avulta logo no primeiropar�grafo, na frase: �Antes de iniciar este livro, imaginei constru�-lo pela
divis�o do trabalho.� Essa divis�o do trabalho refere-se � divis�o social das
tarefas. Para Paulo Hon�rio, a l�ngua n�o constitui um territ�rio
homog�neo, mas, ao contr�rio, ela se decomp�e em linguagens
especializadas: �Padre Silvestre ficaria com a parte moral e as cita��es
latinas; Jo�o Nogueira aceitou a pontua��o, a ortografia e a sintaxe; prometi
ao Arquimedes a composi��o tipogr�fica; para a composi��o liter�ria
convidei L�cio Gomes de Azevedo Gondim, redator e diretor do Cruzeiro.
Eu tra�aria o plano, introduziria na hist�ria rudimentos de agricultura epecu�ria, faria as despesas e poria o meu nome na capa.�

Verifica-se, pois, que Paulo Hon�rio encontra, na pr�tica corrente dal�ngua, estratos de conhecimento e de compet�ncia que devem estar
presentes no seu livro, mas que ele pr�prio n�o pode assumir. Planejar foif�cil, materializar o plano, por�m, em forma de livro, para algu�m semexperi�ncia liter�ria, � outro cap�tulo, por isso o recurso �s compet�nciaslocais.

Dois cap�tulos do romance em apre�o deixam entrever com clareza acomposi��o intelectual da obra e, de quebra, a vis�o art�stica do GracilianoRamos-escritor: o cap�tulo 1, j� referido, onde vem exposta a quest�oarte/linguagem, e o 19, a partir do qual tem in�cio a metamorfose do corpodo narrador-personagem.

No primeiro cap�tulo o leitor enxerga com todas as letras a conflituosarela��o entre a capacidade do narrador de imaginar o livro e a sua efetivarealiza��o atrav�s da escrita. Um dos convidados para construir o livro S.
Bernardo n�o entendeu o recado. �V� para o inferno, Gondim. Voc�
acanalhou o tro�o. Est� pern�stico, est� safado, est� idiota. H� l� ningu�mque fale dessa forma!� Se Gondim � pern�stico, � tanto pelo seu estilo �
inadequa��o entre a escrita e a coisa a dizer � como tamb�m pela


inadequa��o entre o que se diz e a experi�ncia que se quer transmitir. Al�ngua escrita n�o consegue dar conta do �mpeto de contador de PauloHon�rio: �Jo�o Nogueira queria o romance em l�ngua de Cam�es, com
per�odos formados de tr�s para diante. Calculem.� A norma lusa �
caricaturada, comparada � l�ngua de Cam�es. � o peso da norma cl�ssicaimpedindo que o narrador passe para a forma escrita a hist�ria que tem em
mente. Resta a l�ngua falada. A oralidade, aparentemente, � a �nica
modalidade lingu�stica que permitiria ao narrador levar a cabo a sua tarefa.
A escrita, entretanto, possui exig�ncias que a afastam cont�nua e
sistematicamente da oralidade. Graciliano n�o est� procurando
propriamente uma realidade oral, mas buscando aproximar a cargasimb�lica da escrita dos constituintes simb�licos da pr�tica corrente, ques�o, esses, redut�veis a f�rmulas orais. O essencial da hist�ria que o narradortem na mem�ria � ou na imagina��o � n�o pode ser compartilhado.
Aquela realidade, inevitavelmente encharcada de fantasia, s� poder� serdescrita pelo pr�prio Paulo Hon�rio.

Assim, em consequ�ncia da dificuldade em dominar a l�ngua escrita, valedizer as regras da arte, o empreendimento-livro S. Bernardo pareceamea�ado. A arte, por�m, � imperativa. Paulo Hon�rio ouve o pio de umacoruja. Nesse momento o ato de escrever � exigido n�o pela t�cnica, n�opelo livro, mas por um elemento exterior e mais profundo. A escrita,
enquanto t�cnica, � relegada para plano inferior, ao passo que a cena passa aser ocupada por uma motiva��o intransmiss�vel. O impulso para a escrita �determinado por um elemento exterior, numa atmosfera noturna, onde ohomem perde um pouco as fronteiras do cotidiano e do racional e se tornamais perme�vel aos signos da natureza. Paulo Hon�rio, ent�o, j� n�o fazc�lculos ligados � escrita, mas � antes a for�a da puls�o que o arrasta paraessa escrita. O ato se torna isento de c�lculo; gratuito, como um ato deaut�ntica cria��o. O narrador confessa que � a coruja a desencadeadora doprocesso narrativo. Ave noturna, animal pressago, portador de elementosconotando a morte ou a trag�dia, mas tamb�m a possibilidade do
conhecimento. Animal claramente negativo no texto, �aves amaldi�oadas�,
por ele mesmo e pela noite que o envolve e na qual se afirma como animalessencial. A noite. Esta, por vezes, mas com menor impacto, � representada
por outro s�mbolo: �Aqui sentado � mesa da sala de jantar, fumandocachimbo e bebendo caf�, suspendo �s vezes o trabalho moroso, olho a


folhagem das laranjeiras que a noite enegrece, digo a mim mesmo que estapena � um objeto pesado.� (cap. 2)

