Enchantment
Pam McCutcheon
No passado, o Hotel Chesterfield era famoso por oferecer a seus hóspedes o charme e o conforto de apartamentos luxuosos e o tratamento na estância termal vizinha. Atualmente, ele oferece a quem abrir um velho baú, uma viagem para uma época remota e a transformação pelo poder infinito do amor verdadeiro... Gina Charles se hospeda num hotel de beira de estrada, com a única companhia de seu fiel cãozinho. No entanto, logo ela descobre que existe outro ocupante no quarto, um fantasma atraente e de olhar penetrante, que a convence a ajudá-lo a descobrir os detalhes de sua morte, no incêndio que destruiu o Hotel Chesterfield. E quando Gina descobre uma pista importante, ela se vê transportada para o ano de 1885, e frente a frente com Drake Manton, ainda mais charmoso e sedutor do que na forma de fantasma. Agora, tudo que ela tem a fazer é evitar que ele morra no incêndio, para então voltar para o presente. Ou será que o forte vínculo de amor entre ela e Drake a impedirá de voltar?
Digitalização: Crysty
Revisão: Catarina C.
Querida leitora,
Depois de uma desilusão amorosa, Gina vai buscar refúgio, com seu cachorrinho de estimação, num antigo hotel, só para descobrir que o quarto já está ocupado... por um fantasma muito sexy, de olhar sedutor, que a transporta numa extasiante viagem ao passado, repleta de aventura e romance...
Leonice Pomponio - Editora
Copyright (c) 2001 by Pam McCutcheon
Originalmente publicado em 2001 pela Kensington Publishing Corp.
PUBLICADO SOB ACORDO COM KENSINGTON PUBLISHING CORP. NY. NY - USA
Todos os direitos reservados.
Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.
TÍTULO ORIGINAL: ENCHANTMENT
EDITORA Leonice Pomponio
ASSISTENTES EDITORIAIS
Patrícia Chaves, Paula Rotta
EDIÇÃO/TEXTO
Tradução: Cristina Calderini Tognelli
Revisão: Giacomo Leone
ARTE Mônica Maldonado
MARKETING/COMERCIAL Andréa Riccelli
PRODUÇÃO GRÁFICA Sônia Sassi
PAGINAÇÃO Andréa Carmassi
(c) 2008 Editora Nova Cultural Ltda.
Rua Paes Leme, 524 - 10º andar - CEP 05424-010 - São Paulo - SP
www.novacultural.com.br
Premedia, impressão e acabamento: RR Donnelley
Capítulo I
Gina Charles olhou pasma para o casal no banco traseiro da limusine. Bette, deitada de costas, tinha o vestido levantado até a cintura e Jerry, sobre ela, arremetia com vigor fazendo balançar as pontas do paletó esporte como se estivesse tentando bater um recorde mundial.
Sabia que seria melhor dar as costas para a porta aberta, mas aquela era a sua limusine, com o seu noivo e a sua dama de honra. Chocada, não conseguiu fazer nada além de observar a cena diante de si.
Scruffy, seu irascível terrier preto, se contorceu em seus braços e ganiu. Bette arfou e Jerry parou, olhou para trás e praguejou. Uma série de emoções, como vergonha, humilhação e raiva desmedida assolaram-na. Como podiam fazer isso com ela?
Alguém atrás dela deu uma risadinha. Todos os convidados, que haviam chegado para o jantar de ensaio, estavam lá apreciando o espetáculo.
Gina não sabia como lidar com aquilo. Bateu a porta e, com lágrimas nos olhos, empurrou as pessoas a fim de alcançar seu carro estacionado ali perto.
- Não se preocupe - disse a mãe. - Cuidarei de tudo. - Enquanto Gina vasculhava a bolsa fervilhando de ódio, Madeline a pegou pelo braço. - Não faça escândalo.
Desvencilhou-se do braço da mãe e enxugou uma lágrima.
- Foram eles quem fizeram! - E continuou a procurar as chaves, pois precisava sair dali.
- Espere, estou certa de que há alguma explicação para isso.
- Claro, como o quê? - Mesmo em meio à raiva, Gina não conseguia acreditar no que ouvia. A mãe era perita em distorcer os fatos em benefício próprio, porém não queria estar perto quando ela encontrasse uma nova versão nesse caso.
Por fim encontrou as chaves e destrancou o carro. Acomodou Scruffy no banco do passageiro e, depois de se colocar atrás do volante, pôs o cinto de segurança automaticamente. Conseguiu dar partida, mas quando ia fechar a porta, a mãe segurou-a com força:
- Pare com isso imediatamente, mocinha. Não vai a parte alguma. O casamento é amanhã.
Jerry se aproximava do carro correndo, ainda colocando a camisa para dentro da calça. O loiro bronzeado estava um tanto desarrumado e Gina não suportava olhar para ele naquele momento. Infelizmente, ainda conseguia ouvi-lo.
- Meu amor, espere. Isso não muda nada.
Ela parou de tentar fechar a porta para lançar um olhar incrédulo na direção dele.
- Só pode estar brincando... - O que tinha visto nele?
- Verdade. Aquilo não foi nada, só uma última escapadela.
- É mesmo? Pois a sua escapadela foi vista por toda a família e por nossos amigos. Como pôde? Com minha melhor amiga?
Agora sua ex-melhor amiga.
Pelo menos ele teve a sensatez de parecer embaraçado.
- Juro, não significou nada. Ela não significa nada. Amo só você, querida.
Gina não acreditou em nenhuma palavra. Tinha mudado toda a sua vida por causa dele e o desgraçado não conseguia se controlar nem na véspera da cerimônia. Devia ter pensado melhor antes de confiar num vendedor de carros. Ainda mais um bem-sucedido. Olhou para a mãe e disse:
- Largue a porta, mamãe.
- Não. - Madeline segurou-a com mais firmeza. - Ouça o que ele tem a dizer. Não pode jogar fora a sua vida dessa maneira.
- O que quer dizer, na verdade, é que não posso jogar fora os seus sonhos de um casamento grandioso e um genro rico.
- Não seja tola, querida. Sabe que só me preocupo com seu bem-estar - a mãe protestou.
Jerry enfiou a cabeça dentro do carro.
- Amor, vamos conversar, sim?
Scruffy latiu para ele, ecoando os sentimentos da dona.
- Nem pensar. Fale com Bette. Case com ela. Nosso casamento está cancelado, para sempre! - dizendo isso, empurrou-o para fora.
A força do empurrão fez com que Jerry cambaleasse sobre Madeline, que acabou soltando a porta. Livre, Gina acelerou e saiu em disparada.
A porta se fechou e ela olhou pelo retrovisor. Jerry, o idiota, tentava correr atrás dela, enquanto Madeline seguia para o próprio carro.
Precisava se livrar deles e sair de Richmond. Imediatamente. Fez uma série de manobras de evasão e acabou na rodovia 164 indo para o Oeste, na direção das montanhas. Olhou para trás e viu que ninguém a seguia. Bem, e agora?
Uma placa apareceu indicando a direção de Hope Springs. As montanhas Allegheny, as águas termais e... esperança. Era disso que precisava.
Olhou para Scruffy que parecia um pouco atordoado com tudo o que acabara de acontecer.
- Está tudo bem - garantiu e roçou a orelha do cachorro enquanto lágrimas rolavam pelas faces. - Só vamos ficar em Hope Springs por uns dias.
O tempo necessário para que encontrasse uma maneira de colocar a vida em ordem e decidir o que faria em seguida.
A vida após a morte é um tédio, Drake Manton pensou ao atravessar as paredes finas do hotel de beira de estrada. Se soubesse que passaria a eternidade confinado em Hope Springs, na Virgínia, teria tomado mais cuidado com a maneira em que morreria. Se ao menos pudesse se lembrar de como ocorrera...
Atravessou outra parede e se viu num quarto onde um casal deitado assistia à televisão. Parou um instante para ver o filme de ficção científica. O lado bom de ser um fantasma era o fato de ter testemunhado diversas maravilhas no transcorrer dos anos. Isso, entretanto, não compensava a falta de calor humano.
Tinha passado grande parte do tempo como espectador, envolvido na rotina dos habitantes da cidade. O familiar, no entanto, logo perdeu o seu encanto e ele procurou diversificar, observando os que estavam em Hope Springs de passagem.
Olhou para o casal na cama, que no momento começava a fazer mais do que ficar abraçado assistindo à televisão. Esse não era o tipo de observação que apreciava. Como de costume, os vivos não perceberam que estava lá, então os deixou à vontade, passando para outro cômodo à procura de Gina Charles, a mulher que, com o rosto transtornado, havia se registrado naquele dia.
Encontrou-a no quarto ao lado, dormindo abraçada ao cachorro que roncava. As faces marcadas pelas lágrimas, as embalagens abertas de batatinhas, sorvete e uma garrafa de vinho pela metade eram as provas do desespero da moça.
Observou-a calmamente. Por que uma mulher atraente como ela estava tão triste? Os cachos negros estavam espalhados pelos ombros e ela dormia profundamente com as mãos contra o peito, como se quisesse proteger o coração.
Esse era o tipo de sentimento que tentara atenuar enquanto estava vivo. Contudo, não poderia fazer nada agora. Mesmo assim, a necessidade de confortá-la permeava seu corpo imaterial. Sentou-se na cama, fitando-a. O rosto adorável e o corpo bem feito mal coberto teriam atiçado seu desejo se ainda vivesse, contudo as sensações físicas tinham ido embora junto com seu corpo.
O que sentia hoje era compaixão. Desejava poder tomá-la nos braços, enxugar suas lágrimas e propiciar conforto de maneira honrada, mas isso era impossível. Mesmo sabendo que ela não o sentiria, deitou-se a seu lado e esticou-se para confortá-la. Estava preparado para ver a mão atravessá-la, porém ela se fechou sobre a elevação macia do peito feminino.
Gina pulou gritando e saiu da cama, assustando o cachorro que se pôs a latir freneticamente.
Bom Deus, ela havia sentido aquilo?
A moça segurou o abajur e o agarrava furiosamente.
Confuso, Drake se perguntava o porquê de a mulher lutar contra o objeto.
- O interruptor fica na base - ele informou.
O comentário só fez o cachorro latir ainda mais. Com outro grito, Gina abandonou o ataque ao abajur e remexeu na mesinha de cabeceira. Agarrou outro objeto e apontou na direção dele, ameaçadora.
- Não se mexa!
- Ou o quê? - ele perguntou olhando para a arma que ela havia escolhido. - Vai me pentear? - Drake estava mais do que divertido, estava extasiado que alguém finalmente conseguia vê-lo, ouvi-lo, senti-lo.
Ela jogou a escova na direção dele, sem conseguir atingi-lo. O cachorro tentava investir contra ele, indo para a frente e para trás, continuando a latir.
Gina estendeu uma das mãos como que para afastá-lo ao mesmo tempo em que retrocedia para a porta.
- O que quer? - perguntou com voz trêmula.
Ele sorriu e elevou a voz para ser ouvido acima dos latidos.
- Nada. Não se preocupe, não vou machucá-la.
- Então por que estava na minha cama? - Ela chegou à parede.
- Não pensei que pudesse me ver.
- Ah, sim, claro...
- É verdade, eu lhe asseguro. A maioria das pessoas não me vê. Sou um fantasma.
- E eu sou Lucy Muir.
Drake quase se pôs a rir com a referência ao filme antigo, e por estar participando de uma conversa de verdade, mas se conteve, pois precisava acalmá-la. Infelizmente, Gina continuava indo em direção à porta encostada na parede e o cachorro não parava de latir.
Alguém bateu à porta e gritou:
- Cale a boca desse vira-lata!
Como um relâmpago, ela destravou a porta e saiu para o corredor do hotelzinho de beira de estrada. Agarrou o braço do homem, um motorista de caminhão que havia se registrado um pouco antes do que ela.
- Socorro! Há um estranho em meu quarto!
Ela parecia mais irritada do que assustada, e a expressão no rosto do homem mudou de aborrecimento para determinação. Afastou-lhe a mão, pôs-se diante dela, acendeu a luz e, com os punhos cerrados, vasculhou o quarto com o olhar.
- Onde ele está?
- Ali. - Gina apontou para Drake parado ao pé da cama.
- Onde? - O homem avançou dentro do quarto.
Drake tinha esperanças de que o motorista também pudesse vê-lo, porém o olhar não se deteve nele. Somente Gina e o cachorro o enxergavam.
Gina pegou Scruffy no colo, tentando acalmá-lo. O animal parou de latir, mas continuou com rosnados baixos.
-Ele está bem aí. Perto da cama.
O homem relaxou o punho e encarou-a.
- Não tem ninguém aqui...
Aparentemente encorajada pela presença do motorista e pela falta de reação do intruso, ela voltou para dentro e olhou na direção de Drake.
- Claro que tem. Não consegue vê-lo? Cansado de tudo aquilo, Drake falou:
- Não, ele não consegue. Ninguém nunca me viu desde que morri, exceto animais. E agora você.
Gina encarou-o e depois falou com o homem:
- Está me dizendo que também não o ouviu?
- Ouvi o quê? - O homem olhou com suspeita pelo quarto e até se ajoelhou para verificar embaixo da cama.
Quando a cabeça dele atravessou o peito de Drake, Gina caiu sobre uma cadeira, gemendo e com os olhos arregalados. O homem se ergueu e estacou ao ver a garrafa de vinho.
- Moça, está vendo coisas. Talvez fosse melhor parar de beber. - Olhando-a com desgosto, ele se encaminhou para a porta, mas antes de sair, disse: - Vá dormir e faça esse vira-lata fechar a matraca.
Depois que a porta se fechou, Gina murmurou:
- Ele não é um vira-lata. É um cairn terrier puro-sangue, igual a Totó do Mágico de Oz.
- Aquela coisa peluda tinha pedigree?
- Lamento, não quis assustá-la - Drake afirmou. - Não sabia que conseguiria me ver. - Ou me sentir, acrescentou em pensamento.
- Mas ele não o viu. E o atravessou!
- Sim, eu sei - Drake confirmou gentilmente. - Já disse: sou um fantasma.
Ela ficou paralisada, os olhos arregalados enquanto juntava as peças do quebra-cabeça. Abriu a boca para gritar, porém foi impedida pela mão de Drake, que se sentiu extasiado por poder voltar a tocar em alguém.
Os olhos se esbugalharam ainda mais enquanto ela tentava se libertar, mas ele a mantinha presa na cadeira, murmurando palavras para tentar acalmá-la.
- Não vou machucá-la...
Uma vez que a moça parecia querer falar, ele retirou a mão, pronto a voltar a cobrir a boca caso ela ameaçasse gritar novamente.
- O que... o que quer? - ela perguntou com a voz trêmula.
- Nada. - Diante do ar descrente, acrescentou: - Só conversar. Se eu quisesse desonrá-la, já o teria feito.
Frente a essas palavras, um pouco do medo se desfez.
- Por que eu?
- Porque é a primeira pessoa que me vê e ouve desde que morri. - Ele se concentrou em transmitir pensamentos suaves na esperança de diminuir o temor que ela sentia.
Aparentemente, isso surtiu efeito, pois Gina relaxou e um ar de perplexidade tomou o lugar do medo.
- Se é um fantasma, como posso senti-lo?
- Não sei, isso também é novidade para mim... É, por acaso, uma espiritualista?
- Não, sou uma treinadora de cachorros, não de fantasmas.
- Acredita, então, que eu seja um fantasma?
- Não há outra explicação, tudo leva a crer que seja de fato. - Ela deu de ombros. Ainda que as palavras demonstrassem coragem, a voz continuava trêmula e ele suspeitou que a moça não estivesse tão despreocupada como tentava aparentar.
A voz se elevou conforme ela enumerava os motivos, contando nos dedos.
- Vejamos, entrou no meu quarto apesar da trava, um homem o atravessou, você é transparente, está vestido com uns trajes antigos que nenhum homem moderno jamais usaria, nem morto...
- Bem, eu estou morto. - Ele olhou para a roupa.
- Muito engraçado... - Ela se ajeitou na cadeira com o cachorro no colo. - Talvez eu não seja a pessoa mais esperta do mundo, mas só posso acreditar que é um fantasma, ou então, estou ficando louca. - A boca se retorceu. - Naturalmente, prefiro não acreditar nessa última hipótese.
- Não está louca. Pelo menos acho que não. - Embora houvesse um episódio... - Presumo que tenha uma boa explicação por ter estrangulado o abajur agora há pouco...
- Pretendia usá-lo para acertá-lo na cabeça. - Ela enrubesceu. - Mas está parafusado na mesinha.
Encorajado pela reação mais calma dela e pelo fato de que parecia não querer mais atingi-lo, Drake sentiu um entusiasmo havia muito desconhecido. Finalmente a monotonia de sua vida após a morte seria quebrada, pois havia pelo menos uma pessoa na face da Terra com quem poderia conversar. Talvez fosse até um sinal de que ela seria a resposta para o término de sua existência enfadonha.
- Por que sou eu a felizarda?
- Já disse que é a primeira vez que isso acontece.
- O que quis dizer é: por que estava me apalpando? Sentiu-se mortificado, apesar de não lamentar ter podido sentir a suavidade de um corpo feminino mais uma vez.
- Por favor, aceite as minhas desculpas. Eu a vi chorando antes e só quis consolá-la.
- Enchendo a mão?
Por ter assistido a muitos filmes modernos, estava familiarizado com a expressão rude.
- Peço perdão mais uma vez. Não imaginei que pudesse senti-la de fato... Só queria confortá-la.
- Bem, não pode fazer isso. Ninguém pode.
- Por que não?
- Eu devia me casar amanhã - ela informou com os ombros encurvados.
Embora Drake estivesse entusiasmado por poder conversar com alguém, tentou suprimir tal sentimento. Ela não poderia auxiliá-lo se não a ajudasse antes. Para conseguir isso, precisava saber o que a atormentava.
- Seu noivo a abandonou?
- Não... - Ela fungou enquanto uma lágrima descia pela face. - Eu deixei o salafrário.
- Por que está triste, então?
- Pelo motivo que me fez deixá-lo...
Drake sentou-se na beira da cama e tentou mais uma vez.
- Por que não me conta tudo?
Gina voltou a fungar, contudo pareceu aliviada por ter alguém com quem desabafar.
- Devíamos ensaiar a cerimônia, mas ele decidiu ensaiar a noite de núpcias... com minha dama de honra. - O olhar dela mostrava rancor. - Ou de desonra, no caso.
- O homem não passa de um cão sarnento. Scruffy voltou a rosnar e Gina o acalmou.
- Pior. Pelo menos os cães são fiéis. Jerry não soube nem ser discreto. Todos os convidados os viram se acasalarem como coelhos dentro da limusine. E a cerimônia seria perfeita - ela choramingou.
Fungando e enxugando as lágrimas, continuou a descrever os detalhes do casamento.
Cento e dezesseis anos no limbo haviam ensinado paciência a Drake, e seu trabalho como mesmerizador havia demonstrado o valor de um ouvido atento. Por isso, prestou atenção.
E isso pareceu ajudar, pois Gina foi se acalmando e terminou a história dizendo:
- A pior parte foi que vendi meu negócio de treinamento de cães, subloquei meu apartamento e cortei qualquer vínculo com minha vida antiga para me dedicar totalmente a Jerry. O que faço agora? Minha vida se foi...
- Quem sabe seus pais não podem ajudá-la?
- Duvido. Meu pai com certeza me ajudaria, mas faleceu três anos atrás. E minha mãe... - Ela deu uma risada irônica. - Mesmo depois de eu flagrar Jerry, ela queria seguir com os planos do casamento. Típico dela!
Drake ficou surpreso; a mulher não era bem um exemplo de amor materno.
- Não é de se admirar que tenha fugido.
- E que faço eu agora? Não tenho mais nada que me prenda. Ele refletiu um instante. Embora quisesse confortá-la, queria mais ainda mantê-la por perto para ser ajudado.
- O que você quer fazer?
Ela parou para pensar, em seguida uma centelha iluminou o seu olhar.
- Quero recomeçar. Em algum lugar novo, bem longe de Jerry, de minha mãe e dos meus supostos amigos.
- Então é isso que deve fazer. Por que não fica aqui em Hope Springs?
- Aqui? Por quê?
Porque ele não podia deixar a região, e detestaria ter de admitir isso a ela. Na verdade, seria melhor se ela acreditasse que poderia segui-la a qualquer parte.
- Por que não? - Precisava de tempo para pensar, para planejar uma forma de pedir a ajuda dela. Ao notar as sombras debaixo dos olhos castanhos da moça, disse: - Não precisa decidir nada hoje. Agora só o que tem a fazer é dormir.
- Boa idéia. Estou acabada. - Ela bocejou e apagou a luz. - Mas nada de me apalpar, certo?
- Tudo bem.
Não a tocaria, mas também não a perderia de vista. Gina Charles era a chave que o libertaria da existência no limbo, e não a deixaria até encontrar a saída.
Gina despertou com o nariz tampado, os olhos inchados e uma terrível dor de cabeça, tudo resultado de uma bebedeira regada com muito choro.
Scruffy choramingou e esfregou o focinho molhado nela, dando a entender que precisava sair. A lembrança da noite anterior voltou num instante, e ela arregalou os olhos, vasculhando o quarto.
Como era de se esperar, o fantasma ainda estava lá, sentado na única cadeira do quarto e encarando-a com olhos penetrantes.
Voltou a cerrar os olhos e gemeu. Ótimo. Coisas ruins sempre aconteciam em trios. Primeiro o desastre do casamento, depois o fantasma. Ficou pensando quanto tempo levaria para que o terceiro infortúnio acontecesse. Teria de ser algo bem grande para superar os números um e dois.
- Bom dia - o fantasma cumprimentou com uma voz potente.
Até que para um espectro ele não era nada mau. Tinha uma mecha de cabelos brancos no meio da cabeleira negra comprida que lhe conferia um ar dramático. Com aquela aparência, a voz e olhar sensuais que tinha, devia ter sido um sucesso entre as mulheres na sua época.
Ela, contudo, não queria mais saber de homens, mesmo os falecidos. Era ridículo demais sentir-se atraída por um fantasma, mesmo no atual estado emocional. Encarou-o enquanto Scruffy ficava cada vez mais agitado.
- Ficou me observando a noite inteira?
- Sim. Queria estar aqui quando acordasse - ele admitiu. Que ótimo, um fantasma atencioso. Era tudo o que precisava. Ignorando-o, levantou-se e abriu a porta para o cachorro.
Havia um gramado logo adiante e ela deixou que o bichinho se aliviasse lá. Só de olhar seu amigão de orelhas em pé e rabo abanando já se sentia melhor. Depois de terminado, Scruffy voltou para dentro e rosnou para ele. Reprimindo o desejo de "rosnar" ela também, Gina disse:
- Agora que sabe que ainda estou aqui, pode ir embora.
- Prefiro ficar. -A voz era educada, mas muito determinada. Gina suspirou. Não sabia o que fazer além de contratar um exorcista e duvidava que pudesse encontrar um nas páginas amarelas. Teria de tolerá-lo por enquanto.
- Olhe só, preciso tomar banho e não quero me preocupar com o fato de você querer me espiar. - Ele podia ser um bonitão, mas não queria que a visse nua. - Promete ficar bem aí onde está?
- Tem a minha palavra. - Ele inclinou a cabeça num gesto bem cavalheiresco.
Meneando a cabeça, Gina apanhou as poucas coisas que tinha comprado na loja de conveniência e entrou no banheiro. Levou Scruffy consigo como precaução, alertando-o para que a avisasse caso uma cabeça indesejável aparecesse na parede do banheiro.
Felizmente o homem cumprira a promessa e ela pôde se banhar sem ser observada e vestir a roupa que adquirira na noite anterior. Sabendo que seria inútil protelar o inevitável, abriu a porta, voltando para o quarto com a toalha enrolada na cabeça.
Ele se levantou e como parecia que não tinha intenção de ir a parte alguma, Gina se apressou em dizer:
- Já que vai ficar por perto, ao menos poderia me dizer seu nome.
Ele sorriu e curvou-se de maneira galante.
- Drake Manton. Mesmerizador, a seu dispor.
- Mesmerizador? Como um hipnotizador?
- Algo parecido. No meu tempo, o mesmerismo Começou com o estudo do magnetismo dos corpos, que se acreditava fosse uma das causas dos problemas mentais. Pode-se dizer que somos os precursores dos psiquiatras modernos.
Um terapeuta das antigas. Era tudo o que precisava.Contudo, se o fato de se concentrar nele a fizesse esquecer as mazelas de sua vida, poderia deixar tudo de lado por um instante. Sentou-se na cama e perguntou:
- Qual é a sua história? Como se transformou em fantasma? Drake voltou a se sentar e, com um sorriso nos lábios, respondeu:
- Eu morri.
- Jura? - Ela disse revirando os olhos. - O que quero dizer é por que se tornou um fantasma? Anda assombrando o lugar em que morreu até descobrir seu assassino ou coisa assim?
- Eu não sei. - A boca máscula se retorceu. - Não me lembro da minha morte. Sempre imaginei que se descobrisse como morri, deixaria essa vida fantasmagórica para trás e seguiria em uma jornada mais recompensadora. - Parou por um instante e depois prosseguiu: - Talvez... possa me ajudar?
- Nem pensar. Não vou começar a visitar cemitérios ou cavar túmulos a fim de descobrir quem o matou. - Além de ter jurado ficar longe dos homens; vivos ou mortos. De repente anunciou: - Vou me tornar freira. - Isso resolveria o assunto. Não era católica e nem sabia se permitiriam a entrada de Scruffy no convento, mas esses eram problemas menores.
Incrédulo, Drake ergueu uma sobrancelha.
- Não será necessário que desencave ossos. Só peço que visite um necrotério de uma espécie diferente: os arquivos do jornal. Essa é uma coisa que não posso fazer sozinho. - Um dos cantos da boca se levantou, conferindo-lhe um ar jovial. - Quem sabe não pode postergar seus votos mais um pouco?
Freiras precisavam fazer votos? Pensando melhor, elas também tinham umas roupas horrorosas e desistiam de muitas outras coisas além dos homens. Fazendo um gesto com a mão, Gina dispensou a idéia inicial.
- Está certo, talvez eu não me torne uma freira no fim das contas. - Também não queria se envolver nos problemas de um fantasma; já os tinha em número demasiado. - Lamento tê-lo aborrecido com meus problemas. - Deixou nas entrelinhas que não tinha energia para ajudá-lo no momento, mas esperava que ele entendesse a sugestão.
Ele, porém, se fez de desentendido.
- Não foi problema algum, e realmente preciso de sua ajuda.
- Não consigo nem ajudar a mim mesma!
- Vamos lá, é pouca coisa e só você pode fazer isso por mim...
- Sinto muito, mas a resposta é "não". - Gina deixou de lado a educação e foi direta.
- Não prefere pensar melhor? - Por trás da pergunta educada, havia uma ameaça velada. Quando Gina meneou a cabeça, Drake suspirou. - Então, sinto dizer que terei de assombrá-la pelo resto de sua vida.
Ela se arrepiou e Scruffy, sentindo seu desconforto, começou a rosnar.
- Acho que ele não gostou da idéia - Drake disse.
Esse seria um problema, pois não acreditava que conseguiria lidar com o espectro pelo resto de sua vida.
- O que quer exatamente?
- Leia os arquivos antigos do jornal e veja se consegue descobrir alguma informação a respeito de minha morte.
- E depois me deixará em paz?
Ele hesitou um instante, depois concordou.
- Se tudo correr como espero, desaparecerei assim que descobrir como morri.
- E se isso não acontecer?
- Vamos pensar nisso quando o momento for oportuno, que tal? - ele sugeriu.
Gina suspirou. Aquilo não era uma promessa, no entanto era melhor do que nada. No fundo, estava aliviada por ter algo que a distraísse de seus problemas.
Deixou Scruffy no quarto e tomou um café rápido antes de se dirigir ao Hope Springs Times com o espectro de Drake a seu lado indicando o caminho.
Um atendente do jornal foi muito atencioso, mostrando como devia operar a máquina de microfilmagem, e depois a deixou a sós para concluir a pesquisa. O que veio bem a calhar, pois não queria que pensassem que ela falava sozinha.
- O que devo procurar? - perguntou a Drake.
- Lembro-me de ter chegado a Hope Springs em junho de 1885. Na minha lápide está gravado o mesmo ano, mas não há uma data precisa.
Gina estremeceu diante da maneira casual como ele se referia à própria morte. Se fosse um homem de carne e osso, ela o consideraria fascinante; morto, entretanto, seu toque era gélido e meio assustador. Quanto antes se livrasse dele, melhor.
Depois de várias horas, encontraram o que procuravam. Na edição de 22 de dezembro de 1885 encontrou um desenho que só poderia ser de Drake. A ilustração exagerava a mecha branca e os olhos penetrantes, além disso, ele tinha os braços levantados e raios irradiavam de seus dedos. Estava acompanhada de uma matéria e da manchete: Mesmerizador Morre em Incêndio no Hotel.
- É isso - Drake disse lendo a matéria por sobre o ombro dela.
No artigo estava escrito que ele havia morrido num incêndio na torre recém-construída do Chesterfield, um hotel resort luxuoso de estilo vitoriano localizado a três quilômetros da cidade. O incêndio também causara a morte da Sra. Rutledge. O artigo sugeria que o mesmerizador tinha sido castigado por ter se envolvido com uma mulher casada.
Devia ter imaginado, Drake tinha sido igual a Jerry. Levantando-se, Gina espreguiçou-se e, embora desapontada, estava satisfeita por ter ajudado alguém. Sentiu-se melhor com isso. Olhou para o fantasma que ainda lia o artigo.
- Ainda está aqui. Por quê?
Drake se virou devagar para ela, fixando o olhar atraente nela.
- Não sei. Talvez porque isso não seja verdade. Não sou um namorador. Isso aí é mentira... Acho que é por isso que ainda estou aqui.
- Ou talvez esteja condenado a passar a eternidade como fantasma por ter sido exatamente um namorador.
- Não acredito que esse seja meu destino. Se fosse assim, por que você me vê e ouve quando ninguém mais pode?
- Não sei. -Talvez ele estivesse certo, sem falar que os jornalistas daquela época não eram conhecidos pela exatidão dos fatos.
- Você deve ser a chave - ele murmurou franzindo o cenho. - Mas como? - Uma idéia iluminou seu rosto. - Já sei. Temos de ir até o local do incêndio.
- Não acredito que o hotel exista ainda, senão já teria ouvido falar dele.
- Ele não existe mais, mas as ruínas ainda estão de pé. É isso, precisa vir comigo até o Chesterfield. A resposta está lá.
- Isso foi há mais de cem anos! Como poderemos encontrar pistas?
- Não sei. Só sei que a chave de tudo está lá. Por favor, venha comigo.
- Acho que não é uma boa idéia. Está ficando tarde... - Estivera envolvida no problema dele o dia inteiro em vez de pensar nos seus.
- Teremos bastante luz ainda. Hoje é o solstício de verão, o dia mais longo do ano. Por favor...
Mesmo morto, Drake tinha muito poder de persuasão. Além disso, Gina gostava de se sentir necessária, e seria bom ir até o fim daquela história maluca, então concordou:
- Está bem, mas precisamos buscar Scruffy.
Antes de sair, imprimiu uma cópia do artigo e colocou o troco no bolso da calça.
Dirigiu até onde pôde nas ruínas do hotel, depois estacionou e saiu. Scruffy desceu do carro para explorar o terreno e Drake a chamou:
- Encontrei um caminho até lá.
Na luz difusa de fim de tarde era mais difícil enxergar o espectro, então ela seguiu a voz pela folhagem alta que rodeava as ruínas do outrora glorioso hotel. Chamou o cachorro para perto, pois imaginou que não seria seguro andar pelos escombros.
- Drake, onde está? - Será que ele já tinha desaparecido, perguntou-se ao pegar o animalzinho no colo.
- Estou aqui dentro.
Ela voltou a enxergá-lo e disse:
- Isso parece perigoso...
Ignorando o medo dela, Drake anunciou:
- Não precisa ir mais para dentro, acho que encontrei o que procurávamos.
- O que foi? - Os degraus e o pórtico pareciam seguros, então ela se aventurou até perto dele.
- Isso. - Ele apontou para um baú, meio escondido.
- Estranho. Como isso ainda está aqui depois de tantos anos?
- Não me lembro dele apesar de ter vindo aqui muitas vezes. - Teve de admitir.
Uma onda de excitação a fez se abaixar diante do objeto. Soprando um pouco do pó, o baú revelou belas flores gravadas, alças escurecidas de latão e as iniciais: EMS.
- Parece um baú daqueles de guardar enxoval. Será que há alguma coisa dentro?
A tampa cedeu comum rangido e Scruffy espirrou quando ela sacudiu a poeira. Olhou para dentro e ouviu Drake perguntar impaciente:
- E então?
- Nada. Só um monte de bugigangas - respondeu desapontada e remexeu no conteúdo: uma correntinha quebrada, algemas partidas, a insígnia de um xerife e uma placa amassada com um nome.
Debaixo de tudo isso, encontrou algo mais interessante. Passando Scruffy para o braço esquerdo, esticou-se e pegou uma antiga pistola de duelo. Também estava danificada, o cabo parcialmente derretido.
- É isso - Drake afirmou triunfante.
- Como sabe... - Gina parou de falar sentindo-se um pouco tonta. - Drake?...
Ele se inclinou preocupado e ela deixou a arma cair, levando os dedos trêmulos para a testa. Cambaleou, sentiu que iria desmaiar e percebeu que ele parecia mais material. Ou seria ela quem se sentia mais imaterial.
A vertigem a subjugou e a levou para dentro de um redemoinho de velocidade impressionante.
O que está acontecendo comigo?
A resposta não veio antes que ela caísse no chão e perdesse a consciência.
Gina recobrou os sentidos e se descobriu numa superfície dura enquanto era lambida por Scruffy. Empurrou-o e abriu os olhos, deparando-se com o olhar preocupado de uma mulher desconhecida.
- Como se sente, querida? - A voz parecia ter um sotaque inglês.
- Não sei... Onde está Drake?
- Ainda não está aqui, mas não tardará a chegar.
Confusa, Gina levou a mão para a cabeça e encarou a mulher. O cabelo negro estava preso, formando uma espécie de alfineteira e terminava num nó no alto, o vestido escuro e austero de gola e punhos brancos chegava à altura dos tornozelos. Estranho. Teria ido parar num convento de verdade? A desconhecida estendeu a mão para ajudá-la a se levantar.
- Como vai, Srta. Charles? Sou a Srta. Sparrow.
Gina cumprimentou-a e, olhando ao redor, viu que estava numa varanda. As duas estavam numa das pontas e um grupo de pessoas conversava animadamente do outro lado. Havia algo de estranho neles, porém não sabia discernir o quê.
- Totó, acho que não estamos mais no Kansas - ela murmurou.
- Essa é a minha garota - a mulher disse num tom animador. - Agora que está aqui, tudo dará certo.
- Aqui? Onde estou?
- Ora, no passado, é claro - a mulher respondeu como se isso fosse óbvio. - Viajou no tempo.
Gina ficou paralisada. Viagem no tempo? A mulher só podia ser louca. Piscou, depois viu uma placa; Chesterfield. Lentamente, os fatos penetraram em seu cérebro enevoado. O lugar se parecia com as ruínas em que tinha acabado de entrar, mas estava esplendoroso. E as pessoas no fundo da varanda vestiam-se à antiga.
Empalideceu. Não podia ser verdade. Das duas, uma: ou estava ficando louca mesmo, ou aquela mulher estava envolvida em alguma brincadeira muito bem elaborada. De qualquer forma, uma coisa era certa: a terceira desgraça acabara de acontecer. E de maneira espetacular.
Não podia ser verdade; viagens no tempo não eram possíveis. Só existiam nas mentes distorcidas dos roteiristas dos filmes de ficção científica. Pensando bem, até o dia anterior também não acreditava na existência de fantasmas...
Devia haver alguma explicação lógica. Estaria numa locação de filmagem? Não. Tudo mudara muito rápido. Uma pegadinha bem elaborada? Também não parecia ser isso, pois ninguém sabia que ela estava naquela cidade... Só podia estar sonhando. Restava, então, seguir o curso dos estranhos acontecimentos até a hora de acordar.
Gina percebeu que a Srta. Sparrow a puxava insistentemente pelo braço.
- Venha, querida, antes que alguém a veja vestida assim. Olhando para o jeans e a camiseta, ela perguntou:
- O que há de errado com minhas roupas?
- Para a sua época, nada, mas seria considerada inadequada para os padrões de 1885.
- O que vou vestir, então? - quis saber ainda atordoada.
- Venha comigo.
Olhando para trás para ver se Scruffy a acompanhava, seguiu a mulher para unia parte mais isolada do hotel: Parou de súbito quando a Srta. Sparrow se deteve e se lamentou.
Uma mulher de meia-idade num vestido preto vinha na direção delas. Anquinhas enormes na parte traseira do vestido, faziam-na inclinar-se para a frente e juntamente com o chapéu de penas conferiam à estranha um ar de pombo. Uma pomba com uma expressão bem azeda.
O que será que a levara a imaginar tal cena no sonho? E por que a mulher carregava um regalo de peles em pleno verão? Não importava, sonhos dificilmente seguiam uma linha coerente.
A Srta. Sparrow demonstrava querer escondê-la atrás de si, então Gina cooperou. Não sabia por que a bruxa tinha aparecido no sonho, mas achou uma boa idéia evitá-la.
- Sra. Biddle, como posso ajudá-la? - a Srta. Sparrow perguntou educada.
A recém-chegada tentou olhar do alto com o nariz empinado, uma tarefa complicada, vista sua baixa estatura.
- Pensei que este fosse um hotel de respeito - disse num tom anasalado. - O que faz aqui essa criatura vestida de maneira tão bizarra?
Olha quem está falando... Gina, então, percebeu que a mulher se referia e ela e já ia abrir a boca para dar uma resposta à altura quando a Srta. Sparrow a deteve.
- A Srta. Charles acaba de chegar do... Oeste, onde foi educada por uma família só de homens. Lamento dizer que nunca foi ensinada a se vestir como uma dama. Ela está aqui para trabalhar e aprender.
Então aquela era a explicação que sua mente tinha arranjado... Até que era razoável.
A Sra. Biddle estava pronta para argumentar, mas nesse instante Scruffy olhou para o regalo de pele e começou a rosnar. O regalo abriu uns olhos protuberantes e rosnou de volta.
Surpresa, Gina percebeu que o adorno era na verdade um cachorro. Um pequinês. De repente, a esperança de que tudo não passava de um sonho se foi. Jamais sonharia com um pequinês, pois achava aquela raça irascível e feia demais.
Talvez não fosse um sonho mesmo; Lembrou que o aperto da Srta. Sparrow parecia real. E a Sra. Biddle? Esticou um dedo e cutucou-a no flanco. Era bem dura também. A mulher arfou afrontada.
- Mocinha, o que significa isso?
Se não era um sonho o que poderia ser? Teria de fato viajado no tempo? Suas perguntas teriam de esperar, já que a mulher aguardava uma resposta.
- Desculpe. Havia um inseto em seu vestido - ela inventou. - Não se preocupe, já o tirei.
A bruxa fungou e, olhando para Scruffy com desprezo, perguntou:
- E o que é essa criatura?
Gina pegou o bichinho no colo, deixando-o cara a cara com o outro cão. Acalmou-o e ele, obediente, aquietou-se.
- Ele é um cairn terrier.
- Nunca ouvi falar - a mulher sentenciou. - Minha Princesa tem pedigree.
- Scruffy também, seu verdadeiro nome é Reginald Scruffington Terceiro e a linhagem dele data de... - Gina se interrompeu. A linhagem de Scruffy ia até o primeiro cachorro admitido do American Kennel Club... em 1913. - Bem, essa raça é bem conhecida de onde venho. -Terminou de maneira desajeitada.
- Imagino. Mas, isso não se equipara à glória dos pequineses que foram criados pela realeza da China por gerações, não é mesmo?
A pequinesa escolheu aquele momento para avançar sobre Scruffy. Com um único comando, Scruffy desconsiderou as provocações enquanto a mulher tentava amansar sua pequena fera rebelde.
- Que pena que o comportamento da sua Princesa não reflita a sua linhagem... - Gina comentou satisfeita.
A Sra. Biddle bufou e se preparava para uma batalha quando a Srta. Sparrow intercedeu, dizendo:
- Foi bom conversar com a senhora, no entanto, precisamos nos apressar, pois o major nos aguarda.
As palavras foram mágicas porque a mulher se acalmou de súbito.
- Não gostaria de fazê-lo esperar. Mande lembranças minhas, sim?
A Srta. Sparrow anuiu e arrastou Gina que parabenizava o cachorro pelo seu bom comportamento.
Conforme passavam pelos corredores, recebeu outros olhares desaprovadores de outras senhoras, vestidas seguindo a mesma moda da Sra. Biddle, apesar de terem expressões menos ácidas no rosto. Também pôde contemplar um pouco da decoração do esplendoroso hotel, porém a impressão mais forte foi a do horroroso papel de parede vitoriano.
Com um sentimento de apreensão, Gina teve de admitir que tudo aquilo parecia real. A Srta. Sparrow, entretanto, não permitiu que refletisse muito, pois a empurrou para dentro de um quarto antes que mais alguém as abordasse.
- Tivemos azar - ela comentou. - Dentre todos os hóspedes, Biddle é a pior... Bem, precisamos livrá-la dessas roupas antes que mais alguma coisa aconteça.
A mulher vasculhou em meio a diversas roupas em tons de marinho e Gina notou que deviam estar em alguma espécie de depósito. Por fim, pegou uma saia azul e uma blusa branca e as levantou contra o seu corpo.
- Acho que essas devem servir. Por que não as experimenta?
- Espere um instante. Antes de eu fazer qualquer coisa, quero uma explicação. Onde estou e o que faço aqui?
- Como já lhe disse antes, viajou no tempo e está em 1885. No Hotel Resort Chesterfield.
- Como vim parar aqui?
A mulher esquivou o olhar e, remexendo na saia, respondeu:
- Veio por meio de um portal que se abre somente nos solstícios. - Estendendo a roupa, perguntou: - Já serviu mesas?
- Não. E não mude de assunto. - Gina suspeitava que houvesse mais por trás daquela história. - Quem é você? E por que parece ser a única pessoa a entender o que está acontecendo?
- Desculpe, não me apresentei? - A mulher perguntou autoconfiante. - Meu nome é Esmeralda Sparrow, a governanta superior do hotel. É minha função saber de tudo.
A resposta não estava completa, contudo antes que Gina pudesse perguntar mais alguma coisa, a mulher continuou:
- Pode me chamar de Esmeralda... Só quando estivermos sozinhas. Não queremos que as pessoas pensem que está tomando liberdades além do seu posto.
- Meu posto? - Gina perguntou confusa.
- Sim. Trabalhará no hotel e se reportará a mim, como as outras moças. A pergunta é: onde devo colocá-la?
Em seguida, Gina se viu envolvida numa série de perguntas quanto à sua experiência profissional. Aparentemente, não sabia fazer nada de útil em um hotel.
- Bem, terei de ensiná-la, então. Por que não veste isso? - Conformada, Esmeralda voltou a estender a roupa, junto com outra peça.
Gina deu um passo para trás diante da anquinha.
- Por que diabos eu teria de deixar meu traseiro maior?
- Por que é a moda. - Foi a resposta direta. Meneando a cabeça, Gina comentou:
- A moda mudou muito desde aquela época... agora... sei lá! - ela exclamou confusa com a referência à passagem do tempo. O pior de tudo foi perceber que aceitara o fato de ter voltado ao passado. E não havia nenhum par de sapatinhos vermelhos que a levasse de volta...
- Por que tenho de trocar de roupa? - Só quero ir para casa, pensou.
Devia ter deixado transparecer sua confusão interior, pois a expressão da governanta se suavizou e ela a conduziu até uma cadeira.
- Deixe-me explicar. O resort cuida principalmente de pessoas inválidas que buscam a cura de seus males. Dentre o quadro de funcionários contamos com o Dr. Ziegler, médico muito interessado em doenças mentais. Tenho receio de que se ele a encontrar nesses trajes modernos, e com seus modos peculiares, poderá acreditar que está louca... e poderá interná-la.
O medo trespassou o corpo de Gina. Já ouvira histórias de horror sobre as instituições mentais de outrora.
- Não posso ir para casa? - ela se lamentou.
- Você tem essa opção. Mas há algo que precisa fazer antes.
- O quê? - Gina perguntou desesperada. - Diga-me, farei qualquer coisa. Só me deixe voltar... - De repente, a vida que levava não parecia tão má, desde que pudesse vestir roupas normais e não precisasse se esconder de médicos prestimosos.
- Isso é uma coisa que só você pode descobrir - Esmeralda disse com gentileza. - Nesse meio tempo, precisará se ocupar com algo. Poderia ensiná-la a servir mesas... Não tem mesmo nenhuma habilidade que possa ser utilizada?
- Sei treinar cachorros.
- Então teremos de fazer com que isso dê certo.-Esmeralda retirou um vestido cinza-escuro do cabide. - Vista isso. É um uniforme de camareira, mas servirá por enquanto. O major me chamará em seguida.
Pelo menos a vestimenta não tinha anquinhas. Colocou o vestido pesado com a ajuda da governanta, perguntando-se quem era o major e como a mulher sabia que seria chamada.
- Quem é ele?
- O major Payne é o gerente do hotel - Esmeralda esclareceu ao terminar de ajeitar o vestido de Gina e entregar um par de sapatos da época. - Embora as garotas estejam sob o meu comando, ele tem de aprovar todas as contratações. Bem, agora só falta prender o cabelo. Deixe-me ajudá-la.
Enquanto esperava que a governanta a arrumasse, Gina tentava entender o que acontecia. Era muita coisa para assimilar de uma vez, então decidiu se concentrar apenas em descobrir a missão que possibilitaria o seu regresso ao século XXI.
Assim que ficou pronta, um moço alto e magro num uniforme azul enfiou a cabeça no quartinho e se dirigiu à Esmeralda.
- O major está a sua procura. - A despeito de falar com a governanta, olhava para Gina com ar especulativo.
- Obrigada, Rupert. Já vou para lá.
Com a dispensa implícita, o moço recuou. Esmeralda informou a Gina:
- Rupert é um dos mensageiros. É um bom rapaz, mas se precisar lidar com ele, sugiro que tome cuidado porque é também muito... empreendedor.
Para Gina, Rupert pareceu bem seguro de si e até charmoso, porém era jovem demais. Além do quê, prometera não se envolver com homens por enquanto, quanto mais do passado.
Enquanto seguia Esmeralda, certificou-se de que Scruffy a acompanhava, pois ele era seu único elo com o que tinha deixado para trás. Para a frente? Que confusão!
A governanta bateu à porta do gerente e pediu licença para entrar.
- Entre! - um homem gritou.
O major se levantou, colocou as mãos atrás das costas e contraiu os bigodes.
- Srta. Sparrow, gostaria de lhe falar a respeito do Sr. O'Riley... - ele se interrompeu ao reparar em Gina. - E quem é esta?
- Srta. Charles, major. Preciso de sua autorização para contratá-la.
O homem avaliou-a enquanto coçava os bigodes.
- Uma nova camareira?
- Não exatamente - a governanta respondeu. - Encontrei uma solução para os bichos de estimação sem modos dos hóspedes.
- Qual seria?
Gina observou enquanto a mulher convencia o gerente de que seria uma boa idéia contratar uma treinadora de cães, que também se ocuparia de cuidar dos bichos se os hóspedes estivessem indispostos. Não gostou muito da idéia de ser babá de cachorro, mas ficou quieta, visto que seria bem melhor do que servir mesas. O argumento que convenceu o major foi o de que nenhum outro hotel das redondezas tinha esse tipo de serviço.
- Está certo, porém como saberemos se é qualificada? - ele perguntou.
Esmeralda pediu então que demonstrasse suas habilidades com Scruffy.
- Muito bem - ele disse convencido depois de ver o comportamento do cãozinho. Depois só ordenou que ela fizesse o possível para controlar os animais sem ofender os donos.
Achou que tivesse sido dispensada, mas como Esmeralda não se mexeu, não sabia o que fazer.
- Espere por mim lá fora - a mulher disse, percebendo sua incerteza. - Acredito que o major precise discutir outro assunto comigo.
Aliviada, Gina saiu com Scruffy em seu encalço, contudo ainda conseguiu ouvir:
- O'Riley está bêbado de novo!
Recostou-se na porta, toda a estranheza abandonando-a. Não havia mais dúvida, tinha voltado no tempo! E de acordo com Esmeralda só regressaria depois de cumprida uma tarefa. Qual seria?
O que somente ela, que não tinha nenhum conhecimento sobre a era vitoriana, poderia fazer de tão importante que a mandaria de volta para a sua época? Enquanto refletia, começou a andar pelo corredor e esbarrou num homem apressado. Perdeu o equilíbrio, mas as mãos fortes a firmaram.
- Desculpe-me. Está bem?