Com as laranjeiras v�m a noite e o processo da escrita. Tais �rvores
permitem abrir mais amplamente o leque do texto. S�o plantasdomesticadas, que n�o podem assumir a carga negativa das corujas, masv�m ligadas � noite. S�o, pois, elementos recorrentes no texto. Ent�o, mesmose eliminadas as corujas, a noite regressa sob a press�o das laranjeiras:
�Desde ent�o procuro descascar fatos, aqui sentado � mesa da sala de jantar,
fumando cachimbo e bebendo caf�, � hora em que os grilos cantam e afolhagem das laranjeiras se tinge de preto.� (cap. 36)

J� haviam, ali�s, regressado, embora mais an�nimas: �L� fora os sapos
arengavam, o vento gemia, as �rvores do pomar tornavam-se massas
negras.� (cap. 19) No pomar se encontram tamb�m as laranjeiras, mas aquielas perdem essa autonomia, e se confundem na escurid�o. Mas s�o as
sentinelas do tempo, t�o presentes quanto as corujas. S�o testemunhas dopoder da noite, ligadas � reflex�o e sobretudo ao processo de narra��o. Mas� fundamentalmente o pio da coruja que pressiona Paulo Hon�rio: �Foi a�que me surgiu a ideia esquisita de, com o aux�lio de pessoas mais entendidasque eu, compor esta hist�ria. A ideia gorou, o que j� declarei. H� cerca dequatro meses, por�m, enquanto escrevia a certo sujeito de Minas, recusandoum neg�cio confuso de porcos e gado zebu, ouvi um grito de coruja esobressaltei-me.� (cap. 36)

Paulo Hon�rio sente-se obrigado a escrever. Dias perdidos o s�o apenas
em rela��o � escrita: �Anteontem e ontem, por exemplo, foram dias
perdidos. Tentei debalde canalizar para termo razo�vel esta prosa que se
derrama como a chuva da serra, e o que me apareceu foi um grande
desgosto.� (cap. 36) Paulo Hon�rio se desligou da pr�tica e vive apenasencerrado no espa�o ficcional. Se n�o escreve ou se a escrita n�o revela atens�o necess�ria, foi tempo perdido.

No cap�tulo 19 o relato cl�nico do narrador-personagem Paulo Hon�riomais parece relato de psiquiatra. O doente est� aparentemente calmo,
sentado � mesa, sem movimentos. Todavia, conta que est� discutindo com amulher, morta h� j� bastante tempo, e que a amea�a com o punho. PauloHon�rio reage contra o del�rio e busca restabelecer a diferen�a entre osonhado e o real, luta cuja face mais vis�vel se encontra na surpreendentealtern�ncia dos tempos verbais, no trecho j� aqui destacado: �L� fora os


sapos arengavam, o vento gemia, as �rvores do pomar tornavam-se massasnegras. (...) A figura de Casimiro Lopes aparece � janela, os sapos gritam, ovento sacode as �rvores, apenas vis�veis na treva.� Paulo Hon�rio est� em
pleno del�rio auditivo e visual. Tudo isso suscitado pela conjuga��o entre osru�dos exteriores e a quebra de luminosidade. As confus�es entre passado e
presente, realidade e del�rio podem ser verificadas ao longo de todo o
cap�tulo. Por vezes, ent�o, o leitor se v� jogado na hist�ria passada, outras nopresente do narrador. Mas o elemento mais dram�tico, que tangencia oprocesso da loucura, est� nas muta��es sofridas pelo corpo do narradorpersonagem,
quando Paulo Hon�rio come�a a exprimir com clareza a
dist�ncia entre o homem f�sico e o homem do imagin�rio e a entrar na zonado ci�me. O corpo est� petrificado, mas n�o a imagina��o.

A autovaloriza��o do corpo j� vinha apontada no cap�tulo 3: �Come�o
declarando que me chamo Paulo Hon�rio, peso oitenta e nove quilos ecompletei cinquenta anos pelo S. Pedro. A idade, o peso, as sobrancelhascerradas e grisalhas, este rosto vermelho e cabeludo t�m-me rendido muitaconsidera��o. Quando me faltavam estas qualidades, a considera��o era
menor.� A partir do cap�tulo 19, por�m, as deforma��es v�o se sucedendo ePaulo Hon�rio se transforma aos poucos num �monstro�: �Foi este modo devida que me inutilizou. Sou um aleijado. Devo ter um cora��o mi�do,
lacunas no c�rebro, nervos diferentes dos nervos dos outros homens. E um
nariz enorme, uma boca enorme, dedos enormes. Se Madalena me via
assim, com certeza me achava extraordinariamente feio. Fecho os olhos,
agito a cabe�a para repelir a vis�o que me exibe essas deformidades
monstruosas.� (cap. 36)

� medida que o ci�me se desenvolve, o narrador perde qualidades,
levado a encontrar em si pr�prio as condi��es negativas que justifiquem omau comportamento de Madalena. �Que m�os enormes! As palmas eramenormes, gretadas, calosas, duras como casco de cavalo. E os dedos eramtamb�m enormes, curtos e grossos. Acariciar uma f�mea com semelhantesm�os! (...) estava medonho. Queimado. Que sobrancelhas!� (cap. 26)

As qualidades do corpo � quando havia uma converg�ncia entre a rendamaterial, a que se pode receber do capital, e a renda social que pode serextra�da de um corpo � v�o perder-se a partir do instante em que se inicia aruptura entre Madalena e o narrador. Agora j� n�o se trata da conquista docapital, mas da conquista do outro. E o fetichismo do corpo se desfaz. O


ci�me submete o dominador Paulo Hon�rio. Ele, que at� ent�o soubera
dominar a sua vida e sobretudo a dos outros, trope�a na sua pr�priaexist�ncia e entra no plano da sujei��o. Sujei��o a Madalena e a sua pr�priaimagina��o. Aos elementos delet�rios que, pouco a pouco, decomp�em asua raz�o. Quando o ci�me vai se apoderando do interior de Paulo Hon�rio,
surge sempre a coruja, esta for�a da zoomorfiza��o da noite, que faz comque a ave seja o animal constantemente misturado � decomposi��o dossentimentos, do corpo e da personalidade do narrador. E, como j� dito, ofor�a a escrever. A elimina��o das corujas devia se traduzir por um retorno �rela��o normal com Madalena, e pelo fim da carga de alucina��es visuais eauditivas colocadas sob a etiqueta do ci�me. E que provocam a carga dopesadelo. �Com certeza ningu�m tinha bulido na fechadura nem nas telhas.
Maluqueiras de sonho. Talvez as pisadas tamb�m tivessem sido abus�o desonho. Um pesadelo. Isso. Um pesadelo. Era poss�vel que o assobio fossegrito de coruja.� (cap. 30)

Madalena, por�m, se suicidou. �A voz dela me chega aos ouvidos. N�o,
n�o � aos ouvidos. Tamb�m j� n�o a vejo com os olhos. Estou encostado �mesa, as m�os cruzadas. Os objetos fundiram-se, e n�o enxergo sequer atoalha branca.� (cap. 19)

O narrador � que vai desmantelando e maldizendo partes do seu corpo

� refor�a a vis�o do monstro f�sico em que se transformou. Sabe que setrata de uma vis�o. O leitor, por�m, tamb�m sabe que Paulo Hon�rio,
encerrado no seu universo, dificilmente poder� distinguir fic��o de
realidade. At� os objetos e partes da casa se fundem ou se destacam do todoem desordem. A desvaloriza��o do corpo do narrador-personagem traduz adificuldade do escritor em narrar objetivamente as suas mem�rias. H� umdesajuste entre fatos a serem narrados e as lembran�as desses fatos.
S. Bernardo, para muitos cr�ticos, se aproxima das obras explicitamenteideol�gicas. Um conte�do pol�tico estaria sempre acompanhando o autor.
Tais exegetas veem, assim, no romance uma obra principalmente ideol�gica,
cuja fun��o prec�pua seria a de colaborar para a concretiza��o dos ideaispol�ticos que se manifestavam com exuber�ncia na d�cada de trinta.
Graciliano tinha mesmo em vista contribuir, com a arte, para transformar aestrutura social. E � conhecido que julgava indispens�vel viver como ummiser�vel para poder falar do ponto de vista desse miser�vel. A busca dessereal � a express�o est�tica de S. Bernardo. Atrav�s da arte, aproximar-se do

real, com a certeza de que tal verdade jamais ser� atingida na sua ess�ncia. Ogrito de cunho social de que S. Bernardo � portador se faz dentro dessa
limita��o.