Ela levantou o olhar e gelou. Atraentes olhos escuros a observavam, um rosto vistoso... Vistoso e conhecido. Olhou para os cabelos, e a mecha branca só fez confirmar o que já imaginava. Aquele era Drake Manton em carne e osso. Uma carne bem quente e firme.
- Está se sentindo bem? - ele repetiu.
Ela assentiu com um gesto e ele deu um sorriso simpático antes de seguir apressado.
De súbito, a sua tarefa ficou clara como cristal. Tinha voltado no tempo para salvar a vida de Drake Manton!
Drake se censurou dizendo a si mesmo para tomar mais cuidado. Em sua pressa para se encontrar com o Dr. Ziegler, quase atropelara uma camareira.
Sua desculpa era que, depois de meses de procura, finalmente encontrara o local adequado para colocar em prática as teorias do Dr. Mesmer. O Chesterfield parecia ser esse lugar devido às pessoas que procuravam tratamento e à presença do médico conhecido pelo interesse nas doenças mentais.
Seguindo a indicação dada pelo porteiro embriagado, passou pelo corredor ao lado da casa de banhos. Gostou do que viu. Embora o cheiro de enxofre fosse forte, a entrada era iluminada, arejada e continha uma profusão de vasos de plantas que conferiam um ar acolhedor ao local.
Subiu ao segundo andar e ficou satisfeito por encontrar o consultório do médico exatamente como descrito pelo porteiro. Bateu à porta, sem se dar conta do movimento atrás de si.
Minha grande chance, pensou enquanto ajeitava a gravata. Entrou no consultório e fechou a porta.
Um homem baixo e magro com cabelos grisalhos estava à escrivaninha e o observou por trás dos óculos.
- Pois não?
- Como vai, Dr. Ziegler? Sou Drake Manton.
Ao apertar a mão do médico, percebeu que o homem se lembrou de seu nome.
- Escrevi para o senhor no mês passado sobre a possibilidade de utilizar mesmerismo em seus pacientes. Respondeu que não se oporia a...
- Ah, sim, claro. Por favor, sente-se.
O médico o havia reconhecido, porém a testa franzida não parecia um bom sinal.
Ziegler comprimiu os lábios antes de continuar.
- A idéia de usar mesmerismo em meus pacientes pareceu interessante, em especial os aspectos do magnetismo, porém fiz mais pesquisas a respeito do assunto. Embora o Dr. Mesmer tenha alguns seguidores, outros dizem que ele não passa de um charlatão.
Drake suspirou exasperado. Não era a primeira vez que ouvia tal acusação. Abriu a boca para falar quando ouviu um barulho à porta. Quando o médico ignorou a interrupção, ele deu de ombros e disse:
- O Dr. Mesmer pode parecer... excêntrico, mas suas idéias são definitivamente revolucionárias. A habilidade dele de usar o próprio magnetismo para afetar o corpo do paciente e curá-lo de uma doença mental é impressionante. Uma vez que o senhor tem interesse nessa área, imaginei que gostaria de utilizar a técnica em alguns de seus pacientes.
- Não faço experiências com meus pacientes - o médico o repreendeu. - Prefiro métodos seguros e comprovados.
A esperança de Drake desapareceu. Era a história de sempre, com uma pessoa diferente a contá-la. Em todo lugar que ia se deparava com ignorância e relutância em tentar algo novo. Poderia montar seu próprio consultório em uma cidade grande, mas isso levaria tempo e sempre seria mais bem recebido se tivesse o aval de um médico conhecido.
Estava impaciente, queria colocar mãos à obra e por isso buscava o apoio de Ziegler. As pessoas tendiam a ter mais segurança com a recomendação de um médico de confiança. E então, finalmente, poderia ajudá-las... Como havia prometido a si mesmo depois de ter falhado com Charlotte.
Incapaz de deixar seu sonho definhar, disse:
- Muitos outros homens e mulheres estudaram o mesmerismo e consideram-no benéfico.
- Tais como...
- Charles Dickens, por exemplo.
- Um mero escritor. - Ziegler fez um gesto com as mãos, em recusa.
Em vez de enumerar uma série de outros nomes que seriam refutados com a mesma facilidade, Drake mudou de tática.
- Eu asseguro que essa é uma verdadeira descoberta no tratamento das doenças mentais. Se o senhor aprovasse minhas palestras aqui no hotel, eu ficaria mais do que grato por explicar as ramificações do mesmerismo na teoria e na prática.
Detestava ter de implorar pela permissão do médico, no entanto, essa tinha sido uma condição imposta pelo gerente do hotel.
- Não, eu... - Ziegler se interrompeu quando o ruído na porta aumentou.
Arqueando uma sobrancelha, Drake se levantou e abriu-a. Uma jovem de cabelos castanhos caiu dentro da sala com um ganido.
O médico levantou-se e observou a criada.
- O que significa isso?
A moça enrubesceu e se ergueu, e Drake imaginou ter visto um bolo de pêlos negros embaixo da saia dela.
- Lamento, só estava tentando encontrar o Sr. Manton. Não quis atrapalhar ninguém.
Por que a moça que quase atropelara o seguira? E como ela sabia seu nome?
- Então ficou ouvindo atrás da porta? - Ziegler questionou.
- Juro que não ouvi nada. Só queria falar com ele.
- Em outra hora, quem sabe - Drake sugeriu e fez menção de fechar a porta. Não conseguia imaginar os motivos de á moça querer falar com ele, mas aquele não era o momento.
- Espere - o médico ordenou com um olhar de suspeita. - Gostaria de ouvir o que ela tem a dizer. Explique-se, jovem. O que quer falar com o Sr. Manton?
Drake sentiu raiva ao compreender que o médico suspeitava que ele houvesse "brincado" com a moça e que agora tentava descartá-la. Era certo que ela era atraente, contudo havia desistido das mulheres quando Charlotte morrera. E embora outros homens gostassem de gracejar com as moças de outra classe social apenas por divertimento, não era um deles. Rígido, começou a dizer:
- Eu asseguro que...
- Não há necessidade - Ziegler o interrompeu. - Gostaria de ouvir da própria moça. Seu nome, por favor?
- Gina Charles - ela respondeu, olhando incerta de um homem para outro.
- E por que procura o Sr. Manton?
- Nada muito importante. - Ela tentou desconversar.
- Este homem a maltratou? - O clínico quis saber, preocupado.
Drake se empertigou, mas o horror estampado no rosto da moça mitigou as preocupações do médico.
- Oh, Deus, não! - ela exclamou, lançando um olhar de desculpas a Drake. - Só queria falar com ele a respeito de... mesmerismo.
Ziegler olhou surpreso para Drake.
- Ouviu falar dele e está familiarizada com a técnica?
- Sim, é muito conhecida de onde venho - Gina garantiu.
- E isso é aonde?
- O fu... - Ela começou a tossir para disfarçar. - Quero dizer, Richmond.
A explicação não o convenceu, então o médico pediu que elaborasse sobre o tema.
- Sim, claro. Aqueles que praticam hipno... quero dizer, mesmerismo, colocam os pacientes num estado de transe que permite que o mesmerizador determine o que os aflige e depois os ajuda a superar o problema.
A explicação foi feita com palavras estranhas e de maneira simplista, mas resumia a teoria.
- Continue. Que tipo de problemas o mesmerismo pode ajudar a curar? - Ziegler estava intrigado.
- Muitas coisas - Gina respondeu com uma confiança estranha para uma camareira. - Ajuda pessoas a romper hábitos, perder medos e fobias e recuperar a memória.
Aparentemente, ela sabia bastante sobre o assunto, mas havia algo de estranho com a moça.
Ziegler lançou um olhar de reprovação para Drake.
- Não mencionou a habilidade de recobrar a memória. Isso por que não estava ciente de que fosse possível. Pensando bem, era bem factível.
- Ainda não tinha tido a oportunidade... O médico se voltou para Gina.
- E por que procura o Sr. Manton? Tem algum desses distúrbios? Gina lembrou-se, então, que ela tinha ido atrás do mesmerizador.
- Nada muito importante... Só uma ligeira perda de memória. - Fez uma pausa, depois continuou: - Não me lembro de algumas passagens de minha vida e pensei que ele poderia me ajudar.
Quanta asneira. Drake duvidava que isso fosse verdade. Como Ziegler demonstrava aceitar a versão dela, preferiu ficar quieto.
- Acredita que possa ajudá-la? - Ziegler perguntou.
- Sem dúvida - Drake respondeu de pronto. Não sabia o que a moça tramava, mas logo descobriria.
- Muito bem. Aceite a Srta. Charles como sua paciente e mantenha-me informado dos progressos.
A moça sorriu triunfante e, mais uma vez, Drake se perguntou qual seria a sua intenção.
- E quanto às palestras? O senhor as aprovará?
- Certamente. Depois da explicação da Srta. Charles, estou ansioso para ouvir mais sobre essa prática e os hóspedes do hotel podem achar o assunto divertido.
Divertido! O objetivo de Drake era elucidar, explicar, educar... não entreter! No entanto, refreou a língua e agradeceu ao médico. Terminada a entrevista, o médico os acompanhou até a porta.
- Eu ajudei, não foi, doutor? - Gina sorriu para ele.
Ia contra a sua natureza admitir tal fato, mas a moça atrevida fora bem-sucedida onde ele falhara. Agora só restava confirmar o que ela afirmava que o mesmerismo podia fazer.
Gina sorriu para Drake, satisfeita consigo mesma. Como já conseguira ajudá-lo, devia estar no caminho certo.
- Não me chame de doutor - Drake disse e apontou para a porta. - Esse é um título reservado para médicos como Ziegler.
Esse homem empoado era o mesmo que a tinha agarrado na noite anterior?
Então as palavras penetraram em sua mente e Gina sentiu o sangue congelar.
- Doutor Ziegler? - Olhou para a porta e viu a placa que confirmava o nome. Estivera tão entretida em seguir Drake e ouvir atrás da porta que não tinha prestado atenção.
- Sim, ele é o médico residente do resort. Algum problema? E claro que sim: acabara de se deparar com o homem que precisava evitar. Pensando rápido, Gina rememorou o diálogo para ver se tinha dito ou feito algo estranho aos olhos do médico que justificasse ser mandada para o sanatório. Perda de memória dificilmente justificaria uma internação, então devia estar salva.
Voltou a atenção para Drake e viu que ele se afastava.
- Espere! -Andou na direção dele e tropeçou em Scruffy, escondido embaixo de suas saias, e que ganiu para mostrar indignação.
Drake se virou e, curioso, olhou para os pés dela.
- Ouvi esse som antes. Seus sapatos fazem barulho ou... Gina olhou para baixo e viu o rabo abanando que denunciava Scruffy.
- E o meu cachorro. - Em princípio achara que o bichinho se escondia por medo, mas agora desconfiava que ele tivesse inventado um novo jogo. - Scruffy, saia já daí.
Sempre obediente, o animal a atendeu. A alegria do bichinho se desfez quando se viu diante de Drake. Inclinou o focinho e o analisou. Gina riu. O pobre devia estar tendo problemas em associar o fantasma para quem latira com o exemplar em carne e osso.
- Ei, rapaz... - Drake abaixou-se e cocou as orelhas do cachorro.
A expressão de seu rosto suavizou, deixando-o mais humano e, definitivamente, mais belo. Aquele sorriso provocava um farfalhar no estômago de Gina.
Scruffy decidiu que gostava da versão material do fantasma, e lambeu seus dedos. A dona não conseguia se lembrar de ele ter demonstrado tanta afeição com qualquer outra pessoa que não ela.
Isso tornava o mesmerizador pomposo e atraente ainda mais interessante, pois era difícil resistir a um homem que gostasse de cachorros. E Gina não devia ser a única que acreditava nisso, vista a quantidade de mulheres que o admirava ao passar.
Seu físico também devia um mérito.
Absorto com o animal, Drake não se deu conta de que era alvo de atenção. Ao se levantar olhou surpreso para a moça.
- Não sabia que as criadas podiam trazer bichos de estimação para o trabalho.
- Não sou uma criada, sou treinadora de cães - ela informou. -Ah, entendo. Isso explica o cachorro e suas... - Ele parou de falar, arrependido de ter começado o comentário.
- Minhas o quê? - ela perguntou com as mãos nos quadris.
- Suas... atitudes pouco recatadas.
Gina não tinha intenção de mudar seu comportamento para se encaixar no padrão da época.
- Minhas atitudes não são de sua conta. - Estava cansada das pessoas dizerem como devia se comportar.
Com uma expressão impassível, Drake inclinou o rosto e disse:
- Como desejar. Agora se me der licença. Droga! Ele estava dando as costas de novo.
- Não! Espere!
Ele parou novamente, erguendo uma sobrancelha.
- Pois não. Posso perguntar por quê?
Gina sabia que ele estava aborrecido, mas escondia isso muito bem. Pelo menos, os homens eram mais educados nessa época.
- Porque... - Não tinha pensado no que fazer em seguida e como dizer que sabia de sua morte. - Porque tenho de ajudá-lo. - Deu uma desculpa esfarrapada.
- Aprecio sua preocupação, mas não preciso de seu auxílio. - Ele continuava educado, mas dava mostras de impaciência.
Estava fazendo tudo errado. Procurando uma maneira de segurá-lo.
- Bem, eu o ajudei antes, não foi?
- Se chama aquilo de ajuda... Quase fui acusado de me aproveitar de sua pessoa.
Tecnicamente, ele tinha se aproveitado de sua pessoa... Depois de morto. Falando nisso, precisa tomar providências...
O que fazer? Se contasse o que sabia, Drake certamente a mandaria para o Dr. Ziegler examiná-la.
- Mas no fim eu o ajudei com o médico, não?
- Só porque o Dr. Ziegler acreditou na verdade.
- E agora sou sua paciente - ela acrescentou triunfante. Drake fez uma pausa e continuou:
- Não estava sendo sincera quando disse que tinha perdido a memória. Não precisa de meus serviços...
Gina pensou em continuar com a charada, mas concluiu que a melhor maneira de evitar que ele morresse no incêndio, seria mandando-o para longe de Hope Springs. Não podia, então, dizer nada que o encorajasse a ficar. Quanto antes ele partisse, maiores as possibilidades de ela própria voltar para casa.
- Não, não preciso de um mesmerizador. Só disse aquilo para que me ouvisse. - Respirou fundo e continuou: - Não posso revelar meus motivos, mas é essencial que deixe o hotel neste instante.
- Isto é uma ameaça? -- ele perguntou num tom baixo e perigoso.
Gina retrocedeu. Ele era muito mais intimidador ao vivo.
- Não, não - assegurou apressada. - Só sei que corre perigo se ficar.
- Preciso ficar. A senhorita mesma convenceu o doutor a me deixar palestrar.
Tinha feito aquilo? Desanimada, decidiu tomar mais cuidado no futuro.
- Não só isso como também o convenceu que eu devia aceitá-la como paciente - ele completou.
- Só preciso ficar boa logo, assim estará livre para partir.
- Muito pelo contrário, Srta. Charles. Não tomarei parte dessa farsa. Precisa confessar a verdade ao doutor e aceitar as conseqüências.
Não se elas envolvessem um sanatório...
- Não creio que...
- Gina! Aí está você! - Esmeralda chamou ao se aproximar da casa de banhos. - Saiu antes que eu lhe falasse sobre as suas atribuições.
Com uma expressão de alívio, Drake se curvou diante delas.
- Vou deixá-las a sós. Passe bem, Srta. Charles. - E deu uma última coçadela em Scruffy antes de se virar.
- Droga! - Gina murmurou antes de lançar um olhar fatal para Esmeralda. - Sabe o que acabou de fazer?
- Deixe para lá. A conversa entre vocês não ia muito bem, não é mesmo? - Sem esperar pela resposta, completou: - Venha comigo, vou mostrar o seu quarto.
A mulher saiu com passos ligeiros e Gina não teve alternativa senão segui-la. Tentou argumentar, mas a governanta respondeu:
- Agora não. Espere até chegarmos ao quarto.
Andaram pelos corredores até que Gina quase perdeu o senso de direção quando Esmeralda retirou um molho de chaves do vestido e abriu uma porta, anunciando com um gesto:
- Este é seu quarto. Normalmente dividiria o cômodo com uma das meninas, contudo estamos com pouco pessoal nesta temporada, e dadas as circunstâncias... - Olhou significativamente para Scruffy.
Gina ficou grata pela gentileza, pois temia ter de deixar seu amigão na estrebaria ou qualquer outro lugar longe de suas vistas. Olhou ao redor: duas camas, duas cômodas, uma pia... O lugar era meio apertado, mas não tinha intenção de se demorar no passado.
- Adivinhe só - disse alegre. - Descobri a minha tarefa!
- Já imaginei.
- Você sabia? - Gina perguntou incrédula.
- Claro que sim.
- Mas pensei...
- Disse que você precisava descobrir. Nunca disse que eu não sabia.
Gina detestava semântica...
- Que seja, isso não importa. O que interessa é que descobri uma maneira de evitar que Drake Manton morra. Preciso afastá-lo do hotel para poder voltar para casa logo! Alguma idéia?
- Isso é você quem tem que decidir...
Gina lançou um olhar desconfiado a Esmeralda.
- Isso quer dizer que você sabe, porém não quer me dizer?
- Não, de fato não sei. - A mulher sorriu. - Mas acho que você se equivocou num ponto. Não importa se completar a tarefa amanhã ou daqui a um mês.
Gina sentiu que não iria gostar do que viria em seguida.
- Por quê?
- Porque o portal só se abre nos solstícios. Você veio para cá no solstício do verão e só poderá voltar no próximo.
Gina nunca tinha prestado muita atenção a esses eventos, por isso perguntou:
- E quando será isso?
- No inverno. Em 22 de dezembro exatamente - Esmeralda informou com suavidade.
Tinha de ficar ali por seis meses? Gina despencou em uma das camas, abraçando-se a Scruffy em busca de conforto. Ficou desesperada só de imaginar como poderia se cavar num passado que não compreendia, sem dinheiro, nem habilidades especiais.
Pelo menos Esmeralda havia garantido um teto e comida. Como não podia fazer mais nada a esse respeito, teria simplesmente de aceitar os fatos. Por enquanto. Resignada, pediu:
- Fale-me de meu trabalho.
Duas semanas mais tarde, Drake havia obtido pouco progresso. Conseguira a autorização do major, já que Ziegler tinha liberado a palestra, mas vinha encontrando dificuldade para encontrar um local sossegado no qual pudesse repassar suas notas e praticar o seu discurso. Aparentemente, estava sempre circundado por mulheres.
Se não era abordado por Gina Charles, era a Sra. Biddle que o cercava para desfilar as virtudes da filha, ou alguma outra matrona fazendo o mesmo. Nem em seu quarto encontrava sossego, pois o procuravam para interrompê-lo "só por um minuto".
Sem alternativa, decidiu procurar o porteiro embriagado que o ajudara em seu primeiro dia, a fim de saber se não havia um lugar mais reservado que pudesse utilizar. Pelo que observara dos hábitos de Jack O'Riley, ele sempre estava executando alguma tarefa, ou cochilando atrás das palmeiras do lobby.
Ao se aproximar do esconderijo favorito do homem, pôde ouvir o sotaque irlandês inconfundível, porém a voz de uma mulher o deteve. Pelo acento inglês concluiu que só podia ser a Srta. Sparrow. Não queria se intrometer, mas também não queria perder o homem de vista, por isso ficou nas imediações e ouviu a descompostura que a governanta passava no porteiro:
- É a segunda vez que o major ameaça dispensá-lo este mês. Precisa controlar sua bebida! Se não tomar cuidado, será demitido. Pense em Bridget. A pobrezinha precisa de estabilidade.
Mesmo contrariado o homem precisou concordar por causa da filha.
-Trate de se arrumar para se apresentar diante dos hóspedes.
Obviamente a reunião tinha terminado e quando a governanta saiu de trás das plantas, cumprimentou-o:
- Bom dia, Sr. Manton. - Com um único olhar a mulher deixou claro que recriminava o fato de ele ter ouvido a conversa.
Apesar de se envergonhar por ter sido repreendido como um garotinho, ficou aliviado por poder falar com o porteiro e foi para o esconderijo do homem, que já estava tomando outro fole de uísque.
Jack levantou o olhar com ar de culpa, e quando percebeu que era Drake, ofereceu-lhe a garrafinha.
- Não, obrigado, Não havia prometido à Srta. Sparrow que pararia de beber?
- Vai brigar comigo também? - O homem fez uma careta.
- Desculpe. - Não era de sua conta o que o homem decidia fazer com a própria vida.
Jack fechou o frasco de bebida e ajeitou os cabelos.
- Bem, o que posso fazer pelo senhor? Imagino que não tinha me procurado para falar de meus hábitos.
- Não. - Drake pausou para decidir como entrar no assunto. - Conhece bem este hotel?
- Trabalho aqui há mais de dez anos.
- Então seria capaz de me indicar um lugar em que eu não fosse interrompido?
- Conheço. E quem está procurando evitar? - Jack deu uma piscada. - A jovem Gina, a Sra. Biddle ou alguma outra senhorinha que tem tentado conversar com o senhor?
Drake sorriu e disse:
- Entende o meu problema, então.
O porteiro estava solidário com sua situação.
- Não sabia que resorts são os lugares mais procurados para se arranjar casamentos?
Agora que Jack tocava no assunto, Drake entendeu o porquê de tantos solteiros se hospedarem ali. Precisava ficar mais atento, pois, às vezes, ficava tão absorto em seu trabalho que deixava passar o que estava embaixo do nariz.
- Já tentou o bar? As mulheres não entram lá.
- É muito barulhento. Preciso de um lugar calmo.
- E a casa de banho?
- Muito úmido. A tinta das anotações ficaria toda borrada. Jack pensou um instante, depois disse:
- A torre está vazia...
Era difícil deixar de perceber a magnífica construção na frente do hotel, mas, de fato, Drake nunca vira hóspedes ali.
- E por que isso?
- Acabou de ser construída e ainda não está pronta para receber hóspedes. Talvez consiga convencer a Srta. Sparrow a lhe emprestar a chave e uma cadeira. Ela tende a ser compreensiva quanto às necessidades dos pobres homens.
- Excelente!
- Uh, uh, Sr. Manton!
Drake se arrepiou ao ouvir a voz que vinha odiando. Pensou em ficar escondido, entretanto as plantas só conseguiam encobrir o porteiro que era bem mais baixo do que ele. Nesse instante, pequenas mãos separaram a folhagem e ele se viu diante de olhos grandes e redondos. Amaldiçoava o dia em que se detivera para afagar Princesa, a pequinesa da mulher, porque ela o considerava o genro ideal desde então.
Por mais que quisesse sair correndo, as boas maneiras ditavam que ficasse.
A Sra. Biddle deu um sorriso e disse:
- Ora, Sr. Manton, saia daí e diga olá.
Não teve alternativa a não ser obedecer. Como era de se esperar, Letty Biddle encontrava-se logo atrás da mãe. A moça devia ter puxado o pai, pois era loira e graciosa. E o melhor é que parecia não partilhar dos sentimentos da mãe. Era recatada e mantinha os olhos baixos sempre que se deparava com ele.
- Letty, não estávamos acabando de comentar que fazia um tempo que não víamos o Sr. Manton?
- Sim, mamãe - ela concordou obediente.
- Minha filha é muito tímida para se expressar livremente, porém o admira imensamente... - A matrona deu uns tapinhas na mão da moça.
Drake não sabia como responder, então apenas inclinou a cabeça.
Letty enrubesceu, e á mãe foi em frente.
- É claro que ela tem muitos admiradores em nossa cidade...
- Que bom - Drake respondeu, tentando imaginar como poderia se livrar.
- Contudo, ela não tem se exercitado muito por aqui. Há poucos homens que gostam de caminhar - ela reclamou e olhou para ele em expectativa.
A mulher devia estar tentando dizer alguma coisa, mas ele não entendia o quê. Olhou para o porteiro, que veio em seu resgate.
- O resort tem caminhadas programadas diariamente para os hóspedes, senhora.
- Uma caminhada com diversos estranhos... Minha Letty tem uma estrutura muito delicada, precisa da atenção de um homem forte que possa acompanhá-la.
Delicada? A moça era forte como um cavalo! Implacável, o olhar da mulher pousou nele.
- O senhor não...
Foi então que ele entendeu. Gostava de caminhar, no entanto não tinha intenção de fazê-lo com a tímida Letty.
- Lamento, mas eu... - Tentou encontrar uma desculpa. - Eu... tenho um compromisso. Com o Dr. Ziegler.
A mulher ficou desapontada, porém não derrotada.
- Bem, não podemos retardá-lo... Estávamos indo para a Casa de banhos, podemos acompanhá-lo.
Como iria se livrar agora? Voltou a olhar para Jack, que não Se furtou a ajudá-lo novamente:
- Acabei de informar ao Sr. Manton que o doutor está na ala oeste, com um paciente. - Essa era a ala mais distante da Casa de banhos.
Destemida, a Sra. Biddle não se deixava abater.
- Ficaríamos contentes em mudar de planos e acompanhá-lo.
- Não - Drake disse determinado. - Jamais permitiria que deixassem de usufruir dos benefícios das águas. Faria muito bem a Letty. - Mesmo percebendo o olhar contrariado da mulher, continuou: - Quem sabe uma próxima vez?
Um tanto aborrecida, a mulher puxou o braço da filha e disse:
- Vamos Letty, não devemos deter o Sr. Manton.
Assim que elas se foram, Drake colocou uma generosa gorjeta na mão do porteiro e perguntou:
- Pode me levar até a torre, agora? Espere! - Tinha acabado de ver Gina à procura de algo, ou alguém. Tinha certeza de que o alvo era ele, então voltou para trás das plantas e dessa vez abaixou-se, para garantir proteção.
Infelizmente o cachorro dela, que decidira considerá-lo um amigo ideal, o farejou e foi para trás das plantas, latindo feliz. Esperando silenciá-lo, afagou-o, porém tarde demais.
Gina apareceu no meio das folhas como a Sra. Biddle fizera instantes antes, só que com uma expressão muito mais agradável.
- Peguei você!
Envergonhado por ter sido flagrado duas vezes no mesmo dia, Drake decidiu enfrentar a situação e saiu de trás das plantas para o lobby, como se isso fosse a coisa mais normal do mundo.
- Eu estava de saída. - Ele se virou.
- Eu o acompanho.
- Obrigado, mas não é preciso.
- É, sim - ela afirmou com um sorriso. - Tem me evitado. Agora que o peguei, não se livrará de mim até que eu tenha dito o que preciso.
Drake suspirou. Chegava a admirar a maneira direta de ela se expressar, pois isso se mostrava bem eficaz, entretanto também desejava que a moça tivesse aprendido um pouco das sutilezas da sociedade. Não poderia dispensá-la sem dizer claramente que o deixasse em paz... E o código de cavalheiros não permitiria que fizesse tal coisa. Lançou um olhar de súplica ao porteiro que, dando de ombros, murmurou:
- Vou buscar as chaves. Se quiser me esperar na torre... Era melhor do que ficar ali à mercê de novos ataques das mulheres. Resignado, virou-se e Gina o seguiu.
Conforme caminhavam, a moça discorria sobre outros resorts da região e suas vantagens, uma maneira bem pouco sutil de sugerir que ele deveria partir.
Decidindo agir como ela, foi direto ao assunto:
- Por que quer se livrar de mim?
Antes que ela respondesse, puxou-a para trás de outras plantas. Acabara de ver duas outras mulheres que o vinham perseguindo e temia não poder se desvencilhar delas, caso fosse avistado. Também pegou o cachorro, a fim de que ele não os denunciasse.
Gina estava confusa e abriu a boca para falar, mas foi silenciada por um dedo em seus lábios.
- Quieta - ele sussurrou. - Espere elas se afastarem. De súbito, Drake percebeu que estavam bem próximos um do outro naquele espaço diminuto.
Ficou alerta ao notar o corpo muito perto ao seu, o perfume feminino que o envolvia, os olhos castanhos que o fitavam com surpresa... e a sugestão de algo mais. Ao se dar conta dos lábios cheios e macios sob seu dedo, afastou a mão.
Infelizmente as mulheres escolheram parar e conversar bem perto de onde estavam. Com isso, ele sussurrou ainda mais baixo:
- Desculpe, não sei o que deu em mim.
- Sem problemas - ela garantiu.
A proximidade combinada com o fato de poder sentir a respiração dela tornava o ambiente ainda mais íntimo. Para dissolver essa sensação, ele perguntou:
- O que dizia antes que eu a interrompesse?
- Tentava explicar que não quero me livrar de você, só estou tentando ajudá-lo.
Ignorando a reação do próprio corpo devido à proximidade da moça, ele deu uma tossidela e perguntou:
- Fazendo com que eu vá embora?
- É mais ou menos... - Gina deu de ombros e o movimento fez com que os seios resvalassem no peito dele.
Inalando profundamente, Drake tentou ignorar a intimidade involuntária, como um cavalheiro. Contudo, no íntimo, desejou que ela o fizesse mais uma vez.
Em vez disso, ela corou e se recostou na parede, dizendo:
- Não posso explicar, mas precisa partir.
Era a primeira vez que via a audaz Gina parecer incomodada. Seria por causa da proximidade um do outro? Para testar essa teoria, aproximou-se mais e a eletricidade entre eles aumentou.
- Por que isso é tão importante para você?
- Simplesmente é.
Estavam tão próximos que ela precisou erguer a cabeça para encará-lo deixando o pescoço alvo à mostra num gesto de rendição inconsciente.
Drake se surpreendeu com o sentimento que o varreu. A idéia de que ela pudesse se render a ele fez seu sangue correr mais rápido. Pousou uma das mãos na parede ao lado da cabeça dela, e a outra correu o contorno do rosto.
- Se não pode explicar, não posso partir. As palestras que farei são o ápice de um trabalho que venho desenvolvendo. Não posso abandonar tudo atendendo ao impulso de uma mulher, por mais bela que ela seja.
Um ligeiro arfar denunciou-a, mostrando que não era de todo indiferente.
- Elogios não me afetam... Já ouvi muita falsidade. - Ela saiu de baixo do braço dele e espiou pelas plantas. - A Sra. Harrington e a filha se foram. Podemos sair.
Relutante, Drake teve de admitir que não havia mais motivos para se esconder, ainda que resistisse à idéia de abandonar a proximidade que haviam criado.
Corada, Gina ajeitou o vestido e chamou o cachorro. Olhando para Drake com ar de desafio, anunciou:
- Como alguém me disse há não muito tempo: sinto dizer que terei de assombrá-lo, então se prepare.
Divertido, Drake viu-a partir. Ela pretendia persegui-lo? Por mais que não entendesse, estava animado com a idéia.
Capítulo II
As semanas seguintes passaram rápido conforme Gina se acostumava à nova rotina. Uma campainha tocou, anunciando a hora de se levantar. Como não era permitido que as funcionárias usassem maquilagem, e ela nem a tinha à mão, a toalete matinal não tomava mais do que poucos minutos. Lavou o rosto, prendeu o cabelo e entrou no horrendo vestido cinza, determinada a não se atrasar para a vistoria do major.
Como tinha certa tendência a se meter em apuros dadas suas atitudes pouco ortodoxas, tentava compensar atendo-se às outras regras. Isso deixava o "poder" satisfeito e assegurava sua permanência no hotel onde tentava concluir sua tarefa de salvar Drake.
Felizmente, o Dr. Ziegler não estranhara seu comportamento, não a ponto de hospitalizá-la, o que era um alívio. Contudo, as regras rígidas do major eram um capítulo à parte.
Chegou para a inspeção bem a tempo, e colocou-se em fila junto aos outros empregados. O gerente encontrava defeito em tudo e deleitava linhas tortas. Ainda bem que ela logo se acostumara a isso e já conseguia vestir as roupas da época sem dificuldade.
Nessa manhã, ele enviou diversos funcionários de volta para o quarto para se arrumarem melhor, mas ao se pôr diante dela, analisou-a de alto a baixo e seguiu em frente, sem dizer nada.
Depois que o gerente ranzinza terminou a vistoria, Gina foi até a cozinha para procurar o chef Sasha. O roliço chefe de cozinha russo passava uma descompostura num dos ajudantes, porém quando a avistou, fez uma pausa e, numa pose dramática, exclamou:
- Você! Veio me procurar para que eu dê restos para seus bichos! Bem, hoje Sasha diz "não"!
Gina refreou um sorriso. Eles tinham esses diálogos todas as manhãs, mas sabia que tinha de acompanhar a brincadeira. Com olhos suplicantes, pediu:
- Sr. Sashenka, precisamos deixar nossos hóspedes contentes. E eles querem que seus cachorros tenham o melhor... Como só o senhor pode oferecer.
- Servi na corte russa com estas mãos. Agora quer que eu cozinhe para cachorrinhos?
Sasha continuou reclamando mais um pouco, contudo tinha um bom coração debaixo da fachada dramática. Depois de tê-lo adulado bastante, ele afrouxou.
- Basta! - ele disse levantando as mãos e quase derrubando as panelas suspensas. - Pode pegar algumas sobras. - E apontou para um canto da cozinha onde certamente já havia separado pedaços deliciosos de carne.
Depois de agradecer, Gina fez um sinal para um dos auxiliares de cozinha a fim de que a ajudasse com a bandeja, pois descobrira que era muito mais fácil reunir a meia dúzia de cachorros se tivesse petiscos para oferecer.
Alimentou os animais, tentou ensinar um pouco de boas maneiras e depois os devolveu aos donos. Tinha o restante do dia livre antes de ter de voltar a pegá-los. Em vez de ir atrás de Drake como de costume, foi para o quarto. Precisava pensar.
Sentada na cama com Scruffy no colo ficou pensando em como agir. Tinha que encontrar um modo de salvá-lo para voltar para casa e embora tivesse se ajustado aos velhos tempos, sentia falta de uma série de coisas como chuveiro quente, filmes antigos, livros românticos sensuais e... Hâagen-Dazs.
A bem da verdade, queria salvar Drake por causa dele. Como fantasma ele se mostrara um pouco melancólico e exigente, mas vivo era um bom homem. Poderia ser mais arrogante e menos condescendente, dada a sua aparência dramática e atraente, em vez disso, era muito gentil. Poucos homens tratariam uma mulher que os perseguisse com tamanha educação, ou falariam com uma empregada como igual, tal qual ele o fazia.
Ainda que tivesse jurado não querer se envolver com homem algum, a gentileza de Drake a desarmara e a dor que ela percebia por baixo do exterior educado dele a fazia querer confortá-lo.
Se não agisse logo, ele sentiria muito mais dor. Morte por incêndio não devia ser um fim muito agradável.
O problema todo era que Drake vinha se mostrando muito esquivo e ela precisava de uma tática nova. Meras sugestões não tinham funcionado, nem dizer claramente que ele tinha de partir. Quando tinha incitado as solteiras do hotel atrás dele, o esquema se revelou um tiro pela culatra. Ainda hoje tinha dificuldade de passar pelas palmeiras sem pensar no calor e na ternura dele...
Esqueça, ela se ordenou. Além do quê, sua última tentativa só o fizera se esconder e nos poucos momentos em que ele aparecia, ela não conseguia nem chegar perto. Se a horda de mulheres casadoiras não o afugentara, o que o faria?
Talvez essa fosse a saída: se ele não dava ouvidos à razão precisava amedrontá-lo. O que faria um homem como Drake Manton fugir? Uma idéia repentina surgiu e ela sorriu. O que melhor do que um fantasma para afugentá-lo? Sem dúvida, seria um belo castigo por tê-la assombrado no futuro.
Enquanto maquinava os próximos passos deu-se conta de que precisaria de um cúmplice.
- Mas não posso contar a ninguém o motivo de eu querer que ele parta, então quem poderá me ajudar sem que eu tenha de responder a perguntas? - refletiu. - Rupert Smith! - Lembrou-se do mensageiro depois de um instante.
Procurou o rapaz e esperou que ele terminasse de colocar malas em um quarto para dizer:
- Rupert, preciso de sua ajuda.
- Claro, Gina, o que deseja? - Ele sorriu.
- Preciso que me ajude a afugentar um hóspede. Rupert deu um passo para trás e levantou as mãos.
- Não vou fazer nada que arrisque meu emprego. Preciso dele.
- Não será demitido, prometo. Meu plano é infalível, não seremos pegos. E se formos, direi que foi idéia minha.
- Não posso me arriscar - ele enfatizou.
- Eu lhe darei duas semanas do meu salário. Vamos lá, Rupert.
Isso o fez pensar, afinal dinheiro era uma das coisas que chamava a atenção do rapaz. Não que ele fosse ganancioso, mas deixara a família numerosa para trás para ganhar a vida e sempre enviava dinheiro aos pais e irmãos.
- Não sei, não... - Ele ainda tinha dúvidas.
- Está certo, quatro semanas, então. - Ela ofereceu já que não tinha muito uso para o dinheiro da época no futuro.
Gina viu que ele lutava contra a consciência, mas o dinheiro levou a melhor.
- Está bem. O que quer eu faça e quem é o hóspede?
- Drake Manton.
- Justo ele? O Sr. Manton dá ótimas gorjetas...
- Tenho meus motivos. - E Rupert teria um mês de salário extra. - Quer mesmo saber?
- Acho melhor não. - Ele concluiu depois de um instante.
- Ótimo. Sabe se algum dos quartos próximo ao do Sr. Manton está vazio?
Que pergunta tola. Rupert sabia de tudo.
- O do segundo andar, bem em cima do dele. Por quê?
- Porque quero que continue vazio.
- Não entendi.
- Você tem amizade com o recepcionista. E só dizer que há um problema com aquele quarto... Sei lá, invente alguma coisa. - Vendo a dúvida nos olhos do rapaz, continuou: - O que quero que faça primeiro é espalhar uma história de que há um fantasma. Vejamos... Uma mulher que se enforcou e que volta para assombrar solteiros. No hotel inteiro... Pois não quero que ele pense que, se mudar de quarto, estará salvo.
- Por que só homens solteiros?
- Não sei... Talvez ela tenha se matado porque o maldito noivo a tenha traído com a dama de honra!
Rupert levantou a sobrancelha, mas achou melhor não fazer outras perguntas.
Gina balançou a mão para disfarçar o rompante.
- Deixe para lá. Vamos fazê-lo acreditar que está sendo assombrado fazendo barulhos fantasmagóricos no quarto de cima, certo? Com um pouco de sorte, ele acabará deixando o hotel.
- Tudo bem, o dinheiro é seu. - O rapaz deu de ombros.
- Então está combinado. Precisamos começar imediatamente porque só temos uma semana.
A primeira palestra de Drake estava marcada para a sexta-feira seguinte. Gina queria espantá-lo antes disso, pois temia que ele angariasse simpatizantes com o evento e isso o detivesse.
Explicou o resto do plano e depois o colocou em ação com o auxílio do mensageiro.
Na semana seguinte não dormiram muito, já que durante o dia trabalhavam e passavam parte da noite fazendo barulhos assombradores no quarto acima do de Drake.
Rupert mostrou-se um ótimo cúmplice. Ela o ouvira narrar histórias horripilantes da mulher que se enfocara e era excelente em fazer sons sinistros. A sua narrativa era tão vivida que se sobrepôs aos comentários do espetáculo circense que logo chegaria à cidade.
Infelizmente, nada disso pareceu surtir efeito em Drake. Depois de cinco noites mal dormidas, ela abaixou a corneta que usava para produzir os sons funestos e sentou-se no chão.
- Isto não está funcionando. Rupert assentiu e perguntou:
- Quer desistir?
- Está brincando? Nem morta! Ainda temos a noite de amanhã. Acho que preciso do meu tiro certeiro...
- Vai atirar nele? - Rupert perguntou espantado.
- Claro que não. - Vivia se esquecendo de controlar o linguajar moderno. - Quis dizer que preciso recorrer ao plano B.
- Plano B? - o rapaz perguntou indeciso.
O plano parecera bem razoável quando sonhara com ele na semana anterior, mas já não tinha tanta certeza. E se o contasse ao rapaz, talvez ele não a ajudasse.
- Não se preocupe. Encontre-me aqui no mesmo horário amanhã.
Na noite seguinte, Gina foi para o quarto uma hora antes do encontro marcado com Rupert para se preparar. Vestida com jeans e camiseta, colocou o arreio que encomendara ao mestre da estrebaria. O artefato parecia um maiô, mas com buracos mais cavados. Tiras de couro envolviam suas coxas e ombros e outras duas circundavam o peito e a cintura; todas elas eram interligadas por faixas verticais na frente e nas costas.
Pegara a idéia emprestada de um show de televisão, no qual os atores ficavam suspensos no ar, parecendo flutuar. Satisfeita com seu engenho, cobriu tudo com uma camisola branca.
Agora só restava se maquilar. Espalhou farinha nos cabelos e rosto, esfregou fuligem em torno dos olhos e boca para dar um ar mais cadavérico e suco de beterraba no pescoço.
Mirou-se no espelho e ficou satisfeita com o resultado. Parecia uma enforcada. Nesse instante, Rupert abriu a porta e ela se virou para ver qual seria a reação dele. Esperava assustá-lo e deixá-lo branco de medo. Em vez disso, ele sorriu e disse:
- Está medonha.
- Obrigada. A idéia era essa mesma. - No entanto, teria ficado mais feliz com um pouco de medo em vez de admiração da parte dele. - Pareço um fantasma?
- Sim, se não soubesse que era você, teria me convencido.
- Espero que convença Drake Manton.
- O que pretende fazer? Voar pelo quarto?
- Não, eu poderia esbarrar na mobília ou nele. Vou me enforcar do lado de fora da janela.
- Vai o quê?
- Deixe-me mostrar a você. - E levantou a camisola. Rupert ficou estarrecido, mas depois viu que ela estava vestida embaixo da camisola, então ficou intrigado.
- Para que serve isso?
- Isso vai ajudá-lo quando for me abaixar com uma corda.
- Abaixá-la com uma corda? Vai acabar se matando...
- Que nada já pensei em tudo. Vai me abaixar até o primeiro andar onde chamarei a atenção. Para ele serei o fantasma da mulher que se enforcou. Assim... - E fez uma demonstração com a língua pensa para fora da boca.
- E depois?
- Bem, depois que ele desmaiar ou sair correndo, dou um puxão na corda e você me puxa para cima.
- Como? Temos quase o mesmo peso. Acho que não vou conseguir - Rupert ponderou.
Aborrecida pela crítica, Gina disse:
- Está bem. E se você passar a corda por esta cômoda? Isso deve ajudá-lo a me segurar no lugar certo. Depois que eu puxar a corda, pode me abaixar até o chão.
- E se você cair?
- Não tem problema, estarei a poucos metros do solo. Não vou me machucar.
Ainda tentando demovê-la do plano, Rupert perguntou:
- Como vai voltar para dentro do hotel sem que ninguém a veja assim?
- Peguei emprestado um manto com capuz; está ali na cama. Poderá jogá-lo para mim quando eu estiver lá embaixo.
- Acha que vai dar certo?
- Claro que sim. - Sempre dava certo nos filmes.-Vamos, Rupert. Você prometeu me ajudar. E eu juro que não peço mais nada.
O rapaz deu um suspiro profundo, contudo Gina notou que ele estava curioso para ver o resultado de tudo aquilo. Isso porque, no fundo, não passava de um garoto de dezessete anos.
- Está bem, mas é a última vez.
Deixando a relutância de lado, o rapaz passou a corda pela parte detrás do arreio e a ajudou a sair de costas pela janela.
Conforme batia na parede externa do prédio, Gina se perguntou se de fato aquela era uma boa idéia. Tinha se imaginado flutuando no ar e não pendurada contra a parede. Bem, já era tarde demais para se arrepender. Pelo menos havia uma pequena saliência de tijolos no parapeito da janela que permitiria certo distanciamento. Deu um sinal a Rupert para que ele parasse de descê-la e preparou a sua melhor expressão de horror.
- Uuuuuuuuu - ela gemeu.
Aguardou um instante, mas não viu sinal algum no quarto de Drake.
- Vá embooooooraaaa! - ela murmurou num tom lamentoso. Finalmente, percebeu um movimento lá dentro.
Para maximizar o efeito, ela deu um empurrão na parede e se afastou para que ele visse que seus pés não se apoiavam em nada e repetiu:
- Vá embooooooraaaa!
Deu outro empurrão e se afastou, porém no movimento seguinte acabou passando pela janela recém-aberta e encontrou o peito de Drake.
- Que diabos?! - ele exclamou.
Gina puxou a corda que se afrouxou e quando ela começava a cair, Drake a pegou por debaixo dos braços e a levou para dentro do quarto. Tentou se desvencilhar, mas os braços dele pareciam de ferro. O corpo inteiro dele, aliás, parecia de ferro. Como será que ele se exercitava? E como ela conseguiria escapar agora?
Ainda prendendo-a com um braço, Drake acendeu a luz com a mão livre e observou o seu rosto.
- Srta. Charles. Andava me perguntando quando é que a senhorita resolveria fazer uma aparição.
Gina decidiu enfrentá-lo, por isso empurrou-o com as mãos.
- Solte-me.
- Onde está seu comparsa? E até onde pretende levar essa brincadeira?
Ignorando a pergunta a respeito de Rupert, ela disse:
- Não é uma brincadeira. Isso é muito sério. Agora me deixe ir.
Quando percebeu que lutar não adiantaria nada, deixou o corpo mole e fez uma expressão contrita levando-o a pensar que desistia de se safar. Assim que ele afrouxou o abraço, empurrou-o e correu para a porta. Escancarando-a, deu de frente com Chloe Harrington. A mão da moça estava levantada pronta para bater à porta, mas depois de vê-la, gritou e desmaiou.
Pelo menos alguém mostrava alguma reação adequada diante de um fantasma.
No entanto, isso significava que não poderia sair pela porta, pois logo o corredor estaria repleto de pessoas a socorrer a jovem.
Talvez pudesse sair pela janela, pensou e fechou a porta.
Tarde demais. Drake segurou a ponta da corda e a puxou para seus braços.
- O que foi aquilo? - Ele franziu o cenho.
- Era Chloe Harrington, pronta para bater à sua porta.
Tinham algum encontro planejado? - ela perguntou num tom acusatório. Ele não devia se envolver de fato com as moças que tinha empurrado na direção dele.
- Claro que não - Drake respondeu indignado, sem afrouxar o abraço.
- Não foi o que ela pensou, já que vestia uma bela camisola.
- Que ridículo! Por que ela viria até meu quarto no meio da noite?
Para um homem esperto ele parecia bem alheio às motivações das mulheres.
- Por que acha?
- A Srta. Harrington é uma jovem decente que jamais sonharia em agir de maneira audaciosa.
- Tenho certeza de que ela esperaria um anel de noivado em troca.
- O que está sugerindo? - ele quis saber.
- Correm boatos que a Sra. Harrington tem tantas filhas que não se importaria em enganar um ou dois homens para se livrar de algumas delas... - Ela tentou se desvencilhar. - Entendeu agora?
- Está certa disso? - Ele estava confuso.
- Cem por cento, não. Mas posso apostar como a mãe não tardará a aparecer.
Outro grito de mulher se fez ouvir no corredor:
- Minha filha!
-Viu? - Gina disse complacente. - Não se preocupe mais, agora seria tolice ela tentar qualquer truque. - Para se aproveitar dessa pequena vitória, fez um ar amuado que era imbatível quando queria alguma coisa do falecido pai. - Acabei de livrá-lo de uma sina pior do que a Sra. Biddle. Pode me deixar ir, agora?
- Não vai a parte alguma. Quero que explique o que estava tentando fazer aqui. - Ele fez uma careta. - Mas antes, é melhor lavar o rosto.
Ela tinha se esquecido por completo do disfarce. Não era de estranhar que seu ar amuado não funcionara. Suspirando, foi até a pia, pois tinha vaidade o bastante para não querer parecer um cadáver perto de um homem tão bonito.
Ao lavar o rosto e retirar a corda dos arreios ficou imaginando o que Drake pensava em fazer com ela. Duvidava que fosse gostar. Entretanto, sem provas seria a palavra dele contra a sua, por isso precisava ir embora. Naquele minuto.
Rápida, ela largou a toalha e foi para a janela, porém Drake foi mais rápido do que ela, voltando a pegá-la nos braços. Dessa vez ela não desistiria e se remexeu e lutou até que ambos caíram na cama.
- Solte-me! - Ela arfou embaixo do peso dele. Em qualquer outra circunstância essa luta livre seria divertida, mas perderia o emprego se fosse descoberta.
Ele segurou os seus pulsos e os suspendeu acima da cabeça, contra a cama.
- Só quando me disser por que quer tanto se livrar de mim.
Ela bufou uma mecha de cabelo para longe do rosto enquanto tentava arranjar uma desculpa plausível. Ao ficar imóvel, deu-se conta do corpo forte contra o seu.
Ainda que ele estivesse usando um roupão, na briga a peça se abrira e Gina só podia imaginar o que se revelava da cintura para baixo. Podia jurar que Drake não vestia nada além daquilo.
Contudo, não havia modo de se certificar porque estava presa contra o colchão, segura pelas mãos fortes e pelos penetrantes olhos escuros. Olhos tão sensuais... Ao tentar recobrar o fôlego, tomou consciência do perfume almiscarado, do calor da pele dele, da parte inferior do corpo masculino contra o seu. Ele estava tão próximo que poderia saboreá-lo...
De onde tinha vindo idéia tão absurda?
A situação estava muito pior do que no dia em que se viram escondidos atrás das plantas.
- E então? - Drake perguntou com doçura.
Estava claro que ele também sentia-se afetado. Gina sentiu uma pressão contra sua. A evidência da excitação dele deveria deixá-la zangada, mas teve o efeito contrário.
- O... o quê? - Ela engoliu em seco, desconcertada.
Drake abaixou a cabeça, ficando tão próximo que a luz tênue do abajur iluminou a mecha branca e os pêlos do peito que escapavam do roupão entreaberto. Deus! Ela adorava homens de peito peludo!
Sensações prazerosas e ardentes a assaltavam. Mordiscou Os lábios e fitou-o com olhos arregalados, querendo tocá-lo, precisando beijá-lo, esperançosa de que ele aproximasse a boca... Só mais um pouquinho.
Drake respirou fundo e abaixou o rosto. Primeiro, beijou-a com suavidade, um toque delicado dos lábios que a fez ficar com os sentidos alerta. Quando ela não conseguiu refrear uma resposta, ele cobriu a boca carnuda com urgência, fazendo-a ficar tonta.
Soltou os pulsos para trazê-la para perto, deixando as mãos de Gina livres para explorá-lo.
Ela abriu o roupão e enfiou os dedos nos pêlos daquele peito maravilhoso enquanto ele aprofundava o beijo. As sensações a deixavam sem ação, só estava ciente dos lábios macios sobre os seus, da pele quente ao encontro de suas mãos e do toque dele sobre seus seios por cima da camiseta.
Droga! Estava vestida demais! Empurrou-o um instante para se desvencilhar das peças, mas ele entendeu o gesto como um sinal de rejeição, pois se levantou da cama de súbito.
Revelou sua nudez por um segundo antes de amarrar o roupão e lançar um ar cheio de desculpa.
- Por favor, me perdoe. Não devia ter feito isso.
- Devia, sim. - Ela levantou-se também e se aproximou dele dizendo: - Aliás, estava indo muito bem.
Ele ajeitou o cabelo e desviou o olhar.
- Sou um cavalheiro. E cavalheiros não tiram vantagem de jovens... Mesmo que elas estejam dispostas.
- Isso é alguma piada? - ela perguntou desconfiada, lembrando-se de como ele tinha defendido Chloe e sua virtude.
- Como disse? - Ele pareceu confuso.
- Esqueça. - Sentindo vergonha de repente e lembrando-se de sua promessa de não se envolver romanticamente, fez a única coisa que podia. Pulou pela janela.
Na manhã seguinte Drake amaldiçoava a noite mal dormida. Naquele dia, mais do que em qualquer outro, precisava estar em sua melhor forma.
Culpou Gina pelas olheiras que via refletidas no espelho. Não a sua aparição fantasmagórica, pois já havia deduzido que ela, em conluio com Rupert, era quem fazia os rumores durante a noite na tentativa de assombrá-lo. O que o perturbara, de fato, fora a sua aparição física.
Ficara acordado o resto da noite, revivendo os momentos em que a tivera debaixo do corpo, macia, feminina e cheia de promessas... A reação inesperada da moça só acrescentara combustível ao fogo, inflamando seus sentidos, fazendo seu corpo ansiar pela satisfação de se ver aninhado dentro dela.
Foi perturbador. Não se sentia excitado assim havia tanto tempo. Vinha se negando o conforto do toque de uma mulher, acreditando que não era merecedor do consolo que isso representava. Não quando a curta vida de Charlotte estivera tão destituída da benção de um marido amoroso.
Embora já tivessem se passado dois anos, ainda lamentava o falecimento de sua irmãzinha, ainda sentia a dor da perda, ainda se culpava por não ter evitado a morte precoce. Em penitência, vinha dedicando, sua vida na tentativa de ajudar outras pessoas. Isso não traria Charlotte de volta, claro, mas talvez atenuasse a culpa e lhe trouxesse um pouco de paz.
Agora a treinadora de cães ameaçava esse equilíbrio e o pior é que tinha que se desculpar, pois não havia perdão para seu comportamento na noite anterior. Deveria ter ignorado o corpo tentador sob o seu, desconsiderado a sensualidade e a reação sem reservas dela. Infelizmente, a combinação desses três fatores na figura provocante de Gina tinha sido demais para ele.
E quando fora que a Srta. Charles se transformara em Gina em seus pensamentos? Aborrecido, tentou se lembrar das ações inconseqüentes dela e não da boca provocante. Se ela não tinha problemas mentais, estava a caminho de ter.
Uma vozinha em seu íntimo o lembrou que essa era a sua especialidade.
Era verdade, mas nada do que estudara até então o preparara para lidar com Gina, ainda mais que era ela quem estava decidida a mudar o seu comportamento. O que causava nova dúvida: por que queria tanto que ele fosse embora?
Suspirou desanimado. Não podia se dar ao luxo de ficar pensando nela naquele dia, não deixaria que o distraísse de seu objetivo primordial. Tinha de se concentrar na palestra da noite. Pensaria na moça mais tarde.
Durante todo o dia repassou as anotações e a apresentação e, à noite, encaminhou-se ao pequeno auditório do hotel com a confiança de que havia feito todo o possível para uma excelente palestra.
O lugar comportava cerca de cem pessoas e ele ficou satisfeito em ver que havia um número considerável de participantes. Viu que as Biddle e as Harrington estavam na primeira fila, conforme prometido. Não que ele as tivesse incentivado a vir.
Deu uma olhada pelo salão e, satisfeito, concluiu que deveria haver umas quarenta pessoas lá. A satisfação durou até o instante em que viu uma figura conhecida entrar: Gina.
Ela estava diferente, e levou um instante para perceber por quê. Pela primeira vez não a via vestindo o medonho uniforme cinza do hotel. Com exceção daquelas roupas estranhas da noite anterior. Meneando a cabeça, tentou desfazer tal imagem. Se a maneira desconfortável como caminhava servia de indício, devia ter pegado emprestado o vestido azul-claro de alguém.
Franziu o cenho. Qualquer outra moça passaria longe depois do incidente da noite passada. Devia ter sabido que Gina agiria de modo diverso. Será que viera para causar algum transtorno? Não admitiria tal coisa!
Ela se sentou na última fileira e um homem, que não se enquadrava nos padrões locais devido à aparência exuberante com roupas e jóias vistosas demais, sentou-se ao lado dela. Quando o homem começou a entabular conversa com ela, ficou tentado a qualificá-lo como um verdadeiro cavalheiro. Pelo menos enquanto a entretivesse e a mantivesse ocupada, evitando assim que ela aprontasse alguma coisa.
Ziegler se aproximou e perguntou se ele estava pronto para começar.
Ajustando o terno, assentiu e aguardou enquanto o médico fazia a abertura. Não prestou muita atenção às palavras dele, pois ainda observava o casal da última fila, mas percebeu que chegara a sua hora quando ouviu palmas educadas. Era a primeira vez que se dirigia a tantas pessoas, porém, surpreendentemente, não estava nervoso. Sentia-se animado pela confiança que tinha no assunto e na certeza de que o que tinha a falar poderia ajudar inúmeras pessoas. Sorriu para o público e começou o discurso:
- Senhoras e senhores, boa noite. Obrigado por terem vindo. Esta é a primeira de uma série de palestras que apresentarei sobre mesmerismo e hoje começarei com a história da ciência que se desenvolveu a partir dos primeiros experimentos do Dr. Mesmer até a prática de seus métodos nos dias atuais.
Viu que as pessoas mostravam interesse, então continuou a discursar sobre as idéias do médico, sobre magnetismo, as técnicas de hipnose, o progresso do método no decorrer dos anos, as pretensas apresentações que não passavam de entretenimento sem fins medicinais...
Conforme falava começou a perceber o aborrecimento crescente da platéia. Receoso de que perdesse a atenção das pessoas, deu uma prévia do que seriam as palestras seguintes e recitou uma interminável lista de doenças e males que o mesmerismo seria capaz de atenuar.
Não serviu de nada. As expressões dos presentes refletiam enfado profundo. Confuso sobre o momento em que perdera o interesse do público, concluiu a palestra anunciando que estaria no consultório do Dr. Ziegler todas as tardes, das duas às quatro, para atender quem necessitasse de seus serviços.
Os esparsos aplausos educados que se seguiram deixaram-no ainda mais perplexo. O que dera errado? Tinha tomado muito cuidado com todos os fatos.
Ziegler se aproximou e estendeu a mão para cumprimentá-lo dizendo:
- Uma palestra muito elucidativa, Sr. Manton, digna de um estudioso.
Perturbado, Drake agradeceu, mas se perguntou se o médico assistira à mesma palestra que as demais pessoas. Os outros pareciam ter pressa em sair do auditório.
Todos, com exceção das Biddle e das Harrington.
- Que palestra maravilhosa, Sr. Manton! Não é mesmo, Letty, querida? - a Sra. Biddle cutucou a filha com o cotovelo.
- Sim, mamãe - a moça respondeu obediente, apesar de não conseguir reprimir a expressão de fastio.
As moças Harrington se aproximaram com a mãe e todas continuaram a elogiar a sua voz poderosa e a presença no palco.
Resignado, Drake notou que nenhuma delas se referia ao conteúdo da apresentação. Ouviu educadamente, porém desejou estar em qualquer outro lugar para poder lamber as feridas de seu orgulho. Agradeceu às mulheres pelos elogios e se despediu, escapando dos gracejos insinceros.
O alívio momentâneo por se ver livre delas cessou assim que se virou e deu de frente com Gina. Por um instante, desejou não ter sido tão apressado, pois elogios falsos pareciam melhores do que a honestidade direta que ela costumava usar.
Como se a dor da humilhação não fosse o bastante, precisava enfrentar o olhar de pena dela.
- Veio aqui para esfregar sal na ferida? - ele perguntou rude.
Que tapa na cara! Tudo o que queria era confortá-lo, mas depois dessa recepção pensou em chutá-lo nas canelas...
- Só queria dizer que lamento que as coisas não tenham saído conforme desejava.
Drake suspirou e passou as mãos pelos cabelos.
- Sinto muito. Não devia ter descarregado em você. Percebendo que não era uma boa hora para oferecer pesares ou de tentar convencê-lo a partir, Gina deu meia-volta.
- Espere!
Surpresa, parou. Geralmente ele estava sempre louco para se livrar dela...
Com voz baixa, ele disse:
- Preciso me desculpar.
- Você já disse que sente muito.
- Eu... lhe devo desculpas por outro motivo... pelo meu comportamento de ontem. Não me portei como um cavalheiro.
Gina sentiu as faces arderem. Vinha tentando não pensar naquilo o dia inteiro, por que ele tinha de mencionar o ocorrido?
Além de não querer se relacionar com ninguém, fazer isso com alguém do passado seria impensável. Sem falar que as mulheres daquela época eram tão ridiculamente recatadas que ele devia estar fazendo mau juízo dela.
- Não precisa se desculpar - respondeu de pronto. Tinha uma parcela de culpa por terem ido tão longe. Apesar de ser totalmente culpa dele se não chegaram ao fim.
Só queria esquecer que aquilo tinha acontecido. Quando Esmeralda soube do incidente, não conseguiu descobrir o que a governanta tinha achado pior: o fato de ter usado uma camisola para afugentar Drake, ou ter usado as roupas modernas por baixo dela.
De qualquer forma, a mulher confiscou todas as suas roupas a título de segurança e só o que sobrara para lhe lembrar do futuro era a cópia do jornal que mantinha secretamente embaixo do colchão.
- Como quiser - Drake disse num tom conciliatório. Fez uma pausa e continuou: - Provavelmente vou me arrepender, porém... Fiquei pensando se não se importaria em me ajudar com outra questão.
- E o que seria? - ela perguntou, grata pela mudança de assunto.
- Apesar do seu desejo de me ver pelas costas, ou por causa dele, é a única pessoa que me trata com sinceridade. Poderia... Se importaria de me dizer onde foi que errei na palestra?
Onde foi que não errou? Entretanto, Gina refreou a resposta, pois Drake parecia de fato desnorteado. Refletiu sobre a melhor maneira de abordar o problema sem ofendê-lo, mas o falatório das mulheres a interrompeu. Era notório que as fãs dele queriam se aproximar novamente. Indicando-as com a cabeça, sugeriu:
- Por que não falamos disso num lugar mais reservado?
- Ótima idéia. Onde?
- Está bem quente aqui... -Ainda mais com todas aquelas roupas que Esmeralda insistira em dizer que uma dama devia usar. - Se puder esperar vinte minutos enquanto me troco, eu o encontro no jardim.
Drake arqueou as sobrancelhas e ela se lembrou que Rupert mencionara o jardim como o lugar perfeito para "encontros". Apressou-se em explicar:
- Lá é mais fresco e preciso levar Scruffy para um passeio. Como as mulheres se aproximavam, ele concordou e saiu apressado.
Gina voltou para o quarto e tornou a colocar o vestido cinza. Embora horroroso, era bem mais fresco do que o azul que Esmeralda havia emprestado. Seria até divertido brincar de trocar de roupas, mas o quente verão da Virgínia no mês de agosto não era muito agradável... E o ar-condicionado levaria ainda muitos anos para ser inventado.
Scruffy estava ansioso por sair, então o deixou ir na frente. Quando Drake se abaixou para recepcionar o cachorro, Gina percebeu que estavam à vista do hotel, por isso recomendou que andassem um pouco pelos caminhos do jardim. A noite, o lugar ganhava uma aura misteriosa, aguçando os sentidos com o perfume das flores e o barulho da água nas fontes. Não se admirava que o jardim fosse considerado o melhor local para encontros furtivos.
Chegando a um banco de pedra, sentaram-se com o cãozinho entre eles. Gina, contente por aproveitar o ar fresco, esperou que Drake tomasse a iniciativa.
Com um suspiro profundo, ele perguntou:
- Onde foi que errei?
Ela teria de encontrar uma forma gentil de dizer que a palestra tinha sido um tédio absoluto.
- Não creio que a platéia tenha considerado a palestra interessante.
- O que quer dizer é que me acharam aborrecido, isso eu sei. - Ele lançou um ar de auto-desprezo. - Só não entendo por quê.
- Falou com eles como se fossem estudiosos, como se estivessem interessados em aprender aquilo para o bem deles.
- E isso não é verdade? - ele perguntou confuso. Gina sentiu vontade de rir com tanta ingenuidade.
- Não. A maioria só quer se divertir. Eles foram até lá em busca de entretenimento e receberam uma aula de história. Não é de se admirar que tenham ficado entediados. - Nem todos. - Drake se defendeu.
- O doutor é um estudioso e... - Ela fez uma pausa. Não havia modo de dizer a verdade de maneira educada. - E... acredito que suas admiradoras tenham um motivo inconfesso para afirmar que apreciaram a sua apresentação.
Embora o rosto de Drake estivesse parcialmente oculto pelas sombras das árvores, ela conseguiu ver os lábios comprimidos.
- Talvez tenha razão. Pelo menos os seus motivos não poderiam ser mais claros, pois não fez segredo que me quer longe daqui.
Gina deu de ombros. Não negaria a verdade. Ainda mais agora que o homem que sentara a seu lado no auditório havia oferecido uma alternativa para fazê-lo ir embora.
Lester Suggs era um agente organizador de palestras. Se conseguisse fazer com que Drake fosse mais agradável e se comunicasse melhor com o público, Suggs poderia organizar um calendário de apresentações pelo país. Isso o levaria para longe do Chesterfield e o livraria da morte.
Entretanto, precisaria entender o que o levava a querer seguir essa carreira a fim de poder aconselhá-lo. Sempre fora uma boa ouvinte. Se ele conseguisse confiar nela... Pensando assim, perguntou:
- Por que essas palestras são tão importantes para você?
- Por que quer saber?
- Posso ajudá-lo a melhorá-las, mas só se entender seu objetivo...
- Você acha que pode me ajudar? - ele indagou incrédulo.
- Não se saiu muito bem sozinho, saiu?
- É verdade.
- Talvez, então, eu possa ajudá-lo.
- Pode ser - ele admitiu ainda em dúvida. - Desde que eu não tenha de me vestir de fantasma para aterrorizar hóspedes inocentes.
Acho que mereço isso, ela pensou.
- Claro que não, prometo. Tenho experiência em entretenimento e posso ajudá-lo... Se me disser aonde quer chegar.
Drake ficou em silêncio, mas o tom de voz dela o convenceu a confiar nela.
- Quero... quero ajudar as pessoas.
- Por quê?
Depois de outra longa pausa, ele continuou:
- Havia uma pessoa... dois anos atrás. Fui incapaz de ajudá-la, e ela morreu.
Uma pontada de ciúmes a atingiu, porém Gina tratou de suprimi-la. Não tinha o direito de ficar enciumada. A sua única preocupação devia ser salvá-lo de um fim terrível e poder voltar logo para casa.
Apesar de querer saber mais sobre essa mulher que morrera e que significava tanto para Drake, aquele não era o momento oportuno.
- Que tipo de ajuda quer oferecer? O que procura em um paciente ideal?
Dessa vez ele nem precisou pensar. - O paciente ideal seria alguém cuja doença tenha origem na mente, talvez alguém que já tenha tentado outros tipos de tratamento sem obter sucesso.
Portanto, esse tal de mesmerismo era realmente o precursor da psiquiatria moderna e da psicoterapia. Bem, ela mesma tinha passado um tempo em terapia tentando se conformar com a morte do pai e com a frieza da mãe. Conhecia todo o Vocabulário e a psicologia por trás das teorias, o que era muito mais do que qualquer pessoa desse tempo sabia.
- Serve qualquer pessoa ou prefere alguém de influência a princípio?
- O mesmerismo não deve ser apenas para os abastados - ele disse franzindo o cenho. - Tem de ser acessível a qualquer pessoa que precise... Mas para que os benefícios do tratamento sejam amplamente conhecidos, preciso começar com pessoas como os hóspedes deste hotel. Foi por isso que vim para cá.
Fazia sentido.
- Então, a primeira coisa que tem de entender é que essas pessoas estão entediadas. Se quer capturar a atenção delas, Você precisa apresentar um show.
- Um show? Como assim?
- Precisa enredá-las, prender a atenção delas. A melhor maneira de conseguir isso é entretê-las.
- Lamento, mas isso vai contra os meus princípios. - Drake meneou a cabeça. - O sensacionalismo apresentado por homens como Carl Hansen denegriram o mesmerismo, rebaixando-o a simples truques de mágica.
Pelo menos ele parecia familiarizado com o conceito. Talvez isso tornasse o seu trabalho mais fácil.
- Ele usou a habilidade dele para ajudar as pessoas?
- Não - ele admitiu.
- Então essa é a diferença entre vocês dois - ela afirmou triunfante. - Pode usar os métodos dele, mas a seu favor. A favor de outras pessoas.
- Não parece adequado...
- Tolice. Não vai conseguir fazer com que as pessoas se interessem pelos benefícios do mesmerismo com palestras enfadonhas. Precisa animá-las.
- E você é boa nisso? - ele questionou incerto.
- Muito boa. - Ao treinar os cachorros e apresentá-los diante dos juízes dos concursos conseguira muita experiência na área. - Sei como impressionar uma multidão. - Como ele continuou quieto, ela completou: - Um pouco de sensacionalismo para atingir seu objetivo, que é conhecer as pessoas que precisam de sua ajuda, não vale a pena?
- Não sei, não... O que tem em mente?
- Não sei ao certo. Preciso pensar a respeito. Então, o que me diz, temos um trato?
- Talvez. Você tem certa tendência a ser dramática... Por que quer tanto me ajudar?
Eleja sabia de suas intenções, então falou com sinceridade.
- Tenho esperanças que isso me ajude a afastá-lo daqui.
Ele ponderou e respondeu:
- Está certo, temos um acordo. Com uma condição. Tem de me dizer por que está tão determinada a me fazer partir. |
Tentando ganhar tempo para inventar uma história plausível, ela sugeriu:
- Tudo bem, mas só depois da próxima apresentação.
- Combinado. - Ele segurou o queixo dela, encarou-a com os olhos escuros e sensuais e disse baixinho: - Sem truques, porém. Se vou ter de mudar, terá de me prometer que me dirá a verdade.
Gina engoliu em seco. Era muito difícil resistir quando ele usava todo o seu magnetismo. E era ainda mais difícil mentir com ele acreditando em sua honestidade.
- Está bem - ela concordou com sinceridade. - Mas vou avisando... você não vai acreditar.
Drake tinha duas esperanças no dia seguinte: que diversos pacientes o aguardassem no consultório de Ziegler apesar do fracasso da palestra, e que Gina se esquecesse da promessa que fizera a ela de dar ouvidos às suas idéias absurdas. A primeira delas parecia fadada ao fracasso, pois as únicas clientes que apareceram foram as Biddle e as Harrington. Ao que tudo indicava, tinham prestado bastante atenção ao que ele dissera na noite anterior, já que afirmavam ter vários dos sintomas nervosos descritos. No entanto, conforme suas suspeitas, os sintomas não batiam com as doenças descritas por elas. - Lamento, Srta. Harrington - disse para Chloe e para a mãe. - Mas acredito que não possa ajudá-la. Acompanhou-as até a porta, ignorando as expressões abaladas. Não queria desperdiçar nem seu tempo, nem o delas, em terapias desnecessárias.
Não obstante já tivesse dispensado a Sra. Biddle anteriormente, ela continuava na sala de espera. Sem dúvida querendo se certificar de que a rival não receberia mais atenção do que sua filha. Como não apreciava brigas, de nenhum tipo, despediu-se das senhoras e tentou fechar a porta. Entretanto, a imponente Sra. Biddle foi mais rápida e se colocou no meio do vão. - Tem certeza de que não pode ajudar minha Letty? - Letty e Chloe são jovens saudáveis que não precisam de nenhum tratamento - ele afirmou num tom firme.
Mesmo lançando um olhar triunfante em direção à rival, pois a filha da outra também não tivera sucesso, a Sra. Biddle não se mexeu. Drake estava a ponto de pensar se teria de usar força física para removê-la quando foi salvo pela chegada de Gina. Usou-a como desculpa e verificando as horas, inventou:
- Srta. Charles, excelente. Ainda tenho algum tempo disponível. Por que não entra?
Gina sorriu e acompanhou-o na farsa. Passou pela Sra. Harrington, e diante da Sra. Biddle, pediu licença.
A mulher a olhou de alto a baixo e censurou:
- Pensei que seus serviços fossem dirigidos somente aos hospedes, Sr. Manton.
Drake desprezava qualquer forma de esnobismo, por isso replicou:
- Meus serviços estão à disposição de qualquer pessoa que precise, independentemente do nível social.
A Sra. Harrington aproveitou a deixa para afirmar:
- E por que não? E Gina é um tipo bem peculiar... Estou certa de que poderá ajudá-la. - Lançou um olhar vitorioso na direção da outra mulher sem perceber que o perigo morava em outro lugar.
Gina levantou o queixo e estava pronta para a briga quando foi impedida por Drake.
- Ficarei feliz em ajudá-la, Srta. Charles. Por que não entra? A Sra. Biddle não teve como se opor e deu passagem. Depois que a moça entrou, Drake fechou a porta.
- Voltei a ser sua paciente, então? - Gina perguntou.
- Desculpe, mas veja... - Ele fez uma pausa, pensando em; como colocar em palavras a situação difícil em que se encontrava.
- Deixe para lá - Gina disse sorrindo. - Entendo seu dilema. Lembra-se que fui eu quem o alertou sobre a situação desde o início? |
- Sim. - Ele suspirou aliviado. Seu alívio, no entanto, seria passageiro, pois ela viera para acabar com sua segunda esperança: a de que se esquecera do combinado. - Como posso ajudá-la?
- Já se esqueceu? Sou eu quem vai ajudá-lo. E estou pronta para a sua primeira lição.
Era o que ele temia.
- Lição?
Ela balançou um par de papeizinhos coloridos.
- O Sr. Suggs foi gentil ao me ceder ingressos para o circo!
- Isso é realmente necessário? - Ele franziu a testa.
- É claro. Ficou preso em Tediosavila por tempo demais e por isso não sabe se divertir.
Tediosavila?
- Sou de Boston.
-Ah, sim, isso é ainda pior. Vamos lá, é o espetáculo de estréia do Circo Bamum&London em Hope Springs. Ou será que prefere passar o resto da tarde se escondendo daquelas senhoras?
Como tinha somente essas opções, então seria melhor ir ao circo. Pegou o chapéu e se dirigiu à porta. Antes de abri-la, porém, pensou que era bem possível que as mulheres ainda tivessem na ante-sala.
- Vamos pela outra porta? - sugeriu. - Claro. Vamos fugir.
Drake suprimiu um sorriso. Suspeitava que Gina gostasse de atormentá-lo, mesmo assim, apreciava a companhia dela, embora soubesse ser melhor não encorajá-la. Não foi a primeira vez que ele se pegou pensando no tipo de criação que ela tivera. Apesar de trabalhar no hotel numa função de serviçal, suas atitudes não eram nem um pouco servis. Não conseguia imaginar a criada ou a governanta da mãe passando com ele sob o luar ou convidando-o para ir ao circo. Era bem provável que Gina nem tivesse considerado inadequada a sugestão de convidá-lo.
Depois da demonstração de desprezo da Sra. Biddle, ele jamais pensaria em recusar o convite com esse pretexto. E talvez até conseguisse se divertir. - Nunca fui a um circo - confessou.
- Meu pai me levou quando eu era pequena - Gina contou o olhar saudoso que ele viu o fez pensar que fim teria levado o homem. - Mas nunca mais voltei desde então. Nós dois vamos adorar - ela prometeu. - Dizem que P.T. Barnum é um apresentador incrível.
O hotel havia providenciado carruagens para os hóspedes que quisessem assistir ao espetáculo na cidade. Ao subirem em cima delas, Drake acreditou ver alguns olhares desaprovadores, mas preferiu desconsiderá-los. Gina nem os notou, tão entretida que estava em conversar sobre as atrações do circo.
Assim que chegaram tiveram a impressão de terem entrado num outro mundo. As cores, as músicas, o cheiro de pipoca e as fantasias do pessoal do circo conferiam um ar festivo ao local.
Gina conseguiu lugares bem no meio da arquibancada. - Isso não é demais?
Drake não conseguiu evitar um sorriso. Diferentemente das outras mulheres, Gina não reprimia as emoções, não se preocupava se outras pessoas podiam considerar suas atitudes inadequadas a uma dama ou um tanto vulgares. Pessoalmente, ele não via nada de errado nisso e até imaginou se Charlotte não teria sido mais feliz se fosse livre assim.
- Olhe, lá está o apresentador. O espetáculo já vai começar! - ela exclamou excitada.
Drake relaxou e resolveu aproveitar o entretenimento, mas descobriu que se divertia mais em acompanhar as mudanças de expressão e o prazer estampado no rosto de Gina do que assistir aos acrobatas, malabaristas e palhaços.
Pelo que viu, ela adorou a apresentação dos cavaleiros e suas acrobacias nas montarias. Quando foi a vez do leão, ela comentou:
- Os gatos grandes são difíceis de treinar. Consigo muito mais com Scruffy.
Depois que o espetáculo terminou e as pessoas começaram a sair, ele perguntou:
- Gostou?
- Sim. Para as limitações desta época, foi ótimo.
- Desta época? - Drake não entendeu o que ela quis dizer.
- Esqueça o que eu disse. A pergunta é: você gostou?
- Sim. - No íntimo, ele sabia que tinha se divertido mais ao observá-la do que ao espetáculo.
- Muito bem. E o que aprendeu? Precisava ter aprendido alguma coisa?
- Que não devemos colocar a cabeça dentro da boca do leão? - Ele arriscou um palpite.
- Fez uma piada! - Gina olhou pasma para ele.
- Isso já foi feito antes...
- Sim, mas não por você. Estava começando a acreditar que não tinha senso de humor.
- É claro que tenho - ele respondeu indignado. Houve um tempo em que era conhecido por suas brincadeiras irônicas. Isso antes da morte de Charlotte. Desde então, poucas coisas o animavam. - O que eu devia ter aprendido?
- O valor de um gesto amplo, o suspense de uma pausa dramática, a atmosfera de espanto criada por uma linguagem grandiosa.
- Não achou que foi exagerado demais? - ele questionou.
- Um pouco, talvez. Mas notou alguém entediado na platéia? Não. Tinha de admitir que todos seguiram as palavras e os gestos do apresentador para os artistas no centro do picadeiro.
- Entendo o que quer dizer, mas...
- Utilizando as mesmas técnicas, pode fazer com que a sua platéia o ouça com o mesmo interesse.
- Está tentando me agradar. - Sabia que jamais conseguiria atuar como aquele apresentador.
- Não estou, não. Acredite em mim, ficará ótimo depois que eu o treinar. Tem uma ótima presença de palco.
- Lamento, Srta. Charles, sinto dizer que não conseguirei manter a minha parte do nosso trato.
- Mas... - Ela tentou argumentar.
- Não - ele disse. Detestava ser o responsável por acabar com a alegria dela, porém precisava ser firme. - Isso acabaria com tudo o que acredito. Não me comportarei como um apresentador de circo.
Uma semana tinha se passado e Gina ainda não o tinha convencido a mudar de idéia. O homem era um cabeça-dura. Se, no entanto, ele acreditava que podia ganhar dela nesse jogo, era melhor rever seus conceitos. Continuaria a bater na mesma tecla até que ele capitulasse.
Chegou ao consultório de Ziegler às três e meia. Desde o dia do circo, Drake havia reservado esse horário para que ela apresentasse seus argumentos a fim de convencê-lo. Ele fingia fazer isso por educação e para quebrar a rotina de receber as mães das moças casadoiras, mas Gina suspeitava de que, no fundo, ele apreciava os debates tanto quanto ela.
E lá estavam elas, sem as filhas dessa vez. Gina cumprimentou-as com um gesto da cabeça e tentou entrar. De súbito, as duas agiram em comum acordo e bloquearam a passagem.
- Ora, se não é a pequena Gina - zombou a Sra. Harrington, embora a moça fosse bem mais alta do que ela.
As duas vinham transformando a vida dela num inferno depois de ficarem sabendo que fora ao circo com Drake. Entretanto, eram hóspedes e tinha de tratá-las com respeito.
- Com licença, tenho hora marcada com o Sr. Manton.
- Francamente, Srta. Charles, não creio que seja adequado impor a sua presença dessa maneira ao pobre Sr. Manton. Está conseguindo certa fama com isso - insinuou a Sra. Biddle.
Ora, mas o que era aquilo?... Já que tinham atirado as luvas para o duelo, elas que se preparassem.
- Gostaria de saber os comentários a respeito das senhoras aqui no hotel?
- Nossa reputação está acima de qualquer suspeita - a segunda mulher rebateu.
- Se empurrar as filhas em cima de um pobre homem solteiro não quer dizer nada, então... - Gina parou de maneira sugestiva.
- Não sabe do que está falando, querida - a primeira interveio condescendente. - O que é compreensível dada a sua educação. Uma dama entenderia isso.
- Entendo muito bem... À primeira a arrebanhar um solteiro ganha, não é isso? Pois saibam que não tenho intenção de me casar.
As duas trocaram olhares.
- Então por que o persegue? - a Sra. Biddle perguntou.
- Já lhes ocorreu que eu de fato precise da ajuda dele?
- Não - responderam em uníssono.
Bem, era verdade, mas elas não sabiam disso. Aborrecida Gina disse a primeira coisa que lhe veio à cabeça:
- Têm razão. Não quero me casar com ele; só quero seduzi-lo. Elas arfaram ao mesmo tempo.
Satisfeita com a reação das matronas, ela continuou:
- E depois de conseguir, vou descartá-lo. - E fez um gesto com as mãos para enfatizar as palavras.
- Deus, isso é... - a Sra. Harrington começou a falar.
- Ridículo - completou uma voz profunda vindo da porta Drake estava parado na soleira com uma expressão grave no rosto, mas Gina vislumbrou uma contração no canto do lábio dele, denunciando seu divertimento.
As mulheres mudaram de expressão no mesmo instante colocando um sorriso falso no rosto. Antes que elas pudessem dizer qualquer coisa, ele afirmou:
-A Srta. Charles só está tentando se divertir às suas custas. E esse é o motivo pelo qual está se tratando. Ela tem tendência a fazer coisas inadequadas nas mais inoportunas circunstâncias.
Apesar de aliviada com o fato de ele estar levando a situação na esportiva, Gina o desafiou com o olhar, entretanto ele permanecia voltado para as mulheres.
- Entendo - a Sra. Biddle disse. Seu olhar, porém, não deixava claro se tinha acreditado ou não na história.
- Creio que já está na sua hora, Srta. Charles. Vamos entrar, sim?
Gina entrou na sala, não sem antes lançar um olhar complacente para as duas senhoras.
- Então, vai se aproveitar de mim? - ele brincou.
Ela sentiu o rosto corar, no entanto jamais deixaria que ele levasse a melhor.
- Quem sabe? - Ficou satisfeita com a expressão de surpresa dele. - Mais tarde, talvez. Antes, preciso falar com você.
Sentaram-se e Drake a fitou zombeteiro.
- Sinto que seus argumentos não me farão mudar de idéia. - E por que não?
- Já expliquei que o que me pede está além de minhas capacidades. Não posso me passar por apresentador de circo.
- Nem tentou - ela o acusou.
- Não preciso, sei que não sou capaz. Exasperada, Gina explodiu.
- Não entendo por que quer ajudar as pessoas. Não está à altura disso.
- O que quer dizer? - Drake perguntou erguendo a sobrancelha.
Já que nada mais adiantava, ela decidiu ser franca. - Para ajudar as pessoas, é preciso entendê-las. Você não consegue isso.
- É verdade que meus estudos ainda não foram concluídos, mas eu...
- Não é essa a questão. Precisa entrar na cabeça delas, entender o que as motiva.
- Sei disso, mas me passar por ridículo não vai me fazer conhecer melhor as pessoas.
- Falando assim deixa a entender que a minha intenção é vesti-lo com um nariz de palhaço, sapatos enormes e calças listradas ao atender seus pacientes. - Ela suspirou exasperada.
- E não é isso?
- Ora, é claro que não! Se quer atrair clientes para o consultório, precisa chamar a atenção das pessoas e não conseguiu com sua palestra enfadonha. É por isso que quero modular alguns truques do circo, mas do apresentador, não do palhaço!
-Já disse que não faz parte do meu caráter agir daquela forma. Mas acredito que você poderia me ajudar a entender as pessoas. Talvez essa fosse a abertura que precisava...
- De que jeito? - ela perguntou.
- Você costuma compreender as pessoas de uma forma que eu não sou capaz. Entendeu as intenções da Srta. Harrington naquela noite e consegue fazer com que as pessoas atendam a seus pedidos.
- Eu? - Gina perguntou surpresa.
- Sim. Convenceu-me a acompanhá-la ao circo e vejo que tem Rupert e Sasha na palma da mão.
- Isso não foi nada. Você consegue também. - Gina fez um gesto com a mão. - Só é preciso observar e entender qual é o gancho de cada pessoa.
- Gancho?
- Sim, aquilo que motiva cada um. Uma vez que você entende o que move as pessoas, pode fazer com que elas ajam de acordo com seus interesses.
- Isso não é... manipulação?
- É. Entretanto as pessoas agem assim o tempo todo, mesmo sem perceber. As crianças são ótimas nisso; conseguem o que querem dos pais.
- Acho que entendi. Então qual é o "gancho" de Rupert e de Sasha?
- Ah, isso é fácil. Em alguns minutos de conversa entenderia que Rupert é capaz de fazer quase tudo por dinheiro e Sasha adora ser adulado.
- E o major?
- Perdeu o juízo se acredita que eu tenho o major na palma da minha mão...
- Talvez eu não seja tão desatento quanto crê. - Drake sorriu. - Ele pode se fazer de durão, mas percebi que você não faz parte da lista negra dele.
- Sim, só porque entendi que a única maneira de lidar com ele é obedecer às regras sem sentido que ele estabelece.
- Então é esse o gancho - ele concluiu.
- Acho que tem razão - Gina admitiu.
- Qual é o meu?
- Se eu soubesse... - Já teria obtido sucesso e você estaria longe daqui.
- Então essa teoria do gancho não é infalível?
Nunca tinha dito que era, porém detestaria ter de admitir isso.
- Não tenho certeza - ela disse ganhando tempo, observando-o melhor. Havia uma coisa que suspeitava funcionar com Drake, mas poderia ser perigosa para ela também. - Tenho uma idéia a seu respeito.
- Acredita que encontrou uma maneira de me manipular? - Ele ergueu uma sobrancelha.
Quem sabe não era a hora de ver se estava certa? - Talvez - ela afirmou de maneira enigmática e se levantou. Como sempre agia de maneira cavalheiresca, Drake ia se levantar também, mas ela empurrou-o de volta à cadeira.
- Permaneça sentado. Deixe-me analisá-lo para ver se descubro.
Fingindo observá-lo, deu a volta na cadeira, com um dedo nos lábios e a outra mão passeando pelos ombros largos. Uma rigidez nos músculos se tornou aparente. Estava no caminho certo, pois também notou que ele apertou os olhos.
Sentiu um tremor pelo corpo ao notar o poder que tinha ficou mais audaciosa. Parou diante dele, inclinou-se e fixou o olhar, fingindo buscar algum entendimento, mas, no fundo, envolvendo-o com seu perfume.
Não sabia ao certo o que isso provocava em Drake, seu coração, porém, acelerou e os nervos estavam à flor da pele.
Ele aparentava calma, no entanto, quando ela baixou o olhar, viu que os nós dos dedos estavam brancos contra os braços da cadeira, prova de que não era tão indiferente quanto deixava transparecer. Querendo rachar aquela fachada de frieza, subiu as mãos pelo peito largo e cruzou-as atrás da nuca dele.
Ficar tão próxima a deixava sem ar. Sabia que se torturava ao mesmo tempo em que o atormentava, mas não conseguia evitar. Inclinou a cabeça e, bem perto dele, sussurrou:
- Que tal isso como gancho?
Antes que ele conseguisse responder, a porta se escancarou e Gina se viu em posição comprometedora diante de três pessoas: a Sra. Biddle, a Sra. Harrington e o major.
- Viu? Não bastava essa garota ter coagido o Sr. Manton a acompanhá-lo ao circo, agora está tentando seduzi-lo! - exclamou a Sra. Harrington.
Assustada, Gina soltou Drake.
- Não é nada disso!
Drake se levantou da cadeira e a Sra. Biddle atacou:
- Este não é o tipo de coisa que deva acontecer num hotel de respeito!
O major, todo empertigado, encarou Gina com desgosto e desapontamento.
- Srta. Charles, isso é inaceitável.
Parecia que tinha se dado mal dessa vez, e pior, não tinha idéia de como consertar o estrago.
Drake tentou interrompê-lo, entretanto o major continuou:
- Com licença, Sr. Manton, este é um assunto interno. Poderá se pronunciar mais tarde. - Voltando-se para Gina, prosseguiu: - Srta. Charles, não há desculpas para seu comportamento. Quero que saia do Chesterfield em duas horas.
- Mas...
- Duas horas! - Infelizmente a expressão do gerente era tão implacável quanto o das mulheres era vitorioso.
Acho que é isso que eu consigo tentando agir tão presunçosamente.
A realidade se abateu sobre ela como um estrondo. Tinha sido demitida. Como iria se sustentar até o próximo solstício? Pior, como salvaria Drake se não pudesse ficar perto dele?
Capítulo III
Gina não conseguiu se conter e acabou soltando um gemido. As expressões nos rostos daqueles que assistiam à cena, era demais para ela. As matronas casamenteiras com ar de triunfo; o major, implacável; e Drake, preocupado, fizeram-na girar sobre os calcanhares e sair correndo. Não conseguiria enfrentá-los, não até saber o que fazer.
Foi direto para o quarto e pegou Scruffy nos braços que, sentindo a sua agitação, se pôs a lambê-la no rosto, num gesto de conforto que só ele era capaz de fazer. Afundando o rosto no pêlo macio, ela se perguntou:
- O que faço agora?
Dispunha de apenas duas horas para sair do Chesterfield; duas mínguas horas para enfrentar o desconhecido em 1885. Não sabia o que poderia acontecer se demorasse mais do que isso, mas não queria ser alvo de escândalo.
Olhando ao redor do quarto, percebeu que não demoraria a juntar suas coisas. As duas horas agora pareciam uma eternidade... Uma série de perguntas começou a se formar em sua cabeça: para onde iria, como se sustentaria?
Uma batida à porta interrompeu seus devaneios, mas ignorou-a esperando que quem quer que estivesse do outro lado, desistisse pensando que já tinha ido embora. Scruffy, no entanto, latiu e denunciou a presença deles.
- Quem é? - Gina perguntou sem vontade.
- Esmeralda Sparrow.
Pensando bem, a governanta era a pessoa que ela precisava. Apressou-se a abrir a porta e, a julgar pela expressão no rosto da mulher, ela já sabia do ocorrido.
Esmeralda fechou a porta com suavidade e tomou-a nos braços.
- O que vou fazer com você? - a governanta perguntou com ternura.
- Não foi minha culpa - Gina conseguiu falar entre lágrimas.
- Venha se sentar - Esmeralda disse, levando-a para a cama.
Gina enxugou as lágrimas e Scruffy se aconchegou no meio delas, olhando para a dona com ar preocupado.
- Talvez não tenha culpa de tudo, mas poderia ter sido um pouco mais discreta. Esta época não é como a sua - a governanta comentou.
- Não são tão diferentes assim... - As duas velhas casamenteiras pareciam uma versão antiga da própria mãe e nunca tinha conseguido contentá-la também.
E o que isso importava agora? O passado ficara para trás... Não podia fazer nada para mudá-lo. Mas quem sabe, Esmeralda conseguisse... Olhou para a mulher cheia de esperanças.
- Pode convencer o major a me deixar ficar?
- Até poderia, dando tempo ao tempo, mas não com aquelas mulheres por perto. Enquanto elas estiverem aqui, não há nada que eu possa fazer.
- Quando irão embora?
- Não sei, elas se registraram sem data de partida.
- Talvez eu consiga fazer com que partam? Esmeralda lançou um olhar severo.
- Não conseguiu fazer isso com o Sr. Manton. O que a leva a crer que terá mais sucesso com elas?
Enquanto Drake, a presa delas, estivesse por perto, elas não se abateriam. Provavelmente só deixariam o hotel depois de uma cerimônia de casamento.
- Então o que devo fazer? - Gina perguntou.
- Posso tentar convencer o major a deixá-la ficar se prometer ficar longe dessas mulheres.
- Não posso fazer isso. Minha tarefa é salvar a vida de Drake e elas estão sempre perto dele. - Voltou-se para Esmeralda. - Alguma outra idéia?
- Ainda não, mas não se preocupe, tudo dará certo... Esmeralda lembrava Polyana, porém Gina não partilhava de sua convicção.
- Bem, até lá, onde vou ficar?
- Fez algum amigo na região?
- Como poderia se estou sempre ocupada com o trabalho ou com minha tarefa? Meus únicos amigos são os funcionários do hotel... Não posso me esconder no quarto deles sem que o major descubra. - Fez uma pausa. - Com exceção do Sr. Quinn. - O chefe da estrebaria morava num quartinho perto das baias e ela nunca tinha visto o major por aquelas bandas. - Acha que ele me aceitaria?
- Pode ser uma boa solução até algo melhor surgir - Esmeralda concluiu.
Scruffy lambeu seus dedos e ela o abraçou. As coisas não pareciam tão sombrias agora que tinha conseguido um lugar para se abrigar. Outro pensamento, no entanto, a fez voltar a ficar acabrunhada.
- E se eu não conseguir salvar a vida de Drake? Isso quer dizer que vou ficar presa no passado?
- Não necessariamente - Esmeralda foi evasiva.
- Mas você disse... - Gina fez uma pausa para se lembrar das palavras da governanta. Não sabia se ela tinha dito que para voltar teria necessariamente de salvá-lo... Lá vinha a abominada semântica de novo. Fixou o olhar na mulher. - O que quer dizer? Posso voltar para casa mesmo sem concluir minha tarefa?
- Sim - Esmeralda admitiu, não sem antes encará-la com certa desaprovação.
- Como? Com relutância, a governanta explicou:
- Os mesmos acontecimentos que a trouxeram para cá podem levá-la de volta para o futuro.
De volta para o futuro? Uma visão de Michael J. Fox correndo numa missão de resgate em seu DeLorean passou pela cabeça de Gina. Sacudiu-a para se livrar da imagem; aquilo não passava de um filme.
- Disse que posso voltar no próximo solstício, mas como? - Lembrando-se que Esmeralda costumava informar bem pouco, resolveu ser mais específica. - O que, exatamente, preciso fazer?
- Isso depende. O que disparou sua viagem para cá?
- Não sei. Num minuto estava ajoelhada em meio a ruínas ao lado de um fantasma e no instante seguinte era você quem estava no lugar dele.
- Deve haver alguma coisa... - Esmeralda insistiu. - O que fazia naquela hora? Estava tocando algum objeto?
Gina rememorou os acontecimentos. Tinham entrado no hotel em ruínas e encontrado algo...
- Um baú! Eu estava vasculhando um antigo baú de enxoval. - Como tinha se esquecido daquilo? - Tinha belos entalhes e iniciais. Deixe-me ver, eram... - Ela parou e encarou a governanta. - Eram as suas iniciais, não é mesmo?
Esmeralda a fitou com um ar sereno e Gina reagiu com desgosto:
- Era o seu baú! É culpa sua... Você me fez vir para cá!
- Não foi o baú - Esmeralda respondeu com calma, mas Gina notou que ela não negava as acusações. - Foi algo dentro dele que a fez vir para cá. Algo que tinha um significado só para você. O que foi?
- Você não sabe? - Gina perguntou incrédula.
A governanta continuou a observá-la com expressão impassível que não revelava nada.
- A pergunta é: você sabe?
Gina suspirou, sabia que não conseguiria nenhuma informação dela.
- Só um monte de bugigangas... - Então se lembrou de algo que chamara sua atenção. - A arma. Encontrei uma pistola de duelos derretida.
- E o que aconteceu quando a tocou?
- Eu me senti tonta. Isso! Foi a pistola que me fez voltar no tempo. -Virou-se para Esmeralda animada. - Quer dizer que só preciso encontrar a arma e ela me mandará de volta?
- Sim - a governanta admitiu com óbvia relutância. - Mas só se a tiver em mãos no solstício.
Droga! Precisava ainda esperar alguns meses... E ainda tinha de encontrar a pistola.
- Está bem. Onde ela está? No seu baú?
- Ainda não.
Que diabos ela queria dizer com isso?
- Onde, então?
- Não sei.
Gina, incrédula, a encarou.
- Não mesmo! - Esmeralda exclamou com um leve sorriso. - Sei que acabará dentro do meu baú, mas não sei onde está agora. Isso é você quem tem de descobrir.
Gina lembrou-se de mais uma coisa.
- Drake, quero dizer, o fantasma dele também ficou atraído pela arma. Será dele?
- Pode ser. Ou talvez haja algum outro motivo para o fantasma tê-la reconhecido.
Impaciente demais para tentar entender mensagens criptografadas, Gina resolveu se concentrar no que de fato sabia:
- Se eu segurar a pistola no próximo solstício, volto para a minha época mesmo sem ter salvado Drake?
- Sim, mas tem mesmo a intenção de deixá-lo morrer?
- Claro que não, se eu conseguir evitar. - Não seria capaz disso; se afeiçoara a ele nesse meio tempo. - O que posso fazer agora que o major me mandou embora? E o mais importante, como encontrarei a pistola?
Antes que Esmeralda pudesse responder, ouviram outra batida à porta. Bridget OTüley, a filha do porteiro, colocou a cabeça dentro do quarto e avisou alegremente:
- O major quer vê-la, Gina.
Provavelmente ele só queria se certificar que estava de partida.
- Pode esquecer, não vou até lá. - Não tinha intenção alguma de ser expulsa com um pontapé no traseiro.
Esmeralda, no entanto, levantou-se e estendeu a mão.
- Venha, essa pode ser a oportunidade que esperávamos. Gina não queria ter esperanças, mas a governanta parecia tão serena e coisas estranhas ocorriam ao redor dela, então decidiu acompanhá-la e ver o que aconteceria em seguida.
- E quanto a Scruffy? - Não queria arriscar a ira do major levando-o consigo.
- Fico com ele para você - Bridget ofereceu e levou uma lambida no rosto.
Ainda relutante, Gina seguiu a governanta até o escritório do gerente. Lá dentro, o major estava de pé, empertigado, começou a falar de maneira desajeitada:
- Srta. Charles. Acho que eu lhe devo desculpas.
- Deve? - Essa era a última coisa que esperava ouvir.
- Sim. O Sr. Manton explicou a situação.