Se Paulo Hon�rio, por abra�ar caminhos individuais, sem se entrosar nosmovimentos coletivos, foi punido, resta ao se terminar a leitura de S.
Bernardo a sensa��o de que o homem, ser pol�tico, n�o pode aspirar �
absoluta isen��o e � racionalidade. Traz com ele um emaranhado de
conflitos internos que lhe turvam necessariamente a raz�o.


VIDA E OBRA DE
GRACILIANO RAMOS


Cronologia


1892
Nasce a 27 de outubro em Quebrangulo, Alagoas.

1895
O pai, Sebasti�o Ramos, compra a Fazenda Pintadinho, em Bu�que, no sert�o dePernambuco, e muda com a fam�lia. Com a seca, a cria��o n�o prospera e o pai acabapor abrir uma loja na vila.

1898 Primeiros exerc�cios de leitura.
1899 A fam�lia se muda para Vi�osa, Alagoas.
1904 Publica o conto �Pequeno pedinte� em O Dil�culo, jornal do internato onde estudava.
1905 Muda-se para Macei� e passa a estudar no col�gio Quinze de Mar�o.
1906 Redige o peri�dico Echo Vi�osense, que teve apenas dois n�meros.


Publica sonetos na revista carioca O Malho, sob o pseud�nimo Feliciano de Oliven�a.
1909 Passa a colaborar no Jornal de Alagoas, publicando o soneto �C�ptico�, como Almeida
Cunha. Nesse jornal, publicou diversos textos com v�rios pseud�nimos.
1910-1914 Cuida da casa comercial do pai em Palmeira dos �ndios.

1914
Sai de Palmeira dos �ndios no dia 16 de agosto, embarca no navio Itassuc� para o Riode Janeiro, no dia 27, com o amigo Joaquim Pinto da Mota Lima Filho. Entra para oCorreio da Manh�, como revisor. Trabalha tamb�m nos jornais A Tarde e O S�culo,
al�m de colaborar com os jornais Para�ba do Sul e O Jornal de Alagoas (cujos textos
comp�em a obra p�stuma Linhas tortas).

1915
Retorna �s pressas para Palmeira dos �ndios. Os irm�os Otac�lio, Leonor e Clodoaldo, e

o sobrinho Heleno, morrem v�timas da epidemia da peste bub�nica.
Casa-se com Maria Augusta de Barros, com quem tem quatro filhos: M�rcio, J�nio,
M�cio e Maria Augusta.
1917 Assume a loja de tecidos A Sincera.
1920 Morte de Maria Augusta, devido a complica��es no parto.
1921 Passa a colaborar com o seman�rio O �ndio, sob os pseud�nimos J. Calisto e Anast�cio


Anacleto.
1925 Inicia Caet�s, conclu�do em 1928, mas revisto v�rias vezes, at� 1930.
1927 � eleito prefeito de Palmeira dos �ndios.
1928 Toma posse do cargo de prefeito.


Casa-se com Helo�sa Leite de Medeiros, com quem tem outros quatro filhos: Ricardo,
Roberto, Luiza e Clara.

1929
Envia ao governador de Alagoas o relat�rio de presta��o de contas do munic�pio. Orelat�rio, pela sua qualidade liter�ria, chega �s m�os de Augusto Schmidt, editor, queprocura Graciliano para saber se ele tem outros escritos que possam ser publicados.


1930
Publica artigos no Jornal de Alagoas.
Renuncia ao cargo de prefeito em 10 de abril.
Em maio, muda-se com a fam�lia para Macei�, onde � nomeado diretor da ImprensaOficial de Alagoas.

1931
Demite-se do cargo de diretor.

1932
Escreve os primeiros cap�tulos de S. Bernardo.

1933
Publica��o de Caet�s.
In�cio de Ang�stia.
� nomeado diretor da Instru��o P�blica de Alagoas, cargo equivalente a Secret�rioEstadual de Educa��o.

1934
Publica��o de S. Bernardo.

1936
Em mar�o, � preso em Macei� e levado para o Rio de Janeiro.
Publica��o de Ang�stia.

1937
� libertado no Rio de Janeiro.
Escreve A terra dos meninos pelados, que recebe o pr�mio de Literatura Infantil do
Minist�rio da Educa��o.

1938
Publica��o de Vidas secas.

1939
� nomeado Inspetor Federal de Ensino Secund�rio do Rio de Janeiro.

1940
Traduz Mem�rias de um negro, do norte-americano Booker Washington.

1942
Publica��o de Brand�o entre o mar e o amor, romance em colabora��o com Rachel de
Queiroz, Jos� Lins do Rego, Jorge Amado e An�bal Machado, sendo a sua parteintitulada �M�rio�.