- Explicou? - Gina sentiu-se uma tola por continuar a repetir o que ele dizia, porém não sabia o que fazer. Até pensou em pedir explicações, mas um puxão de Esmeralda a fez entender que era melhor ficar calada.
- O Sr. Manton explicou que o estava ajudando a melhorar as palestras e no seu tempo livre.
Ainda não tinha conseguido aquilo, mas achou prudente o major não saber desse detalhe.
- Ele se desculpou por se aproveitar de seu tempo livre e se prontificou a recompensar o resort pelos seus serviços futuros - ele concluiu alisando o bigode.
Gina estava curiosa em saber como Drake explicara a posição comprometedora em que foram flagrados, porém achou melhor não perguntar isso ao homem.
- O que está tentando dizer, senhor? - Esmeralda inquiriu. O major cruzou as mãos atrás das costas e balançou o corpo.
- Estou readmitindo a Srta. Charles, entretanto em outra função.
- Qual seria ela? - Gina perguntou. - Limpar o estábulo? Beijar os pés de Sasha?
- Nada disso. Será a secretária pessoal e ajudante geral do Sr. Manton, auxiliando-o nas palestras.
Gina respirou fundo. Mal podia acreditar que tinha conseguido o emprego que queria. Era tudo o que precisava para alcançar seu objetivo.
- Obrigada! - Não tinha palavras para expressar a alegria que sentia.
- Sob uma condição.
Estava certa de que aceitaria qualquer imposição.
- O hotel não tolera qualquer atitude imprópria por parte dos funcionários. Portanto, será acompanhada todas as vezes que estiver com o Sr. Manton.
- Acompanhada? - O entusiasmo que sentia diminuiu um tanto. - Por quem? - Não aquelas galinhas velhas, por favor, por favor..., ela pensou.
- A Srta. Biddle e a Srta. Harrington estarão com vocês o tempo inteiro. As mães já foram consultadas e concordaram.
Então seriam somente as franguinhas...
- Está certo - Gina concordou porque sabia que conseguiria lidar com elas.
- E lembre-se, ao mínimo deslize está dispensada, dessa vez para sempre - o major avisou.
- Vou me comportar, prometo. - Só mais uma minúscula infração, Gina pensou sorrindo.
Perto da meia-noite Drake desistiu de tentar dormir. Os acontecimentos do dia continuavam a atormentá-lo. Primeiro a tentativa de sedução de Gina, o flagrante, depois a demissão dela e em seguida a sua campanha para que o major a readmitisse; tudo isso era o bastante para deixar qualquer um desassossegado.
Acendeu a luz na cabeceira e pegou um livro pensando que a leitura poderia acalmá-lo e chamar o sono. Mal tinha acabado de abri-lo quando ouviu um barulho na janela. Afastou a cortina e deu de frente com Gina. Levantou o vidro para que ela percebesse o seu aborrecimento.
- Que diabos está fazendo aqui? - Ela estava prestes a desfazer seu árduo trabalho.
- Deixe-me entrar e eu explico - ela sussurrou. Como ele hesitava, ela completou: - Rápido, não quero que ninguém me veja.
- Será pior se a encontrarem em meu quarto.
- Só se me pegarem, o que é menos provável se eu estiver ai dentro.
Drake recuou, dando-lhe passagem, e ela entrou. Nem pensou em ajudá-la para não criar mais problemas ao tocá-la.
- Nossa, está quente aqui dentro! - ela exclamou e tirou a capa, revelando a camisola.
Drake a observou incrédulo.
- Está tentando nos expulsar do hotel?
- Claro que não, por que pergunta?
- Por que está no meu quarto com sua roupa de dormir?
- Precisei esperar até que todos se deitassem e não queria perder tempo me trocando de novo - ela respondeu de maneira prática. - Além do mais, essa coisa folgada revela muito menos do que meu uniforme. O que há de errado com isso?
Ela fazia as coisas parecerem tão simples, mas o fato de vê-la vestida daquele jeito invocava imagens de cabelos espalhados na cama, o rosto ardente de desejo. O material fino que revelava o contorno do corpo curvilíneo contra a luz do luar não ajudava em nada.
Com os primeiros sinais de excitação aparecendo, Drake desviou os olhos e compreendeu que discutir com Gina não levaria a parte alguma. Em vez disso, seria melhor deixá-la falar de uma vez. Antes, no entanto, precisava tirá-la da frente da janela.
- Se não quer ser descoberta, seria melhor sair daí - ele sugeriu. - Sente-se.
Em vez de ir para a cadeira, Gina sentou-se na beira da cama onde a luz da noite caía conferindo-lhe um brilho prateado.
Drake suprimiu um gemido. Aquilo não melhorava em nada a situação, como seu corpo o deixou saber. Livre e desimpedida sob o cetim do roupão, a ereção surgiu com força total. Virando-se de costas, ele apagou a luz e ajeitou a roupa na esperança do esconder as evidências de sua excitação.
- O que é tão importante que a fez me procurar no meio da noite?
- Eu... Queria pedir a sua pistola emprestada. Aquela era a última coisa que esperava ouvir.
- Não tenho uma pistola - respondeu surpreso.
- Era o que eu temia. - Ela suspirou.
- Por que precisa de uma?
- Não preciso, é que... bem, não é nada. O que quero mesmo é agradecer - Gina murmurou com suavidade.
Aquele tom gentil e suave não pertencia a Gina que ele conhecia, o que o deixou ainda mais surpreso.
- Agradecer? Por quê?
- Por convencer o major a me deixar ficar. Ele me contou o que você disse.
Drake se mexeu pouco confortável.
- Era o mínimo que eu podia fazer depois de causar a sua demissão.
Ela inclinou a cabeça e perguntou com ar maroto:
- Como explicou a nossa... posição comprometedora?
Ela tinha de lembrá-lo daquilo? Deu de ombros tentando fazer pouco, mas a verdade era que teve de pensar rápido para convencer o major que as ações deles estavam acima de qualquer suspeita.
- Só expliquei que estávamos experimentando uma técnica de mesmerismo.
- Uma na qual a paciente praticamente fica sentada em eu colo? - Ela sorriu. - Como conseguiu?
Ele sorriu e confidenciou:
- Com um ar afetado e uma explicação longa repleta de ermos científicos sobre a eficácia da proximidade física na manipulação do campo energético do paciente. - Só esperava que o gerente não pesquisasse os termos inventados.
- Viu, sabia que você era talentoso... Bem, o que eu queria mesmo era agradecer, e como estaremos acompanhados de agora em diante, sabia que não teria outra oportunidade.
- Não foi nada. Agora é melhor ir embora antes que alguém nos escute, conte ao major e ele que venha investigar. - E antes que eu cometa uma bobagem cedendo aos meus impulsos. Gina se levantou.
- Está bem, mas antes só tenho mais uma pergunta... Por que de fato, me ajudou?
- Me senti responsável, já disse.
- Então mentiu para o major, fez com que eu me tornasse sua ajudante numa coisa que vem evitando a todo custo e concordou em ter duas jovens caçadoras de marido ao seu lado o tempo todo... só para me ajudar?
- Bem, sim, mas... Não foi um gesto tão nobre quanto... Antes que ele concluísse, Gina se jogou em seus braços, abraçou-o e deu um sonoro beijo em sua face.
- Obrigada. Jamais alguém fez algo semelhante por mim. Jamais - ela repetiu com lágrimas nos olhos.
- De nada - ele respondeu fraco. Precisava desvencilhar-se, mas a sensação do corpo feminino de encontro ao seu e a expressão de adoração no rosto de Gina eram demais para ele. Viu-se trazendo-a para perto, querendo segurá-la, confortá-la... - Ninguém nunca a tratou com gentileza antes? - Perguntou na esperança de que ela não notasse a ereção túrgida contra as coxas dela.
Recostando a cabeça no ombro dele com um suspiro, ela revelou:
- Ultimamente, não.
Aquela simples confissão despedaçou o coração de Drake. Gina era tão vibrante, vivaz, adorável, que ele se surpreendia pelo fato de ela não estar casada e ter um punhado de filhos.
- Não tem ninguém? Família... um noivo?...
Ela afastou uma lágrima e o encarou com os lábios trêmulos.
- Meu pai faleceu há alguns anos e minha mãe... Bem, podemos dizer que não nos damos muito bem.
- E um homem? - Drake insistiu. - Não posso crer que não haja alguém a sua espera.
- Estive noiva por um tempo. - Ela comprimiu os lábios. - Mas encontrei Jerry, o salafrário, se divertindo com minha... minha melhor amiga.
Não era de admirar que ela se sentisse abandonada. Trazendo-a para junto de si, ele perguntou:
- E o que você fez?
- O que poderia ter feito? Fugi, oras... - disse aninhada no ombro dele.
- Parece que tem o costume de fazer isso - ele murmurou enquanto um canto do seu cérebro gritava que ele não conseguiria deter a mão que corria pelas costas suaves dela. Sem nem perceber, parou na curva acima das nádegas.
Gina se afastou ligeiramente e o fitou ao enlaçá-lo pelo pescoço.
- Não estou fugindo agora. - Enfatizando as palavras, ela comprimiu o quadril contra a ereção pulsante.
Drake gemeu pela agonia que o simples gesto provocou. Queria confortá-la, demonstrar como ela era desejável, apagar as lembranças do noivo cafajeste... Mas se afastou.
- Não podemos fazer isso.
- Por quê? - Gina perguntou, segurando-o pelo quadril e trazendo-o de volta. - Porque não sou da sua classe? Porque não sou uma "boa" moça como essas garotas que vivem babando atrás de você?
O roupão dele se abriu com o movimento e a única coisa que os separava era o tecido fino da camisola.
- Não! Porque você é uma boa moça! Como... como posso me perdoar se eu tirar a sua... - Parou de falar, incapaz de pronunciar as palavras apesar da franqueza dela.
- Se é isso que o incomoda, não se preocupe. Jerry já tomou providências a esse respeito. Agora, se não tem mais objeções...
Gina desceu a mão para segurar o membro ereto com firmeza, fazendo Drake derreter por dentro, enfraquecendo-lhe os joelhos e deixando-o mais duro de desejo.
Ele deu um passo para trás, recostando-se na parede com o roupão todo aberto, deixando à mostra o poder que Gina tinha sobre ele.
Ela se aproximou para envolvê-lo novamente, afagando-o e despertando sensações indescritíveis.
- Ainda quer que eu saia? - perguntou com doçura.
O choque do ataque determinado subjugou-o, até que se viu diante do olhar vitorioso dela.
- Não - ele sussurrou. Porém, se ela ia ficar, as coisas tinham de prosseguir de maneira um pouco diferente.
Desvencilhou-se do roupão e alcançou a camisola, suspendendo-a por cima da cabeça de Gina e, assim, revelando o corpo desnudo à luz do luar.
Ela intimidou-se e tentou cobrir a nudez. Drake, contudo, afastou-lhe as mãos para se deleitar com a visão dos seios fartos, das curvas generosas, dos lugares misteriosos ocultos entre as coxas torneadas.
- Não se esconda de mim - pediu.
- Sou gorda demais. - Ela se retraiu.
- Bobagem. Quem disse isso? Jerry? - Ao vê-ia assentir, continuou: - O homem é um asno. Você não é gorda, é... - Ele parou em busca das palavras certas. - É macia, suculenta, deliciosa... Como toda mulher deveria ser.
Devia ter dito as coisas certas, pois a expressão de Gina se suavizou, e a chama do desejo em suas faces tornava-a ainda mais bela. Revigorada, esticou-se para tocá-lo. - Não. Agora é a minha vez - ele afirmou. Com carinho, espalmou os seios dela, a razão de muitas noites mal dormidas, e massageou-os até que os bicos intumescessem. Ela gemeu e o coração dele exaltou com o conhecimento de ser capaz de agradá-la.
Drake soltou um seio por um breve momento para substituir a mão pela boca e saboreá-lo. Circundou o mamilo com a língua e sugou-o com suavidade enquanto continuava a massagear o outro.
Os tremores no corpo de Gina asseguravam-no de que ela sentia tanto prazer quanto ele. Satisfeito com as reações, caminhou para a cama, segurando-a com ternura até deitá-la no colchão. Em seguida, retomou as investidas, saboreando cada parte do seu corpo: o pescoço, o queixo, a boca, os seios novamente, até deixá-la trêmula, pronta para recebê-lo.
Só então afastou as coxas e, sentindo a fragrância do desejo feminino, deslizou a mão pelo ventre liso até encontrar os pêlos macios e colocou um dedo dentro da umidade convidativa.
Gina choramingou, abriu ainda mais as pernas e tentou afagá-lo, mas ele evitou o toque dela mais uma vez enquanto a acariciava intimamente, roçando o ponto que provocava mais prazer. O movimento ritmado provocou um grito de êxtase e espasmos de prazer nela.
À beira do descontrole provocado pelo gozo de Gina, Drake não conseguiu mais se deter. Posicionou-se e quando ela se abriu em sinal de rendição absoluta, penetrou-a.
Gina era quente, macia, receptiva... Drake parou um instante para se certificar de que ela estava bem e, notando apenas aceitação e desejo, começou a se movimentar. Para sua surpresa, ela também o acompanhou, levando-o cada vez mais fundo. Em instantes, parou de pensar, deixando-se apenas sentir, mergulhar no calor do corpo dela. Ondas de prazer se avolumavam, levando-o cada vez mais alto até que atingiu o ápice e ouviu os gritos de Gina ao mesmo tempo em que se permitiu mergulhar num turbilhão de prazer.
Exausto, deixou-se cair, sentindo nada além de paz, plenitude e carinho pela mulher ao seu lado. Ao fitar os olhos lânguidos, uma pergunta impulsiva escapou-lhe dos lábios:
- Quer se casar comigo? Gina ficou estática.
- Ficou maluco? - Pulou da cama, pegou a camisola e vestiu-se.
Espantado, Drake também se ergueu para encará-la. Era a primeira vez que pedia uma mulher em casamento e, por certo, esperava uma reação diversa. Só Gina mesmo para agir de modo tão inesperado.
- Qual é o problema?
- Acabei de escapar de um casamento. O que o faz pensar que estou pronta para tentar novamente?
O fato de eu ser dez vezes mais homem do que esse Jerry talvez? Lançando mão de algo mais convencional, afirmou:
- É o costume depois do que acabamos de fazer. - E indicou a cama.
- Não é, não, de onde venho. E onde seria isso? ele se perguntou.
- E se um bebê resultar de nossos atos?
- Não se preocupe, isso não é provável - ela assegurou ao colocar a capa. - A minha injeção de Depo Provera deve estar valendo ainda...
Com a nítida impressão que falavam dois idiomas diversos, Drake disse:
- Não tive a intenção de insultá-la. - Pelo contrário. - Estou tão horrendo assim?
- Claro que não. - O olhar dela varreu o corpo ainda nu. - Sabe que é lindo. É que... bem... não consigo explicar.
- Está relacionado com o fato de querer que eu saia do hotel?
Gina passou uma perna sobre o peitoril da janela.
- Mais ou menos. - Ela foi evasiva.
- Como assim? - Ele insistiu.
- Já disse que explicarei tudo depois da próxima palestra.
- Por que não agora?
- Porque não. - Como se isso fosse um bom motivo, ela passou a outra perna e saiu pela janela.
Drake colocou a cabeça para fora para tentar obter mais informações, entretanto já era tarde. Gina corria, acenando com a mão em despedida.
Atordoado, ele fechou a janela. Devia estar aborrecido por ter sido rejeitado. Porém, por mais estranho que pudesse parecer, não estava. Sorriu, pois só conseguia se lembrar de uma coisa: ela acha que sou lindo.
Gina não queria levantar na manhã seguinte, mas Scruffy precisava sair. Colocou então a capa sobre a camisola e deixou-o passar pela porta lateral, pedindo desculpas mentalmente ao jardineiro pelo que o bichinho faria em seguida.
Enquanto esperava que ele terminasse seu serviço, a mente vagou para os últimos acontecimentos. Não tinha ido ao quarto de Drake para fazer amor; só queria agradecer o que ele havia feito. Mas uma coisa levou à outra... e à outra... até que ela vivenciou um dos momentos mais memoráveis de toda a sua vida.
Sentiu-se desejada, atraente... querida. Bem diferente de quando estava com Jerry. Com ele era fazer e se mandar. Dessa vez quem agira assim fora ela. Não teve alternativa, porém, pois se sentiu tão sobressaltada com emoções contraditórias que não conseguiu continuar diante de Drake.
Estava surpresa por ter sido pedida em casamento, entretanto logo entendeu que ele fizera o pedido por terem acabado de fazer amor. Era como os homens da época reagiam. No entanto, essa não era uma boa base para um casamento. Além do mais, não ficaria por perto por muito tempo. Tudo o que planejava fazer era salvar a vida de Drake, encontrar a pistola e voltar para casa em 22 de dezembro.
Voltar para o quê? Perguntou uma vozinha em seu coração. Ignorou-a. Talvez não tivesse muito para o que voltar, mas um lar era sempre um lar... e era lá que ela devia estar.
Depois que Scruffy voltou, seguiram para o quarto e ela teve esperanças de poder voltar para a cama por mais um tempo, mas assim que puxou as cobertas ouviu a campainha da manhã.
Levantou-se novamente e encarou o uniforme com desprezo. Com a "promoção", o major permitira que abandonasse o vestido cinza. Entretanto, o que ele considerava um favor, para ela era uma desgraça. A saia azul era mais quente e requeria a odiosa anquinha.
Brigou com a roupa, e por fim conseguiu chegar a tempo para a vistoria. Lá encontrou Esmeralda que a encaminhou para o consultório de Ziegler. Depois de alimentar Scruffy, decidiu levá-lo consigo a fim de ter um pouco de apoio moral.
Vacilou ao se deparar com Drake diante do consultório. Ele estava lindo, e acabou se lembrando das coisas maravilhosas que tinham feito na noite anterior.
O que se diz a um cavalheiro tão bem apessoado na vez seguinte em que se encontram depois de fazer "aquilo"?
- Bom... dia! - ela gaguejou.
Não era nada brilhante, mas pelo menos era educado.
Percebeu quando um canto da boca de Drake se ergueu ao retribuir o cumprimento.
Um resmungo de advertência do outro lado do cômodo chamou sua atenção e ela se virou, ficando de frente às duas matronas, às filhas e ao gerente, todos com diferentes graus de reprovação nos olhos. Deus, como não os tinha percebido?
Não se admiraria se o resmungo tivesse vindo da Sra. Biddle, no entanto era a pequinesa nos braços dela que rosnava para Scruffy. Era só o que faltava: ter de apartar uma briga de cachorros no seu primeiro dia nas novas funções bem diante do major.
A Sra. Biddle fungou e falou olhando para um ponto acima da cabeça de Gina:
- Devo dizer que não aprovo este arranjo. Mas, visto que o major Payne acredita ser necessário, eu concordo.
- Eu não - redargüiu a Sra. Harrington. - Acredito que seja melhor eu ficar. Não pretendo deixar minha doce Chloe à mercê de influências malévolas. Gina empertigou-se e imediatamente decidiu corromper as duas donzelas, no entanto, antes que pudesse expressar qualquer reação, Drake pigarreou, chamando a atenção para si, e lançou um olhar penetrante na direção do major.
O gerente entendeu de pronto o olhar e se pronunciou: - Esse não foi o combinado. Decidimos que as moças seriam companhia uma da outra. Cozinheiras em demasia entornam o caldo. - Fez um gesto para a saída. - Por favor, senhoras.
O gerente saiu e as mulheres não tiveram alternativa a não ser segui-lo. A Sra. Biddle ainda cochichou alguma coisa no ouvido da filha antes de se retirar.
Todos suspiraram aliviados depois disso, e Letty ainda tentou explicar:
- D-desculpem por isso - ela gaguejou muito embaraçada. - Mamãe tem boas intenções, mas ela acha que eu... Bem, não sei... De fato não quero...
Visto que a moça parecia incapaz de concluir uma sentença, Gina veio em seu auxílio. Virando-se para Drake, disse de maneira direta:
- O que Letty está tentando dizer é que a mãe quer jogá-la em seus braços, mas ela não está interessada em se casar com você.
Drake lançou um olhar gélido em sua direção, porém Gina deu de ombros. Não entendia como as pessoas daquela época conseguiam se comunicar com tantos rodeios.
- Estou certa, Letty?
A moça assentiu e tentou continuar:
- Sim, eu tenho... quero dizer, há um rapaz...
- Ah, está apaixonada?
Letty voltou a concordar, ficando ainda mais corada.
Gina suspeitava que houvesse mais por trás daquela história, talvez a mãe não o aprovasse, mas não queria mais interpretar as meias sentenças da moça porque a pobre já tinha se envergonhado o bastante num único dia. Deixando-a em paz, virou-se para Chloe:
- E quanto a você? Quer se casar com o Sr. Manton?
- Não. - Ela deu uma risadinha. - Não quero me casar com ninguém. Pretendo ser uma escritora famosa e organizar saraus de causar inveja no meio literário.
- Ótimo. Agora que sabemos que nenhuma de nós tem intenção de casar com o Sr. Manton, podemos relaxar e continuar a ajudá-lo com as palestras.
Chloe e Letty deram risadinhas nervosas, e Drake se divertiu. Levantando uma sobrancelha, ele disse:
- Ninguém me perguntou se eu quero me casar com alguma de vocês.
Gina lançou um olhar de advertência para que ele se lembrasse de que estavam acompanhados e que aquela não era a hora de discutir aquele assunto.
- Quer? - Chloe perguntou.
Gina prendeu o fôlego, na esperança de que Drake não se atrevesse a responder.
- Claro que sim - ele respondeu, adorando o pânico no rosto de Gina. - Estou certo de que todas vocês seriam esposas adoráveis.
- Não deixe mamãe ouvi-lo falar assim. - Chloe deu uma de suas risadinhas.
Gina lançou um olhar fulminante na direção dele, mas Drake nem se perturbou. Ficara um pouco balançado com a recusa dela, contudo não era o tipo de homem que corria atrás das mulheres. Em Boston era considerado um solteiro cobiçado. Ser descartado sem nem mesmo um agradecimento o magoara um pouco. A vida nunca seria enfadonha perto de Gina, pois um homem poderia passar anos ao lado dela, desvendando seus mistérios sem se aborrecer.
O fato de ela tê-lo rejeitado com tanta veemência lhe deu uma idéia. Poucas coisas pareciam importunar a moça como o pedido que fizera. Teria de encontrar um modo de usar isso a seu favor.
- Que tal começarmos? - Gina propôs. - Está um pouco apertado aqui, não? - Olhou ao redor.
Drake riu consigo. A maioria das mulheres se aproveitaria da noite anterior, mas Gina só queria colocá-lo para trabalhar. Pensando nisso, retirou uma chave do bolso.
- Tomei a liberdade de pedir a chave do auditório, já que ele fica vazio na maior parte do tempo. Vamos?
- Grande idéia - ela elogiou. Seguiram para lá e Drake começou a vislumbrar no que se metera. Sua única intenção tinha sido ajudá-la a manter o emprego, e lá estava ele, preso a três mulheres e um cachorro... Todos com a intenção de ajudá-lo.
Chegando ao auditório, Gina os posicionou com a eficiência de um general. Fez Drake colocar cadeiras no palco e pediu que as moças se sentassem nelas em vez de na platéia; elas aquiesceram mesmo a contragosto.
-Andei pensando sobre a sua última palestra. O problema é que você fala demais e o público não se convencerá a menos que mostre como o mesmerismo funciona. Portanto, o que preciso saber em primeiro lugar é como usa a técnica. Para tal, nada melhor do que uma bela garota, não é mesmo?
- Ficaria muito feliz em demonstrar meus métodos em você. - Ele sorriu.
- Boa tentativa, mas não me referia a mim mesma. Temos duas "cobaias" em potencial bem aqui. - Voltou-se para Letty e Chloe, que desviaram os olhos. Chloe deu um risinho nervoso; Letty enrubesceu e gaguejou:
- Não acho que... m-mamãe n-nunca...
- As mães de vocês não gostariam de ajudar o Sr. Manton com a palestra? - Gina perguntou.
As moças trocaram olhares incertos e Drake observou tudo, divertido. Elas ainda não tinham percebido, mas estavam condenadas. Quando Gina colocava uma coisa na cabeça...
- Não tenho certeza... - Chloe respondeu. Gina se virou para ela, sentindo uma brecha.
-Pense em como sua mãe ficará extasiada quando disser que você o ajudou na demonstração. - Fez uma ligeira pausa para que ela pensasse. - E o Sr. Manton poderá ajudá-la. Vejamos, disse que gostaria de ser uma escritora e anfitriã famosa um dia, não?
- Sim - Chloe respondeu com entusiasmo e Drake soube que a moça tinha sido fisgada. - Exatamente como a Sra. Drummond em nossa cidade. Todos anseiam por receber convites de seus saraus literários. Quero ser como ela.
- E o que sua mãe acha disso? - Gina perguntou. O entusiasmo da moça arrefeceu visivelmente.
- Ela diz que sou boba demais, pois sempre dou risadinhas quando estou nervosa.
Gina lançou um olhar de vitória na direção de Drake.
- Acredito que o Sr. Manton possa ajudá-la nesse caso, não é mesmo?
- Sim, creio que sim.
Gina levou a moça para a cadeira no centro do palco e Drake, tentando acalmá-la, assegurou com um sorriso:
- Não se preocupe, isso não vai doer nada.
Não estava acostumado a trabalhar com pessoas assistindo, por isso não estava bem certo como deveria agir. Por fim, decidiu ignorar as outras mulheres e se concentrou na moça diante dele.
- E bem simples... - Ele começou a falar.
- Espere - Gina interrompeu. - Está de costas para a platéia. Eles precisam ver vocês dois. - Foi até eles e ajustou-os até ficar satisfeita, depois voltou a se afastar.
Com a concentração quebrada, Drake tentou mais uma vez ignorá-las e voltou-se para Chloe.
- Como eu estava dizendo, é um procedimento bem simples. - Explicou que a colocaria num estado de semi-consciência e que faria sugestões que a ajudariam a se portar como a Sra. Drummond.
Chloe já se mostrava ansiosa por participar e assentiu impaciente.
Drake levantou um dedo e pediu que ela se concentrasse nele.
- Espere! - Gina exclamou de novo.
- O que foi agora? - Drake a encarou.
- Não tem nada mais dramático para usar, como um cristal ou um espelho que gira?
Detestando ter de romper o contato que tinha estabelecido com Chloe, ele pediu licença e pegou Gina pelo braço, levando-a para um canto. Com voz baixa, disse:
- Não consigo trabalhar assim. Interrupções contínuas só fazem atrapalhar a harmonia que consegui com a paciente.
- Mas preciso assisti-lo para que se apresente melhor.
- Não tem de fazer isso enquanto a sessão está em progresso. Por que não olha e só depois discute as minhas técnicas?
Gina ficou aborrecida por perder o controle da situação, porem concordou.
- Tente se lembrar, no entanto, que tem uma platéia para convencer, certo?
Ele assentiu, pois sabia que a intenção dela era ajudá-lo. Voltou para diante de Chloe e restabeleceu o contato. Não tinha nada do que Gina havia sugerido, mas lembrou-se de uma técnica de muito efeito e mexeu as mãos num movimento ritmado diante da moça enquanto mantinha o olhar fixo nela.
Chloe mostrou-se uma ótima paciente, pois logo passou para o estado de consciência desejado. Drake informou que ela não precisava ficar nervosa e que, por isso, não precisaria rir à toa. Então fez uma pausa; como poderia infundir confiança nela e, ao mesmo tempo, fazer o tipo de apresentação que Gina tinha em mente?
Acreditando ter a resposta, chamou Letty e Gina e disse a Chloe que se portasse como uma anfitriã confiante tal qual a Sra. Drummond. Ela deveria se imaginar num sarau e tratar a todos os que estavam no palco como seus convidados até que ele dissesse a palavra "basta".
A mudança em Chloe foi visível. Deixou de lado a incerteza e as risadinhas e se tornou uma moça confiante e equilibrada. Virando-se para Gina, estendeu a mão para cumprimentá-la e disse:
- Como vai minha querida? Que bom que pôde vir. - Virando-se para Letty, continuou: - Que prazer em vê-la, Srta. Biddle.
Letty gaguejou e enrubesceu, mas Chloe deu uns tapinhas reconfortantes em sua mão.
- Não há motivo para timidez, minha querida. Estamos entre amigos. Venha se sentar e conhecer as outras pessoas. - Depois, virando-se para Drake, prosseguiu: - Sr. Manton! O nosso convidado de honra. - Estendeu a mão e levou-o para o "sarau" com um olhar especulativo. - Fará muito sucesso entre as garotas... Venha, deixe-me apresentá-lo.
Contente com o sucesso de sua sugestão, seguiu-a e deixou-se apresentar a Gina e Letty.
Vendo Scruffy ao lado de Gina, a moça perguntou:
- E quem é este cavalheiro?
Letty suprimiu uma risada, porém Gina, sempre sem per der a compostura, afirmou:
- Este é meu... primo. Sir Reginald Scruffington Terceiro Ele veio a passeio.
- Que encanto! - Chloe exclamou quando Scruffy deu a pata. - Está gostando de nossa cidade?
Percebendo que a moça se dirigia a ele, Scruffy latiu. Chloe pareceu um tanto desconcertada, contudo não perdeu a pose.
- Ah, sim, entendo - murmurou.
Drake, contente com o rumo da demonstração, achou que já haviam feito o bastante em uma sessão.
- Basta. - Antes de retirar Chloe totalmente do estado hipnótico, completou: - Quando eu estalar os dedos, a senhorita sairá do transe e se lembrará de tudo o que fez. Pronta?
Ele estalou os dedos e Chloe piscou, depois levantou dedos trêmulos para os lábios.
- Oh, Deus! Aquela era eu mesma?
- Pode estar certa que sim - Drake respondeu com um sorriso. Era sempre gratificante quando conseguia ajudar alguém.
- Isso quer dizer que serei capaz de agir assim de agora em diante?
- Ainda não. Quanto mais sessões se submeter, melhor será seu desempenho.
O sorriso radiante da moça foi sua gratificação. Fazia bem à sua alma ajudar uma jovem que o lembrava de sua querida irmã. A expressão de Chloe mostrou incerteza quando perguntou:
- Mas quem era o cavalheiro com a tosse terrível? Letty riu e apontou para Scruffy.
- Ele. Sir Reginald Scruffington.
- Terceiro! - Drake completou e todas se puseram a rir.
- Disse para que eu me dirigisse a todos como convidados ela se desculpou, admirada. - E se consegui ver um homem no lugar de um cachorro, creio que o senhor seja um mesmerizador de fato. Animado com o sucesso, Drake se virou para Gina que afirmou:
- Se conseguir fazer esse tipo de apresentação, e torná-la divertida, quem sabe com um pouco mais de animação, poderá convencer a todos na platéia. Ela continuaria com aquilo?
- Não sei... Um pequeno sucesso...
- Agora é a minha vez? - Letty interrompeu animada. Gina lançou um olhar do tipo "eu te disse" e instigou:
- Por que não?
- A Srta. Harrington foi fácil, já que sabíamos do que ela precisava, mas... - Drake pareceu incerto.
- É óbvio com Letty também, não? - Gina interrompeu. - Ela quer enfrentar a mãe, concluindo uma frase sem se envergonhar. Não é isso, Letty?
A moça, como era de se esperar, corou.
- Sim, quero dizer, se puder...
Não poderia deixar passar a oportunidade de ajudar mais uma pessoa, por isso Drake concordou e Letty ficou radiante.
Ela entrou no estado de semi-consciência com tanta facilidade quanto Chloe, e Drake a levou a enfrentar a mãe, representada por Gina, de maneira respeitosa, porém direta.
Quando a trouxe de volta, ela imediatamente levou as mãos às faces quentes sem acreditar no que fora capaz de fazer. Virou-se para Drake e perguntou:
- Se eu tiver mais sessões... eu... eu... Quero dizer, mamãe...
- Sim - Drake assentiu, interpretando as dúvidas dela.
- Então, temos duas excelentes candidatas para a apresentação. Qual usaremos? - Gina perguntou.
Letty e Chloe trocaram olhares; obviamente as duas queriam participar, mas eram educadas demais para pedir. Drake resolveu o impasse, dizendo:
- Por que não as duas? Seria ainda mais convincente com duas demonstrações. Isso se as mães autorizarem, é claro.
O entusiasmo das moças arrefeceu.
- Oh, não sei... - Chloe meneou a cabeça.
- Mamãe jamais permitirá - Letty afirmou.
- Claro que elas deixarão - Gina interrompeu-as. -Tudo o que precisa fazer, Letty, é dizer a ela que se não concordar, só Chloe participará. E você faça o mesmo, Chloe. Verão como elas não se negarão a ajudar o Sr. Manton.
Animada novamente, Chloe disse:
- Vamos, Letty. Vamos perguntar a elas.
E as duas saíram correndo, deixando-os a sós.
- Estou impressionada - Gina comentou. - Conseguiu ajudá-las de verdade.
- Obrigado. Bem, agora é a sua vez? - Quem sabe ao tê-la sob controle, não descobriria o motivo de ela querer vê-lo pelas costas.
- Nem pensar. - Gina sorriu. - Além do mais, no meio da animação, elas se esqueceram que tinham de ficar para nos fazer companhia.
Drake olhou para o cachorro aos pés da dona.
- Ainda temos a companhia de sir Reginald.
- Não acredito que o major o considere uma companhia confiável.
- Talvez não. -Aproveitando-se da sugestão de Gina, aproximou-se até que seus campos magnéticos se cruzassem, emanando vibrações tão intensas que conseguia senti-las. Acariciou-a nas faces quando ela se inclinou sem perceber e disse: - Não precisaríamos de companhia se fôssemos casados.
Ela corou e desviou o olhar, como ele esperava.
- Sabe que não posso. - Ela se afastou. - É melhor eu ir; não podemos ficar sozinhos.
- Está bem, mas só mais uma coisa...
- O quê? - ela perguntou com apreensão.
- Estava certa quanto à apresentação. Acho que nenhuma das duas acreditava em mim até terem passado pela experiência. Agora elas acreditam...
- Talvez. Então, agora aceita que eu estou certa quanto ao resto?
- Temo dizer que não - ele afirmou lentamente. Gina sorriu e admitiu:
- Tenho de confessar que também me surpreendeu. Fez um excelente trabalho ao ajudá-las a enfrentar suas dificuldades.
- Obrigado. No entanto, você me dá crédito demais. Só fui bem-sucedido porque me ajudou a enxergar qual era o problema delas. Gina ficou contente com o elogio. Chamou Scruffy e se voltou para Drake.
- E melhor eu ir agora. Ele assentiu, mas não resistiu e voltou a chamá-la.
- Está bem. O que ocorreu hoje só faz provar um ponto...
- E qual seria?
- Que formamos um ótimo time!
Gina meneou a cabeça diante daquele gracejo e se virou para sair correndo.
Drake sorriu pensando que gostaria de ajudá-la com aquele pequeno problema. Um dia, ela não sentiria mais a necessidade de fugir dele.
Drake espiou pela cortina da coxia observando as pessoas que chegavam para a sua segunda palestra. Se elas tivessem vindo à primeira ficariam bem surpresas. No último mês acabou incorporando muitas das sugestões de Gina. Uma mudança por vez, mas no fim, a apresentação não lembrava a primeira em ponto algum.
Era muito mais um espetáculo do que ele gostaria de conceder, contudo depois das reações iniciais de Chloe e Letty, teve de admitir que precisava mudar.
No íntimo, no entanto, descobriu que possuía uma veia para a teatralidade. Sem mencionar os benefícios que conseguia agindo daquela maneira. Já notara como as mães das moças haviam ficado desconcertadas com as mudanças de atitude das filhas.
As próprias garotas eram propaganda gratuita. Era o que Gina chamava de boca-a-boca. Elas haviam espalhado os seus talentos entre os hóspedes do hotel e os resultados eram bem visíveis: todos os assentos do auditório estavam tomados.
- Não é incrível? - Gina indagou ao seu lado.
Drake assentiu. Era verdade que a apresentação tinha se tornado muito mais interessante, mas seria eficaz? Será que conseguiria atrair pacientes de verdade ao consultório?
- Está nervoso? - ela quis saber.
- Não. - Sabia o que tinha de fazer de trás para a frente, só não tinha fé nos resultados.
- Vou lá para "esquentá-los", está bem?
- Certo. - Essa era uma das partes que o deixava inseguro. Gina tinha explicado a necessidade de preparar a platéia e, não obstante tivesse concordado, duvidava que o que ela faria fosse... adequado.
Não havia nada de impróprio com o número dela, todavia não parecia digno se apresentar logo depois de um cachorro, Pelo menos conseguira dissuadi-la de usar o costume do apresentador do circo...
Em seu vestido azul, Gina subiu ao palco com Scruffy em seu encalço. A platéia fez silêncio.
- Senhoras e senhores, é um prazer... - Ela parou quando Scruffy a puxou pelas saias, conforme o combinado. - Como eu dizia... - Mas Scruffy a interrompeu novamente. Algumas pessoas riram e ela, lançando um olhar exasperado ao bichinho, perguntou: - Qual é o problema?
Scruffy respondeu com um latido que provocou uma onda de risos.
- Entendo - ela respondeu, olhando para trás. - Ele ainda não está pronto. É isso que está tentando me dizer?
Scruffy balançou a cabeça para cima e para baixo.
- Bem, então, acho melhor eu entretê-los por alguns instantes. Gostaria de mostrar alguns truques?
Quando Scruffy concordou, a platéia aplaudiu e Gina o posicionou. Para quem não sabia o quanto eles haviam treinado, parecia que o cachorro agia por vontade própria, mas Drake conhecia o esforço que tinham feito para que tudo saísse à perfeição. Gina fazia pequenos gestos, invisíveis ao público, que Scruffy seguia com obediência.
Depois de uns quinze minutos, o cachorro parou, olhou para as coxias, e latiu.
- Ah, ele está finalmente pronto? - Ela fez um gesto melodramático para indicar alívio. Scruffy latiu novamente. - Bem, isso encerra nossa apresentação. - O público aplaudiu. - Senhoras e senhores, tenho o prazer de anunciar Drake Manton, mesmerizador extraordinário!
Sob aplausos entusiasmados, Drake entrou no palco. Ao que tudo indicava, ela estava certa mais uma vez. Os truques de Scruffy tinham "aquecido" a platéia.
Passando ao largo do apoio na lateral do palco, postou-se no meio, e fez uma breve explicação do que faria em seguida e, então, chamou Chloe. Depois de hipnotizá-la, fez com que ela não visse ninguém na platéia, cumprimentasse Scruffy como se ele fosse o irmão que há muito tempo não via e bebesse vinagre como se fosse suco.
Fez outros tipos de truque com Letty e constatou, contente, que não havia sinais de aborrecimento na platéia. Bem ao contrário do que aconteceu na primeira vez em que se apresentou, as pessoas estavam ávidas pelo que viria em seguida.
Entretanto, depois de tirar Letty do transe e dispensar as moças e Scruffy, um homem corpulento gritou no meio da platéia:
- Isso é mentira. Você combinou tudo com as moças, do mesmo jeito que a mulher fez com o cachorro...
Pela maneira rude de falar e pelos trajes simplórios, não era um hóspede. Ele devia ter vindo da cidade para assistir à apresentação. Cercado pelos amigos, obviamente, se sentia seguro o bastante para desafiá-lo.
Drake já antecipava esse tipo de acusação, assim como Gina. Mantendo a pose e deixando de lado as expressões de dúvida das demais pessoas, afirmou:
- Embora essas duas jovens tenham sido bem cooperativas, eu lhes garanto que estavam sob o transe do mesmerismo. Não as treinei para que agissem de determinada maneira.
- Prove! - o homem gritou.
- Ficarei muito feliz em fazer isso. Se eu o mesmerizar, ficará convencido? - Tinha esperanças de conseguir isso, pois algumas pessoas não eram tão suscetíveis.
Os amigos do homem gargalharam e o incitaram a aceitar o desafio.
- Vá lá, Calahan. Mostre para ele...
Quando o homem se mostrou hesitante, Drake se virou para as demais pessoas e perguntou:
- Gostariam de ver o Sr. Calahan mesmerizado?
Sob aplausos, o homem teve de ceder. O baixinho subiu ao palco com pose de galo de briga.
Drake esperou que as pessoas se acalmassem e acomodou o homem. Sabendo que ele se mostraria resistente, recorreu a um disco giratório que Rupert providenciara a pedido de Gina, em vez de usar somente as mãos.
Em completo silêncio, o público observou enquanto Drake incitava o homem a admirar o disco. Em minutos, para seu alívio, ele estava em transe. Agora que o tinha sob controle, uma dúvida surgiu, pois ele não tinha antecipado o que fazer. Não desejava repetir o que acabara de fazer com as moças para não entediar as pessoas.
Enquanto procurava inspiração, pediu que o homem se levantasse diante das pessoas. Vendo Gina ao lado do palco, uma idéia surgiu. Gesticulou para que ela se aproximasse e perguntou:
- Sr. Calahan, como vai a sua mãe?
- Não sei. Faz tempo que não falo com ela.
- Gostaria de vê-la?
- Só se ela não ralhar comigo...
- Bem, está com sorte. Ela está conosco esta noite. Veja, aqui está ela no palco. - Virou Calahan na direção de Gina.
O homem, surpreso, perguntou:
- Mãe! Como chegou aqui?
A platéia gargalhou e Gina seguiu no papel.
- Ouvi dizer que se comportou muito mal... - Balançou um dedo acusatório diante do nariz dele.
- Não, mãe, não fui eu. O chefe de polícia entendeu tudo errado. Não fui eu quem provocou o incêndio, mãe!
Ao que parecia algo inesperado acabava de acontecer. Drake não tinha intenção de fazê-lo confessar um crime diante de todos, sendo ele culpado ou não.
Gina também ficou surpresa com a revelação, mas recuperou-se com rapidez.
- Esse é o meu garoto. Comporte-se, ouviu bem?
- Sim , mamãe - Calahan respondeu arrependido.
A platéia veio abaixo, principalmente os amigos do baixinho.
Drake virou-o para a frente e procurou uma forma de distraí-los do que acabara de acontecer. Algo que provasse que ele estava de fato em transe. Pedindo silêncio, prosseguiu:
- Sr. Calahan, parece um galo quando anda, não? Todo empertigado...
- Acho que sim.
- Na verdade, acho que deve ser o galo mais imponente de todo o galinheiro. Vê todas essas galinhas na sua frente? - Fez um gesto para o público. - Por que não se mostra um pouco para elas?
Obediente, Calahan colocou as mãos embaixo dos braços, ciscou o chão e começou a andar tal qual um galo.
Quando as gargalhadas cederam um instante, Drake apontou para o lado e disse:
- Veja, não é o sol nascendo?
O baixinho olhou para o lado e emitiu um sonoro cocoricó. As pessoas não conseguiram mais se conter e riram a valer. Depois de instantes, Drake lhes perguntou:
- O que acham? O Sr. Calahan está em transe?
O aplauso foi tão alto que até mesmo Drake se apiedou do homem e o fez voltar ao normal, comandando que ele se lembrasse de tudo o que fizera.
- Então, Sr. Calahan, está convencido agora?
O homem além de envergonhado, estava bastante belicoso.
- Não. Só fiz aquilo para acompanhar a brincadeira...
- Não sabia que Shorty era o filhinho da mamãe... - Um amigo o ridicularizou.
- Ele não é mais Shorty, é Cocoricó Calahan - disse outro. O baixinho, rubro como um tomate, encarou Drake e ameaçou:
- Você vai me pagar! - E desceu do palco para se juntar aos amigos.
Quando eles se aquietaram depois de diversas ameaças do baixinho, Drake julgou que havia provado suas aptidões.
- Senhoras e senhores, acabei de apresentar uma série de truques e brincadeiras para lhes mostrar o que o mesmerismo é capaz de fazer. No entanto, meu intuito é ajudar as pessoas. Ao colocá-las em transe, sou capaz de auxiliá-las a atenuar fobias, mudar maus hábitos, acalmar disposições nervosas. - Fez uma ligeira pausa. - Se têm algum desses problemas, seria um prazer recebê-los para uma primeira consulta grátis no consultório do Dr. Ziegler, todos os dias entre duas e quatro horas. Obrigado.
Deixou o palco ovacionado, mas a prova ainda estava por vir. Seria visto apenas como entretenimento ou teria atingido pessoas que realmente precisavam de auxílio?
- Esteve perfeito! - Gina exclamou ao se aproximar. - AS meninas também.
As moças já tinham se juntado ao público para receber OS cumprimentos dos amigos.
- Graças a você. Estava certa, a apresentação foi muito melhor hoje. Só espero que seja eficaz.
- Será - ela garantiu. - Venha, quero apresentá-lo a uma pessoa.
Ela acomodou Scruffy embaixo de um braço, mas foram interrompidos por um casal. O homem deu um tapa nas costas de Drake e foi dizendo:
- Então consegue mudar maus hábitos?
- Sim. - Drake tinha esperanças que o homem atarracado estivesse se referindo aos próprios hábitos. - Ótimo. Minha mulher poderia melhorar com sua ajuda. - O homem apontou para a esposa atrás dele. A mulher em questão era uma jovem adorável, loira, com pele de porcelana e feições delicadas que aparentava estar envergonhada com os modos do marido.
Drake sorriu para ela, na esperança de deixá-la mais confortável.
- Como vai, Sra...?
- Rutledge - o marido informou. - Annabelle Rutledge. Gina se interpôs:
- Prazer em conhecê-los, mas se nos dão licença... Ela tentou puxar Drake, porém ele resistiu. Algo naquela mulher o fazia se lembrar de Charlotte.
- Seria um prazer ajudá-la se estiver ao meu alcance. Se puder ir ao consultório amanhã às duas horas... Os olhos dela se iluminaram de esperança, somente por um breve instante, pois ela logo se voltou para o marido em claro sinal de submissão.
- Boa idéia. Estaremos lá - respondeu ele. Drake assentiu e se deixou levar por Gina. Pelo menos Calahan e os amigos já tinham ido embora. Mesmo assim foram interrompidos por diversas pessoas que queriam marcar hora. - Viu? - Gina sussurrou. - Eu disse que daria certo. - Disse mesmo. - Drake não era o tipo de homem que pegava os créditos só para si.
Finalmente, ela encontrou o homem que procurava no meio da multidão e Drake viu que era o mesmo com quem ela conversara na palestra anterior.
- Este é Lester Suggs. - Ela fez as apresentações. - Ele organiza palestras pelo país. Então, Sr. Suggs, o que achou?
- Muito impressionante - ele assentiu. - Uma melhora desde a última apresentação.
- Então, o senhor oferecerá um contrato? - Gina perguntou entusiasmada.
- Acho que será possível organizar uma serie de palestras na Costa Oeste. - O sorriso demonstrava que a oferta era imperdível.
- Não é incrível? - Gina estava esfuziante.
- Desculpe, mas não estou entendendo - Drake disse.
- Ele está lhe oferecendo a oportunidade de fazer um tour pelo Oeste - Gina disse com paciência.
- Sim, tenho uma posição em aberto e você pode começar em duas semanas - Suggs explicou. - O que me diz?
- Agradeço a oportunidade, entretanto lamento dizer que não posso.
- Por quê? - Gina perguntou surpresa.
- Não ouviu as pessoas me pararem pelo caminho? A palestra foi um sucesso, tenho muitos pacientes para atender.
- Mas...
- Não posso partir agora que prometi atende-los.
- Está recusando a oferta? - Suggs perguntou ofendido.
- Não, não - Gina se apressou em responder. - Ele só está um pouco confuso. Deixe-me falar com ele e depois eu o procuro.
- Está bem, porém a oferta não ficará de pé por muito tempo Tem mais dois dias ou oferecerei a vaga para outra pessoa.
- Obrigada - Gina agradeceu. - Voltarei a falar com o senhor em dois dias.
Ao ver Suggs se afastar, Gina se virou com um olhar determinado para Drake.
Antecipando-se, ele anunciou:
- Não quero ouvir seus motivos, pois agora tenho pacientes que precisam...
- Não os teria se não fosse por mim.
- É verdade, mas isso não muda o fato de que eles precisam de mim. Não vou abandoná-los para seguir pelo país em algum tipo de circo. A resposta é "não", e ponto final.
Gina estava perplexa.
Esforcei-me tanto para que tivesse essa grande oportunidade... e você a recusa?
- Não pedi que fizesse qualquer coisa. Tudo o que eu queria era alguns pacientes.
- Não acredito no que estou ouvindo - ela murmurou conforme a multidão voltava a cercá-los a fim de parabenizá-lo. - Precisamos conversar. Em particular.
- Não creio que essa seja uma boa idéia - ele retrucou de volta. - Lembra-se do que aconteceu da última que tivemos esse tipo de conversa?
- Não disse que precisava ser lá. - Ela enrubesceu. - Pode ser em outro lugar.
Drake suspirou desgostoso por ela atrapalhar seu momento de glória.
- Não estou com vontade de ouvir discursos. E de nada vai adiantar; já me decidi.