1944
Publica��o de Hist�rias de Alexandre.

1945
Publica��o de Inf�ncia.
Publica��o de Dois dedos.
Filia-se ao Partido Comunista Brasileiro.

1946
Publica��o de Hist�rias incompletas.

1947
Publica��o de Ins�nia.

1950
Traduz o romance A peste, de Albert Camus.

1951
Torna-se presidente da Associa��o Brasileira de Escritores.

1952
Viaja pela Uni�o Sovi�tica, Tchecoslov�quia, Fran�a e Portugal.

1953
Morre no dia 20 de mar�o, no Rio de Janeiro.Publica��o p�stuma de Mem�rias do
c�rcere.

1954
Publica��o de Viagem.

1962
Publica��o de Linhas tortas e Viventes das Alagoas.
Vidas secas recebe o Pr�mio da Funda��o William Faulkner como o livro
representativo da literatura brasileira contempor�nea.

1980
Helo�sa Ramos doa o Arquivo Graciliano Ramos ao Instituto de Estudos Brasileiros daUniversidade de S�o Paulo, reunindo manuscritos, documentos pessoais,
correspond�ncia, fotografias, tradu��es e alguns livros.
Publica��o de Cartas.

1992
Publica��o de Cartas de amor a Helo�sa.


Bibliografia de autoria de Graciliano Ramos

Caet�s

Rio de Janeiro: Schmidt, 1933. 2� ed. Rio de Janeiro:

J. Olympio, 1947. 6� ed. S�o Paulo: Martins, 1961. 11� ed. Rio de Janeiro: Record, 1973. [33� ed., 2015]
S. Bernardo
Rio de Janeiro: Ariel, 1934. 2� ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1938. 7� ed. S�o Paulo: Martins, 1964. 24�
ed. Rio de Janeiro: Record, 1975. [100� ed., 2018]

Ang�stia

Rio de Janeiro: J. Olympio, 1936. 8� ed. S�o Paulo: Martins, 1961. 15� ed. Rio de Janeiro: Record, 1975.
[70� ed., 2017]

Vidas secas

Rio de Janeiro: J. Olympio, 1938. 6� ed. S�o Paulo: Martins, 1960. 34� ed. Rio de Janeiro: Record, 1975.
[137� ed., 2018]

A terra dos meninos pelados

Ilustra��es de Nelson Boeira Faedrich. Porto Alegre: Globo, 1939. 2� ed. Rio de Janeiro: Instituto
Estadual do Livro, INL, 1975. 4� ed. Ilustra��es de Floriano Teixeira. Rio de Janeiro: Record, 1981. 24�
ed. Ilustra��es de Roger Mello. Rio de Janeiro: Record, 2000. 46� ed. [1� ed. Galera Record] Ilustra��esde Jean-Claude Ramos Alphen. Rio de Janeiro: Galera Record, 2014. [55� ed., 2018]

Hist�rias de Alexandre

Ilustra��es de Santa Rosa. Rio de Janeiro: Leitura, 1944. Ilustra��es de Andr� Neves. Rio de Janeiro:
Record, 2007. [14� ed., 2017]

Dois dedos

Ilustra��es em madeira de Axel de Leskoschek. R. A., 1945. Conte�do: Dois dedos, O rel�gio dohospital, Paulo, A pris�o de J. Carmo Gomes, Silveira Pereira, Um pobre-diabo, Ci�mes, Minsk,
Ins�nia, Um ladr�o.

Inf�ncia (mem�rias)


Rio de Janeiro: J. Olympio, 1945. 5� ed. S�o Paulo: Martins, 1961. 10� ed. Rio de Janeiro: Record, 1975.
[48� ed., 2015]

Hist�rias incompletas

Rio de Janeiro: Globo, 1946. Conte�do: Um ladr�o, Luciana, Minsk, Cadeia, Festa, Baleia, Um
inc�ndio, Chico Brabo, Um intervalo, Venta-romba.

Ins�nia

Rio de Janeiro: J. Olympio, 1947. 5� ed. S�o Paulo: Martins, 1961. Ed. Cr�tica. S�o Paulo: Martins;
Bras�lia: INL, 1973. 16� ed. Rio de Janeiro: Record, 1980. [32� ed., 2017]

Mem�rias do c�rcere

Rio de Janeiro: J. Olympio, 1953. 4 v. Conte�do: v. 1 Viagens; v. 2 Pavilh�o dos prim�rios; v. 3 Col�niacorrecional; v. 4 Casa de corre��o. 4� ed. S�o Paulo: Martins, 1960. 2 v. 13� ed. Rio de Janeiro: Record,
1980. 2 v. Conte�do: v. 1, pt. 1 Viagens; v. 1, pt. 2 Pavilh�o dos prim�rios; v. 2, pt. 3 Col�nia
correcional; v. 2, pt. 4 Casa de corre��o. [49� ed., 2015]

Viagem

Rio de Janeiro: J. Olympio, 1954. 3� ed. S�o Paulo: Martins, 1961. 10� ed. Rio de Janeiro: Record, 1980.
[21� ed., 2007]

Contos e novelas (organizador)

Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1957. 3 v. Conte�do: v. 1 Norte e Nordeste; v. 2 Leste; v. 3
Sul e Centro-Oeste.

Linhas tortas

S�o Paulo: Martins, 1962. 3� ed. Rio de Janeiro: Record; S�o Paulo: Martins, 1975. 280 p. 8� ed. Rio deJaneiro: Record, 1980. [22� ed., 2015]

Viventes das Alagoas

Quadros e costumes do Nordeste. S�o Paulo: Martins, 1962. 5� ed. Rio de Janeiro: Record, 1975. [19�
ed., 2007]

Alexandre e outros her�is

S�o Paulo: Martins, 1962. 16� ed. Rio de Janeiro: Record, 1978. [63� ed., 2016]

Cartas

Desenhos de Portinari... [et al.]; caricaturas de Augusto Rodrigues, Mendez, Alvarus. Rio de Janeiro:
Record, 1980. [8� ed., 2011]

Cartas de amor a Helo�sa

Edi��o comemorativa do centen�rio de Graciliano Ramos. S�o Paulo: Secretaria Municipal de
Cultura, 1992. 2� ed. Rio de Janeiro: Record, 1992. [2� ed., 1996]

O estribo de prata


Ilustra��es de Floriano Teixeira. Rio de Janeiro: Record, 1984. (Cole��o Abre-te S�samo). 5� ed.
Ilustra��es de Simone Matias. Rio de Janeiro: Galerinha Record, 2012.

Garranchos

Organiza��o de .iago Mio Salla. Rio de Janeiro: Record, 2012. [2� ed., 2013]

Canga�os

Organiza��o de Ieda Lebensztayn e .iago Mio Salla. Rio de Janeiro: Record, 2014.

Conversas

Organiza��o de Ieda Lebensztayn e .iago Mio Salla. Rio de Janeiro, 2014.

Minsk

Ilustra��es de Rosinha. Rio de Janeiro: Galera Record, 2013.


Antologias, entrevistas e obras em colabora��o

CHAKER, Mustaf� (Org.). A literatura no Brasil. Graciliano Ramos ... [et al.]. Kuwait: [s. n.], 1986.
293 p. Conte�do: Dados biogr�ficos de escritores brasileiros: Castro Alves, Joaquim de SouzaAndrade, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Haroldo de Campos, ManuelBandeira, Manuel de Macedo, Jos� de Alencar, Graciliano Ramos, Cec�lia Meireles, Jorge Amado,
Clarice Lispector e Z�lia Gattai. Texto e t�tulo em �rabe.

FONTES, Amando et al. 10 romancistas falam de seus personagens. Amando Fontes, Corn�lio Penna,
Erico Verissimo, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Jos� Geraldo Vieira, Jos� Lins do Rego, LucioCardoso, Octavio de Faria, Rachel de Queiroz; pref�cio de Trist�o de Athayde; ilustradores: AthosBulc�o, Augusto Rodrigues, Carlos Le�o, Cl�vis Graciano, Corn�lio Penna, Lu�s Jardim, SantaRosa. Rio de Janeiro: Edi��es Cond�, 1946. 66 p., il., folhas soltas.

LEBENSZTAYN, Ieda e SALLA, .iago Mio. Conversas. Rio de Janeiro: Record, 2014.

MACHADO, An�bal M. et al. Brand�o entre o mar e o amor. Romance por An�bal M. Machado,
Graciliano Ramos, Jorge Amado, Jos� Lins do Rego e Rachel de Queiroz. S�o Paulo: Martins,
1942. 154 p. T�tulo da parte de autoria de Graciliano Ramos: �M�rio�.

QUEIROZ, Rachel de. Caminho de pedras. Poesia de Manuel Bandeira; Estudo de Ol�vio Montenegro;
Cr�nica de Graciliano Ramos. 10� ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1987. 96 p. Edi��o
comemorativa do Jubileu de Ouro do Romance.

RAMOS, Graciliano. Ang�stia 75 anos. Edi��o comemorativa organizada por Elizabeth Ramos. 1� ed.
Rio de Janeiro: Record, 2011. 384 p.

RAMOS, Graciliano. Colet�nea: sele��o de textos. Rio de Janeiro: Civiliza��o Brasileira; Bras�lia: INL,
1977. 315 p. (Cole��o Fortuna Cr�tica, 2).