- Mas preciso cumprir a minha promessa - ela disse por fim
- Que promessa? - Drake estava surpreso.
- Você me fez prometer contar o motivo pelo qual quero que deixe o hotel. Lembra-se?
Em sua empolgação, ele tinha se esquecido por completo.
- Vai me contar agora?
- Sim, mas não aqui. - Ela olhou ao redor. - Preciso pegar uma coisa em meu quarto antes. O que acha de me encontrar no consultório dentro de quinze minutos?
Ele assentiu, pois queria ouvir muito os motivos dela. Ao menos um mistério se resolveria.
Eles se encontraram no consultório do médico e Drake se sentia pouco à vontade porque toda vez que se viam sozinhos, de alguma maneira, ela acabava em seus braços. Precisaria ficar distante se quisesse conhecer a verdade.
- Vai finalmente me contar tudo? Sem rodeios ou evasivas?
- Sim, mas sei que não vai acreditar em mim.
- Conte mesmo assim. Gina sentou-se em uma cadeira e Drake a imitou, tomando o cuidado de ficar do outro lado da mesa.
Respirando fundo e afagando o pêlo de Scruffy em busca de apoio moral, ela começou:
- O motivo pelo qual quero que parta é que se ficar aqui, acabará morrendo.
Drake esperava qualquer coisa, menos aquilo.
- Então tem o dom da adivinhação dentre tantos outros talentos?
- Não é premonição, é um fato. Sei disso porque... - Fez um som de exasperação. - Diabos, não há outra forma de dizer isso... Sei disso porque vim do futuro.
- Do futuro? - ele repetiu. E ela esperava que acreditasse nisso? - Entendo. E como conseguiu essa proeza? Rupert vai aparecer com algum aparelho que tenha inventado para ser o seu meio de transporte?
- Não, na verdade foi uma pistola que estava dentro de um baú de enxoval que me trouxe para cá.
- Pensa que sou algum tolo?
- Não, mas eu disse que não acreditaria em mim!
- E não acredito mesmo. Você prometeu me contar a verdade.
- Essa é a verdade! Sei que parece loucura, mas vim, de fato, do futuro. - Ela ergueu a voz. - E a culpa é sua, você me trouxe para cá!
- Eu?
- Sim, você... ou melhor, seu fantasma. Viagem no tempo e fantasmas?
- Absurdo!
- Foi o que pensei até seu fantasma subir na cama ao meu lado!
Fantasmas não eram incorpóreos? Não entendia como um deles conseguiria ir para a cama com ela... Entendia os motivos, no entanto.
- Bobagem! Não acredito em fantasmas.
- Isso não importa. Se continuar por esta estrada, vai acabar se tornando um, quer acredite neles ou não! - ela exclamou.
A história estava ficando cada vez mais ridícula.
- Realmente, Srta. Charles, se isso é tudo o que tem a me dizer...
- Não é, não - ela o interrompeu com voz gélida. - Deixe de lado sua atitude arrogante por um minuto e preste atenção, sim? Eu estava certa quanto à palestra, não estava?
- Sim, mas... - Ele parou de argumentar ao se dar conta de que ela estava certa. Poderia, pelo menos, fazer a gentileza de ouvi-la. - Está bem, sou todo ouvidos. Mas vou avisando que precisará me apresentar alguma coisa mais convincente do que viagem no tempo e fantasmas.
Gina respirou fundo outra vez e falou num tom mais controlado.
- Sei que é difícil de entender, mas venho do futuro, mesmo. De 2001, para ser mais exata. Não notou nada estranho a meu respeito? A forma como falo, as palavras que uso, a maneira como não entendo as coisas desta época?
- Sim, mas pensei que fosse por ter vindo do Oeste distante. Pelo menos foi isso o que ouvi.
- Na verdade é do futuro distante... Quando fugi de Jerry e do casamento, acabei em Hope Springs e seu fantasma foi para minha cama. Como eu era a única que conseguia vê-lo e ouvi-lo depois que você morreu...
- E por que você?
- Não sei - ela respondeu, ofendida. - Você pensou que fosse porque eu poderia descobrir a maneira como morreu. Então, conseguiria "seguir em frente" e parar de assombrar a cidade.
Ah, encontrara uma falácia nas explicações dela.
- Se não sabe como morri, como sabe que tenho de deixar o hotel?
- Não sabia a princípio. Porém você me atormentou até eu ir ao jornal e pesquisar nos obituários.
Tal pensamento o fez estremecer. Não queria acreditar nas palavras dela, entretanto prometera ouvi-la até o final. - E o que ele dizia?
- Dizia que você morreu num incêndio, junto com uma mulher com quem se encontrava furtivamente.
- Essa mulher era você?
- Não. A mulher era a Sra. Rutledge. - Isso é ridículo, acabei de encontrá-la! Nem a conheço.
- Talvez não agora, mas, de acordo com o artigo, você vai conhecê-la muito bem antes de morrer. E o incêndio deliberado neste hotel não o faz se lembrar de ninguém?
- Shorty Calahan - ele murmurou. O homem não tinha convencido a ninguém ao se dizer inocente no caso do incêndio culposo e ele o havia ameaçado.
Drake meneou a cabeça, que coisa ridícula. Quase acreditara nela.
- Lamento, mas tudo isso é muito fantasioso. Como posso acreditar?
- Pergunte à Srta. Sparrow.
- Ela confirmaria a sua história? - ele perguntou incrédulo. A governanta parecia ter os pés no chão.
Pela primeira vez desde aquela história havia começado, Gina estava em dúvida.
- Não tenho certeza. Ela sabe que essa é a verdade, mas costuma ser tão evasiva...
- Então não pode provar nada disso?
- Posso, sim. Esperava não ter de mostrar isso, não sei se devo ou se posso... - Pegou um pedaço de papel do bolso. - Tome. Leia.
Ele pegou o papel e deu uma olhada rápida. Era uma pagina do Hope Springs Times. Bem ao lado de um artigo de uma espiritualista que fora desmascarada, havia uma gravura dele com a matéria sobre sua morte, exatamente como ela contara.
Não podia ser verdade.
- Você e Rupert maquinaram isso?
- Não, ele não sabe de nada - ela disse exasperada. - Olhe para o jornal. Já viu alguma coisa assim?
- Não... - O papel era de alta qualidade, branco brilhante, com bordas perfeitas. - Isto aqui não é um jornal!
- É uma fotocópia.
- Uma o quê?
- Esqueça. Isso não importa. Agora olhe a data. Vinte e dois de dezembro de 1885.
- Está tentando me dizer que essa é a data da minha morte? Um frio o envolveu. De repente teve a absoluta convicção do que tudo o que ela dizia era verdade. Observando-o, Gina perguntou:
- Acredita em mim agora?
Logo em seguida, ele duvidou de tudo.
- Talvez - disse evasivo. - Mas isso não muda meus planos.
- O que quer dizer? - Ela tomou o papel tão rápido das mãos dele que rasgou um canto.
- Bem, mesmo que essa seja a forma e a data de minha morte, tudo o que preciso fazer é ficar longe do hotel nesse dia.
Gina refletiu um instante.
- Parece lógico, mas não creio que as coisas funcionam assim. Acho melhor partir hoje mesmo, só por garantia.
Ela parecia muito interessada em se ver livre dele. O que a motivava?
- Qual o seu interesse nisso tudo? Por que se importa tanto se eu viver ou morrer?
- Não posso simplesmente me preocupar com você? Drake pensou na possibilidade por um instante, contudo não a levou a sério.
- Não pode ser isso, pois já queria se livrar de mim antes de me conhecer bem.
- Está certo. - Ela suspirou. - Aparentemente, o motivo que me fez voltar foi salvar a sua vida. Poderei voltar para o futuro em 22 de dezembro, mas se você morrer depois de tudo que fiz para evitar...
- Então poderá ficar presa aqui para sempre, é isso?
- Talvez. Mesmo se eu conseguir voltar, você... quero dizer, seu fantasma prometeu me assombrar pelo resto dos meus dias a menos que eu evite que você faça alguma estupidez... A verdade era que ela não se importava com ele. Era só um meio de voltar para a vida que tinha antes, ou para o que quer que a fantasia dela dizia. Isso o fez se decidir. Gina podia não se importar com o que acontecia com outras pessoas, ele, porém, não era assim.
- Lamento, mas não posso ir.
- Por que não? - Fiz uma promessa, não posso quebrá-la.
- Só pode estar brincando. Que tipo de promessa poderia ser mais importante do que salvar sua própria vida?
- Uma que fiz para Charlotte. Minha irmã. Depois que ela morreu.
- Sua irmã? - Gina se esticou e colocou sua mão sobre a dele. - Sinto muito. O que aconteceu?
Já era hora de ela entender tudo.
- Charlotte era dois anos mais nova do que eu, e muito feliz até . Até se casar com o homem que meu pai escolheu para ela - Fechou os olhos, sentindo a dor da perda. - Ele era um cafajeste... Ralhava com ela dia e noite, a menosprezava dizia que ela não tinha valor. Um dia, minha irmã acabou acreditando... e tirou a própria vida.
Gina arfou.
- Drake, eu lamento... Não fazia idéia.
- O pior não é isso - continuou. - Ela me procurou e tentou contar seus problemas, mas eu estava tão absorvido em meus afazeres que não enxerguei... Eu não entendi...
- Não foi culpa sua. - Gina o envolveu num abraço.
Ele a segurou forte, precisando do conforto dos braços dela.
- Foi, sim. Eu já estudava mesmerismo na época. Devia ter notado que ela estava com problemas. Devia ter sabido...
- Ninguém é perfeito - ela afirmou num tom de consolo. Ele a segurou firme, maravilhado pelo bem-estar que o abraço dela proporcionava.
- Eu menos ainda... Charlotte está morta por causa do meu erro.
- A culpa é do marido, não sua - Guia insistiu.
- Em parte - Drake concedeu.
- É por isso que se importa tanto em ajudar as pessoas.
- Sim, Sei que isso não trará Charlotte de volta, mas me ajudará a expiar minhas faltas. É um ponto de honra, entende? Agora que as pessoas parecem inclinadas a acreditar em mim, não posso voltar atrás em minha promessa.
- Nem mesmo para salvar sua vida? - ela perguntou incrédula.
- Não - Drake respondeu num tom sério. - Especialmente nesse caso.
Capítulo IV
No dia seguinte, Gina sentiu-se meio perdida. Não precisavam mais praticar, visto que a palestra já passara, portanto não tinha nada para fazer.
Nada além de encontrar Drake e tentar fazê-lo voltar à razão. A apresentação fora um sucesso, conforme previra, mas o resultado tinha sido completamente diverso. Depois de tê-lo ajudado a melhorar a palestra, arranjar pacientes, tentar salvar a vida dele, mal podia crer que ele jogava tudo para o alto. O problema maior era que ele não acreditava em sua história. Precisava encontrar uma maneira de reverter esse quadro já que a vida dele dependia disso.
Conseguiu, enfim, encontrá-lo. Ele estava ainda no quarto e, quando abriu a porta, arqueou a sobrancelha ao perguntar:
- Veio para me contar mais histórias absurdas?
Começara mal. Talvez conseguisse convencê-lo de outra maneira: jogou a edição do jornal do dia nas mãos dele.
- Já viu isto?
Ele deu uma olhada na manchete: Manton mesmeriza Hope Springs.
- Bastante lisonjeiro.
- Não o artigo. - Ela apontou para o desenho que acompanhava a matéria. - Isto.
- E o que é que tem?
- Não parece familiar? É o mesmo que lhe mostrei ontem à noite. - Ela bateu no papel com o dedo para dar mais ênfase. - Eles vão recolocá-lo no seu obituário. Acredita em mim agora?
- Não, mas acredito que conheça o artista e, de alguma maneira, você conseguiu falsificar a notícia.
- Ora, não seja tolo! Quando tive oportunidade de ir à cidade e encontrar esse pessoal? Estive sempre com você ou com as garotas.
- Não precisaria ir até lá; tem seu lacaio, Rupert, para fazer isso por você.
- Isso não é verdade! O que preciso fazer para convencê-lo?
- Quem sabe não marca um encontro com meu fantasma uma noite dessas? Acredito que isso me convenceria...
- O sarcasmo não lhe cai bem. - Não podia arriscar e deixar outras pessoas ouvirem o que tinha a dizer, então tentou entrar no quarto, porém ele a deteve.
- Nossas acompanhantes não estão aqui, não é apropriado que entre em meu quarto.
- Está bem, então. - Deu uma olhada no corredor. Não havia ninguém. - O seu fantasma está no futuro, lembra? Depois que você morrer?
- É mesmo, que pena...
- Deve haver alguma maneira de fazê-lo entender e não vou sair daqui até me dizer qual é.
Drake pensou um instante, depois respondeu:
- Se me deixar mesmerizá-la e a história for a mesma...
- Esqueça.
- Ah, entendo... A história não seria a mesma. - Ele ergueu uma sobrancelha.
- Seria, sim, mas não vou permitir que me hipnotize.
- Por que não?
- Porque não quero que fique vasculhando minhas lembranças, perguntando coisas que não lhe dizem respeito.
- Não confia em mim?
Aborrecida, Gina rebateu.
- Olha quem está falando. Na sua opinião, estou de conluio com o hotel inteiro. Pense em alguma outra maneira.
- Essa é a única forma de me convencer.
- Não vai dar...
- Parece que chegamos a um impasse - ele concluiu.
- Por enquanto. - Encontraria um modo de persuadi-lo, não importando o que custasse.
Drake verificou o relógio.
- Está quase na hora de encontrar minha primeira paciente. - Saiu para o corredor e fechou a porta.
Gina já tinha se esquecido que ele marcara o primeiro horário para a Sra. Rutledge... A bela mulher ligada a ele no obituário.
- O major ainda pensa que estou trabalhando para você, então é melhor acompanhá-lo - disse casualmente.
- Não preciso de seus talentos hoje. Tem o dia livre.
- Obrigada, mas vou deixar para outro dia. Precisa de mim mesmo que não se dê conta.
- Para quê?
- Para evitar a impressão de impropriedade. Não seria melhor ter alguém por perto enquanto acompanha pacientes do sexo feminino? - Especialmente Annabelle Rutledge.
- Não, sou um profissional, tal qual um médico, e as pessoas precisam se sentir à vontade para partilhar seus segredos. Não vão querer fazer isso com você presente.
- Mas...
- Absolutamente, não! - ele a interrompeu.
O tom implacável na voz a fez perceber que ele não cederia. Contudo, se não conseguisse evitar o encontro dele com a bela Sra. Rutledge, teria de assegurar que nada de mais aconteceria entre eles. Não importava o que Drake dizia, eles logo começariam a ter encontros românticos... Estava lá no jornal, preto no branco.
- Está bem. Serei sua recepcionista, então.
- Recepcionista? Acho que não será necessário - ele foi dizendo, mas parou de súbito ao entrar na sala de espera abarrotada.
Quando os pacientes em potencial o viram, todos o olharam em expectativa e começaram a falar ao mesmo tempo.
- Ainda acha que não precisa de mim?
- Talvez esteja certa desta vez - ele admitiu a contragosto - Eu disse à Sra. Rutledge que a receberia às duas. Poderia organizar os demais?
- Claro - Gina respondeu triunfante. - Quanto tempo precisa em cada consulta?
- Quinze minutos na inicial. Depois, se eu achar que posso ajudá-los, deixe uma hora para cada pessoa nas subseqüentes.
Vendo que as acompanhantes estavam na sala de espera, Gina entrou no consultório, deixando a porta aberta. Pegou papel e caneta na mesa do médico e saiu.
- Sra. Rutledge, o Sr. Manton a receberá agora. A loira se levantou seguida pelo marido.
- Sinto muito, mas preciso consultar sua esposa a sós - Drake informou.
- Por quê? - o homem truculento perguntou numa voz trepidante que fez a esposa estremecer.
Gina percebeu que a loira parecia ser o tipo de mulher que não sabia o que dizer a menos que alguém a instruísse.
- Porque a técnica do mesmerismo é mais eficiente quando não há distrações de outras pessoas.
- Mas fez ontem na frente de todo mundo! - o homem exclamou.
- Aquilo foi um espetáculo, e as pessoas que mesmerizei não estavam tentando romper maus hábitos; estavam apenas agindo de acordo com minhas instruções.
- Preciso contar o que quero que mude nela - o homem murmurou.
A Sra. Rutledge se retraiu, como se temesse que ele fosse discorrer sobre seus maus hábitos na frente de todos.
Drake lançou-lhe um olhar de simpatia e assegurou ao marido:
- Estou certo de que ela será capaz de explicá-los.
- Não sei, não...
Gina entendia Drake. Se o marido estivesse lá, a pobre jamais conseguiria dizer nada de verdadeiro.
- Lamento, mas este é meu método de trabalho. A primeira consulta é de suma importância. Preciso julgar o temperamento de sua esposa e os sintomas para depois avaliar se posso ajudá-la.
O homem estava prestes a discutir, então Gina tomou-o pelo braço.
- É verdade - sussurrou e lançou seu melhor sorriso. - A única maneira pela qual o Sr. Manton será capaz de mudar os hábitos horríveis de sua esposa. Agora, por que não se senta um pouco e conversa com os demais cavalheiros aqui presentes?
Ao conduzir o homem para a sala de espera com uma das mãos, empurrou a mulher para dentro do consultório com a outra. Annabelle lançou-lhe um olhar misto de gratidão e temor.
Logo ela descobriria por si só que não precisava temer Drake.
Embora aparentasse estar infeliz com o arranjo, o Sr. Rutledge sentou-se e aguardou.
Apesar de estar curiosa com o que se passava no interior do consultório, Gina tratou de se ocupar com as pessoas na sala de espera, organizando as consultas. Isto é, para aqueles que precisavam de fato. Para os curiosos, ela disse a data e horário da próxima apresentação de Drake.
Já tinha atendido a quase todos quando a porta do consultório se abriu e eles saíram. Annabelle deu um sorriso tímido na direção do marido.
Rutledge levantou-se e sem nem falar com a esposa, se dirigiu a Drake:
- E então?
- Acredito que eu possa ajudá-la.
- Ótimo - o homem disse e Annabelle pareceu aliviada. Não importava que tipo de comportamento adúltero Annabelle viesse a ter no futuro, ela não merecia ser tratada como um objeto pelo marido. Assumindo o comando antes que o brutamontes pudesse discorrer sobre qualquer comportamento da mulher em público, Gina anunciou:
- Marcarei a próxima consulta da Sra. Rutledge, então. Sr. Wilson, o senhor é o próximo.
Depois que o paciente seguinte entrou no consultório, Gina marcou a consulta de Annabelle. Em seguida, cuidou das outras pessoas que restavam.
Logo não havia mais nada a fazer além de acompanhar os pacientes para dentro e para fora do consultório. E pensar nos próprios problemas. Não conseguia imaginar nada que pudesse convencer Drake de que falava a verdade e jamais concordaria em se submeter à hipnose. Não queria se arriscar... E se ele a mandasse fazer uma loucura ou vasculhasse seus pensamentos? E se ele descobrisse como ela se sentia a seu respeito?
E como se sente a respeito dele?, uma voz em sua cabeça perguntou.
Não tinha bem certeza. Na metade do tempo sentia-se encantada, hipnotizada pelo seu charme, galanteria, pelos olhos magnéticos . Na outra metade ficava irritada com a sua teimosia. Não queria que ele descobrisse nada. Estava certo: não confiava nele E tinha bons motivos para tal, de acordo com a matéria que afirmava que ele se envolveria com uma mulher casada.
No entanto, se ele não lhe desse ouvidos, logo seria um homem morto. Infelizmente, se ainda estivesse por perto em 11 de dezembro, a despeito de seus avisos, não haveria mais nada que ela pudesse fazer.
Talvez fosse melhor se importar consigo mesma. Esmeralda havia dito que não precisaria salvá-lo para voltar ao futuro. Teria então, de concentrar sua atenção em encontrar a pistola.
Onde ela estaria? Lembrando-se do cabo parcialmente derretido, concluiu que a pistola estivera no local do incêndio, portanto seria ou de Drake ou de Annabelle. Não conseguia imaginar a loira empunhando uma arma, o que a excluía. Drake afirmara não possuir revólveres...
Parou um instante. Ele tinha dito, mas seria verdade? Drake não admitiria ter uma pistola, mesmo que a possuísse de fato. Não adiantaria perguntar de novo. Só restava procurá-la. Fez o paciente seguinte entrar e depois chamou Letty. Pode cuidar de tudo para mim? Preciso levar Scruffy para passear.
- É claro - Letty respondeu de pronto.
Quanto progresso! Um mês antes a moça teria gaguejado e enrubescido, mas hoje ela se sentia capaz de cuidar de pequenas responsabilidades. Drake era, de fato, um profissional incrível.
Deixando-a em seu lugar, Gina foi atrás de Rupert
- Preciso que me ajude a entrar no quarto de um hospede.
- Sabe que não posso fazer isso - ele declarou desconfiado.
- Pode, sim. Tenho motivos para acreditar que ele esta escondendo uma arma perigosa.
- E daí? A maioria dos homens tem uma arma...
- Mas e se ele a usar contra outro hóspede?
- De quem está falando? - Rupert perguntou com desconfiança.
- O Sr. Manton.
- Nem pensar. Não vou aprontar com o Sr. Manton de novo. Ele foi bastante compreensivo daquela vez, mas...
- Ele não vai saber - Gina insistiu. - Está no meio de uma consulta.
- Não.
- Vamos lá, Rupert. Tenho bons motivos, mas acho melhor você não saber.
- Tem razão, não quero saber - o rapaz concordou.
- Se me descobrirem, digo que O'Riley deixou as chaves caírem e eu as peguei, que tal?
- E o que vai fazer-se encontrar a arma?
- Nada. Só preciso saber onde ela está. Se eu descobrir alguma coisa, aviso o major e ele tomará as providências necessárias. - Como viu que o rapaz ainda não parecia convencido, deu sua cartada final. - Prometo que não peço mais nada.
- Está bem, contanto que esta seja a última vez - Rupert avisou.
Foram até o quarto de Drake e como não havia ninguém no corredor, o mensageiro a deixou entrar. - Tome cuidado e não conte a ninguém o que fiz - ele pediu e deu meia-volta.
Uma vez dentro do quarto, Gina logo arregaçou as mangas e vasculhou tudo: os baús, as gavetas, a cômoda, até mesmo embaixo da cama e nada. Somente livros e papéis.
Um porta-retratos pequeno ao lado da cama chamou sua atenção. Era de uma moça de cabelos e olhos escuros, muito parecida com Drake. Devia ser Charlotte...
De repente ouviu o barulho da chave. Ninguém poderia vela ali... Não havia tempo de sair pela janela, a única saída era o armário. Abriu-o e escondeu-se bem no fundo.
Drake estava no meio da consulta, então só podia ser uma camareira. Infelizmente, de seu esconderijo não conseguia ver nada. A porta do armário se abriu e ela se encolheu, prendendo a respiração. Quando voltaram a fechá-lo, soltou um suspiro de alívio.
Ouvia uma mulher e um homem, porém não conseguia distinguir as vozes. Depois de um instante de silêncio imaginou se teriam ido embora.
De súbito a porta do armário voltou a se abrir e ela ouviu a voz profunda de Drake.
- Pretende vestir minhas roupas agora?
- Não - Gina admitiu numa voz baixa, envergonhada por ter sido apanhada.
- Saia daí - ele disse e observou divertido enquanto ela lutava para sair de trás de suas roupas. Devia ficar bravo, mas de que adiantaria? Ela era como um filhotinho que quando pego numa travessura fazia caretas adoráveis. - Saia em silêncio, a Sra. Biddle me disse que você tinha entrado no meu quarto e ainda deve estar por perto, pois duvido que tenha acreditado que você não estava aqui.
- Como ela soube?
- Ela a viu vindo nesta direção e foi me avisar de imediato.
- Você não estava no meio de uma consulta?
- Sim, estava, mas ela ameaçou chamar o major se eu não a acompanhasse, por isso dispensei a todos e aqui estou eu...
Gina olhou ansiosa para a janela.
- Nem pensar, não vai fugir hoje. Vai ficar e enfrentar as conseqüências. Além do mais, estamos em pleno dia e alguém pode vê-la.
- Suponho que esteja certo - ela admitiu com uma careta.
- Sei que estou. Por que não se senta? - Fez um gesto em direção à cadeira e sentou-se na cama. Ela parecia um tanto desconfortável, o que era ótimo. Era a hora perfeita para pensar nas implicações de seus atos. - Já que estamos confinados, por que não aproveitamos para conversar?
- Não está preso, só eu estou - Gina comentou.
- Na verdade estou, sim. Disse a Sra. Biddle que ficaria aqui para repassar umas anotações e avisei a Jack O'Riley que me avisasse quando ela parasse de vigiar o corredor. Portanto, que tal conversarmos?
- Sobre o quê?
- Podemos começar com o motivo que a trouxe ao meu quarto... e se esconder em meu armário.
- Estava me escondendo porque não queria ser pega - ela respondeu o óbvio.
- E por que está aqui? - Vendo a expressão no rosto dela, completou: - Sem contos de fadas, por favor.
- Estava procurando uma pistola de duelos.
- Aqui? Já lhe disse que não tenho armas.
- Sei disso, mas poderia ter se esquecido... O tom dela não o convenceu.
- Entendi. Não confia em minha palavra. - Ficou surpreso ao perceber que isso o magoava.
- Não é isso... Bem, pensei que talvez só estivesse tentando me resguardar. Você é tão gentil... Talvez tenha acreditado que me assustaria se eu soubesse de uma arma em seu quarto.
Drake duvidava que algo assustasse a intrépida Gina, mas ficou feliz com o elogio.
- Obrigado, imagino...
- É a pura verdade. - Ela deu de ombros.
- Por que está tão determinada a encontrar essa pistola?
- Disse que eu não poderia tocar no assunto - ela ralhou.
- Pode me contar mesmo assim. - ele suspirou resignado. - Espere, já sei. Essa é a arma que vai levá-la de volta para o futuro.
- É isso.
- E como isso vai acontecer? O ricochete a lança para lá? Não, já sei, há uma baía mágica... Ou talvez você fique do tamanho de uma ervilha e é disparada pela arma?
- Muito engraçado... - Ela fez uma careta de desaprovação.
- Tudo o que tenho de fazer é segurá-la no próximo solstício.
- Bem, isso é um alívio, pensei por um minuto que teria de atirar em mim.
- Ainda posso fazer isso se não parar de me amolar.
- Mas é que você é um alvo tão fácil... - Como Gina nada disse, ele continuou: - Por que achou que ela estivesse comigo?
- Quando a encontrei nas ruínas do hotel, ela tinha o cabo parcialmente derretido. Como você e Annabelle são os únicos que morrem no incêndio pensei que um de vocês era o dono dela.
Fazia certo sentido... se acreditasse naquela teoria maluca Tentando acompanhar o ponto de vista dela, Drake disse:
- Bem não possuo nenhuma arma e duvido que a Sra. Rutledge tenha uma, ainda mais uma pistola tão grande quanto a de duelo.
- Também pensei nisso, mas se nenhum de vocês a tem, não sei como foi parar no incêndio e depois em minhas mãos.
Só por meio de sua imaginação vivida. Drake, contudo, manteve seus pensamentos em segredo.
- Quem sabe não seja do Sr. Rutledge?
- É, talvez esteja certo - Gina ficou surpresa. - Teremos de vasculhar o quarto deles.
- Nós?
- Sim, não quer que eu seja pega, quer? - ela perguntou com um sorriso.
- Não - Era melhor mudar de assunto, pois quem sabe ela esquecesse tal loucura. - Diga-me, quando vai se casar comigo?
- Isso de novo? - Gina revirou os olhos. - Sabe que não posso aceitar, então pare de pedir.
-Não consigo - ele protestou com um sorriso. - boas reações são sempre tão... interessantes.
- É por isso que continua a me pedir? Porque tenho reações interessantes? O que sou, um experimento cientifico? Ele a observou, divertido com a contrariedade dela.
- Não, eu a considero uma mulher vibrante e deliciosamente fascinante.
Gina corou e sem saber como responder ao elogio, perguntou.
- E Annabelle? O que sente por ela? Já fizeram juras de amor um ao outro?
Aborrecido pela insistência na acusação de que teria um caso com a mulher casada, respondeu:
- Claro que não. Só perguntei quais as queixas dela para saber se poderia ajudá-la.
- Visto que marcou outra consulta, suponho que possa. Quais são os sintomas dela, então? - quis saber, curiosa.
- Isso é confidencial.
- Depois de tudo o que fiz para que conseguisse os pacientes é assim que me trata? - Ela fez beicinho.
Aprecio tudo o que fez para me ajudar, porém não POSSO quebrar o sigilo de um paciente.
- Se estivesse se confidenciando com outro profissional, poderia fazer isso, não?
- Sim, se eu visse a necessidade de ajuda. Por quê? - indagou, desconfiado.
- Disse que sou boa para entender as pessoas e que você não é... Então, como sabe que vai tratá-la direito?
Na verdade, ele não fazia idéia.
- Espero ter certeza no curso do tratamento.
- Por que não economiza o seu tempo e o dela e consulta uma especialista? Eu?
- Talvez tenha razão. - Ela estava certa quanto a Chloe e Letty. Poderia ter boas idéias a respeito dos outros pacientes. - Posso aproveitar seus talentos.
- Ótimo - Gina concordou feliz. - Vou participar das sessões, então?
- Só se os pacientes concordarem e não atrapalhar o andar do tratamento.
- Perfeito. Agora me fale sobre Annabelle.
Ele se lembrou de como a moça se mostrou triste ao falar de seus problemas.
- Ela prefere ler romances a fazer as atividades domésticas.
- Não parece tão mau... Quem não preferiria?
- O marido dela não concorda. E ela tem um problema para agradá-lo... - Ele fez uma pausa, escolhendo bem as palavras.
- Na cama, quer dizer?
Por que ainda se preocupava com a sensibilidade de Gina?
- Sim, lá e em tudo o mais. Ela não consegue antecipar as necessidades dele.
Gina bufou.
- Detesto ter de dizer isso, mas na minha opinião, o único problema dela foi escolher aquele homem como marido.
- Foi essa a conclusão a que cheguei, contudo estava incerto se estava imaginando coisas. - O olhar dele seguiu para o retrato da irmã.
- Bem, se serve de consolo, acho que captou o problema dela. - Obrigado. Só espero poder ajudá-la...
- Claro que pode. Ajudou tanto Chloe quanto Letty, será capaz de ajudar Annabelle também. E quanto aos outros pacientes?
Antes que ele pudesse responder, ouviram uma batida à porta. Gina rapidamente se escondeu enquanto Drake entreabria a porta, feliz por se ver diante de O'Riley.
- Ela já foi embora?
- Não - o porteiro comunicou. - A mulher não arreda o pé. Mas tive uma idéia. - Levantando a voz ele disse: - Sabe a moça que queria encontrar? Bem, ela deseja vê-lo agora. - Ele baixou a voz num sussurro alto o bastante para que a mulher o ouvisse. - Na casa de banho.
- Obrigado - ele agradeceu e estendeu uma moeda ao homem. Fechou a porta e comentou com Gina. - Ele é um gênio. Agora vou ao encontro inexistente. A Sra. Biddle certamente vai me seguir, pensando que a mulher é você.
- Boa idéia - Gina disse com um brilho nos olhos.
- Vou me certificar de que ela me siga. Quando tivermos nos distanciado, farei com que Jack venha avisá-la.
- Obrigada por se preocupar com minha reputação. Você é bom demais para mim.
De novo Gina o surpreendera. Dessa vez com sua sensibilidade e pelos agradecimentos sinceros. Cedendo a um impulso, ele se inclinou e beijou-a nos lábios. Sorriu ao ver o espanto no rosto dela.
- Sei disso.
Gina tirou o uniforme e pôs um vestido verde-esmeralda para jantar com Drake. Não tinha muitas roupas, mas já estava cansada das que usava no trabalho, por isso gastara um pouco do salário nesse luxo em uma das lojas de Hope Springs.
Não costumava se trocar para jantar, porém queria que aquela fosse uma noite diferente. Em exatos dois meses seria o solstício de inverno. Só tinha sessenta dias para convencer Drake de que ele morreria se não partisse.
Não acreditava mais que alcançasse algum êxito, pois a terceira palestra, realizada na semana anterior, fora ainda mais bem-sucedida do que a segunda e gerado muitos pacientes. Mais pessoas que o convenceram a permanecer no hotel. E Lester Suggs já havia partido, ultrajado com a recusa de Drake.
Até mesmo o major parecia conspirar contra ela, pois resolvera ceder o seu escritório para Drake, visto que ele atraía cada vez mais hóspedes.
Por mais estranho que parecesse, agora que trabalhava com ele, o via cada vez menos. Ele estava sempre ocupado com os pacientes, especialmente Annabelle, que demandava muito do seu tempo. E se não estava com um paciente, fazia anotações ou lia livros. A única chance que tinham para conversar era durante o jantar.
Esmeralda tinha designado uma mesa para que discutissem os casos do dia enquanto jantavam. Era a única oportunidade em que estavam a sós, sem as acompanhantes já que precisavam de privacidade para discutir os problemas dos pacientes e estavam à vista de todos no restaurante.
Normalmente, Gina não se importava se um homem se levantava quando ela se aproximava, entretanto já se acostumara aos modos galantes de Drake e recusava-se a se sentar sem ser notada. Como não tinha intenção de ficar esperando balançou a mão na frente do rosto dele, provocando risos nos hospedes que presenciavam a cena.
- Oh, me desculpe, não a tinha visto - ele disse se levantando.
- Percebi - ela respondeu enquanto Drake segurava a cadeira para que se sentasse. Era um tanto humilhante notar que havia mais de uma semana não era pedida em casamento Por mais que tivesse recusado cada um dos pedidos, já tinha se acostumado a recebê-los.
Bridget, a garçonete, apressou-se em tomar nota dos pedidos. Outras moças tinham se ressentido pelo fato de Gina ter passado de treinadora de cães a assistente pessoal do solteiro, mais cobiçado das redondezas, mas Bridget não. Ela sempre se portava de maneira alegre e educada. Até mesmo apaziguara os ânimos de Sasha quando Gina resolveu comer só um prato por refeição. Se continuasse a comer tudo o que o cozinheiro Mandava para a mesa deles, em pouco tempo não caberia mais no uniforme.
A moça anotou os pedidos e deixou-os a sós. No entanto antes que Drake se enfurnasse nos papéis novamente, Gina pediu:
- Podemos ter uma noite livre?
- Livre?
- Quero dizer, uma noite em que não discutimos os problemas dos outros. Uma noite para comermos e conversarmos como pessoas normais?
Ele sorriu e, com olhos cintilantes, afirmou:
- Está certo. Podemos fazer isso. Sobre o que quer falar? Sobre aquela centelha no olhar dele, por exemplo. Desde que a descobrira escondida no armário, ele parecia considerá-la um entretenimento. Portanto, em vez de se zangar com as coisas que ela fazia ou dizia, ele simplesmente se divertia. Aquilo a incomodava sobremaneira, contudo não adiantaria nada comentar o assunto, pois ele acharia ainda mais engraçado.
- Não sei, qualquer coisa menos os problemas das pessoas. Que tal os seus?
- Não tenho problema algum... Exceto pelo fato de você estar convencida de minha morte.
O sorriso dele nem se perturbou com aquelas palavras.
- Isso não tem graça, é verdade!
- O que quer que eu faça. - Deu de ombros. - Quer que eu fique vagando por aí, acabrunhado até esse dia chegar?
- Não, só quero que deixe este hotel.
- Bem, como você mesma diz: não vai dar.
Gina suspirou. Sabia que receberia aquela resposta, mas não custava tentar. De novo.
- E quanto a você? - ele perguntou.
- O que há comigo?
- Vamos falar de seus problemas.
- Não tenho nenhum além de você não acreditar em mim. - E ainda não ter encontrado a pistola, que também não estava no quarto dos Rutledge. Sabia disso porque o vasculhara com a ajuda de Rupert, já que Drake dera para trás no último instante.
- Bem, já que nos acusamos mutuamente, podemos talar de outra coisa?
- Certo, o que sugere? - ela perguntou.
- Você. Quero saber mais sobre você. Sua infância, seus interesses, esse tipo de coisa.
Lisonjeada pelo interesse sincero dele, Gina se abriu. Drake era um excelente ouvinte e ela se viu falando de tudo: do pai que adorava, da mãe que a criticava sempre, como o pai se colocava entre as duas e como o relacionamento delas tinha degringolado com a morte dele.
- Acho que é por isso que aceitei me casar com Jerry. Ele foi o primeiro rapaz que namorei no qual ela não encontrou defeito. O dinheiro da família dele também não foi nenhum empecilho.
- Essa não é uma boa base para um casamento.
- Sei disso. Ainda bem que me livrei a tempo. Jerry me fez um favor, apesar de mamãe não ter visto dessa forma.
Interromperam o assunto com a chegada de Chloe e Letty. Embora as duas moças tivessem sido impostas como "damas de companhia" a princípio, com o passar do tempo e com a mudança de comportamento delas, os quatro tornaram-se grandes amigos.
Drake as convidou para que se sentassem.
- Está bem, mas só por alguns instantes. - Chloe concordou.
- Ouviram as novidades? - Sem esperar pela resposta, prosseguiu: - O Chesterfield está organizando um baile de Halloween!
- Ouvi comentários - Gina respondeu, porém não esperava poder participar.
- O melhor é que convidaram madame Rulanka para uma apresentação à meia-noite - Chloe completou com excitação na voz. - Ela chegou hoje mesmo.
- Quem é ela? - O nome parecia familiar a Gina...
- Nunca ouviu falar dela? - Letty perguntou surpresa.
- É uma das espiritualistas mais renomadas do mundo. Gina não entendeu o que ela quis dizer, porém não perguntou nada. Letty notou sua hesitação e emendou:
- Uma médium. Ela conversa com os espíritos, com os mortos...
- Ah, uma paranormal!
- Não acreditam nisso, acreditam? - Drake zombou.
- Claro que sim, você não? Afinal de contas, mostrou-nos que há muito mais no mundo do que imaginamos... Por que não seria possível falar com aqueles que já se foram?
Com isso, Drake teve de admitir.
- A possibilidade é intrigante, mas como podem saber se essa mulher não é uma farsa?
- O major jamais traria uma impostora - a ingênua Letty comentou.
- E se ela o tivesse enganado?
- Mamãe me levou para vê-la no ano passado - Chloe interveio -, e me convenci. Ela também o convencerá.
Gina também não acreditava naquele tipo de coisa até se deparar com o fantasma de Drake.
- Como pode saber até ter experimentado por si próprio.
- Não tenho a mínima intenção de ver essa apresentação - ele rebateu erguendo a sobrancelha.
- Precisam ir! - Letty exclamou. - Para nos contar o que aconteceu.
- Vocês duas não vão?
- Não - Letty murmurou desapontada. - Vamos embora amanhã. É por isso que viemos falar com vocês, para nos despedirmos.
- Vocês duas vão embora? - Gina perguntou surpresa.
- Sim Mamãe finalmente se deu conta de que o Sr. Manton não estava à procura de uma esposa, então vamos para casa. De qualquer modo, ficamos tempo demais aqui.
- Nós também - Letty concordou. - E já que a Sra. Harrington está de partida...
Isso fazia sentido, a Sra. Biddle não via motivos para permanecer e competir.
- Lamento vê-las partir. - Gina gostava muito das moças e apreciava a companhia quando elas estavam longe das respectivas mães. - Como vamos nos arranjar sem nossas acompanhantes.
Ás moças trocaram olhares e Chloe disse:
- Falei com o major a esse respeito. Ele me disse que vocês têm se portado muito bem e já que nossas mães estão indo embora, não precisarão mais de companhia.
- Então tudo isso foi só para agradá-las. - Drake sorriu.
- Logo imaginei.
- Sim mas nem podemos reclamar. Se não fosse por isso, jamais teríamos descoberto os benefícios do mesmerismo
- O que farei sem minhas pacientes prediletas? - Drake perguntou zombando. - Estou arruinado.
- Bobagem! - Chloe exclamou. - Encontrará outras voluntárias ou poderá usar pessoas do público. Já fez isso e se saiu muito bem.
Gina sorriu contente. Dois meses atrás, essas moças nem sonhariam em contradizê-lo. Hoje falavam sem censura.
Despediram-se e elas partiram para terminar de arrumar a bagagem.
- Então - Drake começou com um sorriso -, pretende ir ao baile?
- Não - Gina respondeu, tentando disfarçar a frustração. Embora o baile fosse aberto ao público e muitas pessoas da cidade compareceriam, os funcionários do hotel só poderiam ir se fossem convidados por um hóspede. - Não tenho nada para vestir, afinal é um baile a fantasia.
- Se eu arranjar uma, irá comigo? - ele perguntou.
- Você quer ir? - Estava surpresa, pois ele evitara pessoas e eventos sociais durante todo o tempo em que estivera no hotel.
- Acho que é hora de me reconciliar com a sociedade. - Deu de ombros. - Aceita ir comigo?
Ela queria muito dizer "sim", mas...
- Pode parecer estranho se eu for. Não seria melhor levar outra pessoa?
- Quero levar você.
O coração dela deu pulos de prazer.
- Além do mais, ninguém vai achar estranho se eu recompensar minha assistente com uma noite de diversão... Ainda mais que nossas grandes oponentes já terão partido. Então, o que me diz?
- Sim - ela respondeu sem conseguir controlar um sorriso radiante.
- Está combinado. Vou arranjar fantasias para nós dois. - Ele fez uma pausa. - Será estranho não estarmos acompanhados...
Para dizer a verdade, Gina não sabia se elas eram, de fato, necessárias. Não que quisesse ser agarrada em qualquer oportunidade, mas não conseguia deixar de lembrar os momentos que passara nos braços dele. Ansiava pelo toque daquelas mãos enormes e viris, a boca macia, a sensação maravilhosa de sentir-se adorada. Imaginando se ele também pensava assim, fitou-o e disse:
- O major acredita que não precisamos mais de acompanhantes...
Um sorriso travesso brincou nos lábios de Drake.
- O major está errado.
- Está? - ela perguntou, sabendo que estava brincando com fogo.
- Sabe que sim - Drake disse. - Acha que esqueci a noite que a tive nos braços, a noite em que fomos um?
Os sentidos de Gina se aguçaram com o desejo.
- Não - respondeu baixinho. As lembranças do que tinham partilhado ameaçavam incendiá-la. Talvez não fosse uma boa idéia ter esse tipo de conversa em público. - Também não me esqueci.
- Gostaria de partilhar meu leito novamente? - ele perguntou num tom aveludado.
Gina arregalou os olhos, jamais poderia imaginar que Drake, o sempre bem-educado e contido cavalheiro, pudesse ser tão direto.
- Sim - respondeu num sussurro.
- Então, case-se comigo.
O clima desapareceu. Ele ia começar com aquilo de novo?
- Sabe que não posso.
- Porque acha que vai voltar para o futuro? - ele perguntou secamente.
- Não, porque sei que vou voltar para o futuro e também porque parece que você não vai viver o bastante para se casar com ninguém.
- É uma pena que sua ilusão esteja nos mantendo separados - ele lamentou.
- É você quem está se iludindo. - Um dia desses encontraria uma forma de provar isso. Mas como?
Deixar-se hipnotizar estava fora de questão. Ele dissera que acreditaria se visse o fantasma diante de si, porém aquilo não poderia ser arranjado.
Foi então que uma idéia surgiu. Ela não poderia, mas talvez madame Rulanka sim. Ou algo parecido... E assim Gina se lembrou onde vira o nome da mulher antes: na página do obituário de Drake.
Brilhante! Era a maneira perfeita de convencê-lo, e fora ele mesmo quem dera a idéia.
Como Rupert estava reticente em ajudá-la mais uma vez, Gina levou alguns dias até descobrir qual o quarto de madame Rulanka. A espiritualista insistira que precisava de privacidade o que levou o major a aprontar a torre nova às pressas, deixando-a exclusivamente para a mulher. O que vinha bem a calhar, pois assim ninguém saberia que Gina a tinha abordado. Deixando Scruffy no quarto, seguiu para a torre.
Ao chegar, ouviu vozes alteradas e já levantava a mão para bater à porta quando uma mulher saiu aos prantos, acompanhada por um homem com aspecto cadavérico.
- O que quer? - ele perguntou olhando-a de alto a baixo.
- Quero falar com madame Rulanka.
- Sinto muito, a maior espiritualista do mundo não oferece sessões particulares para... criadas.
Ele tentou fechar a porta, porém Gina colocou o sapato na soleira.
- Não quero uma sessão. Quero falar sobre outro assunto. De dentro da suíte uma mulher perguntou:
- Quem é, Rath?
- Ninguém - ele respondeu com desprezo. - Somente uma serviçal.
- Uma serviçal? - Uma mulher de meia-idade apareceu. A espiritualista renomada não parecia muito diferente de qualquer outra matrona da época. - Posso precisar dos serviços dela. Venha, entre.
Gina não sabia o que a mulher tinha em mente, entretanto concordaria com tudo se com isso pudesse passar pelo espectral Rath. Depois de se acomodar, a mulher perguntou:
- Por que veio até mim?
Gina deu uma olhada para o homem, mas aparentemente ele não sairia dali.
- Não ligue para Rath. Ele é super-protetor. Há tantas pessoas que me procuram que precisamos separar quem só está curioso dos que de fato buscam ajuda. Então, o que quer de mim?
Gina refletiu um instante. Não sabia ao certo como abordar a questão sem ofender a mulher.
- Fará uma apresentação na noite de Halloween, certo?
- Eu me comunicarei com os espíritos, sim.
- Fiquei imaginando se seria capaz de se comunicar com um espírito em particular?
- Não os comando. - A mulher foi logo dizendo. - Só me abro para as energias cósmicas e espero que eles apareçam.
Não conseguiria ir a parte alguma se ela insistisse em agir daquela maneira.
- Posso falar francamente? - Gina perguntou.
- Sim, pode. - Mas a expressão da mulher mostrava desconfiança.
- Acontece que sei que não passa de uma impostora. Rath se levantou no mesmo instante com uma expressão gélida.
- Não, está tudo bem - Gina assegurou. - Não me importo com isso. Na verdade, isso só facilita as coisas para mim.
- Insultou madame Rulanka. Precisa sair agora - Rath disse.
- Espere, posso provar. Sei seu itinerário completo... E sei onde será desmascarada nos próximos meses.
- Está me chamando de impostora e alega saber o futuro? - a mulher perguntou incrédula.
- Só sei essa parte. E tenho provas.
- Que tipo de provas?
- Um artigo de jornal, escrito na data em que for desmascarada. - Gina, então, explicou brevemente como teve acesso a essa informação e sobre a viagem no tempo.
- Posso colocá-la para fora agora, madame? - Rath perguntou.
- É uma história um tanto absurda, mas parece convincente ao mesmo tempo... E a aura dela revela honestidade. - Rulanka parou um instante e analisou-a. - As mensagens nos chegam das maneiras mais distintas. Não posso desconsiderar esse aviso. Diga-me, quais são as cidades de meu itinerário?
Gina enumerou-as, pois as tinha memorizado antes do encontro.
- Exato. E não costumo divulgar meu itinerário, portanto isso confere certa veracidade às suas alegações. Pois bem, quando serei desmascarada?
- Não posso lhe dizer até que concorde em fazer uma coisa.
- E o que seria?
- Preciso convencer um homem que sou de fato do futuro e que ele vai morrer quando e como eu previ. Acho que ele vai acreditar se encontrar o próprio fantasma. - E então, Gina explicou o que queria que a mulher fizesse.
- Acho que posso fazer isso. Às vezes os espíritos não são tão comportados e preciso de uma... ajuda. Essa parece ser a hora oportuna. Posso ver o jornal agora?
- Não. Acho que vou esperar até a apresentação - Gina respondeu.
- Sem provas, por que terei de ajudá-la? - Rulanka se zangou.
- Por que tenho de lhe mostrar o artigo? - Gina rebateu. Encararam-se por um instante, então Rulanka propôs:
- Uma de minhas funcionárias acaba de se demitir e preciso de ajuda. Do tipo discreta.
Gina sabia ser discreta quando queria.
- O que quer?
- Os espíritos nem sempre colaboram quando os chamo. A fim de tornar a apresentação mais... atraente, preciso de certas informações sobre os hóspedes do hotel e das pessoas da cidade.
A mulher queria que ela contasse os segredos das pessoas para escancará-los no palco? A idéia fez com que Gina se sentisse desprezível, porém em vez de recusar de pronto, foi evasiva.
- Não conheço muitas pessoas, não posso ajudá-la. - Quando a mulher pareceu duvidar, ela continuou: - Não sou de sair muito.
- Então terá de se empenhar para descobrir alguma coisa - Rulanka insistiu. - Boas informações tornarão os espíritos mais verídicos... E seu fantasma muito mais crível.
Nesse ponto a tal madame parecia ter razão, mas não podia divulgar os segredos dos pacientes de Drake. Jamais seria capaz de trair a confiança dele, ou dos pacientes.
Talvez conseguisse dar informações tolas de conhecimento público que não ofendessem a ninguém.
- Está bem, vou ver o que posso fazer - concordou por fim. Depois da apresentação eu lhe direi em qual cidade será descoberta. Temos um acordo?
- Sim, temos um acordo.
Elas apertaram as mãos e Gina saiu para tentar descobrir o que poderia contar a madame Rulanka sem ofender ninguém e sem comprometer sua integridade.
O Halloween amanheceu claro e frio e o resort inteiro detinha um ar de excitamento conforme as pessoas iam para cima e para baixo atrás dos últimos detalhes de suas fantasias, ao mesmo tempo em que tentavam manter o figurino secreto até o último instante.
Gina também se viu envolta nessa excitação, pois os pacientes não falavam de outra coisa. Quando a quarta pessoa seguida a perguntou sobre sua fantasia, ela sorriu educadamente e respondeu:
- É segredo, não posso contar. Terá de esperar para ver, Sr. Feeney.
Depois que o paciente saiu, ela se virou para Drake e perguntou:
- O que, exatamente, estaremos vestindo hoje à noite?
- Como você acabou de dizer: é segredo. - E sorriu. Aquilo não combinava nada com Drake. Foi então que ela se deu conta...
- Você não sabe, não é isso?
A expressão travessa dele mudou para arrependida.
- De fato, não, mas teremos fantasias, eu prometo. Jack O'Riley está cuidando disso.
O que o porteiro beberrão consideraria um traje adequado?
- E quando vamos descobrir o que é? - Esperava ter tempo para fazer alterações, caso a roupa fosse horrenda.
- Elas já devem estar em nossos quartos - Drake assegurou. - Só temos mais um paciente e poderemos ir ver em seguida.
Quando Gina voltou para o quarto, teve a grata surpresa de ver que o costume não era nada mau: um vestido diáfano violeta. Ouviu uma batida à porta, em seguida Bridget entrou.
- É lindo, não?
- Muito - Gina concordou. - Seu pai fez um excelente trabalho... Mas eu sou o quê, supostamente?
- Aqui está o resto da fantasia. - Bridget mostrou um chapéu em forma de cone de mais ou menos um metro de altura da mesma cor que o vestido. Na ponta havia uma tira de seda violeta presa na aba, formando um longo arco.
- O que é isso? O bobo da corte? - Ou um cone enorme?
- Não - a moça respondeu, sorrindo. - É Julieta. E o Sr. Manton será Romeu.
Estava claro que Bridget não vira os mesmos filmes que ela se essa era a idéia que fazia de Julieta. O que será que farão Drake vestir?
- Não é romântico? - Bridget suspirou.
Então ela e o pai estavam bancando os casamenteiros?
- Acho que não, pois vou ficar preocupada o tempo inteiro: se o chapéu vai passar pelas portas, se vai prender nos candelabros ou me derrubar na minha b... quero dizer, de costas. Talvez seja melhor deixá-lo para trás.
- Oh, não! - Bridget exclamou, desapontada. - Não pode fazer isso. Papai procurou tanto pelas fantasias certas. Sem o chapéu, não será Julieta...
A moça ficou tão devastada que Gina se viu prometendo usar o adorno a noite inteira.
- Voltarei mais tarde para ajudá-la a se vestir.
- Não vai participar do baile? - Gina custava a acreditar que ninguém tinha percebido que doce de garota ela era.
- Não, vou trabalhar. A Srta. Sparrow disse que poderemos assistir à apresentação de madame Rulanka.
Embora o traje não parecesse complicado de vestir, Gina concordou em receber a ajuda da moça, só para agradá-la. Mais tarde, a amiga a elogiou:
- Está linda! .
Gina sorriu, apesar de não conseguir se ver de corpo inteiro no pequeno espelho do quarto, sabia que a cor favorecia os cabelos escuros e o tom de sua pele. Algo, entretanto, estava estranho...
O cabelo! Preso no topo da cabeça como no costume da época testava ridículo, não combinava com aquele vestido. Sem pensar duas vezes, tirou a profusão de grampos e, passando a mão |pelos fios, deixou-os soltos. Suspirou, então, aliviada. Escovou-os e viu o olhar surpreso de Bridget.
- Não me diga que vai deixá-los assim soltos... - Claro que sim. Estou até parecendo mais jovem è inocente como a doce Julieta!
- Sim, mas o major...
- E quem se importa com o que o major tem a dizer? Estou fantasiada e hoje à noite não sou funcionária do hotel... Por que ele haveria de se incomodar? Confie em mim, vai dar tudo certo. Pode me ajudar com a máscara?
Depois de ajustá-la, Bridget disse:
- Agora é a vez do chapéu.
Gina olhou para o teto e sentenciou:
- Acho que não caberemos todos aqui dentro.
- Então vamos para o corredor - Bridget deu uma risadinha. O teto lá era realmente mais alto e a moça conseguiu prender o chapéu no lugar. Na verdade, Bridget tinha usado tantos grampos que Gina duvidava que mesmo um vendaval pudesse deslocá-lo.
- Pronto. Agora vamos encontrar o seu Romeu.
Pai e filha deviam ter planejado isso antes, pois encontraram Drake e Jack no fim do corredor na parte mais larga em que a ala oeste se juntava à parte central. Jack estava pomposo e feliz com o arranjo e Drake parecia... desconfortável.
A fantasia dele era quase tão estranha quanto a sua: meias roxas agarradas, calção listrado em tons de violeta combinando com uma jaqueta curta e uma boina com uma pena. Talvez não o tivesse reconhecido, não fossem os olhos enigmáticos por trás da máscara e a mecha branca que o denunciaria em qualquer lugar.
No entanto, o mais estranho da fantasia era um adorno, uma espécie de sunga, decorado com pedras de bijuteria imitando diamantes e ametistas. E falavam em jóias da família...
Gina segurou o riso. Quem quer que fosse o responsável pelas fantasias, não tinha o mínimo senso de estética e respeito por dados históricos. Por mais estranho que pudesse parecer, porém, Drake estava ótimo. Quem diria que ele tinha pernas tão fabulosas?
- Olá, Romeu - ela cumprimentou em tom jocoso.
O olhar de Drake foi subindo, subindo... De boca aberta, ele acompanhou toda a extensão do chapéu dela.
- Julieta! - ele exclamou divertido.
- Estão maravilhosos! - Jack comentou orgulhoso por seu feito.
- Obrigada por ter se dado ao trabalho de encontrar essas fantasias para nós - Gina agradeceu, pois certamente o homem tinha feito o seu melhor.
- Não foi nada. Agora está na hora... Vão e divirtam-se. Ele fez um gesto como se fosse uma fada madrinha sem a vaiinha de condão e os dois se despediram.
- Vamos? - Drake ofereceu o braço.
Quando já estavam mais distantes, Gina perguntou:
- Estou muito ridícula?
- Não mais do que eu. - Ele riu.
- Não sei, não... Essa peça aí na frente é bem impressionante. Todas as damas vão morrer de inveja de mim.
- Tentei não vesti-la, mas Jack foi tão insistente que não quis desapontá-lo. - Ele riu da própria desgraça.
- Eis o resultado quando se deixa esse tipo de decisão nas mãos dos outros.
- Lembrarei disso da próxima vez. Meu consolo é que seu chapéu é muito mais absurdo do que o meu.
- Pois é, temo abaixar a cabeça e perfurar alguém ou até mesmo estrangular algum incauto com esse laço na ponta.
Ele se curvou num gesto galante.
- Então é meu trabalho assegurar que não machuque nenhum convidado...
E entraram no salão de baile, rindo quando Gina quase se ajoelhou para passar pela porta. Felizmente os candelabros eram altos o bastante para que não tivesse de se preocupar com eles.
Ficou feliz também ao notar que a fantasia deles não era das mais absurdas. Dentre os mais tradicionais Napoleões e Cleópatras havia um enorme peixe de braços dados com uma vara de pescar e um canário numa gaiola dourada conversando com um pavão.
O major trajava um uniforme antigo e a Srta. Sparrow usava um vestido amarelo esvoaçante acompanhado de máscara e chapéu de penas, dando a impressão de ser um pintinho recém-chocado.
Drake se inclinou e sussurrou:
- Gostaria de beber algo?
- Sim. - E o acompanhou até a mesa de bebidas, divertindo-se pelo caminho tentando adivinhar quem era o quê.
Serviram-se de champanhe e bebericaram enquanto observavam os demais convidados. Todos pareciam se divertir, principalmente na pista de dança.
- Gostaria de dançar? - Drake convidou. Gina meneou a cabeça lamentando.
- Não sei dançar isso. - Nunca tinha aprendido dança de salão, mas se a banda tocasse uma balada dos anos cinqüenta...
Ao término de uma música, Drake tirou a taça das mãos dela e disse:
- Para esta daqui, não precisa saber dançar. Basta me acompanhar.
Ele a levou para a pista com tanta rapidez que Gina nem teve tempo para se opor. Segurando-a firme na cintura e na outra mão, conduziu-a pelo salão ao som de uma valsa. Ela deu uns tropeços, porém logo se acostumou à cadência, o champanhe ajudando-a a relaxar.
- Viu como não é difícil? - Drake murmurou.
Não era mesmo. E agora, mais relaxada, podia aproveitar e se divertir. Embora no seu tempo a dança lenta significasse ficar grudada ao parceiro, ela preferia esse estilo antigo. Os braços fortes de Drake a faziam se sentir protegida, e a pequena distância entre eles só aumentava o desejo de estarem mais próximos. Era tudo tão sensual...
Envolvida na nuvem intoxicante do champanhe e do crescente desejo, ela se perdeu no meio da multidão. Todos deixaram de existir, deixando os dois imersos num momento mágico só deles.
Drake a trouxe para perto, prendendo-a com olhos sensuais. Perdida em seu olhar, Gina ergueu a cabeça, entreabriu os lábios e... sentiu um puxão que a levava para trás.
Segurou o cone que parecia querer arrancar seus cabelos. Que maneira de voltar à realidade! Inclinando-se percebeu que estava presa pela faixa de seda do chapéu.
- Droga! - Ela ouviu um homem atrás de si exclamar. - Me solte!
Drake a firmou e falou para o Napoleão:
- Espere um instante. Está preso no chapéu dela.
- Oh, desculpe! - ela disse tentando se virar para ver a vítima, só conseguindo enforcá-lo ainda mais.
- Sua estúpida! - Dessa vez Gina reconheceu a voz como sendo de Shorty Calahan.
Como sempre, ele estava acompanhado dos "amigos" que não paravam de rir.
- Isso não são modos de falar com uma dama! - Drake exclamou com o corpo tenso.
- Então tire ela de mim! - Shorty insistiu, puxando a seda e quase arrancando o chapéu da cabeça dela.
Gina se retraiu de dor e Drake a segurou.
- Espere um instante -- disse enquanto libertava o homem da faixa de seda.
Nesse instante, Shorty exclamou:
- E você! Devia ter desconfiado! Não bastava ter me humilhado uma vez?
Drake o ignorou ao ajudar Gina a aprumar o chapéu.
- Você me paga! - ele ameaçou. - Vai se arrepender! Depois de terminado o incidente, os arruaceiros partiram e Drake conduziu-a para fora da pista.
Esmeralda correu até eles e perguntou:
- Está bem, querida?
- Não sei. Ainda tenho algum cabelo? - Sentia como se a maioria deles tivesse sido arrancada pelas raízes.
- Parece-me intacto - Drake garantiu.
- Ótimo, só preciso me livrar deste objeto de tortura. A governanta a acompanhou até o banheiro feminino e a ajudou a tirar os milhares de grampos que Bridget usara.
- Não sei como consegue se meter em tantas confusões - Esmeralda comentou meneando a cabeça.
Tentando arrumar o cabelo de alguma forma, Gina respondeu:
- Também não. Se bem que dessa vez a culpa não foi minha.
- Bem, volte para o baile enquanto me livro disto aqui - a governanta replicou.
- Não vai estragá-lo, vai? - Gina não queria que Jack e Bridget se metessem em apuros por causa de uma fantasia arruinada.
- Não. Vou pedir a uma das garotas que o leve ao seu quarto.
Agora vá e aproveite a dança com o Sr. Manton. Gina! - ela a chamou. - Tente não se meter em mais trapalhadas.
- Vou tentar.
Drake a aguardava e a levou de volta à pista. Dançaram mais algumas valsas, mas o clima já não era o mesmo desde a interrupção de Shorty,
À meia-noite, a banda tocou uns acordes de suspense e todos retiraram as máscaras. Ouviram-se exclamações de surpresa. Gina, que já tinha desvendado a maioria das pessoas, só estava aliviada por se livrar do adorno.
Em seguida o major chamou a atenção de todos:
- Senhoras e senhores, tenho o prazer de anunciar a famosa madame Rulanka! Aqueles que desejarem assistir à apresentação da renomada espiritualista, por favor, encaminhem-se para o auditório. Os que preferirem continuar a dançar, fiquem à vontade. A banda continuará a tocar.
Quase três quartos da multidão saíram e quando Gina tentou segui-los foi detida por Drake.
- Vamos ficar? - ele convidou num tom suave.
- Ouvi tantos comentários a respeito de madame Rulanka. Quero conhecê-la.
- Não prefere dançar?
Sim, preferiria, entretanto tinha se esforçado muito para que a espiritualista desse uma mãozinha em sua tarefa com Drake...
- Oh, não. Preciso vê-la. Lembra-se que prometi a Letty escrever contando como havia sido a apresentação? - Drake franziu a testa, mas antes que pudesse fazer qualquer objeção, ela continuou: - Não posso ir sem um acompanhante, o major ficaria furioso. - Aquilo não era necessariamente verdade, porém precisava levá-lo ao espetáculo. - Por favor, venha comigo.
Ainda que a expressão no rosto dele indicasse não querer participar daquela farsa, ele, sempre galante, anuiu. Ofereceu o braço, e Gina exultou por dentro.
Dessa vez o esquema dela daria certo. Tinha que dar.
Drake não sabia o que Gina estava aprontando, contudo estava claro que havia alguma coisa por trás daquilo. Lamentava, entretanto, ter de deixar o baile. Já havia tanto tempo que não fazia algo frívolo e estava se divertindo muito, especialmente na companhia dela. Segurá-la nos braços, conversar sobre coisas sem importância e partilhar da alegria dela em simplesmente dançar fora um prazer. Por que, então, ela tinha de encurtar essa diversão para ouvir uma farsante com uma bola de cristal?
Depois que todos estavam acomodados, ouviu-se o som pungente de um violino com a entrada de um homem alto e magro. As cortinas se abriram de forma dramática e uma senhora de meia-idade vestida em tons de dourado e vermelho e uma echarpe na cabeça se fez ver no centro do palco. Ela abriu os abraços diante dos aplausos e sentou-se à pequena mesa.
O homem terminou a música de forma melancólica e, abaixando o instrumento, disse numa voz ressonante que reverberou pelo auditório:
- Estão diante de uma oportunidade rara. Madame Rulanka, a rainha dos egípcios, famosa espiritualista e médium, dignou-se a agraciar este local com a sua presença.
Alguns comentários e murmúrios se fizeram ouvir. Drake bufou, mas foi cutucado por Gina, e o homem comandou:
- Silêncio! Os espíritos só aparecem se houver tranqüilidade...
A platéia se aquietou e ele indicou Rulanka que pousou as mãos na mesa e inclinou a cabeça para trás. As luzes diminuíram e tudo ficou escuro, à exceção da mulher no palco.
Ela começou um ritual para conclamar os espíritos e Drake duvidou que eles a deixassem na mão com tantas pessoas presentes.
Então a figura vaga de um homem vestido de branco apareceu flutuando e falou algo incompreensível.
- Quem está aí? - Rulanka perguntou e aguardou. - O antigo czar da Rússia...
Drake ouviu uma exclamação no fundo da platéia, virou-se e viu o chef do hotel.
Rulanka jogou as mãos para o alto e disse:
- Ele deseja falar com um de seus empregados prediletos... Sasha?
O cozinheiro emitiu um som parecido com um soluço e fixou o olhar no palco.
- Ele diz... Ele diz que não precisa chorar por ele. Está num lugar melhor agora, ainda que sinta saudades dos banquetes que preparava para ele.
Sasha descambou a falar em russo, virou-se e saiu aos prantos de alegria.
Murmúrios se seguiram pela platéia, mas logo silenciaram diante do comando do homem magro.
Logo em seguida, uma pequena aparição se fez ver perto do chão.
- Quem é? - Rulanka indagou. Depois de ter, aparentemente, recebido uma resposta, perguntou: - Poopsie? Alguém conhece algum Poopsie?
A mulher sentada diante de Drake arfou e disse:
- Meu cachorrinho?
Satisfeita, Rulanka completou a mensagem:
- Ele diz que sente a sua falta e que a ama muito... E que ficará esperando até que você se junte a ele do lado de lá.
- Obrigada! Oh, obrigada - a mulher agradeceu e choramingou num lenço.
Drake olhou ao redor, perguntando-se se ninguém percebia o ridículo da coisa. Seu único consolo era que, apesar de ser uma fraude, a mulher não era má, pois levava "mensagens" re-confortantes para os vivos. Todavia, já tinha visto o bastante.
- Vamos sair - sussurrou para Gina.
- Ainda não - ela respondeu tensa. - Quero ver até o final. Ouviram ainda o fantasma de uma mulher falar com o viúvo e depois mais uma aparição feminina se fez notar.
- Quem é? - a espiritualista perguntou. Depois de uma pausa prosseguiu: - Charlotte Ruxton? Alguém conhece Charlotte Ruxton?
Drake ficou duro de raiva. Como ousavam trazer sua irmã à tona? Ao seu lado, Gina ofegou e lançou-lhe um olhar apreensivo. Tentou se levantar, mas ela o segurou firme, e Rulanka continuou:
- Charlotte tem uma mensagem para o irmão dela. - A mulher fez uma pausa. - Precisa dar ouvidos à jovem que veio de tão longe para adverti-lo ou acabarão se encontrando antes do tempo. Preste atenção, pois ainda não é a sua hora.
Isso só podia ser mais uma das invenções de Gina. Tremia de indignação. Maldita ela e maldita essa madame Rulanka.
- Desta vez você foi longe demais - ele sibilou. Desvencilhando o braço, disparou para fora do auditório sem nem olhar para trás.
Capítulo V
Gina permaneceu sentada por um instante, atordoada demais diante daquela reação. A falta de compostura dele, não importando a razão, era tão díspar com seu comportamento habitual que encontrou dificuldade em compreender. Logo, porém, se recobrou do susto e se levantou para segui-lo, embora tomasse o cuidado para manter um andar apropriado a uma dama.
Apesar de o público estar entretido com o espetáculo, duvidava que o major não notasse sua saída se não fosse cuidadosa.
Já do lado de fora, deixou a precaução de lado e correu para alcançá-lo.
- Drake, espere!
Ele nem diminuiu o passo, as costas rígidas denunciando seu estado de ânimo.
Não podia condená-lo depois do acontecido no teatro, porém não era culpa sua. Rulanka tinha ultrapassado os limites.
Continuou seguindo pelos corredores do hotel onde vários casais já deixavam o baile. Não queria correr nem gritar o nome dele para não provocar um escândalo que, sem dúvida, chegaria aos ouvidos do gerente. Esperou até que deixassem o maior movimento para trás e, ao chegarem à ala oeste, se apressou em alcançá-lo. Segurou-o pelo braço e o deteve.
- Não fui eu - ela disse, ofegante. - Não fiz nada!
Os olhos deles se mostraram descrentes.
- Espera que eu acredite nisso?
- Sim, porque é a verdade.
- Deixe-me entender essa história. Deu informações sobre os hóspedes e funcionários à madame Rulanka ou não?
- Bem, sim, mas...
- E você pediu ou não que ela me avisasse para sair do hotel?
- Sim, fiz isso também, mas...
- Foi o que pensei - ele a interrompeu de novo. Soltou-se e recomeçou a andar na direção do quarto.
- Drake, espere, deixe-me explicar.
Mais uma vez não houve resposta além da rigidez das costas dele.
Ela correu e se colocou na frente da porta para que ele não entrasse sem ouvi-la primeiro.
- Eu não falei de Charlotte.
- Nunca mais pronuncie o nome dela - disse por entre os dentes.
- É verdade. Não contei nada a respeito de sua irmã para madame Rulanka. Só pedi que o avisasse usando o seu próprio fantasma.
- Meu próprio fantasma? - Ele se mostrou confuso.
- Sim, lembra-se que me disse que só acreditaria em mim. Se seu fantasma aparecesse diante de você?
- Eu estava brincando. - O rosto dele voltou a endurecer,
- Não esperava que eu acreditasse em tal coisa, esperava?
- ele mesmo respondeu à pergunta. - É claro que não, por isso recorreu a Charlotte.
- Não fiz isso.
- Então como aquela impostora descobriu sobre minha irmã? Gina também vinha se perguntando aquilo.
- Não sei, alguma outra fonte...
- Você é a única pessoa por aqui que sabe a respeito de Charlotte.
- Não contei nada a ninguém, juro. Ela deve ter descoberto por meio de outra pessoa. - Então se lembrou de um detalhe.
- Ela disse o nome de casada de Char... De sua irmã. Eu não sabia disso, você nunca me contou.
- Você deve ter descoberto com seus amigos do jornal.
- Já disse que não tenho amigos em jornal algum! Talvez ela tenha.
Drake a olhou com frieza e Gina se arrependeu de ter provocado toda aquela confusão. Como desejava tê-lo de volta...
Ele colocou a chave na fechadura, esquivando-se dela, e destrancou a porta.
- Precisa acreditar em mim - ela implorou.
- Como posso fazer isso depois de tudo que já aprontou comigo? Tentou me assustar, fantasiou-se de fantasma, organizou um tour pelo Oeste... Isso tudo já era o; bastante, mas agora... Agora foi longe demais. Pensei que você fosse diferente.
- Dito isso, afastou-a e entrou no quarto, trancando a porta atrás de si.
Enfrentar o desapontamento dele era ainda pior do que a raiva. Enquanto olhava para a porta fechada, Gina se arrependia de ter ido procurar a espiritualista. Daria tudo para voltar a ser amiga de Drake. O que poderia fazer para convencê-lo de sua inocência? Melancólica, bateu à porta com frustração.
Nenhuma resposta. Apenas silêncio. O espetáculo devia ter terminado, pois os hóspedes começaram a voltar para os quartos. Não se importava com isso, ficaria ali até ele deixar que se explicasse. Ergueu a mão mais uma vez, antes de conseguir bater, porém, alguém a segurou pelo pulso.
- Quer mesmo causar esse tipo de escândalo? - Esmeralda perguntou. - Se o major souber disso, não conseguirei protegê-la.
- E quem se importa? No que depender de Drake, acho que já perdi meu emprego.
- Bem, se continuar a agir assim, não terá emprego algum.
- Depois de uma pausa, continuou num tom mais conciliatório: - Por que não o deixa se acalmar?
Gina cedeu, pois Esmeralda tinha razão. Ao acompanhar a governanta de volta à ala dos empregados, perguntou:
- O que faço agora?
- Não se preocupe. - Ela lhe deu uns tapinhas reconfortantes na mão. - Pensará em alguma coisa.
Aparentemente, Esmeralda tinha mais fé nela do que ela própria.
- Há alguma coisa que você possa fazer?
- Lamento. Se eu pudesse... Mas já me meti demais em sua vida.
- Não tem problema! Faça alguma coisa! Foi você e seu baú que me meteram nesta enroscada.
Esmeralda a encarou com um olhar duro.
- Esta última confusão não foi culpa minha. Conseguiu se atrapalhar sozinha...
Havia alguma verdade no que a governanta dizia. Não tinha contado nada sobre Charlotte, entretanto, como dera outras informações, parecia estar comprometida.
Deixou-se levar por Esmeralda até o quarto onde, sentada na cama, segurando Scruffy em busca de conforto, culpava madame Rulanka. Se tivesse mantido a parte dela no acordo...
E se conseguisse fazer com que a mulher explicasse tudo a Drake?
Pegou a folha do jornal do esconderijo e correu para a torre. Com o término do espetáculo, ela devia estar esperando a informação que queria.
Obviamente, dessa vez Rath não impediu a sua passagem.
- Trouxe a prova? - Rulanka perguntou com a mão esticada.
- Sim, mas antes me diga por que não cumpriu a sua parte no acordo.
- Como assim?
- Tinha de assustar Drake com o próprio fantasma, não o da irmã.
- Não foi melhor assim?
- Como foi que descobriu a respeito de Charlotte?
- Com a própria Charlotte - Rulanka respondeu calmamente.
- O quê?
- Sei que eu disse que os espíritos precisavam de ajuda - a mulher falou com divertimento na voz -, mas nem sempre é assim. Você me deu diversas informações, porém as últimas aparições foram verdadeiras. - Como Gina não disse nada, ela prosseguiu: - Sinto muito se aquilo não era o que esperava. Eu nem percebi que o espírito estava se dirigindo ao mesmerizador até ele se levantar e sair.
A mulher parecia crer naquilo, e mesmo que Gina não acreditasse, não conseguiria arrancar mais nada dela.
- O jornal, sim? - Ela voltou a estender a mão. Depois de lê-lo, voltou-se para Rath. - Então teremos de cancelar nossa viagem para Las Vegas. - Arqueou a sobrancelha. - Posso ficar com isso?
Gina meneou a cabeça e pegou o papel de volta.
- Ainda posso precisar dele.
Ao deixar a suíte da torre, sentia-se completamente abatida, sem saber como provar sua inocência. Sabia que Drake jamais acreditaria que aquele era o fantasma da irmã. Voltou a olhar para o jornal e, bem diante de seus olhos, o artigo que falava do desmascaramento de Rulanka desaparecia e era substituído por outro que enaltecia os seus poderes. Piscou surpresa, pensando se estava vendo coisas por estar cansada demais. Não, o artigo tinha definitivamente mudado, tal qual a foto de Marty McFly em De Volta para o Futuro. Estranho...
Bem, era reconfortante saber que poderia mudar o futuro... O artigo da morte de Drake, no entanto, continuava o mesmo.
Quando o Sr. Feeney deixou o consultório, Drake se demorou um instante antes de sair. Nos últimos dez dias desde o fiasco de madame Rulanka, o seu relacionamento com Gina andava muito desgastado. Esforçava-se ao máximo para se portar de maneira civilizada diante dela e desejou não ter de encará-la, embora ela estivesse na sala de espera.
Seu primeiro instinto tinha sido fazer as malas e partir a fim de nunca mais vê-la. Depois de ter se acalmado, percebeu que isso significava abandonar seus pacientes e deixá-la vitoriosa, pois era justamente o que ela vinha querendo: que ele fugisse. Isso, no entanto, não era de seu feitio. Era ela quem sempre fugia dos problemas. Por esse motivo, resolveu ficar.
Chegou a pensar em demiti-la, sem se importar com as conseqüências. Contudo, mais coisas além do sustento dela estavam em jogo. A maioria de seus pacientes sofria dos nervos e necessitava do amparo de uma rotina pré-estabelecida. Poderiam se abalar se não encontrassem Gina na sala de
espera. Além disso, ter de explicar que a demitira porque ela simulara a aparição do fantasma de sua irmã comprometeria a reputação dos dois, visto que pareceriam mais instáveis que os próprios pacientes.
E pensar que quisera se casar com essa mulher. Quisera? Não. Sentira-se obrigado. Depois da noite de paixão partilhada sentiu-se na obrigação de oferecer a proteção de seu nome. Qualquer coisa que pudesse imaginar além disso não passava de... fantasia.
Havia sonhado em ter uma esposa que fosse mais do que um simples ornamento. Uma mulher que partilhasse sua cama, lhe desse filhos e iluminasse o resto de seus dias. Gina, entretanto, não era essa mulher. Provara ser cruel e desajuizada. Ainda não entendia como pudera pensar nela para ser sua esposa.
Seu único consolo era que aparentemente nenhum fruto resultará do encontro deles. Portanto, não havia mais motivos para se sentir obrigado. Meneou a cabeça, forçando-se a se lembrar que jurara não se envolver com qualquer mulher até ter cumprido sua promessa com Charlotte.
Ouviu uma batida suave à porta e Gina abriu-a com insegurança. Ele ainda não conseguia deixar de ficar tenso diante dela.
- Pois não? - disse de maneira fria. - O próximo paciente já chegou?
- Não. A Sra. Rutledge enviou um bilhete dizendo que está doente.
- Então encerramos por hoje - disse num tom de dispensa ao arrumar os papéis. - O que foi? - perguntou rude ao ver que ela ainda estava lá.
Gina deu alguns passos e disse:
- Por favor, só queria...
- É a respeito de algum paciente? - ele a interrompeu.
- Não, eu...
- Então não quero saber. - Já ouvira declarações de inocência em demasia. Se não tinha acreditado até então, o que o faria mudar de idéia?
- E as ameaças de Shorty? - ela perguntou mordendo os lábios.
- O que tem elas?
- Ele foi visto na cidade, ameaçando se vingar de você por tê-lo humilhado duas vezes.
- Não me preocupo com ele - Drake suspirou. - Ele é um fanfarrão. E se não fez nada até agora, duvido que um dia venha a fazer.
- Ele fará se ficar bêbado o bastante para tomar coragem. Além disso, o jornal diz que...
- Já basta! - Ela não sabia pensar em nada mais? - Sei cuidar de mim. - Quando Gina abriu a boca para protestar, ele sentenciou: - Não quero mais saber dessa história.
- Está bem, mas falará de Annabelle?
- O que há com ela? Está doente?
- Não acredito que esteja doente. Acho que o marido a obrigou a escrever esse bilhete.
- Por que ele faria isso?
- Porque há rumores a respeito de vocês dois.
- Que tipo de rumores? - Só faltava ela mencionar o maldito artigo novamente.
- Ouvi alguns homens na sala de espera fazendo comentários com ele... Comentários sobre você a atender a sós.
- Atendo muitas pacientes a sós - ele retrucou.
- Nenhuma tão bonita... Ou com um marido tão ciumento.
Drake franziu o cenho. Não tinha permitido que Gina participasse das sessões por temer que a mulher se sentisse intimidada e não se abrisse.
- Se este é algum plano para que a deixe assistir às sessões, esqueça. - Gina ainda tinha a idéia absurda de que ele fugiria com a Sra. Rutledge.
- Bem, acredito que eu seria capaz de ajudar, mas esse não é o motivo pelo qual mencionei isso. Acho que o Sr. Rutledge está começando a suspeitar que algo está acontecendo. Ele também me disse que não vê nenhuma melhora nela. Acho que ele não quer que ela volte.
- Por que começou a se preocupar com Annabelle?
- É o seguinte: sei que não vai desistir de tratá-la, então pensei que posso conseguir ajudá-lo a curá-la mais rápido descobrindo um modo de incutir um pouco de coragem nela e, ao mesmo tempo, acalmar os ânimos do marido.
Os argumentos dela faziam sentido. Deixando de lado seus sentimentos em relação a Gina, decidiu voltar a discuti-los com ela. Sentira falta de seus comentários perspicazes nas últimas duas semanas. Talvez ela tivesse alguma idéia de como poderia lidar com aquela paciente.
- Não é tão fácil assim. - Fez um gesto para que ela se sentasse. - Você e eu podemos pensar que Annabelle precisa é de coragem para enfrentar o marido, mas ela precisa de ajuda para perceber isso. Afinal de contas, o motivo pelo qual vem se consultando é melhorar suas atitudes para agradá-lo.
Gina começou a relaxar diante da renovada abertura de Drake.
- Já conseguiu com que ela se abrisse?
- Um pouco. O problema principal, ao que parece, é que ela é incapaz de agradar o esposo.
- Esse não seria um problema do marido e não dela?
Se não fosse por Charlotte, estaria tentado a duvidar da interpretação de Gina, mas depois do que a irmã passara em seu Casamento... Tinha de admitir que o problema da Sra. Rutledge era o marido.
- É possível, porém isso não altera o fato de que ela está em desespero por causa das ações dele. - E fora exatamente esse tipo de sentimento que levara Charlotte a tirar a própria vida. Não podia se responsabilizar por mais uma morte. - Ela acredita nele.
- Precisamos, então, encontrar uma maneira de fazê-la acreditar em seu próprio valor e agradar o marido, ao mesmo tempo em que o deixamos confortável com o fato de que você continuará com as consultas?
- Acho que colocou bem a questão. Gina franziu o cenho, pensativa.
- Parece uma tarefa difícil. Podemos resolver a última parte se me deixar assistir às sessões. - Antes que ele dissesse qualquer coisa, ela levantou a mão. - Não estou sugerindo isso para vigiá-lo; só acho essencial que o Sr. Rutledge a deixe continuar com o tratamento.
Infelizmente ela tinha razão.
- Está bem, falarei com ele - Drake concordou apesar de ter de encontrar uma desculpa para justificar a repentina presença de Gina.
- Ótimo. - Ela soltou um suspiro. - Então sugeriremos algumas coisas que poderão apaziguar o marido sem que ela tenha de se rebaixar.
- Podemos cuidar disso. Mas o principal problema dela foi o que mencionou antes: fazê-la entender que não é tão imprestável quanto o marido a faz crer.
Gina assentiu e pensou numa sugestão:
- Talvez você pudesse falar da experiência de Charlotte com...
- Já a proibi de mencionar o nome de minha irmã! - ele esbravejou.
Ela se assustou com a explosão e Drake se endureceu para não notar a dor nos olhos dela. Não tinha por que se sentir culpado; ela merecia aquele tipo de tratamento depois do que aprontara. Na verdade, ele merecia parabéns por voltar a falar com ela.
Ainda bravo, levantou-se, pronto para sair.
- Se isso é tudo...
Uma centelha de raiva faiscou dos olhos de Gina ao se levantar da cadeira.
- Não é só isso. Pode não querer ouvir, mas volto a afirmar que não sou responsável pela aparição do fantasma de sua irmã.
- Está certa em um ponto: não quero ouvir isso.
- Mas é a verdade!
- A verdade? - ele escarneceu. - Duvido que saiba o que isso significa.
Os punhos de Gina cerraram como se ela estivesse pronta para esmurrá-lo.
- Esse foi um comentário muito maldoso.
- Merecido, porém - ele rebateu.
- Posso provar o que estou dizendo.
- É mesmo? E como pretende fazer isso?
- E se eu deixar que me mesmerize? Você acreditaria em mim, então?
Ele ficou estático. Gina finalmente concordaria em ser mesmerizada? Devia achar que conseguiria enganá-lo de alguma forma. O que ela não sabia era que ele tinha meios de se certificar se a pessoa estava, de fato, em transe. Depois que a tivesse sob controle, descobriria de uma vez por todas o motivo de ela querer que ele deixasse o hotel.
Manteve o tom de voz impassível ao dizer:
- Poderia acreditar, sim, se tiver certeza que está sob a influência do mesmerismo.
- Encontre-me aqui depois do jantar, então - ela falou mordaz. - Se acredita poder lidar com a verdade.
- Posso sim, tenha certeza disso - ele assegurou. Ah, como queria saber a verdade!
Ansioso por saber a verdade sobre o passado de Gina e os motivos pelos quais ela queria fazê-lo deixar o hotel, Drake chegou mais cedo ao encontro deles. Enquanto brincava com o disco giratório, ficou pensando se finalmente saberia de tudo... E se, de fato, queria saber.
A princípio acreditava que Gina fosse uma criada impertinente. Então, foi lentamente conquistado por aquela impertinência até ser totalmente cativado pela forma aberta com que ela se entregava ao amor a ponto de considerá-la a altura de ser sua esposa. Isso tudo, é claro, terminou com a percepção de que ela não passava de uma traidora.
As muitas faces de Gina... Qual ela mostraria agora?
Gina chegou e entrou, fechando a porta atrás de si. Drake lhe ofereceu uma cadeira e percebeu que ela se mostrava muito nervosa, o que disparou o seu lado profissional.
- Não se preocupe, não vai sentir nada.
- É o que você acha - ela respondeu com um ar duvidoso.
- O que a preocupa?
- Não sei o que vai encontrar quando estiver fuçando em minha mente.
Essas palavras atiçaram uma imagem interessante, porém ele se apressou em acalmá-la.
- Só quero saber a verdade.
- E se perguntar coisas que não estão relacionadas ao assunto?
Ficou curioso em saber o que ela tinha a esconder.
- Do que tem medo?
- Não sei. - Gina franziu a testa. - É difícil de explicar, mas o principal é que meus pensamentos e sentimentos são particulares. Não quero deixá-los expostos para que qualquer um os conheça.
"Qualquer um" certamente se referia a ele, já que não havia mais ninguém na sala. Já tinha se deparado com aquele tipo de resistência antes, contudo não esperava isso de Gina, sempre tão aberta e franca.
- O que posso fazer para ajudá-la a relaxar?
- Desistir da idéia de me mesmerizar.
- Isso não será possível. Não se quer me convencer de que está falando a verdade.
- Era o que eu temia. - Ela se entristeceu.
- Existe alguma outra coisa que eu possa fazer para acalmá-la?
Ela refletiu por um instante, depois disse:
- Ficaria mais tranqüila se prometesse ficar dentro de certos limites.
- Está bem, quais são eles?
- Não quero que me pergunte coisas que não sejam de sua conta. Atenha-se a perguntar por que estou aqui e o que aconteceu com madame Rulanka.
- E por que quer que eu deixe o resort,é claro. Ela fez um gesto de dispensa com a mão.
- Isso está ligado ao motivo de eu estar aqui.
- Como posso saber se estou ultrapassando esses limites? Para chegar à verdade tenho de fazer perguntas criteriosas.
Ela o advertiu com um olhar.
- Use seu bom senso. Não faça nenhuma pergunta que seria incapaz de formular caso eu estivesse consciente.
- Combinado.
- E quero me lembrar de tudo depois de terminado.
- Está certo. - Erguendo uma sobrancelha, perguntou: - Agora, se está pronta para relaxar...
A boca de Gina se comprimiu numa fina linha quando ela afirmou:
- Acho que sim...
- Ótimo. - Ele a fez se recostar de maneira confortável na cadeira.
Era hora de usar o disco giratório. Concentrar-se nos padrões que giravam pareceu ajudar Gina a se soltar e apesar de ter levado mais tempo do que o normal, ela acabou entrando em transe.
Drake não costumava duvidar de seus pacientes, com Gina, porém, seria melhor se certificar. Sugerindo que ela tinha perdido o sentido do braço esquerdo, alfinetou-a disfarçadamente. Embora uma gota de sangue tivesse surgido, ela não exprimiu nenhuma reação de dor. Sim, estava convencido de que ela estava em transe.
Com um suspiro, analisou-a. Era uma sensação inebriante saber que a mente dela estava sob seu controle, vulnerável a qualquer sugestão sua. Achou intrigante que ela não tivesse se preocupado com essa possibilidade.
Deixando tais pensamentos de lado, concentrou-se no que tinha de fazer em seguida.
- Qual o seu nome?
- Regina Marie Charles.
Pelo menos não tinha mentido sobre isso.
- De onde vem?
- Richmond, Virgínia. Ate aqui, tudo bem.
- Quando nasceu?
- Mil novecentos e setenta e três.
Impossível! E, no entanto, ela ainda parecia estar em transe. Como ela conseguia mentir? Incrédulo, foi adiante.
- Estamos em mil oitocentos e oitenta e cinco. Como explica o fato de ter nascido mais de oitenta anos depois disso?
- Viajei no tempo.
- Como isso é possível?
- Não sei. Ele ainda não acreditava. A fim de verificar se a história dela continuaria consistente, perguntou:
- Como se deu a viagem?
- Não sei - ela repetiu. Essa simples resposta era bastante reveladora. Sob a influência da mesmerização as pessoas costumavam ser bem literais. Se Gina estivesse consciente, teria entendido a pergunta e respondido de maneira adequada. Isso significava, então, que devia estar dizendo a verdade. Reformulou a pergunta:
- Descreva os eventos que cercaram a sua viagem do futuro para o presente.
- Fui com você e com Scruffy até as ruínas...
- Comigo? - ele a interrompeu.
- Com seu fantasma - Gina respondeu de maneira pragmática.
Ao que tudo indicava, ela continuava a acreditar nisso.
- Prossiga, por favor.
- Fui com você e com Scruffy até as ruínas do Chesterfield. Você encontrou um baú de enxoval e me chamou para ver o que havia dentro dele. Eu o abri e encontrei um monte de bugigangas.
- Que tipo de bugigangas?
- Uma correntinha quebrada, algemas partidas, a insígnia de um xerife, uma placa amassada com um nome e uma antiga pistola de duelo com o cabo parcialmente derretido.
- E o que aconteceu em seguida?
- Segurei a pistola, fiquei tonta e me vi no passado diante de Esmeralda Sparrow.
Ele franziu a testa. A história era consistente, porém ilógica.
- Por que quer que eu deixe o hotel?
- Se não fizer isso, morrerá em um incêndio em 22 de dezembro com sua amante, Annabelle Rutledge.
- Ridículo! - ele explodiu. - Como pode saber disso?
- Por causa do artigo do jornal - ela o lembrou. Isso não estava ajudando em nada.
-Annabelle Rutledge não é minha amante - ele declarou. Talvez se ouvisse isso mesmerizada fosse capaz de acreditar nele. A única mulher por quem se sentia atraído era Gina, e ela o tinha traído.
Curioso, ele continuou:
- Se eu partir, o que acontecerá?
- Terei cumprido minha missão e poderei voltar para casa. A declaração o incomodou.
- Por que quer voltar?
- É o meu lar. O lugar a que pertenço.
- O que a espera que é tão importante? - Não podia ser nem a mãe, nem o noivo traidor.
- Televisão, microondas, carros, computadores, filmes, chuveiros aquecidos, shopping centers, drive-throughs, sorvete...
- Já chega.
Gina ficou calada de imediato e ele se deu conta de que não havia entendido metade das palavras dela, mas o tom de voz estava tão impregnado de saudade que tornava tudo real. Ficou em dúvida se ela era do futuro ou se só tinha uma imaginação muito vivida.
Decidiu mudar de rumo e perguntar sobre a apresentação da espiritualista impostora.
- Quem contou a madame Rulanka sobre a morte de Charlotte?
- Charlotte.
- O quê? Isso é impossível. - Como Gina não elaborou a resposta, ele pediu: - Explique, por favor.
- Madame Rulanka disse que o fantasma de Charlotte entrou em contato com ela.
- E você acreditou nisso?
Gina hesitou um momento.
- Não sei.
- O que contou sobre Charlotte a madame Rulanka?
- Nada.
Drake fez a mesma pergunta de diversas maneiras e a resposta foi sempre a mesma: ela não mencionara sua irmã a impostora e a mulher alegava que o espírito de Charlotte se manifestara de livre vontade. Diante do fato de Gina se mostrar reticente quanto à veracidade daquilo, ele ficou inclinado a acreditar nela. A farsante devia ter descoberto a respeito de Charlotte de alguma outra maneira.
Um fardo enorme saiu de seus ombros. Nem ele nem a memória de Charlotte tinham sido traídos. Gina estava mesmo dizendo a verdade. Com relação a essa questão, pelo menos.
Como tinha terminado sua busca, era hora de encerrar a sessão. Até pensou em implantar alguma sugestão no cérebro Pela para que deixasse de ter ilusões quanto à viagem no tempo. Contudo, ela não tinha se submetido à mesmerização para se tratar, e seria antiético fazer isso sem o seu consentimento, Com certa relutância, trouxe-a de volta à consciência.
Gina ficou parada um instante, como se estivesse se certificando que tudo acontecera conforme o combinado. Aparentemente aliviada, suspirou sorrindo e perguntou:
- Acredita em mim agora?
- Lamento dizer que não - ele respondeu num tom de voz calmo.
- Por que não? Você ouviu, a história bate!
- Sim e esse é o problema. Se continua a acreditar nessas ilusões mesmo em transe, seus problemas devem ser ainda mais profundos do que eu suspeitava. Precisa de ajuda, Gina, mas sinto que isso esteja além de minhas capacidades.
Ela ficou boquiaberta, incrédula diante de tanta obstinação. O que seria necessário para que ele se convencesse?
- Tenho provas. Lembra-se do artigo sobre a sua morte? - Pegou o jornal do bolso e estendeu-o.
- Já passamos por isso antes... - Ele se recusou a pegar a folha.
- Lembra-se do artigo ao lado de seu obituário?
- O que isso tem a ver? Sem responder, ela insistiu:
- Seja bonzinho e coopere... Sobre o que era a matéria? Franzindo o cenho, ele pensou e respondeu:
- Era sobre uma espiritualista, desmascarada por fraude. Que bom que ele se lembrava.
- Sim, a mulher era madame Rulanka.
- Por que não estou surpreso? - ele se perguntou sarcástico.
- Antes que fosse embora, eu mostrei o artigo a ela. - Não havia motivos para revelar o porquê. - Assim que ela decidiu mudar o itinerário, o artigo se transformou.
- Se transformou no quê? - ele perguntou cético. - Num fantasma?
- Muito engraçado... Veja por si mesmo. - Estendeu o papel e dessa vez ele o pegou.
Drake passou os olhos pela matéria e perguntou:
- Está afirmando que o artigo mudou depois que mostrou o jornal para ela e agora está elogiando a impostora?
- Sim, vi bem diante de meus olhos. - Como ele não emitiu reação, voltou a perguntar: - Acredita em mim?
Ele meneou a cabeça entristecido.
- Não, mas acredito que você tenha mais engenho do que eu tinha suposto. Este não é o mesmo jornal, você o mandou modificar.
- Olhe para o rasgo, foi você quem o fez da última vez, lembra? Está no mesmo lugar!
- Belo toque - ele concedeu passando o dedo pela beirada do papel. - Lembrou-se de rasgá-lo para que ficasse igual ao outro.
Maldição! O homem era teimoso! Totalmente exasperada, Gina arrancou o jornal das mãos dele, dobrou-o, voltou a guardá-lo e decidiu que era hora de dar sua última cartada.
- Está certo, homem teimoso. Não queria chegar a este ponto, porém teremos de falar com Esmeralda sobre isto.
- A Srta. Sparrow? Por que quer envolvê-la nessa ilusão?
- Porque não é uma ilusão! É a verdade, e ela pode confirmar. Acreditará em mim, então?
- A Srta. Sparrow é racional e sã demais para acreditar em fantasmas, viagens no tempo e esse monte de besteiras.
- Se ela confirmar, vai acreditar em mim?
- Está bem, acreditarei se ela confirmar. Mas terá de me prometer uma coisa.
- O quê?
- Se ela não corroborar a sua versão, terá de concordar em procurar ajuda profissional.
Que tipo de ajuda?, Gina pensou.
- Não está se referindo a uma instituição mental, está? Só quer que eu procure um médico, certo? - Se por algum motivo Esmeralda não ratificasse sua história, não queria estar presa num sanatório no dia do solstício.
- Não estou desconsiderando a idéia de uma instituição - ele afirmou. - Se você se mostrar um perigo para si mesma e para os outros, essa é uma possibilidade.
Sabia que ele não acreditava muito em sua sanidade, mas ter a certeza de que ele seria capaz de interná-la doía demais.
- Como pode pensar em fazer isso comigo? Não desejo esse destino ao meu pior inimigo.
- Nem eu - ele garantiu. - A menos que seja estritamente necessário. Então, temos um acordo?
Não estava bem certa se Esmeralda concordaria em falar sobre o assunto, porém precisava se arriscar. Deus do Céu! A que precisava se submeter para salvar a vida daquele homem cabeça-dura!
- Combinado. Vamos, então.
- Para onde?
- Encontrar Esmeralda e acabar de vez com essa história.
- Se quer mesmo... - Drake disse suspirando. Era aparente a descrença dele.
Encontraram Esmeralda ainda trabalhando, cuidando de uns últimos detalhes, e levaram-na para uma sala adjacente onde ficaram se encarando.
Cruzando os braços diante do peito, ela perguntou:
- O que querem?
- A Srta. Charles me contou uma história um tanto inusitada sobre as origens dela e insiste em dizer que a senhorita seria capaz de confirmá-la - Drake disse.
Esmeralda lançou um olhar zangado para Gina, que apressou-se a dizer antes que fosse condenada a passar o resto de seus dias num sanatório:
- Tive que fazer isso. Ele não acreditava em mim. Drake olhou-a desconfiado.
- Quer dizer que ela sabe sobre essa história?
- É claro que sim. Já disse uma vez que foi por causa dela que estou aqui. -Virando-se para Esmeralda, pediu: - Conte para ele. - Quando a governanta continuou calada, ela reforçou o pedido: - Por favor? Se não o fizer, ele vai me trancar numa instituição para sempre e eu não conseguirei cumprir a minha tarefa.
Esmeralda suspirou e indicou umas cadeiras para que se sentassem.
- Está certo. Sr. Manton, o que deseja saber?
- Conte sobre... - Gina começou a falar, mas foi interrompida por Drake.
- Não! Quero saber a versão da Srta. Sparrow sem a sua interferência.