RAMOS, Graciliano. �Conversa com Graciliano Ramos�. Tem�rio � Revista de Literatura e Arte, Rio
de Janeiro, v. 2, n. 4, p. 24-29, jan.-abr., 1952. �A entrevista foi conseguida desta forma: perguntasdo suposto rep�rter e respostas literalmente dos romances e contos de Graciliano Ramos.�

RAMOS, Graciliano. Graciliano Ramos. Colet�nea organizada por S�nia Brayner. Rio de Janeiro:
Civiliza��o Brasileira; Bras�lia: INL, 1977. 316 p. (Cole��o Fortuna Cr�tica, 2). Inclui bibliografia.
Cont�m dados biogr�ficos.

RAMOS, Graciliano. Graciliano Ramos. 1� ed. Sele��o de textos, notas, estudos biogr�fico, hist�rico e
cr�tico e exerc�cios por: Vivina de Assis Viana. S�o Paulo: Abril Cultural, 1981. 111 p., il.
(Literatura Comentada). Bibliografia: p. 110-111.

RAMOS, Graciliano. Graciliano Ramos. Sele��o e pref�cio de Jo�o Alves das Neves. Coimbra:
Atl�ntida, 1963. 212 p. (Antologia do Conto Moderno).

RAMOS, Graciliano. Graciliano Ramos: trechos escolhidos. Por Antonio Candido. Rio de Janeiro:
Agir, 1961. 99 p. (Nossos Cl�ssicos, 53).


RAMOS, Graciliano. Hist�rias agrestes: contos escolhidos. Sele��o e pref�cio de Ricardo Ramos. S�oPaulo: Cultrix, [1960]. 201 p. (Contistas do Brasil, 1).

RAMOS, Graciliano. Hist�rias agrestes: antologia escolar. Sele��o e pref�cio Ricardo Ramos;
ilustra��es de Quirino Campofiorito. Rio de Janeiro: Tecnoprint, [1967]. 207 p., il. (Cl�ssicos
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Cultura do Brasil / Funda��o Biblioteca Nacional.

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B�lgaro

Cyx Knbot [Vidas secas]. 1969.

Catal�o


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Dinamarqu�s

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Espanhol

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Infancia. Buenos Aires: Siglo Veinte, 1948.

San Bernardo. Caracas: Monte Avila Editores, 1980.

Vidas secas. Buenos Aires: Editorial Futuro, 1947.

Vidas secas. Buenos Aires: Editora Capricornio, 1958.

Vidas secas. Havana: Casa de las Am�ricas, [1964].

Vidas secas. Montevid�u: Nuestra Am�rica, 1970.

Vidas secas. Madri: Espasa-Calpe, 1974.

Vidas secas. Buenos Aires: Corregidor, 2001.


Vidas secas. Montevid�u: Ediciones de la Banda Oriental, 2004.

Esperanto

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Finland�s


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Flamengo


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Franc�s


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Enfance [Inf�ncia]. Paris: Gallimard.
Insomnie: Nouvelles [Ins�nia]. Paris: Gallimard, 1998.
M�moires de Prison [Mem�rias do C�rcere]. Paris: Gallimard.
S�o Bernardo. Paris: Gallimard, 1936, 1986.
Secheresse [Vidas secas]. Paris: Gallimard, 1964.


Holand�s


Angst [Ang�stia]. Amsterdam: Coppens & Frenks, Uitgevers, 1995.
Dorre Levens [Vidas secas]. Amsterdam: Coppens & Frenks, Uitgevers, 1998.
Kinderjaren [Inf�ncia]. Amsterdam: De Arbeiderspers, Uitgevers, 2007.
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H�ngaro


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Emberfarkas [S. Bernardo]. Budapeste, 1962.


Ingl�s


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Italiano


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Insonnia [Ins�nia]. Roma: Edizioni Fahrenheit 451, 2008.
San Bernardo. Turim: Bollati Boringhieri Editore, 1993.
Siccit� [Vidas secas]. Mil�o: Accademia Editrice, 1963.
Terra Bruciata [Vidas secas]. Mil�o: Nuova Accademia, 1961.
Vite Secche [Vidas secas]. Roma: Biblioteca Del Vascello, 1993.



Polon�s


Zwiedle Zycie [Vidas secas]. 1950.

Romeno


Vieti Seci [Vidas secas]. 1966.

Sueco


F�rtorkade Liv [Vidas secas]. 1993.

Tcheco


Vyprahl� Zivoty [Vidas secas]. Praga, 1959.

Turco


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Produ��es cinematogr�ficas


Vidas secas � Dire��o de Nelson Pereira dos Santos, 1963.
S�o Bernardo � Dire��o, adapta��o e roteiro de Leon Hirszman, 1972.
Mem�rias do c�rcere � Dire��o de Nelson Pereira dos Santos, 1983.