- Está bem... Desde que seja a história verdadeira. Esmeralda encarou seriamente Drake e disse:
- Antes de mais nada, tem de me dar a sua palavra de que não repetirá a ninguém o que ouvir nesta sala.
- Combinado. Pode me explicar como a Srta. Charles chegou aqui?
- Ela chegou ao Chesterfield no solstício de verão.
- Vindo de onde?
- Do futuro.
Ufa! Os ombros de Gina desabaram de alívio. Por um instante chegou a pensar se Drake estava certo e a louca era ela! No entanto, essa simples afirmação mandara para os ares a teoria de Drake, que no momento parecia um tanto assombrado.
- Está se sentindo bem, Sr. Manton?
Gina quase riu. O tom prático de Esmeralda estava completamente fora de sintonia com as palavras proferidas.
- Desculpe, mas... Acabou de afirmar que a Srta. Charles veio do futuro?
- Sim.
- Ela pediu para que dissesse isso?
- Claro que não - Esmeralda negou com veemência. - Ninguém conseguiria me obrigar a afirmar uma mentira.
- É claro que não...-Drake murmurou ainda pasmo. - Então como explica essa afirmação?
- Eu nunca me explico, meu caro. - Esmeralda deu um sorriso.
Gina reprimiu um riso e desejou, mentalmente, sorte a Drake se queria extrair mais informações da governanta. Parecendo surpreso, Drake fez nova pergunta:
- Poderia, então, me falar da tarefa da Srta. Charles?
- Não acredito que seja necessário. Estou certa de que ela já lhe falou disso.
- O artigo é verdadeiro, então? Vou morrer em 22 de dezembro?
- É bem possível a esta altura... Mas não inteiramente imutável.
Drake meneou a cabeça com lentidão. Gina sabia como ele se sentia. Lidar com viagens no tempo e fantasmas já era o bastante, mas saber quando e como iria morrer era muito mais horripilante.
- Existe a possibilidade de eu não morrer nesse dia? Mostrando enfado pela primeira vez, Esmeralda disse:
- A Srta. Charles mostrou ao senhor que é possível mudarmos o destino como ela fez com madame Rulanka. Se não fizer nada, no entanto, sua sina será mantida.
Gina nem se deu ao trabalho de perguntar como a governanta sabia da história da espiritualista.
- Acho muito difícil de acreditar nisso tudo - Drake sentenciou.
- Isso é óbvio! Eu nem deveria estar tratando desse assunto, porém o senhor tem se mostrado deveras obstinado.
- Como posso saber se não está afirmando tudo isso para evitar que a Srta. Charles acabe em uma instituição mental?
Esmeralda refletiu um segundo.
- Por que eu comprometeria minha própria liberdade para corroborar a história dela? Se ela for julgada insana, eu não corro o mesmo risco?
Gina logo percebeu que Drake considerava o argumento válido, embora ainda não parecesse convencido.
- Gostaria de mais provas - ele disse com firmeza.
- Francamente, Sr. Manton... Tem a minha palavra, que provas precisa ainda?
Ele se mostrou surpreso, mas em vez de responder e correr o risco de ser mal-educado, voltou-se para Gina:
- Onde está a pistola que supostamente a trouxe para cá?
- Já disse que não sei - ela respondeu.
- E o baú?
- Não o vi ainda.
- Está em meu quarto - Esmeralda informou. Virando-se para Gina, Drake perguntou:
- Já esteve no quarto da Srta. Sparrow?
- Claro que não - Esmeralda respondeu em seu lugar. - Não encorajo as moças a me procurar lá, pois é onde consigo ficar sozinha.
- Isso mesmo, nunca estive lá - Gina disse, pensando que a governanta, na verdade, não permitia que elas fossem ao quarto dela.
- Descreva o baú para mim - Drake pediu.
- É de madeira, com alças de latão, belas flores gravadas e as iniciais dela na frente. Ah, sim, há umas gavetinhas na parte baixa. - Curiosa, perguntou: - Por que quer saber?
Drake se virou para a governanta:
- Se possível, gostaria de ir ver o baú. Posso? Esmeralda hesitou, mas acabou concordando.
- Se isso for ajudar... - Ela se levantou e seguiu para a porta. - Venham comigo.
Ao entrarem no quarto dela, Drake logo se viu atraído pelo baú ao pé da cama. Até mesmo Gina se surpreendeu ao notar que o objeto era exatamente como se lembrava, só que bem mais novo.
Ele se ajoelhou para levantar a tampa e Gina gritou:
- Não!
Drake se virou curioso.
- Por que não?
- Porque da última vez que abri esse baú, ele me mandou para cá...
- Está tudo bem - Esmeralda garantiu. - O portal só é ativado nos solstícios e não há nada dentro dele com que se preocupar.
Sentindo-se um tanto tola, Gina deu de ombros diante do olhar inquisidor de Drake.
Aproximou-se dele e espiou sobre seus ombros. Esperava ver o baú vazio, porém havia roupas lá dentro. Parecendo perplexo, Drake perguntou:
- Onde estão as algemas, a correntinha e as outras coisas?
- Foi isso o que encontraram aí? Bem, eu não saberia dizer, pois ainda não foram colocadas dentro do baú.
Ao notar o ar confuso de Drake, Gina explicou:
- Eu as vi no futuro, lembra? Acredito que elas vão parar no baú em algum momento entre agora e aquela data.
Queria crer que a expressão confusa dele significava que finalmente começava a acreditar.
- O que é isso, então? - ele perguntou ao ver as roupas. Gina observou-as melhor.
- São as minhas roupas. As que usava quando vim para cá. Embora os jeans não fossem desconhecidos naquela época, o seu par era muito mais sofisticado. O acabamento da costura e o zíper chamaram a atenção de Drake. Sem falar do velcro dos tênis.
Gina observou-o com um ligeiro sorriso nos lábios.
- Acredita agora?
Ele entregou a calça para ela com uma expressão distante.
- Não sei...
Gina sentiu um objeto duro no bolso e enfiou a mão para ver o que era. Uma moeda. Era bem oportuno. Entregando-a a Drake, disse:
- Veja isso.
- Vinte e cinco centavos - ele falou.
- Vire do outro lado - ela ordenou.
- Mil novecentos e noventa e um.
Ele ficou estático, encarando a moeda, e Gina desejou que a mente cética dele acreditasse na evidência que tinha nas mãos.
- É verdade - ele murmurou com olhos surpresos. -Você veio do futuro...
Gina revirou os olhos e exclamou:
- Bom Deus! Já era hora!
Quem sabe agora ele resolvesse seguir seu conselho e partisse?
Drake devolveu a moeda para Gina e se virou para sair. Não sabia para onde estava indo, só tinha certeza de que precisava ficar longe dali. Com o mundo virado do avesso, precisava de um lugar para refletir e colocar as coisas sob perspectiva. Passou pelos corredores indo para o consultório, sem perceber que Gina vinha em seu encalço. Deixou-se cair numa cadeira e escondeu o rosto nas mãos, a cabeça dando voltas.
Era difícil de acreditar em algo tão impossível, entretanto, já não tinha escolha. Seus estudos científicos provaram inúmeras vezes que o princípio da navalha de Occam era válido: a explicação mais simples, não importando o quão absurda fosse, normalmente era a correta. Portanto, em vez de acreditar que Gina e a Srta. Sparrow tinham arquitetado uma maneira de fazê-lo acreditar naquele absurdo, não restava opção senão confiar que diziam a verdade.
Se conseguisse crer em uma única coisa, que Gina tinha viajado no tempo, todo o resto fazia sentido.
- Drake, está se sentindo bem? - ela perguntou preocupada.
Não, não estava bem. O absurdo se estendera sobre ele. Não só isso, como também agora acreditava saber o dia, o local e o modo como morreria.
- Estava dizendo a verdade - ele admitiu.
- Sim, eu estava.
- Sinto muito por não ter acreditado em você antes.
- Tudo bem, mesmo para mim foi difícil crer.
De súbito ele sentiu uma necessidade premente de saber mais.
- Ainda tem o artigo?
- Sim, por quê?
- Posso vê-lo?
Ela o tirou do bolso e deu a ele. Drake alisou o papel e leu o artigo atentamente, dessa vez como uma narrativa verdadeira, não como um pedaço de ficção.
- Precisa deixar o resort imediatamente - Gina insistiu. Drake meneou a cabeça lentamente.
- Esta parte sobre a Sra. Rutledge não pode ser verdade. Nunca poderia me envolver com uma mulher casada. Deve saber disso...
- Foi o que seu fantasma afirmou também - ela informou sem parecer estar convencida.
- Se isso está errado, todo o resto também pode, não? Ela negou com um gesto de cabeça.
- Sinto muito, mas isso não faz sentido. Mesmo que tenham errado nessa parte, duvido que tenham reportado falsamente duas mortes no incêndio.
- É verdade...
- Então, vai partir agora? - perguntou cheia de esperanças.
- Não posso, não até ter ajudado a Sra. Rutledge. Não posso abandoná-la ao mesmo destino de minha pobre irmã, não quando tenho meios de evitar isso.
- De novo não! - Gina exclamou exasperada. -Se não partir, morrerá. E nunca conseguirá se unir à sua irmã... Vai virar um fantasma, vagando pelas ruas de Hope Springs pelo resto de seus dias... Quero dizer, por toda a eternidade... Além do mais, estará colocando em risco a vida de Annabelle.
- Se deixá-la à mercê do marido ela também correrá um risco.
- Está louco? Ela é a única pessoa que tem que evitar a todo custo. Se nunca a encontrar, jamais morrerão juntos - ela argumentou.
- Na realidade - ele a corrigiu -, basta que não a encontre no dia 22 de dezembro. Não corro risco até lá, certo?
- Não sei se é tão simples assim... - Ela o olhou em dúvida.
- Vou carregar um balde de água comigo o tempo todo, então.
- Isso não tem graça - ela ralhou. - Mas também não é uma má idéia.
- Não entendo a sua preocupação. Fez todo o possível para cumprir a sua missão, e quer eu viva ou não, poderá voltar para casa.
Faíscas de raiva chisparam dos olhos de Gina.
- Não quero voltar se você tiver morrido.
- Por que minha morte a faria ficar?
- Não foi isso o que quis dizer - ela disse frustrada. - Ora, deixe para lá... - De repente o rosto dela se iluminou. - Por que não vem comigo?
- Com você? Para o futuro?
- Sim, por que não? Você ia amar!
- Não sei, não. - Ele pareceu incerto.
- Por que tem dúvidas?
- Do que eu iria viver? Como iria me sustentar? - Por tudo que Gina lhe dissera, suas habilidades estariam mais do que obsoletas. - Não. E melhor eu ficar aqui, na minha época.
- Tudo bem - ela respondeu. E então saiu do consultório resmungando.
Ao vê-la partir, Drake percebeu que deveria ter reconhecido o quão diferente Gina era das outras mulheres que conhecia. Se era assim que as mulheres agiam no futuro, de maneira obstinadamente independente e com franqueza indescritível, não queria tomar parte disso.
Muito pelo contrário, uma voz soprou em seu ouvido. Se Charlotte tivesse nascido em um mundo assim, talvez ainda estivesse viva.
Estavam no meio do mês de novembro, mas Drake não tivera muitos progressos com Annabelle. Sabia que poderia levar anos antes de curá-la, porém não dispunha de tanto tempo. Só tinha mais cinco semanas para a data que já estava gravada em sua mente. Entre o progresso lento da paciente, a previsão de sua morte iminente e a insistência incessante de Gina para que partisse, faltava pouco para que ele mesmo precisasse de ajuda médica.
Para manter um mínimo de sanidade, implorara para que ela o deixasse um pouco em paz, mas aquela teimosa insistia em dar a última palavra e só sossegou depois de instalar um balde de água em seu consultório. E toda manhã olhava para ver se ele ainda estava lá.
Consultou o relógio de bolso. Estava na hora da última consulta do dia. Aumentara as sessões de Annabelle para duas vezes por semana, mesmo assim isso não adiantara muito. Ela vinha falando mais e parecia confiar nele, porém tivera poucos progressos em seu relacionamento conjugal. Cedendo aos apelos da assistente, dessa vez forçaria um pouco mais.
Gina acompanhou a paciente para dentro do consultório e depois se sentou num canto. Tinha prometido ficar calada durante as sessões, mas isso não evitava que ela tomasse nota e , desse suas opiniões francas a respeito dos pacientes.
A bem da verdade, Drake não se importava com isso, pois às vezes ela percebia coisas que ele mesmo deixava passar e que o ajudavam a entender os problemas como um todo.
Entretanto, quando ela sugerira que instalassem um sofá para que os pacientes se deitassem durante as sessões, fincou o pé. Não acreditava que as mulheres apreciassem esse gesto. Em vez disso, acomodou Annabelle numa das poltronas confortáveis que tinha concordado em pôr no consultório.
Era estranho que, mesmo depois de tanto tempo, a mulher se sentisse nervosa na sua presença.
- Como tem passado? - perguntou num tom calmo.
Annabelle ajeitou a saia e disse:
- Bem, Clyde diz que...
- Não estou interessado em Clyde - ele a interrompeu.
- Quero saber o que a senhora tem a dizer.
- Ele é meu marido. Preciso honrá-lo e obedecê-lo. - Ela parecia incerta, o que já era uma melhora frente à atitude submissa e o medo excessivo que tinha antes.
- É claro que sim - ele concordou, ignorando os sons de repulsa de Gina. - Mas não é a ele que estou tentando ajudar. Portanto, preciso saber como a senhora se sente, o que pensa.
- Tinha muita vontade, no fundo, de ter o marido como paciente, pois era ele quem precisava mudar de atitude.
- Sim, entendo, contudo primeiro preciso lhe dizer o que Clyde pensa. Está bem assim?
Gina suspirou frustrada, e Drake a ignorou mais uma vez. Pelo seu ponto de vista, a mulher tinha feito um pequeno progresso se conseguia fazer esse tipo de pergunta.
- Está bem.
- Ele... Ele diz que não está funcionando a contento.
- O que não está funcionando?
- O tratamento. A mudança de meus hábitos.
Drake suprimiu um gemido de frustração. Mesmo depois de tantas sessões ainda não a convencera de que o problema era o marido, não ela.
Sentia-se tão inadequado. Em nenhum livro, periódico ou artigo, tinha encontrado alguma coisa que o guiasse a ajudar uma esposa a enfrentar o marido. Em nenhum lugar isso parecia ter sido considerado desejável. Não sabia o que fazer. Gina achava que ele tinha de deixar as sutilezas de lado.
- Seu único problema, é sua tendência em acreditar em tudo o que seu marido diz.
Percebia que ela queria acreditar nisso, mas era muito difícil superar anos de abuso.
- Preciso fazer isso ou ele se zanga.
A apreensão nos olhos dela suscitou uma dúvida:
- Se zanga como?
- Ele grita e... - ela desviou os olhos - e joga coisas.
- Ele faz mais alguma coisa? Ele a machuca? - perguntou com gentileza.
- Oh, não. - Annabelle meneou a cabeça vigorosamente.
No entanto, não conseguiu fitá-lo ao esfregar o braço inconscientemente.
Drake sentiu uma raiva inesperada, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, Gina ergueu-se da cadeira e levantou a manga do vestido da mulher, revelando uma série de hematomas.
- Então como explica isso? - ela perguntou, apontando para a região que a mulher esfregara antes.
Annabelle se retraiu e emitiu um som angustiado ao mesmo tempo em que Drake levava Gina de volta à sua cadeira. Tinha intenção de perguntar aquilo, porém não de maneira tão franca.
- Ele não teve a intenção - Annabelle disse na defensiva enquanto abaixava a manga. - Não sabe a força que tem.
- Ele bate na senhora, não é verdade? - Drake insistiu.
- Poucas vezes e só quando o deixo bravo com minhas atitudes perversas...
Drake sabia que Gina estava pronta para o ataque de novo, mas lançou-lhe um olhar de advertência para que ela se comportasse.
- Que tipo de atitude?
- Falar com homens estranhos - ela sussurrou. - Ler romances e... - Cobriu as faces, envergonhada. - E ser vaidosa. - Um soluço escapou de seus lábios.
Depois de mais sondagens, Drake descobriu que o homem em questão só a abordara para pedir uma informação e sua única vaidade era tentar se arrumar para o próprio marido.
- Não há por que se sentir envergonhada.
- Mas Clyde diz que...
- Esqueça isso. - Drake já estava farto de ouvir a opinião de Clyde. Queria poder dizer à sua paciente que as opiniões do marido eram irrelevantes, estúpidas e ignorantes, mas ela jamais acreditaria nele. - Ele está cego de ciúmes, não vê isso?
- Sim, suponho que sim. Ele até me acusou de ter um amante, o que não é verdade... Mas o que posso fazer?
Admitir que o marido era parcialmente responsável pelos seus problemas era um passo gigantesco e Drake dividiu essa pequena vitória com um olhar para Gina.
- Infelizmente não há nada que possa fazer para mudá-lo, mas si própria.
- Já tentei - ela se lamentou.- Não consigo agradá-lo não importa o que eu faça.
- Esse é um problema dele, não seu - Drake afirmou e Annabelle o encarou como se de repente tivesse três cabeças.
Gina pigarreou, mais alto do que o necessário, e Drake percebeu a dica. Chegara a hora de abordar o assunto ao qual ambos tinham entrado num consenso.
- Talvez seja o momento de deixá-lo? Annabelle ofegou.
- Deixá-lo? Como assim... Ir para a casa de minha mãe por um tempo?
- Não, para sempre. Quem sabe pedir o divórcio? - Sabia que essas palavras a chocariam.
- Divórcio? Como poderia... Quero dizer, minha família... Que desgraça... - Depois completou, como se isso fosse relevante. - Sou de Boston.
Talvez isso fosse relevante. Os sangue-azul de Boston e a classe média que os emulava jamais aceitariam algo tão baixo quanto um divórcio, não importando as circunstâncias.
- Também sou de Boston. Quem sabe não conheço sua família? - ele perguntou quando uma idéia surgiu.
- Meu pai se chama Robert Lawton. O senhor o conhece?
- Não, mas ouvi falar dele. - Não acreditava que aquele homem fosse capaz de dar as costas à filha. - Sua família não gostaria de vê-la feliz e a salvo, em vez de triste e maltratada?
- Ninguém em minha família jamais pediu o divórcio - ela murmurou chocada.
Estava claro que ela não prestara atenção à parte importante de seu discurso, a aceitação da família. Em vez disso, sua mente se fixara na palavra que causara enorme horror. Seria impossível tentar convencê-la a deixá-lo naquele momento. Tinha, entretanto, conseguido semear uma semente.
- Talvez não seja necessário ir tão longe. - Drake não se deixou distrair pelos sons indignados de Gina. Precisava entrar em contato com o pai da moça para deixá-lo a par do que vinha acontecendo.
Annabelle suspirou aliviada e Drake continuou:
- Que tal se nós trabalhássemos para que não sinta medo dele? - Diante do olhar desconfiado da paciente, ele explicou:
- Se não o temer, não haverá motivo para abandoná-lo. - A idéia não era bem essa. No entanto, se queria que ela se acostumasse com a noção de um possível divórcio, teria de incutir um pouco de auto-estima nela.
- Está bem, se acha que isso ajudará - ela concordou por fim.
Drake então a deixou à vontade e, depois de se assegurar que ela estava em transe, fez com que acreditasse que Gina era Clyde.
Gina se levantou e brigou com ela:
- Você lê livros demais!
- Desculpe, mas eu gosto tanto... - Annabelle respondeu, retraindo-se.
Drake sentiu raiva por ver diante de si o que a irmã devia ter passado nas mãos do marido.
- Não se acovarde. A senhora é a esposa de Clyde, não sua criada.
- É uma igual - Gina intercedeu. - Ou melhor, é sua superior.
Bem, Drake não iria tão longe assim, mas se isso ajudasse Annabelle a enfrentar o marido...
- Ele não tem o direito de agredi-la. Não pode permitir tal coisa. - Não conhecia nenhuma mulher da família dela, mas acreditava que tinha um bom exemplo ali, naquela sala, no qual a paciente poderia se espelhar. - Quando seu marido a tratar mal, finja ser a Srta. Charles - ele instigou.
A única faceta que Annabelle conhecia de Gina era o da assistente autoconfiante do mesmerizador, portanto deveria funcionar.
- Você lê livros demais! - Gina repetiu a admoestação anterior.
Em vez de se retrair, Annabelle respondeu calma:
- E mesmo?
- Sabe que sim - Gina rebateu em seu papel de Clyde Rutledge.
- Então não farei mais isso.
Gina se surpreendeu, pois esperava uma discussão, mas se viu diante da aceitação passiva. Ficou sem saber como reagir e Clyde provavelmente também não saberia.
Seguiu-se uma série de acusações e cada vez Annabelle respondia com complacência e dignidade. Drake conseguiu vislumbrar a mulher que ela tinha sido outrora, antes de se casar, e ficou ainda mais determinado em ajudá-la a se livrar de tantos abusos.
Embora esperasse outro tipo de reação já que a paciente estava emulando o comportamento de Gina, percebeu que esse modo era mais adequado a Annabelle. Por enquanto isso devia bastar, pois só não desejava vê-la surrada pelo marido abusivo.
A sessão tinha chegado ao fim, mas dessa vez não pediu que ela se lembrasse do que havia feito porque temia que ela acabasse se assustando e colocasse Clyde de sobreaviso. Pediu somente que ela se lembrasse da sensação de autoconfiança que a ajudaria num caso de necessidade.
Satisfeito com o desfecho, acompanhou-a até a porta onde o marido a aguardava na sala de espera vazia.
Gina o observou, meneando a cabeça. Se ao menos ele conseguisse enxergar que não havia esperanças para aquela mulher... Estava feliz de poder usufruir da confiança de Drake novamente, mas desejava voltar a ter a proximidade de antes. O problema era que percebia que cada vez mais ele se aproximava de Annabelle... Bem como o artigo sugeria.
O ciúme surgiu ao pensar nos dois juntos, mas logo afastou tal pensamento. Não podia permitir pensar nele ou em qualquer outro homem daquela maneira. Em cinco semanas iria deixar tudo aquilo para trás e voltar ao futuro.
Drake voltou para a sala, esfregando as mãos em contentamento.
- Correu tudo bem, não achou?
- Só pode estar brincando...
- O que disse?
Tinham concordado que a melhor coisa a fazer era encorajar Annabelle a abandonar o marido, no entanto estava claro que a mulher não teria coragem. Só restava, então, Drake acompanhá-la, deixando assim o hotel. Isso, porém, ficaria muito próximo das acusações do jornal e Gina se sentia intranqüila com o arranjo.
Não poderia, entretanto, tocar nesse assunto, então deu a primeira desculpa que lhe veio à cabeça.
- Precisa ser mais duro - disse num tom argumentativo.
- Entendi isso pelos sons que fazia no canto da sala. Gina deu de ombros, nem um pouco incomodada com a crítica.
- Não me deixa falar! Foi a única maneira que encontrei de lhe mostrar o que deve fazer. Tinha que ter forçado um pouco mais - ela reiterou.
- A Sra. Rutledge precisa de empurrões suaves... Com certeza entende o que quero dizer.
- Não temos tempo para isso. Precisamos tirar você, e ela também, deste hotel o quanto antes.
- Ela ainda não está pronta. O que quer que eu faça? A rapte? Isso não me tornaria muito melhor do que o marido dela.
- Não. Só quero que você viva - Gina disse frustrada. Não conseguia suportar a idéia de vê-lo morrer no incêndio. A ameaça parecia tão real que já podia sentir o cheiro de fumaça.
Não era uma ilusão! Havia fumaça por perto!
Virou-se e viu, horrorizada, que fumaça cinza subia pelo vão da porta. O coração disparou, enquanto ela levava uma das mãos à boca e apontava com a outra.
Ouviram uma voz soando o alarme à distância e Drake tentou girar a maçaneta.
- Está quente! - ele exclamou e abanou a mão. Retirou o casaco e, envolvendo a mão, tentou abrir a porta novamente.
Uma cortina de fogo estava diante deles, subindo até o teto e se esgueirava na direção de Drake.
Agora não, é cedo demais!, gritava a mente de Gina.
Capítulo VI
Drake retrocedeu, protegendo o rosto com as mãos, e percebeu que o incêndio não era tão perigoso quanto pensara a princípio. As chamas pareciam estar somente na soleira da porta do consultório, embora as labaredas e a fumaça tornassem a passagem impossível.
- A outra porta! - Ele indicou para Gina. Ela tossiu atrás dele.
- Já tentei! Está trancada! - Havia medo em sua voz. Ele precisava fazer alguma coisa. O balde! Correu para trás da escrivaninha e pegou-o, mas antes que conseguisse despejar o conteúdo, ouviu uma voz profunda gritar:
- Atenção, preparar, apontar!
E um dilúvio os atingiu em cheio.
Esfregou o rosto e deu de frente com o major, Rupert, Jack e alguns outros hóspedes, que deviam ter saído da casa de banho, com baldes vazios nas mãos. Felizmente tinham conseguido atingir também o fogo, que já começava a diminuir.
- Recarreguem! - gritou o major e os outros se apressaram a cumprir a ordem.
Drake despejou o conteúdo do seu balde em algumas chamas remanescentes e, quando Rupert e Jack voltaram, imitaram-no, encharcando o consultório por completo. O fogo, de fato, estava restrito a um balde de metal próximo à porta. Pegando o objeto com cuidado com seu casaco arruinado, Drake tirou-o do caminho para que saíssem do cômodo cheio de fumaça.
Apesar de Gina estar trêmula e aparentar precisar de conforto, eles tinham muita platéia e por isso ele não se atreveu a se aproximar. O incidente chamara muita atenção e o corredor agora estava repleto de espectadores.
Os funcionários do hotel abriam janelas para dissipar a fumaça, estando ocupados demais para dispersar os curiosos até que a Srta. Sparrow chegou acompanhada do chefe de polícia, Jess Garrett.
O policial pediu que os hóspedes saíssem a fim de começar as investigações, è Esmeralda abraçou Gina para confortá-la.
Drake também sentia necessidade de amparo. Agora que tudo estava terminado, a percepção do que poderia ter acontecido deixou-o arrasado. Poderiam ter morrido! Os joelhos estavam fracos e sentia-se meio tonto. Para disfarçar a fraqueza, apoiou-se, tremendo, contra uma parede e perguntou ao chefe de polícia:
- Como chegou aqui tão rápido?
- Já estava no hotel. Fui chamado para verificar uma denuncia de roubo de jóias.
- Que sorte a nossa que estava aqui, então. - E, sem dúvida, muito conveniente. Seria possível que a governanta soubesse que a presença dele seria necessária?
- Bem, vamos ver o que temos aqui - Garrett disse.
O major ordenou que os funcionários verificassem as salas de banho para se certificar que nenhum hóspede continuava no local, e o policial inspecionou a área atingida. A porta estava escurecida e chamuscada; a pintura e o papel de parede, empolados e descarnados.
- O incêndio foi aqui? - ele perguntou.
- Sim - Drake respondeu. - Isto estava na frente da porta. Olharam dentro do balde e viram trapos que obviamente deviam ter sido embebidos em alguma substância inflamável.
- Foi proposital - Garrett murmurou. - Mas a pessoa que iniciou o fogo não teve a intenção de destruir o hotel; para isso teria de usar mais combustível. Deve ter sido uma brincadeira de mau gosto.
- Uma brincadeira? - Gina se aproximou deles. Pela raiva que demonstrava, parecia ter se recuperado do susto. - Foi mais do que isso. Quem quer que seja o responsável pelo fogo bloqueou a outra porta, por isso não conseguimos sair.
Garrett foi verificar o que ela afirmava e encontrou uma cadeira bloqueando a maçaneta da outra porta.
- Isso torna tudo muito mais sério. Com o fogo em uma porta e a outra bloqueada, não teriam como sair, a menos que pulassem pela janela, caindo do segundo andar.
- Poderíamos ter sufocado - ela completou.
- Sabem de alguém que quisesse atingi-los?
- Shorty Calahan - Gina informou. - Ele já fez ameaças contra Drake. Temos motivos para acreditar que ele seja um incendiário.
O chefe de polícia os encarou.
- Ouvi rumores a respeito do Sr. Calahan, mas não pude comprovar nada. Têm alguma prova? - Quando negaram, ele perguntou: - Viram-no no hotel antes que o incêndio tivesse início?
- Não, estávamos no consultório com a porta fechada-Gina disse. - Mas isso não quer dizer que ele não tenha estado aqui.
- Claro que não - o policial concordou e fez a mesma pergunta aos funcionários do hotel.
Ninguém tinha visto Shorty ou qualquer outra pessoa suspeita perambulando pelas salas de banho. Ninguém estivera por perto até que alguém deu o alarme do incêndio.
- Vou questionar os hóspedes, então - Garrett anunciou. Virando-se para o major, ele disse: - Seria bom trancar a casa de banho, pelo menos por alguns dias. O chefe dos bombeiros precisará dar uma olhada no local.
- Certamente - o major concordou. - De qualquer forma, precisamos ventilar o local por causa da fumaça e reparar os danos do incêndio.
- Não vai prender Shorty? - Gina perguntou.
- Não, a menos que tenhamos provas. - Garrett lançou um olhar sério na direção dela.
- Mas...
- Esteja certa que o investigaremos - ele interrompeu as objeções de Gina. - E também tentaremos determinar o paradeiro dele no horário do incêndio.
Antes que ela conseguisse protestar novamente, Drake falou:
- Obrigado. Estou certo que fará todo o possível.
Gina não estava muito conformada com o desfecho, porém não havia nada que pudessem fazer. Além, é claro, de obter uma confissão do próprio Shorty.
Depois que o chefe de polícia saiu, o major se voltou para as pessoas que ainda restavam:
- Ouviram o que ele disse, todos para fora.
Os funcionários atenderam-no prontamente, mas Drake permaneceu e disse diante do olhar inquisidor do major:
- Gostaria de pegar alguns papéis, já que o local ficará fechado por alguns dias.
Gina se prontificou a ajudar.
Antes que o gerente pudesse se opor, Drake se adiantou:
- Obrigado; em dois, o trabalho irá muito mais depressa. - Conduziu-a para dentro do consultório e, antes de fechar a porta, acrescentou: - Não se preocupe, major, trancarei tudo assim que terminarmos.
O homem os olhou com suspeita, contudo precisou se concentrar em alguns hóspedes que demandavam a sua atenção, por isso assentiu com um ar severo e reprovador.
Depois de fechar a porta atrás de si, Drake suspirou aliviado por estar tudo acabado. Sabendo o quanto tinha se abalado, ficou surpreso por Gina não ter ficado histérica. Observou-a parado na entrada do consultório e viu que ela se ocupava de organizar a papelada.
- Isso pode esperar - disse suavemente. -Você está bem? Gina largou os papéis em que vinha mexendo sem nem enxergar e se jogou nos braços dele.
- Tive tanto medo!
- Eu também - ele murmurou, segurando-a com força e acariciando os seus cabelos.
- Pensei que eu tivesse feito alguma coisa errada... Que tivesse confundido as datas... - ela confessou. - Pensei que o incêndio tivesse acontecido antes por eu ter feito alguma coisa.
- Bem, certamente isso me fez acreditar mais ainda em sua história.
- Isso quer dizer que...
- Agora não - colocou um dedo sobre os lábios dela -, por favor.
Ela assentiu, pois não sentia vontade de argumentar. Só queria ser abraçada, confortada. Aconchegou-se a ele e retorceu o nariz.
- Você está molhado... E tem cheiro de fumaça.
Ele sorriu e ergueu uma mecha do cabelo dela para cheirá-lo.
- Você também.
- Estou precisando de um banho quente. - Tinha saudades da banheira da casa dela, com bastante água quente disponível e muitas, muitas bolhas perfumadas.
- Vou deixá-la ir, assim conseguirá se lavar.
- Obrigada, mas isso não me parece tão bom. Só disponho de uma pia e água morna. Acho difícil conseguir me livrar desse cheiro, ainda mais em meu cabelo.
- Por que não usa a casa de banho?
- Os funcionários do hotel não podem freqüentá-la - ela informou com pena na voz.
- Acho que hoje merece ir lá. - Ele deu um sorriso travesso. - Ninguém vai saber. Vou trancá-la e ninguém saberá que está lá dentro. Pode ficar o quanto quiser.
Parecia maravilhoso, mas...
- E se houver alguém ainda lá dentro? - Odiava a idéia de ser flagrada nua, indefesa e sozinha.
- O pessoal já fez uma varredura e duvido que haja mais alguém, entretanto, se preferir, posso vigiar para você.
- Eu me sentiria bem melhor com isso, se não se importar. - Embora tentasse parecer corajosa, ainda estava abalada com o incidente e não queria ficar sozinha.
Seguiram para a casa de banho e Drake abriu a porta, indicando com um floreio:
- Damas à direita, cavalheiros à esquerda.
Gina seguiu o caminho indicado e com a ajuda de Drake entendeu como a torneira antiga funcionava, mas a água que saía só estava morna e tinha um cheiro estranho.
- Ela é naturalmente dessa temperatura, vem das fontes termais - ele explicou. - Para os que gostam da água bem quente, o Chesterfield oferece um luxo de última geração: um aquecedor.
Mostrou como ligá-lo e depois foi atrás de panos de linho, que serviam de toalha naquela época, mas nada de sabonete ou xampu.
- As pessoas não costumam tomar banho aqui - ele explicou. - Só ficam imersas para se curar de seus males. Mas... Espere um instante.
Logo depois ele voltou com uma barra de sabão de pêra.
- Encontrei isto na entrada... - ele disse triunfante. - Algumas pessoas gostam de se banhar aqui.
Gina tomou o sabão das mãos dele, sabendo que nem devia esperar pelo xampu.
- Obrigada. Excelente!
Drake sorriu e estendeu um roupão de algodão fino.
- Pode vestir isto depois.
Ela gostaria de dispor de um roupão fofo e atoalhado. Aquilo, no entanto, era melhor do que tornar a vestir o uniforme imundo. Depois de agradecer novamente, perguntou ao ver que ele não se mexia:
- Pretende ficar por perto para esfregar minhas costas? - Adoraria aquilo em qualquer outra circunstância, mas naquele momento sentia-se péssima.
Drake sorriu mais uma vez e retrocedeu.
- Vou ficar aqui fora se precisar de mim.
Ela suspirou assim que a porta se fechou. Encheu a banheira, tirou as roupas e mergulhou na água quente, sentindo-se no paraíso. Depois de alguns minutos só relaxando, resolveu lavar os cabelos, pois não suportava mais aquele cheiro de defumado.
Depois do banho tomado, sentiu um pouco de culpa por ter se demorado, afinal Drake também devia estar ansioso para se lavar. Ainda relutante, saiu da banheira, secou-se e embrulhou-se no roupão.
Abriu a porta e viu que ele estava parado, encostado na parede oposta, também vestindo um roupão, o cabelo molhado penteado para trás, e maravilhosamente limpo.
- Usei a sala da frente e deixei a porta aberta, para ouvi-la caso me chamasse.
- Oh! - Gina exclamou deixando transparecer o desapontamento que sentia por ter deixado a banheira. - Quer dizer que eu poderia ter demorado um pouco mais?
- Queria isso?
- Sim, eu estava começando a relaxar... Mas já usei toda a água quente.
- Venha comigo, então. - Ele sorriu.
Ela o seguiu pelo corredor, admirando o modo, como o tecido se agarrava ao contorno do corpo dele.
- Eis a sala das damas.
Com certa relutância ela desprendeu os olhos dele. Estavam diante de uma imensa piscina cor-de-rosa que ocupava a quase totalidade do cômodo circular. A sala exalava o conhecido odor dos minerais e estava cheia de vapor.
- Uau! Uma banheira gigante!
- Aqui é sempre mais quente. Acho que vai gostar. - Drake fez um gesto para a piscina e deu as costas, num gesto cavalheiresco.
A água parecia tão convidativa que Gina não resistiu. Tirou o roupão e afundou. Suspirou e nadou até o meio. Nunca tinha nadado nua e a sensação era maravilhosa. A água a acariciava sem as barreiras das roupas e ela se sentia um tanto atrevida.
Ouvindo o suspiro dela, Drake sentou-se na borda, as pernas afundando na água.
- Isso é tão bom... Não vai mergulhar? - ela perguntou, somente a cabeça para fora.
Ele ficou surpreso, depois assentiu.
- Acho que sim.
Demonstrando a mesma cortesia que lhe fora oferecida, Gina se virou de costas até ouvir o barulho da água que indicava que ele já tinha entrado.
Virou-se novamente e viu que ele estava encostado na borda, uns dois metros mais distante, os braços estendidos e a cabeça para trás, relaxando na água.
Deus do Céu! Como ele estava sexy!
Estremeceu ao se dar conta de Drake como um homem.
Balançando na piscina, sentia a água acariciando lugares que ansiavam pelo toque dele.
Como ele podia parecer tão tranqüilo? Bem, se dependesse dela, não ficaria assim muito tempo mais. Foi para a beirada, longe de alcance, mas ainda perfeitamente visível e copiou a posição dele.
- Isto não é maravilhoso? - perguntou num tom de voz rouco.
- Sim - Drake murmurou e abriu os olhos lentamente. - Maravilhoso...
Imitando a pose de Drake, ela deixava os seios expostos, os mamilos eriçados subiam e desciam no nível da água.
Os olhos de Drake se enevoaram e Gina sentiu um calor percorrer seu corpo. Um calor que não tinha nada a ver com a temperatura da água. Prendeu a respiração, imaginando se teria de dar o próximo passo ou se ele já tinha entendido a sua intenção.
Graças aos Céus, ele pensava rápido... Drake afastou-se da borda e deu umas braçadas, sem desprender os olhos do rosto e dos seios dela.
Ofegante, Gina não conseguiu se conter e encontrou-o no meio do caminho. Envolveu-o com os braços e com as pernas, arfando com a sensação das peles se tocando, dos seios resvalando o peito forte, da firme ereção contra seu ventre.
As bocas se encontraram num beijo molhado, quente e sôfrego que a deixou tonta. Depois de quase se afogar nos beijos dele, ela se afastou um pouco, procurando ar e disse:
- Quero mais.
Abaixando a mão, segurou-o e tentou guiá-lo, mas Drake gemeu:
- Espere!
- Por quê? - Sabia que ele queria aquilo tanto quanto ela.
- Vamos para a beirada.
Drake a posicionou com as costas na parede da piscina, erguendo-a ligeiramente para que os seios resvalassem a superfície da água. Enchendo as mãos, ele a sugou, lambeu e mordiscou até deixá-la enlouquecida.
O fato de a água acariciá-la da cintura para baixo enquanto ele a mantinha entretida não ajudava em nada. As únicas coisas que a prendiam no lugar eram as mãos de Drake em seus seios e as pernas que a aprisionavam. Sentir o membro ereto roçando suas coxas a estava deixando doida. Sabia onde queria senti-lo e não era nas pernas.
Voltou a segurá-lo e, dessa vez, ele deixou. Em vez de guiá-lo imediatamente, prolongou a agonia afagando-o, adorando a sensação de tê-lo pulsando em suas mãos.
Drake gemeu de prazer e escorregou a mão entre as pernas de Gina, inserindo um dedo em sua intimidade para estimular o seu ponto mais sensível.
Gina arfou, mas se recusou a se abandonar. Em vez disso afagaram-se e acariciaram-se mutuamente, os olhos presos, os peitos ofegantes. Não conseguiria se segurar para sempre. Logo sentiu as sensações se avolumarem e ondas de prazer a assolaram. Jogou a cabeça para trás e gritou exultando, pois aquela parecia a única maneira de libertar as emoções pungentes e absolutas nas quais ele a envolvia.
Não teve tempo de saboreá-las, pois Drake a penetrou completamente.
Deus, como isso é bom...
E ficou ainda melhor quando ele começou a se movimentar ritmadamente, os olhos semicerrados revelando a sua urgência. Envolveu-o com as pernas e os olhos dele se fecharam, somente o rosto refletia a necessidade que sentia.
Drake a trouxe para mais perto ainda, acelerando o ritmo. Estava cada vez mais ofegante e escondeu o rosto na curva do pescoço dela, beijando-a e aumentando ainda mais as investidas.
Testemunhar a excitação dele acendeu-a novamente e quando Drake atingiu o ápice num grito exultante, Gina se viu de novo numa espiral de sensações vertiginosas, sentindo, pulsando e tremendo numa explosão deliciosa.
Ficaram flutuando por uns instantes, abraçados e trêmulos.
Gina se recobrou primeiro e acariciou os cabelos molhados de Drake.
- Isso foi espetacular!
Ele a beijou com sensualidade.
- Você tem um jeito peculiar com as palavras... Mas, sim, foi espetacular!
Fora inspirador também, pois Gina deu-se conta, então, de outra coisa. Drake era o único homem com quem tinha feito amor de verdade. Não era só luxúria, desejo... Tinham feito amor mesmo!
E com isso percebeu que tinha se apaixonado completa e perdidamente por ele...
A alegria dessa realidade durou pouco. Jamais o teria para si. Em pouco tempo voltaria para casa e ele ficaria para trás, vivo ou morto.
Duas semanas depois de terem feito amor, Gina ainda sentia arrependimento. Não pelo que tinham feito, pois havia sido maravilhoso, mas pelo que percebera logo em seguida e que ainda a deixava desconcertada.
Toda vez que se via ao lado de Drake, temia que seus sentimentos se refletissem em seu rosto, por isso tomara um cuidado extra para se mostrar ainda mais irreverente. Isso se mostrava necessário porque, embora o ocorrido tivesse sido significativo para ela, era óbvio que ele não se sentia da mesma maneira.
Depois de terem feito amor, flutuaram na piscina e conversaram sobre muitas coisas, inclusive o fato de as mulheres no futuro serem mais abertas quanto a sexo. Gina tinha iniciado a conversa para que ele entendesse que não era uma libertina na época dela, mas o resultado fora o oposto do esperado.
Drake pareceu aliviado por se ver absolvido do pecado de ter feito sexo com ela e, em conseqüência, não se viu compelido a renovar o pedido de casamento.
Apesar de ter recusado cada um dos pedidos anteriores, pensar em se casar com Drake agora já não era tão mau assim. Nem se importaria de ficar no passado se ele fizesse parte do pacote. Contudo, isso só seria possível se ele a amasse tanto quanto ela o amava... O que não parecia viável depois de tudo o que aprontara.
Ficar ali, portanto, estava descartado. Teria de se ater ao plano original de salvar a vida do homem e pegar o próximo portal para o século XXI.
Suspirou. Com aquilo em mente, precisava começar a agir.
Entediada desde o incêndio, já que o consultório e a casa de banho estavam fechados, decidiu encontrar Drake.
Embora sentindo algo estranho toda vez que o via, um misto de amor, desejo e dor, não conseguia ficar longe. Queria passar o maior tempo possível ao lado dele.
Scruffy choramingou quando a viu abrir a porta, por isso deixou-o acompanhá-la. O pobrezinho estava um tanto abandonado e ela se sentiu culpada.
Passar pelos corredores e saguões decorados do hotel não melhorou muito seu humor, visto que a decoração natalina só a lembrava que restava pouco tempo.
Como esperado, encontrou-o no quarto com suas anotações, mas dessa vez estava acompanhado do chefe de polícia.
Scruffy aproximou-se de Drake e, enquanto ele o afagava atrás das orelhas, Gina perguntou ao policial:
- Descobriu alguma coisa a respeito de Shorty?
- Estava começando a contar ao Sr. Manton o que descobri.
- Ótimo, assim o senhor não terá de repetir. O que descobriu?
Ele franziu o cenho dando uma olhada no quarto de Drake.
- Talvez fosse melhor irmos a outro local...
Gina não podia se dar ao luxo de ser pega ali na companhia de dois homens atraentes e correr o risco de ser expulsa do hotel tão perto do solstício de inverno.
Encontraram uma sala de estar em desuso e Garrett lhes contou tudo o que descobrira, concluindo:
- Não conseguimos determinar se Calahan estava no Chesterfield na noite do incêndio.
- Como não estava aqui? Só pode ter sido ele! - Gina exclamou.
- Não disse que ele não estava - Garrett a corrigiu. - Disse que não conseguimos provar que estava.
- Conseguiram verificar se ele estava em outro lugar? - Drake foi direto ao ponto.
- Não. Ele afirma ter ficado na pensão da Sra. Zimmerman, dormindo, mas ninguém testemunhou isso. Não temos como saber com certeza onde ele estava.
- Quem mais pode ter feito aquilo, senão ele? - Gina perguntou irritada.
- O fato é, senhorita, que pode ter sido qualquer pessoa. Sem provas, não posso prendê-lo. - O policial deu de ombros.
-Vasculharam o quarto dele? - Gina indagou. - Para ver se havia fósforos e trapos?
- Sim, senhorita. A questão é que muitos homens possuem fósforos e não é crime ter trapos. Se fosse, todas as donas de casa seriam suspeitas.
Os ombros de Gina se curvaram.
- E quanto a uma pistola? Encontraram alguma? Garrett olhou-a desconfiado e perguntou:
- Por que pergunta isso? Houve algum tiro? Há alguma coisa que deixaram de me contar?
- Não, não - Drake interveio. - A Srta. Charles só tem uma imaginação hiperativa. - Lançou um olhar de advertência, mas ela só deu de ombros.
- Não há nenhuma medida que possa tomar? Ele já fez uma porção de ameaças...
- Sei disso e por esse motivo ficarei observando seus movimentos. Os funcionários do hotel também estão de sobreaviso.
- Estou certo de que o senhor fez tudo o que estava ao seu alcance - Drake afirmou e se levantou. O policial fez o mesmo. - Por favor, peço que nos avise caso saiba de alguma novidade.
Garrett concordou e despediu-se dos dois.
- Não acredito nem por um segundo que Shorty não esteja por trás disso - Gina sentenciou.
- Eu também não.
- Não? Mas acabou de dizer que...
- Disse que o chefe de polícia fez todo o possível, o que é verdade. Sem provas, ele não pode prender ninguém.
Gina sorriu com escárnio.
- Ali! Pelo que ouvi dizer, fizeram muito isso naqueles tempos... nestes tempos.
Drake ergueu uma sobrancelha.
- Talvez em lugares onde não haja a lei como no Oeste distante. Um homem íntegro como Jess Garrett nunca se rebaixaria a falsificar evidências ou expulsar pessoas da cidade a menos que tivesse provas incontestáveis.
O chefe de polícia parecia mesmo esse tipo de homem. Assim como Drake que só agia dentro das regras. Já que ainda não tinham convencido Annabelle a abandonar o marido e, com isso livrá-la do perigo, tinham de encontrar uma maneira de tirar Shorty de cena.
- Precisamos colocar a mão na massa, então.
- O que tem em mente? - Drake perguntou.
- Talvez possamos afugentá-lo...
- Com o quê? Com fantasmas? Funcionou às mil maravilhas da última vez... - ele murmurou.
- Muito engraçado. Tem alguma idéia?
- Sim, que tal se ficássemos o mais longe possível de Shorty?
- É a minha intenção, mas se ele for o responsável pelo incêndio do dia vinte e dois, não seria melhor se ele estivesse longe daqui?
- Claro, porém se ele é o dono da pistola que você precisa, não quero dar mais motivos para que a use contra nós - Drake argumentou.
- É verdade. A pistola! Se não é sua nem dos Rutledge, só pode ser de Shorty. Não podemos deixar que ele parta até a termos conosco.
- Espere um minuto - Drake lembrou. - Há uma coisa que não entendo. Você não disse que morro num incêndio?
- É o que o jornal diz. Você mesmo o leu.
- Então por que essa pistola é tão importante? Por que foi ela que desencadeou a sua viagem no tempo?
Ela também já tinha se perguntado isso.
- Talvez uma bala dê início ao fogo... Sei lá, não entendo nada de incêndios, mas estou certa de que Shorty deve conhecer uma infinidade de maneiras de começar um incêndio com uma arma.
- Sem dúvida - ele murmurou.
- Vai me ajudar, então?
- A fazer o quê?
- A pegar a pistola de Shorty.
- Não. - A resposta foi curta e grossa.
- Por que não? - ela insistiu.
- Porque é perigoso.
- E a ameaça à sua vida não é?
- Não estamos falando de mim agora - ele a lembrou. - Estamos falando de sua necessidade de obter uma pistola que pode ou não existir.
- É claro que existe. Esmeralda confirmou.
- Ela também afirmou que a pistola era de Shorty?
- Não, mas de quem mais pode ser? Ele é um incendiário e quer se vingar de você.
- Entendo seu ponto de vista. Mesmo assim, é muito perigoso.
- Então pode deixar que eu me arranjo - ela anunciou.
- Não vai fazer nada!
- Está bem, vou pedir a Rupert que me ajude. - Levantou o queixo em pose de desafio.
- Seria capaz de envolver o pobre rapaz em mais um de seus esquemas malucos?
- Não é maluco, e, sim, pedirei a ajuda dele se você não o fizer. Sei que posso confiar em Rupert.
Drake a observou por um instante e depois perguntou:
- Essa pistola é tão importante assim para você?