Produ��o para r�dio e TV


S�o Bernardo � novela em cap�tulos baseada no romance, adaptado para a R�dio Globo do Rio de
Janeiro por Amaral Gurgel, em 1949.
S�o Bernardo � Quarta Nobre baseada no romance, adaptado em um epis�dio para a TV Globo por
Lauro C�sar Muniz, em 29 de junho de 1983.
A terra dos meninos pelados � musical infantil baseado na obra hom�nima, adaptada em quatro
epis�dios para a TV Globo por Cl�udio Lobato e M�rcio Trigo, em 2003.
Graciliano Ramos � Relatos da Sequid�o. DVD � V�deo. Dire��o, roteiro e entrevistas de Maur�cio
Melo J�nior. TV Senado, 2010.


Pr�mios liter�rios


Pr�mio Lima Barreto, pela Revista Acad�mica (conferido a Ang�stia, 1936).
Pr�mio de Literatura Infantil, do Minist�rio da Educa��o (conferido a A terra dos meninos pelados,
1937).
Pr�mio Felipe de Oliveira (pelo conjunto da obra, 1942).
Pr�mio Funda��o William Faulkner (conferido a Vidas secas, 1962). Por iniciativa do governo do
Estado de Alagoas, os Servi�os Gr�ficos de Alagoas S.A. (SERGASA) passaram a se chamar, em 1999,
Imprensa Oficial Graciliano Ramos (Iogra).
Em 2001 � institu�do pelo governo do Estado de Alagoas o ano Graciliano Ramos, em decreto de 25
de outubro. Neste mesmo ano, em vota��o popular, Graciliano � eleito o alagoano do s�culo.
Medalha Chico Mendes de Resist�ncia, conferida pelo grupo Tortura Nunca Mais, em 2003.
Pr�mio Recordista 2003, Categoria Diamante, pelo conjunto da obra.


Exposi��es


Exposi��o Graciliano Ramos, 1962, Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional.
Exposi��o Retrospectiva das Obras de Graciliano Ramos, 1963, Curitiba (10� anivers�rio de sua
morte).
Mestre Gra�a: �Vida e Obra� � comemora��o ao centen�rio do nascimento de Graciliano Ramos,
1992. Macei�, Governo de Alagoas.
Lembrando Graciliano Ramos � 1892-1992. Semin�rio em homenagem ao centen�rio de seu
nascimento. Funda��o Cultural do Estado da Bahia. Salvador, 1992.
Semana de Cultura da Universidade de S�o Paulo. Exposi��o Interdisciplinar Construindo Graciliano
Ramos: Vidas secas. Instituto de Estudos Brasileiros/USP, 2001-2002.
Col�quio Graciliano Ramos � Semana comemorativa de homenagem pelo cinquenten�rio de sua
morte. Academia de Letras da Bahia, Funda��o Casa de Jorge Amado. Salvador, 2003.
Exposi��o O Ch�o de Graciliano, 2003, S�o Paulo, SESC Pompeia. Projeto e curadoria de Aud�lio
Dantas.



Exposi��o O Ch�o de Graciliano, 2003, Araraquara, SP. SESC � Apoio UNESP. Projeto e curadoria de
Aud�lio Dantas.
Exposi��o O Ch�o de Graciliano, 2003/04, Fortaleza, CE. SESC e Centro Cultural Banco do Nordeste.
Projeto e curadoria de Aud�lio Dantas.
Exposi��o O Ch�o de Graciliano, 2003, Macei�, SESC S�o Paulo e Secretaria de Cultura do Estado de
Alagoas. Projeto e curadoria de Aud�lio Dantas.
Exposi��o O Ch�o de Graciliano, 2004, Recife, SESC S�o Paulo, Funda��o Joaquim Nabuco e Banco
do Nordeste. Projeto e curadoria de Aud�lio Dantas.
4� Sal�o do Livro de Minas Gerais. Graciliano Ramos � 50 anos de sua morte, 50 anos de Mem�rias
do c�rcere, 2003. C�mara Brasileira do Livro. Prefeitura de Belo Horizonte.
Entre a morte e a vida. Cinquenten�rio da morte: Graciliano Ramos. Centen�rio do nascimento:
Domingos Monteiro, Jo�o Gaspar Sim�es, Roberto Nobre. Exposi��o Bibliogr�fica e Documental.
Museu Ferreira de Castro. Portugal, 2003.
Exposi��o Conversas de Graciliano Ramos, 2014, S�o Paulo, Museu da Imagem e do Som. Projeto e
curadoria de Selma Caetano.
Exposi��o O Cronista Graciliano, 2015, Rio de Janeiro, Arte SESC. Projeto e curadoria de Selma
Caetano.


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