- Claro que é. Como posso voltar para casa sem ela?
- Quer voltar mesmo?
- É óbvio. O que poderia me prender aqui?
Era uma dica bem clara, quase um apelo para que ele a pedisse para ficar... Todavia, ele não a entendeu. Ou não quis entender.
- Entendo... Se é tão importante para você, eu a ajudarei a encontrá-la.
Gina quase não se conteve e se atirou no pescoço dele. No entanto, refreou seus instintos e disse:
- Excelente! Vai dar tudo certo, você vai ver!
Antes que Drake mudasse de idéia, Gina o encurralou logo cedo no dia seguinte. Relutante, ele concordou em acompanhá-la a Hope Springs.
Ela decidiu trocar o uniforme por um vestido verde e uma capa pesada com a idéia de não chamar atenção. O vento gélido de dezembro atravessava o tecido e ela ficou feliz ao entrar no trem que os levaria no curto trajeto até a cidade. Não queria discutir os planos na frente dos demais passageiros, por isso ficou calada até chegarem à estação.
- O que tem em mente? - Drake perguntou quando se viram sozinhos.
- Não estou bem certa... - Seu único "plano" tinha sido dançar conforme a música. - Precisamos encontrar a pensão em que Shorty fica. Ouviu o chefe de polícia, ele está se hospedando com a Sra. Zimmerman. Não deve ser muito difícil de encontrar.
- E quando estivermos lá, como pretende encontrar o quarto dele?
- Podemos perguntar à dona da pensão.
- E acha que ela dirá?
- Por que não? Direi que sou irmã dele.
- E eu?
- Você será meu irmão. Drake olhou-a zombeteiro.
- Isso me tornaria irmão de Shorty... Acha que ela acreditará nisso?
Gina olhou-o. Ele devia ser uns trinta centímetros mais alto que o outro.
- Talvez não - ela admitiu.
- Vamos simplificar - Drake disse. - Diremos que sou seu marido... se ela perguntar.
- Está bem. - Não sabia bem como entender aquilo, porém decidiu que não significava nada demais. Ele só estava tentando ser lógico e eficiente.
Não se lembrava da pensão no futuro, então perguntou o endereço na estação. Caminharam tranqüilamente para não chamar a atenção, mas isso não se mostrou muito fácil quando se aproximaram para se proteger do vento. Temendo que Scruffy voasse, ela o pegou no colo e colocou-o sob a capa.
Drake a puxou para o vão de uma porta ao se aproximarem da pensão, os ombros tensos devido ao frio.
- Chegamos cedo. Talvez ele ainda esteja lá dentro. Droga, ele tinha razão. Não tinha considerado essa possibilidade.
- Só nos resta esperar que ele saia. Se não congelarmos até lá.
Drake deu uma olhada no abrigo precário em que se encontravam.
- Isso não vai dar certo. Venha, vamos até aquela loja.
A loja em questão ficava bem diante da pensão e tinha uma vitrine ampla pela qual poderiam vigiar a rua. Assim que entraram, viram-se envolvidos no calor de um aquecedor a lenha, cortesia do dono do estabelecimento.
Cumprimentaram o proprietário que não pareceu se importar com a presença de Scruffy. Aliviada, Gina o deixou no chão e desabotoou o casaco. Passaram uns bons minutos diante do aquecedor, sempre de olho na entrada da pensão, mas ela sabia que precisavam fazer alguma coisa antes que o dono da loja começasse a ficar desconfiado.
- Vamos fingir que estamos fazendo compras, nos dividindo na vigia - ela murmurou.
Drake assentiu e eles se separaram, cada um em uma parte diferente da loja. Depois de uns quinze minutos, Gina sentiu-se culpada por não comprar nada, então separou alguns itens: papel de carta para Esmeralda, laços para Bridget e um canivete para Rupert.
Embora não fosse passar o Natal no passado, pensou que seria uma boa idéia dar pequenas lembranças às pessoas que a ajudaram tanto.
Mais quinze minutos se passaram e ela olhou para Drake na caixa registradora. Pelo visto, ele, também movido pela culpa, tinha feito algumas compras... Ele a olhou significativamente, demonstrando que tinha visto algo.
Ela se aproximou e perguntou casualmente:
- Está na hora de irmos?
- Sim, acho que encontrei tudo o que precisava - ele respondeu.
- Eu também. - E pagou pela mercadoria quase sem conter a excitação que sentia. Finalmente chegara a hora de colocar as mãos na pistola que a levaria de volta à sua própria época.
Ao saírem da loja, ela sussurrou:
- Você o viu sair?
- Sim, ele subiu a rua num passo rápido.
Quando Drake continuou perto da porta, ela perguntou:
- Qual o problema?
- Não seria melhor esperarmos uns minutos antes de batermos à porta? Poderíamos levantar suspeitas se chegarmos assim que ele sair.
Gina suspirou. Drake tinha razão. Pena que não terem pensado nisso antes de sair do calor da loja.
- Está bem. O que faremos, vamos ficar aqui parados?
- Já que dispomos de alguns minutos... - Drake fuçou dentro de sua sacola de compras e pegou uma caixinha. Estendendo-a, disse: - Isto é para você.
- Comprou para mim? - Emocionada, ela não conseguiu fazer nada além de olhar para a caixinha.
Ele deu de ombros.
- Sei que não planeja ficar por aqui, por isso pensei em presenteá-la com alguma coisa que a faça se lembrar de mim. Vá em frente, pode abrir - ele a instigou.
Ela abriu a caixa e viu um coração de prata suspenso em um laço também prateado.
- É lindo - sussurrou ao tocá-lo com os dedos trêmulos.
- É um broche e um medalhão.
- Um medalhão? - Ela o abriu e viu que estava vazio. - O que as pessoas desta época costumam colocar dentro?
Drake voltou a dar de ombros, parecendo embaraçado.
- Pequenos retratos ou desenhos, mechas de cabelo... Gina sorriu, imensamente emocionada pelo gesto.
- Pode me dar uma mecha de seu cabelo? - Não havia tempo para tirarem uma foto, e isso seria algo tangível que poderia levar consigo... Algo dele.
Ele ficou contente, mas ao mesmo tempo, envergonhado. Pigarreando, respondeu:
- Claro que sim. Quando voltarmos ao hotel.
De repente ela já não sentia mais frio. Em vez disso, percebia somente a proximidade de Drake. O olhar dele preso ao seu. Inclinou-se um pouco, na esperança de ganhar um beijo. Bem, uma banheira quente não seria nada mal também...
Scruffy choramingou aos seus pés, rompendo o encantamento. Suspirando, ela entregou seu pacote a Drake e se abaixou para pegar o cachorrinho no colo.
- Qual é o seu problema? Você tem seu casaco natural, não deveria estar com frio...
Drake só fez sorrir e disse:
- Talvez seja melhor irmos até a pensão.
Gina assentiu e eles atravessaram a rua. Bateram à porta e uma mulher grandalhona atendeu.
- Posso ajudá-los? - Havia um ligeiro sotaque alemão na voz dela.
- Sim - Gina respondeu com vivacidade. - Estou procurando meu irmão, Shorty Calahan. Ele está?
- Não. Acabou de sair.
- Sabe quando ele volta?
- Ele não disse - a mulher respondeu de forma direta mais uma vez.
Gina lançou seu sorriso mais simpático.
- Posso esperar por ele?
- Está muito frio aqui fora - Drake interferiu - e fizemos uma longa viagem para vê-lo.
- Está bem. - A mulher deu passagem. - Mas o cachorro tem que se comportar bem.
- Não se preocupe, ele é um verdadeiro cavalheiro - Gina garantiu.
- Podem esperar na sala.
Na sala? Não era o que precisavam. A mente de Gina começou a trabalhar a fim de inventar uma desculpa plausível para esperarem no quarto do homem. Ao se aproximarem da sala, ouviram vozes, e foi essa a desculpa que ela precisava.
-Oh, meu Deus! - ela exclamou. Quando a Sra. Zimmerman se virou com um olhar questionador, Gina se afastou com a mão na cabeça, dizendo: - O barulho. Não sei se o suportarei!
Felizmente Drake entendeu rápido e se aproximou para segurá-la em seu suposto desmaio. Batendo-a nas mãos, mostrava preocupação.
- Fizemos uma viagem muito longa - ele explicou - e muito extenuante para minha esposa. Talvez a senhora tenha um local mais calmo no qual possamos esperar?
A mulher franziu o cenho e olhou ao redor, pensando no que poderia fazer quando Drake acrescentou:
- Quem sabe no quarto de Shorty? Se ela pudesse se deitar por alguns minutos, estou certo de que se sentiria muito melhor.
- Oh, sim, por favor - Gina pediu num fio de voz.
- Está bem. Vou levá-los para cima.
Quando a mulher os deixou a sós, Gina deixou de lado a encenação e Drake a soltou, infelizmente levando o calor de seus braços também.
- Tem certeza de que nunca trabalhou nos palcos? - ele perguntou com um brilho no olhar.
- Olha quem está falando... Nunca vi ninguém pegar as coisas no ar tão rápido quanto você.
Ele sorriu e fez um gesto abrangendo o quarto.
- Vamos começar?
- Sim, vamos.
Gina deixou a porta entreaberta, só para que Scruffy montasse guarda. Em seguida ela e Drake vasculharam meticulosamente cada canto do quarto, tomando cuidado para não bagunçá-lo. A proprietária da pensão devia tê-lo arrumado assim que Shorty saiu, pois a cama estava arrumada e as superfícies dos móveis brilhavam. Duvidava que o homem fosse do tipo ordeiro.
Procuraram em todos os lugares, mas, infelizmente, nem sinal da pistola. Gina se jogou sobre a cama, frustrada.
- Não está aqui!
- Acho que tem razão -- Drake concordou.
- Onde mais pode estar? - ela se lamentou. - Deve tê-la escondido em algum lugar, ou quem sabe não está com ele?
- Há outra possibilidade - Drake sugeriu
- Qual?
- Talvez ele ainda não a tenha comprado.
- Nem tinha pensado nisso. O que faremos agora?
- Não há nada que possamos fazer. - Drake foi prático. - A não ser... - O quê? - ela perguntou ansiosa.
- Pode me dar um dos papéis que comprou?
- Claro. - Ela procurou na sacola de compras e o entregou. - O que está pensando?
Drake sentou-se numa pequena escrivaninha e pegou uma caneta.
- Vou deixar um bilhete.
- Vai dizer que estivemos aqui?
- Acho que ele vai saber disso de qualquer forma. Afinal, a Sra. Zimmerman vai comentar e provavelmente nos descreverá.
- Não tinha pensado nisso... - Quantas mulheres andavam com um cachorrinho preto a tiracolo e quantos homens tinham os cabelos de Drake naquela cidade? Shorty saberia que estiveram ali.
- Só quero que ele tenha algo mais no que pensar - Drake murmurou e, assim que ele terminou de escrever, Scruffy latiu.
- Alguém vem vindo - Gina informou baixinho.
Rapidamente, ela se jogou sobre a cama, com a mão na testa, numa pose melodramática, e Drake foi para seu lado segurar a sua outra mão. A Sra. Zimmerman logo colocou a cabeça dentro do quarto.
- Vão ficar aqui o dia inteiro?
- Não - Drake respondeu. - Minha esposa está se sentindo bem melhor, então vamos para o hotel e voltaremos mais tarde.
- Ótimo - a mulher respondeu.
Ele dobrou o papel e deixou-o na escrivaninha.
- Escrevi um bilhete para meu cunhado para que ele saiba onde estaremos hospedados. - Ajudou Gina a se levantar e completou: - Não a incomodaremos mais. Estamos agradecidos por sua hospitalidade.
- Sim, obrigada - Gina disse. - Sinto-me muito melhor agora.
A mulher assentiu e fechou a porta atrás deles. Tão logo deixaram a pensão, Gina indagou:
- O que escreveu?
- Nada de mais. - Drake sorriu com ares de maroto. - Pelo que percebi, Shorty acha que mesmerismo é igual a espiritualismo e tem medo dos poderes ocultos. Então escrevi uma mensagem dizendo que a mãe dele o alertara a não incendiar mais nada ou ele estaria perdido para sempre.
- Boa idéia! - Gina o olhou com admiração. - Ele parece ter medo da mãe.
- Também sugeri que saísse da cidade de vez. Assim ele não poderá provocar o incêndio...
- Outra ótima idéia - Ela o elogiou e depois franziu a testa.
- O que foi?
- Nada... Mas se ele partir, como vou encontrar a pistola que me levará para casa?
Drake levantou o olhar ao ver Gina na porta.
- Temos alguns minutos antes da sessão de Annabelle - ela informou. - Podemos conversar?
- Sim, claro.
Ela entrou no consultório com o olhar determinado que ele tanto conhecia.
- Já passou mais uma semana.
- Eu sei. - Estavam uma semana mais próximos da data prevista para sua morte. Será que ela acreditava que não se lembrava disso?
- Como pode estar tão tranqüilo?
- Não estou. - Muito pelo contrário, vinha lutando incessantemente contra o medo e o desespero. Somente a necessidade premente de salvar Annabelle Rutledge lhe dava forças para seguir adiante.
- Não se deu conta de que vai morrer em duas semanas?
- Não posso me considerar um homem de valor se partir sem levar Charlotte comigo.
- Annabelle - Gina o corrigiu com suavidade.
- Ah, sim claro. - Ele sentiu que corava.
- Entendo que esta situação pareça com a da sua irmã, entretanto Charlotte está morta. Não pode trazê-la de volta.
- Não, mas posso evitar que a Sra. Rutledge tenha o mesmo destino.
- Não se vocês dois morrerem,
- Sei disso - ele respondeu de maneira paciente, por mais que tivessem discutido o problema de inúmeras maneiras desde que haviam se conhecido. - Preciso, então, convencê-la a partir logo. Tenho trabalhado nisso e acho que, finalmente, ela está pronta. - Vinha, de fato, tratando do assunto e, naquela manhã, tinha recebido uma coisa que acreditava, fosse ajudá-lo muito.
- Então, vai falar com ela hoje? - Gina respirou aliviada.
- Sim. - Ele se levantou. - Isso se a deixar entrar...
Gina foi até a sala de espera e chamou Annabelle. A mulher parecia mais amedrontada do que nunca e Drake, temeroso que ela estivesse regredindo, perguntou:
- Como estão as coisas com seu marido?
A loira só meneou a cabeça e cobriu a boca com o lenço. Tremia incontrolavelmente e não conseguia falar.
Drake sentia-se inadequado; havia tanto ainda a aprender. Nem se dera conta de quanto até ouvir Gina discorrer sobre psiquiatria, ou seja, o mesmerismo da época dela. Sentia-se um homem das cavernas tateando no escuro. No entanto, isso não poderia impedir que usasse o que sabia para ajudar seus pacientes.
- Imagino que não tenha ido nada bem... - Ele arriscou um palpite.
Gina estendeu um copo de água para a mulher, que depois de um tempo se recompôs.
- Não sei o que fazer. Tudo o que faço o irrita, ainda mais se o enfrento. Não consigo agradá-lo... -Annabelle olhou para Drake suplicante, como se ele fosse capaz de fazer tudo melhorar.
- Ele voltou a machucá-la?
- Não. - Ela fungou. - Mas...
- Teme que o faça - Drake completou por ela quando a pausa se estendeu por tempo demais.
As lágrimas voltaram aos olhos de Annabelle e, novamente com o lenço nos lábios, ela assentiu.
- Sim... Oh, tenho tanto medo...
Drake queria confortar a mulher, porém temia que isso fosse considerado inadequado. Graças a Deus, Gina entendeu seu pedido e aproximou-se, envolvendo a paciente nos braços.
- Vai dar tudo certo. Ouça o que o Sr. Manton tem a dizer. Annabelle assentiu em silêncio.
Respirando fundo, Drake disse:
- Gostaria de lhe contar uma história. - Ela se mostrou confusa, mas ele foi adiante: - Eu tinha uma irmã, Charlotte, que era adorável. Todos nós a amávamos muito. Um dia meus pais receberem uma proposta pela mão dela que consolidaria a posição de meu pai no mundo financeiro. Então pediram que ela considerasse o pedido pensando que o homem a adoraria como nós. - Fez uma pausa para dar mais impacto às suas palavras.
- Ela refletiu e, vendo as vantagens para nossa família, aceitou a proposta do homem belo e educado. - Parou um instante novamente, pois o que vinha em seguida era muito doloroso.
- Entretanto, ele não era nem gentil nem educado como aparentava. Reservadamente, ele a repreendia, humilhava, dizia que ela não valia nada, desprezava tudo o que ela fazia.
Gina o encarava preocupada, mas Drake estava determinado a chegar ao fim da história.
- Como ninguém sabia o que estava acontecendo, por fim, ela acabou achando que ele tinha razão. Charlotte não conseguiu suportar...
Ele se calou, não conseguindo concluir a narrativa.
- O que aconteceu? - Annabelle perguntou. Drake respirou fundo para tomar coragem.
- Ela se suicidou.
Annabelle arfou e cobriu a boca, os Olhos arregalados em terror.
- Temo que o mesmo aconteça com a senhora se não abandonar seu marido.
Ela meneou a cabeça com veemência.
- Não, não posso.
- Pode, sim. Espero que perdoe a liberdade que tomei, mas escrevi para sua família, contando tudo o que vem acontecendo.
Como se fosse possível, os olhos de Annabelle se arregalaram ainda mais.
- O senhor contou para eles? Oh, que vergonha!
- A vergonha não é sua. É do seu marido. - Pegou o telegrama da gaveta e estendeu-o. - Aqui está a resposta. Seus pais querem que o deixe e que vá para Boston onde a acolherão. Eles a ajudarão a conseguir o divórcio a fim de que se liberte desse homem.
Annabelle escondeu o rosto nas mãos e chorou. Drake estava incerto se tinha agido bem, entretanto Gina o reconfortou com o olhar já que as mãos estavam ocupadas em amparar a loira.
Quando se acalmou, ela enxugou as lágrimas e leu o telegrama. Por fim, levou o papel ao peito, emocionada demais para falar.
-Viu só? - Drake disse com gentileza. - Seus pais a amam. O escândalo de um divórcio não significa nada para eles, pois só se importam com sua segurança e felicidade. E então, o que me diz, vai abandoná-lo?
Ela se aprumou na cadeira, e podia-se dizer que a coragem a invadiu ao erguer os ombros e responder:
- Sim, eu o deixarei. - O apoio da família tinha instilado a ousadia que ela precisava. - Mas como?
- Eu a ajudarei - Drake garantiu.
- Nós dois ajudaremos - Gina acrescentou.
Pela primeira vez Drake viu uma centelha de esperança nos olhos da paciente.
- Ele está lá fora...
- Não estamos sugerindo que o deixe hoje. Acha que poderia despistá-lo em algum momento nos próximos dias?
- Não sei. Ele me vigia tanto. Nunca conseguirei fazer as malas sem levantar suspeitas.
- Então pegue somente o que for estritamente necessário e entregue a Gina que ela cuidará de tudo. - Vendo a incerteza nos olhos dela, perguntou: - O que é mais importante: algumas roupas ou sua vida?
Annabelle caiu em si e respondeu:
- Sim, claro, tem razão.
- Não se preocupe - Gina assegurou. - O Sr. Manton comprará o que precisar na viagem.
Notando que o comentário a deixara em dúvida, Drake completou:
- O seu pai poderá me reembolsar se preferir. Annabelle por fim concordou.
- Como agiremos?
- O seu marido segue alguma rotina? Há algum momento em que a deixa sozinha?
- Sim, ele joga bilhar às quatro horas com os amigos. Como as mulheres não podem entrar no salão de jogos, eu fico sozinha nesse momento.
- Excelente. Que tal depois de amanhã?
Drake queria ter um dia a mais para organizar os outros pacientes. Embora nenhum deles precisasse tanto de seus cuidados quanto Annabelle, não queria deixá-los de uma hora para a outra.
- Sim, onde?
- Encontre-me na torre assim que seu marido sair para jogar. Não avise ninguém ou ele poderá descobrir. Não vai me decepcionar, vai?
- Não - ela respondeu resoluta e olhou para o telegrama. - Pode guardar isto para mim? Não quero que Clyde o encontre.
- Certamente. Eu o guardarei até encontrá-la na torre. Muito mais aliviada e mais contente do que nunca, Annabelle deixou o consultório.
Drake também estava, enfim, satisfeito. Quando a entregasse à família, teria cumprido sua promessa com Charlotte.
Quando a porta fechou, Gina se virou para ele e disse, com um suspiro:
- É isso então. Vai finalmente partir.
- Sim, vou.
- É duro de acreditar, depois de tantos meses tentando convencê-lo...
- Não vai saber o que fazer quando eu não estiver aqui para você me perseguir... - Drake sorriu.
- É possível. E depois, o que pretende fazer? Vai voltar para cá?
Ele meneou a cabeça. O resort o lembraria constantemente de Gina. Jamais poderia continuar lá sem ela.
- Não. Recebi uma oferta de trabalho em Richmond. Um médico progressista acredita que eu possa ajudá-lo em seu consultório. Acho que vou aceitar.
- Richmond? Que ótimo!
- Sim, os pacientes não estarão de passagem como aqui e acredito que consiga ajudá-los melhor assim.
- Estou tão contente... Fará um enorme sucesso! - Gina sorriu.
Será? Como poderia ficar bem sem ter Gina a seu lado para atormentá-lo, fazê-lo rir, amá-lo?
Queria, desesperadamente, pedir que ela o acompanhasse, mas ficou quieto. Gina já deixara claro que não havia nada para ela ali.
Embora tivesse esperança de que ele fosse o bastante...
Dois dias mais tarde, Gina aguardava por Drake na torre em meio a um turbilhão de emoções contraditórias. Estava feliz que ele ficaria finalmente a salvo, porém isso também significava que não o veria mais.
Levou a mão ao peito, onde o broche que ele lhe dera estava escondido sob o vestido. Os funcionários do hotel não podiam usar jóias, mas ela ò mantinha perto do coração com a mecha dos cabelos dele dentro desde que o recebera.
Ele logo chegou, sem nenhuma mala.
- Onde está sua bagagem? - ela perguntou sobressaltada. - Não vai mais?
- Não queria que as pessoas soubessem que estou de partida. Deixei a conta paga até o fim da semana e as malas no quarto. - Entregou um pedaço de papel. - Se não for incômodo, poderia despachá-las para este endereço em Richmond? Vou levar a Sra. Rutledge para a família e depois começarei no meu novo emprego.
- Sem problemas. - Ela dobrou o papel e colocou-o no bolso. - Qual é o plano agora?
- Sean Quinn nos levará até a estação em Hope Springs onde pegaremos o primeiro trem para o Norte e depois nos encaminharemos para Boston.
Só restava agora descobrir uma maneira de se despedir. O melhor seria fazê-lo ali na torre, onde ninguém os veria.
- Drake, eu... - Gina se conteve. Não sabia o que dizer sem se derramar em lágrimas. Segurando a lapela do casaco dele, tentou sorrir, mas os lábios estavam trêmulos e as lágrimas se avolumavam nos olhos. - Vou sentir a sua falta.
Aquilo nem de longe descrevia o que ela sentiria: o sentimento de perda e desolação que já a acometia e o amor que ela sabia jamais desvaneceria.
Ele deu um sorriso triste e enxugou uma lágrima que escorria pelo rosto dela.
- Não chore... Pensei que era isso o que você queria.
- Sim, era. - Ela conseguiu dizer. Não, era mentira. Queria gritar pedindo para que ele ficasse ou que a levasse, mas ficou calada. Drake tinha que partir e se quisesse lavá-la, já teria pedido isso há muito tempo. Implorar para que a levasse junto só a tornaria uma tola e o embaraçaria.
Não poderia deixá-lo ir, no entanto, sem um último beijo. Esticando-se para abraçá-lo, passou as mãos pelo pescoço e trouxe o rosto dele para baixo. Os lábios se encontraram num misto de saudade e desejo. Entregou-se por completo naquele beijo, criando um momento que duraria para sempre em sua memória.
Drake acompanhou a sua intensidade, pois também se sentia da mesma maneira. Gina, contudo, não queria se deixar enganar. Ele não sentia amor, só desejo.
E se não tomassem cuidado aquele beijo logo os faria perder o controle e Annabelle devia chegar a qualquer instante.
Relutante, ela se desvencilhou e perguntou:
- Que horas são?
- Já passou das quatro e meia - Drake informou depois de consultar o relógio.
- Ela já devia estar aqui.
- Pode ter havido algum problema para se desvencilhar do marido ou resolveu trazer alguma coisa consigo.
Gina bufou. Depois de tudo o que fizeram para ajudá-la, dos riscos a que Drake vinha se expondo, o mínimo que ela podia fazer era ser pontual. A menos que...
- Será que ela mudou de idéia?
- Espero que não. - Drake franziu o cenho.
- Vou ver se descubro...
- Não. - Ele a deteve, segurando-a pelo braço. - Não é uma boa idéia. E se Rutledge a vir? Pode ficar desconfiado.
- O que pretende fazer, então? Ficar esperando? Se ela não veio até agora, só pode...
Foram interrompidos pela chegada de Rupert.
- Sr. Manton? A Sra. Rutledge pediu que eu entregasse isto para o senhor.
Rupert entregou um bilhete e saiu contente com a generosa gorjeta.
- O que está escrito?
- Ela não vem - Drake respondeu com um suspiro depois de ler a mensagem.
- Foi o que imaginei, mas por quê?
- Ela diz que deve ter feito alguma coisa para deixar o marido desconfiado, pois ele não foi ao jogo hoje.
- Agora vai ficar ainda mais difícil... Está decidido. Você terá de ir sem ela.
- O quê? - Drake perguntou incrédulo. - Sabe que não posso ir assim.
- Claro que pode. Fez tudo o que era possível, agora tem de cuidar de si.
- Não fiz nada, pois ainda não consegui a única coisa que importa: livrá-la do marido abusivo - ele argumentou.
- Está tudo pronto: a condução, os bilhetes, a bagagem... Seria uma pena desperdiçar tudo isso. - Vendo que ele estava pronto para protestar, Gina completou: - Posso levar o plano adiante.
- O que quer dizer com isso?
- Farei com que ela deixe a cidade.
- Não creio que...
- Você não acredita que eu o faça, é isso. -Aquilo a deixou contrariada. - Assim como você, não quero vê-la machucada. E não é preciso que você a leve até o trem. Qualquer pessoa pode fazer isso.
- Não duvidei de suas intenções - Drake protestou. - Mas não acho que isso possa dar certo.
- Por que não?
- Porque ela é do tipo de mulher que precisa de um homem para se apoiar.
- Por que esse homem tem de ser você? - Gina explodiu, deixando o ciúme surgir. Será que o jornal estivera certo o tempo todo e Drake estava se envolvendo?
- Porque sou o único que sabe das dificuldades dela - ele explicou paciente. - Ela precisará de encorajamento durante todo o trajeto, pois diante do mínimo contratempo, poderá se acovardar e voltar. Você não pode ajudá-la dessa forma porque tem de ficar aqui. - Com um suspiro, ele completou: - Ela não é forte como você, Gina. Precisa ser sempre lembrada de que tudo terminará bem e que está agindo corretamente.
Gina não se sentia nem forte nem segura no momento e até considerou a idéia de dar uma de mulher dependente para ver se Drake a manteria por perto. Felizmente pôs a mão na consciência, ciente de que jamais poderia agir dessa forma por muito tempo.
Com um ar determinado começou a pensar numa maneira de convencê-lo a partir, pois não conseguiria se despedir novamente.
- Não vai funcionar - Drake disse.
- O que não vai funcionar?
- O que quer que esteja maquinando. Pela memória de Charlotte e pelo bem da Sra. Rutledge, vou fazer com que ela deixe o marido nem que seja a última coisa que eu, faça.
- Talvez seja mesmo, se não tomar cuidado - Gina rebateu. Não se importava com o que ele tinha a dizer. Tomaria medidas para vê-lo longe dali; quaisquer que fossem elas.
Capítulo VII
Gina ficou ansiosa com a lentidão com que os dez dias seguintes transcorreram. Clyde mostrou-se cada vez mais desconfiado e o único momento em que deixava a esposa sozinha era durante as sessões com Drake. Portanto, em vez de estabelecerem uma data para a fuga, concordaram que Annabelle escaparia na primeira oportunidade e enviaria um recado para que se encontrassem na torre.
Já era 21 de dezembro e Gina estava entrando em pânico. Olhou para a porta do consultório exasperada, sem entender como ele conseguia seguir tranqüilamente com sua rotina de atender os pacientes quando estava fadado a morrer no dia seguinte.
Rupert aliviou-a momentaneamente de suas preocupações, dizendo que tinha uma mensagem do chefe de polícia para Drake. Nem tentou recebê-la, já que o rapaz fazia questão de entregá-la pessoalmente por conta da costumeira gorjeta generosa.
Em poucos minutos a porta se abriu após o término de uma sessão e Gina conduziu o mensageiro.
- Espero lá fora caso haja uma resposta - o rapaz disse após entregar o bilhete.
- O que está escrito? - Gina perguntou impaciente depois que ele se retirou.
- O chefe Garrett informa que Shorty Calahan deixou a cidade. De vez, ao que parece, pois levou todos os pertences e pagou a pensão. Ele não acredita que o homem possa voltar.
Gina sentiu uma pontada de esperança, então pegou o artigo de jornal que agora trazia sempre consigo. Deu uma olhada, mas viu que não havia alteração.
- Não mudou nada.
- Isso não faz sentido. Se Shorty foi embora, como pode dar início ao incêndio?
- Talvez ele tenha convencido um dos amigos a fazer isso por ele, ou quem sabe só fez de conta que ia partir, mas está se escondendo até poder agir...
Drake franziu a testa ao ler o bilhete novamente.
- Não sei não, o chefe se diz confiante de que ele partiu...
- Mas a notícia não mudou! Você ainda vai morrer.
- Talvez só mude no dia certo. - Drake deu de ombros.
- Não foi o que aconteceu com madame Rulanka. O artigo se transformou na hora em que ela decidiu modificar o itinerário.
-Mesmo assim, sabe que não posso partir sem a Sra. Rutledge. Por favor, mande entrar o próximo paciente.
Suspirando, Gina obedeceu. Depois de seis meses de convivência aprendera que não adiantava discutir com Drake quando ele enfiava uma coisa na cabeça.
Só restava resolver ela mesma o problema. Não havia alternativa, tinha de colocar seu plano em ação.
Rupert esperava impaciente.
- Preciso levar alguma resposta?
- Não, mas espere um instante. Preciso falar com você. Ela mandou a paciente seguinte entrar, depois puxou Rupert para o corredor onde poderiam conversar sem que ninguém os ouvisse.
- Está na hora.
- Hora de quê?
- De acionar o plano B.
Felizmente boatos se espalharam de que a espiritualista tinha previsto a morte de Drake se ele permanecesse no Chesterfield. Visto que muitos dos funcionários do hotel acreditavam na mulher, Gina não teve dificuldades para convencer alguns de seus amigos a ajudá-la para o bem de Drake.
- Ele não vai embora? - Rupert perguntou.
- Não, acha que está a salvo.
- Tem certeza de que isso é o melhor a fazer?
- Sim, tenho. - Gina decidiu forçar um pouco. - Madame Rulanka me revelou a data da morte dele; é amanhã. Se não fizermos nada, ele morrerá. Quer que ele viva, não quer?
- Sim, mas...
- Então, temos de fazer isso. Acredite em mim, ele agradecerá depois. - Sem dar tempo para que o garoto pensasse melhor, Gina perguntou: - Ainda tem aquele bilhete?
- Está bem aqui. - Ele bateu no bolso do paletó.
- Pode me dar. Vou entregar para Drake agora mesmo. Avise o Sr. Quinn que está na hora. - O chefe da estrebaria cuidaria de tudo dali em diante.
O mensageiro saiu com óbvia relutância, porém Gina sabia que ele não a decepcionaria.
Chegara a hora de atuar e precisava ser convincente. Entrou no consultório, ignorando a surpresa da paciente.
- Com licença, mas esta mensagem acaba de chegar.
Drake fez ar de zangado a princípio, logo percebeu, no entanto, que o bilhete só poderia ser de Annabelle, pois Gina não o teria interrompido por outro motivo.
- Com licença - ele se desculpou -, estava aguardando esta missiva. - Leu a mensagem e completou: - Sinto muito, surgiu uma emergência e terei de interromper nossa sessão.
Embora a mulher tivesse demonstrado aborrecimento, ele levantou-se e saiu.
- É de Annabelle? - Gina perguntou, apesar de saber muito bem o que dizia a mensagem, pois fora ela mesma quem a escrevera.
- Sim, ela está livre e pediu que a encontrasse no estábulo.
- Ele se mostrou confuso. - Por que será que não quer ir até a torre? E por que agora?
- E quem se importa? - Gina o interrompeu impaciente.
- Vamos, eu o acompanho.
- Não é preciso...
- É, sim. - Ela queria ter certeza de que o plano daria certo. Depois que Drake colocou o chapéu e o casaco, saiu com Gina em seu encalço. Ela fez uma prece silenciosa para que não encontrassem os Rutledge no caminho.
Estava com sorte, pois chegaram ao estábulo sem serem interceptados por ninguém. O chefe da estrebaria os aguardava e lançou um olhar questionador para Gina.
Ela fez um sinal e o homem se preparou.
- Onde está a Sra. Rutledge? - perguntou Drake.
- Dentro da carruagem - Sean Quinn respondeu.
Quando Drake passou por ele, Sean comprimiu a mão coberta com um pano contra o nariz dele. Drake tentou se soltar, mas o homem, embora baixo, era forte e o segurou firme até fazê-lo perder os sentidos.
Gina suprimiu um grito quando Drake caiu no chão. Sabia que aquilo era necessário, porém detestava vê-lo daquela maneira.
- O que usou?
- Clorofórmio - Sean respondeu. - Sempre temos algum por perto por causa dos animais, mas também funciona bem nos humanos.
Sean fez um sinal para dois homens que colocaram Drake em uma charrete. Como prevenção, amarraram as mãos e as pernas dele e o cobriram com uma manta.
- Certo, Jem - Sean disse para um deles. - Leve-o para o mais longe que puder.
- Ele só poderá voltar depois de amanhã - Gina completou. O rapaz assentiu e partiu, levando Drake para longe. Gina olhou para a charrete que se distanciava com dor no coração. Uma lágrima solitária correu sua face e o chefe da estrebaria bateu em seu ombro com carinho.
- Está tudo bem, Gina. Fez a coisa certa. Agora ele estará a salvo.
Ela enxugou a lágrima. Sim, tinha agido bem. Tinha cumprido sua tarefa e ele viveria. Agora só precisava encontrar a pistola para poder voltar para casa.
Drake acordou, tonto e desorientado. Quando tentou se mexer, descobriu que os pés e as mãos estavam amarrados e não conseguia ver nada, pois uma manta o cobria. Pensou que estava em algum piso de madeira, mas quando percebeu que o chão se movia, entendeu que estava dentro de uma charrete.
Depois de alguns instantes, conseguiu se lembrar dos últimos acontecimentos. Gina, o estábulo... Ela era a responsável por tudo aquilo ou também tinha sido seqüestrada?
Retorceu-se e conseguiu descobrir a cabeça. Olhou ao redor e viu um rapaz conduzindo o veículo. Lembrou-se dele; era um dos ajudantes da estrebaria. Começou a juntar as peças do quebra-cabeça: Gina o acompanhando sem reclamar pela mudança dos planos... A estranha expressão no rosto de Sean Quinn...
Sem sombra de dúvida, ela era a responsável por aquilo.
Ficou perplexo por um instante, até perceber que aquele era bem o estilo dela. Embora pudesse se sentir traído e zangado, só estava desgostoso. Consigo mesmo. Era tudo culpa sua. Devia ter confiado nela.
No dia anterior recebera uma mensagem da Sra. Rutledge dizendo que o marido havia decidido participar de uma caçada, e poderiam, então, dar prosseguimento ao plano no dia seguinte.
Com o marido ocupado o dia inteiro, teriam a possibilidade de se afastar da cidade antes que Shorty os encontrasse e provocasse o incêndio. Drake, no entanto, conhecia Gina bem demais e sabia que ela entraria em pânico se deixassem tudo para o último instante, e, por isso, mantivera segredo.
Se tivesse lhe contado tudo, talvez ela não tivesse chegado a esses extremos. Agora precisava encontrar uma maneira de voltar ao hotel a tempo. Mas como?
Reconheceu o odor adocicado de clorofórmio. Devia ter ficado inconsciente por algumas horas apenas. Olhou a posição do sol e confirmou que devia ser final de tarde. Se encontrasse uma saída, talvez ainda conseguisse voltar ao hotel a tempo.
Virando a cabeça, chamou o condutor, aliviado por não ter sido amordaçado.
Assustado o rapaz olhou em sua direção.
- Qual seu nome? - Drake perguntou.
- Jem.
- Jem, por favor, pare um instante para me dar água?
- Não posso soltá-lo até amanhã à noite.
- Não estou pedindo que me solte. Só preciso de água. A droga que seu chefe usou em mim me deixou com sede.
- Está bem - o rapaz concordou, parando e encostando a charrete. - Mas não tente nada, senão terei de bater em sua cabeça. - Para enfatizar as palavras, ele mostrou um porrete.
Não faria nada até ter certeza de que conseguiria dominar o rapaz e escapar.
Aproveitou para dar uma boa olhada nele. Apesar de jovem, era forte e robusto. Teria dificuldade de subjugá-lo, ainda mais que tinha mãos e pernas atadas. Tomou a água que o rapaz oferecia e olhou ao redor. Ficou ainda mais desanimado, pois estavam numa estrada de pouco movimento. Não reconhecia nada. Só conseguia ver um pequeno riacho ao lado do caminho estreito pelo qual tinham vindo. Se conseguisse enredar o rapaz numa conversa, talvez descobrisse onde estavam.
- Por que está fazendo isso, Jem?
O rapaz deu de ombros e colocou o copo de volta no lugar.
- Porque o Sr. Quinn mandou. - Fez uma pausa, depois completou: - Disse que era para seu próprio bem.
Entendia agora como Gina os tinha convencido a ajudar em seu plano maluco.
- Para onde está me levando? - perguntou, olhando ao redor.
- Para lugar nenhum. Só estou mantendo o senhor longe do hotel até amanhã.
- Onde estamos agora? A algumas horas ao norte de Hope Springs, imagino.
- Talvez.
Drake franziu o cenho; o rapaz era mais sisudo do que imaginara.
- Bem, eu...
- Chega de conversa - o rapaz sentenciou e fez os cavalos voltarem a se movimentar.
Depois disso, Jem não respondeu a nenhum de seus chamados, nem às suas tentativas de conversa, por isso pôs-se a pensar. Como poderia se soltar sem armas? Refletiu bastante até perceber que tinha uma arma à disposição: sua mente. Só tinha de esperar pelo momento oportuno.
Depois que escureceu, Jem decidiu parar. Desmontou, cuidou dos cavalos e armou um acampamento perto do riacho. Depois foi ver Drake, que naquela hora já começava a sentir frio, a despeito da manta.
Brandindo o porrete como uma advertência, Jem afrouxou a corda nos tornozelos, o que o permitiu caminhar. Drake deu uns primeiros passos, chacoalhando as pernas para livrá-las da sensação de entorpecimento por ficar tempo demais na mesma posição.
- Sente-se - Jem indicou um lugar perto da fogueira.
Drake sentou-se e esperou pelo melhor momento para colocar seu plano em ação enquanto o rapaz terminava de preparar algo para o jantar.
Quando ele trouxe um prato, Drake perguntou:
- Não pode me desamarrar?
- Não.
- Por que não?
- Porque pode comer assim.
E, de fato, Drake conseguiu comer enquanto pensava que precisaria agir logo se queria estar de volta ao hotel pela manhã. Precisava estar lá para ajudar a Sra. Rutledge e se despedir de Gina antes que ela voltasse para o futuro.
Não estava zangado com ela, nem com os funcionários do hotel que ajudaram a seqüestrá-lo. Sabia que tinham feito aquilo por se importarem com ele.
Meneou a cabeça, desacreditando que conseguia entender e simpatizar com os métodos pouco ortodoxos de Gina. Devia estar apaixonado...
Era isso. O sentimento agora era nítido. Ele a amava, não só como amigo ou porque eram íntimos. Amava Gina como um homem ama uma mulher. Uma mulher generosa, divertida, encantadora, forte e nunca, mas nunca mesmo, entediante.
Ela o tinha trazido de volta à vida, aniquilando a existência sombria na qual estava mergulhado desde a morte de Charlotte;
Agora entendia por que a tinha pedido em casamento tantas vezes. Não era para salvar a reputação dela, mas porque queria, não, precisava de Gina em sua vida. Sua cabeça tinha entendido aquilo antes mesmo do que ele. E ela devia amá-lo também... Só podia, depois de tudo o que fizera para salvar sua vida.
De súbito compreendeu que não poderia deixá-la partir sem pedir para que ficasse, para que fosse sua esposa. Se nem tentasse, jamais seria capaz de se perdoar e ficaria sempre pensando no que poderia ter acontecido se tivesse tocado no assunto.
A urgência se apoderou dele. Precisava voltar a tempo e, para tanto, tinha de encontrar um modo de fugir. E logo.
Jem tinha acabado de voltar do riacho onde lavara os pratos e se sentou diante dele, na frente da fogueira. Estava na hora de pôr seu plano em ação.
Enquanto o rapaz observava o fogo, Drake comentou num tom de voz uniforme:
- Elas são interessantes, não são? As chamas? Cada uma delas é tão diferente da outra... Estão sempre mudando de forma.
Jem assentiu com a cabeça e o olhar fixo na fogueira.
- Diz a lenda que se você continuar a fitar o fogo, as chamas preenchem a sua mente e você terá conhecimento de tudo o que já existiu, de tudo o que virá... Consegue ver, Jem?
O rapaz assentiu vagarosamente e Drake continuou num monocórdio, incitando-o a observar as labaredas, que lentamente o hipnotizavam.
Quando estava certo de que o rapaz estava em transe, Drake ficou eufórico ao perceber que daria tudo certo.
- Olhe ao redor. Consegue ver os sinais? Há perigo de tempestade... - Não havia nada disso, mas precisava de uma desculpa para fazê-lo regressar ao hotel. - Precisamos voltar ao Chesterfield ou correremos perigo... Temos de ir agora a fim de chegarmos pela manhã.
- Mas só posso levá-lo para lá depois de amanhã.
- A tempestade é mais importante do que isso. Você mesmo disse que eles me afastaram pelo meu bem. Se ficarmos expostos à tempestade, morreremos nós dois. Veja, os flocos de neve começam a cair. - Vendo que Jem acreditava nos flocos imaginários, Drake continuou: - Não temos abrigo, portanto temos de voltar, senão morreremos. Sabe que o Sr. Quinn não desejaria isso.
- É melhor irmos, então... Drake suspirou aliviado.
- Sim, vamos. Iremos ainda mais rápido se me desamarrar. Também quero ir, então não vou lhe causar problemas.
Depois de desamarrado, Drake continuou falando com ele para reforçar a urgência em se livrarem da tempestade.
Viajando a noite, demorariam mais tempo para voltarem, porém o trajeto estava visível pelo luar. Só esperava que conseguissem chegar a tempo.
Não só tinha uma promessa a cumprir, como também precisava convencer Gina a aceitá-lo como marido antes que ela encontrasse a pistola que a afastaria dele para sempre.
Gina acordou na manhã do dia 22 de dezembro com sentimentos controversos. Não via a hora de voltar para casa e usufruir as modernidades do século XXI, mas, ao mesmo tempo, já começava a apreciar algumas coisas da época em que se encontrava, tais como o estilo de vida mais lento e os homens que agiam como cavalheiros. Homens como Drake, que acreditavam em honra e promessas e que sabiam tratar as mulheres com gentileza e consideração.
Esse tipo de homem era raro no futuro. Ou pelo menos, ela tivera dificuldade de encontrá-los.
Suspirou resignada. Não podia ter tudo e já que Drake aparentemente não a amava como ela, voltar ao futuro era a coisa certa a se fazer. No entanto, antes de mais nada, precisava encontrar a maldita pistola ou não conseguiria ir a parte alguma.
Vestiu-se apressadamente e observou o quarto. Tinha tomado cuidado para não comprar muitas coisas, então não precisava se preocupar em levar nada, com exceção do broche que Drake lhe dera e que sempre carregava junto ao peito.
E Scruffy, é claro. Precisava se certificar de tê-lo ao seu lado o dia inteiro, caso se deparasse com a pistola, pois seria inconcebível deixá-lo para trás. Era o único que a amava incondicionalmente no mundo todo. Abaixou-se para afagá-lo e perguntou:
- Que tal voltarmos para casa hoje?
Ele latiu feliz, mas Gina duvidava que ele entendia o que ela queria dizer. Tinha se dado muito bem ali, principalmente por causa dos restos de comida deliciosos que Sasha lhe dava. Além, é claro, de contar com outro humano que o agradava a qualquer hora, Drake. Abandoná-lo seria duro para o cãozinho.
Assim como seria difícil para ela deixar os amigos. Ficou contente por ter conseguido voltar à cidade a fim de comprar lembranças para Jack, Sasha e Sean. Todos tinham sido tão gentis e ela gostaria de presenteá-los com algo que os fizessem se lembrar dela.
Nomeara os pacotes e os deixara na cama onde Esmeralda os encontraria. Tinha certeza de que a governanta os entregaria às pessoas certas.
Olhou para os pacotes com tristeza. Não tinha comprado nada para Drake. Para ele, dera o que havia de mais precioso: a vida. No momento ele não devia estar muito contente, mas com o tempo, entenderia que o que fizera era para o seu bem.
Era chegada a hora de deixar o sentimentalismo de lado e seguir em frente. Saiu do quarto para procurar Esmeralda e viu que o hotel estava mais uma vez em polvorosa. Todos estavam ocupados com o baile do solstício de inverno e com o Natal. Entristeceu-se, pois sabia que estaria longe quando esses eventos acontecessem.
Encontrou-a na rouparia e puxou-a para conversarem:
- Sabe que dia é hoje?
- Claro que sim. - As palavras calmas contradiziam a expressão preocupada.
- Conseguirei voltar para casa hoje?
- Isso depende de você - Esmeralda respondeu.
- O que quer dizer?
- Ficar ou partir é uma decisão só sua; ninguém pode decidir por você.
- Então encontrarei a pistola? - Gina insistiu.
- Sim. - Esmeralda soou irritada. - Diria que isso é inevitável.
- Onde? Quando?
- Isso será revelado no momento oportuno.
As palavras enigmáticas estavam começando a irritar Gina.
- Por que não me conta mais?
A irritação da governanta foi substituída por resignação.
- Não posso contar mais sem correr o risco de comprometer o resultado desejado. E, na verdade, não sei muito além do que lhe falei.
Resultado desejado?
- Quer dizer que há mais de uma possibilidade para terminar esta história?
- Mas é claro. Tem o livre-arbítrio... Sempre teve. Você é responsável por escolher um caminho quando há muitos a seguir.
- E o que você quer que eu faça?
- Eu gostaria que ficasse, é óbvio.
Gina franziu o cenho. Como sempre, parecia haver mais por trás das palavras dela.
- O que...
- Não posso dizer mais nada. - Esmeralda foi firme. - Porém se decidir ficar, saiba que poderá sempre contar comigo como sua amiga.
Dito isso, Esmeralda deu as costas e deixou-a sozinha.
Gina ficou sem saber o que fazer em seguida. Devia continuar procurando a pistola ou ela acabaria aparecendo? Esmeralda pareceu querer dizer que o portal apareceria não importando como agisse, então não havia nada que pudesse, de fato, fazer.
Como Drake havia cancelado as sessões por conta das festividades, resolveu procurar os amigos para fazê-los entender o quanto os apreciava sem se despedir. Tinha certeza que Esmeralda encontraria uma explicação para seu sumiço repentino.
E lá vinha uma dessas pessoas, Rupert se aproximava a passos largos.
- Procurei por você em todos os lugares - ele disse.
- Por quê? - Se o major tinha alguma incumbência para ela, podia esquecer, pois logo estaria longe.
Ele se inclinou para sussurrar:
- E o Sr. Manton. Ele está de volta.
- O quê? Ele está aqui?
- Acabei de vê-lo se dirigindo para o quarto, e a expressão no rosto dele não era das melhores.
- Como isso aconteceu? Jem estava encarregado de levá-lo daqui.
- Isso eu não sei, mas se eu fosse você, ficaria longe dele. - Com um olhar de advertência, Rupert se afastou.
Precisava descobrir o que dera errado, por isso dirigiu-se para o estábulo, com Scruffy em seu encalço.
Sean estava do lado de fora e quando a viu se aproximar, franziu a testa e meneou a cabeça.
- É verdade? - Gina exigiu saber. - Ele está de volta?
- Voltou há cerca de uma hora - ele assentiu.
- O que houve?
- Não sei. Nem Jem sabe direito. Acho que tem alguma coisa a ver com a tal da mesmerização.
Só podia ser isso. Não bastara amarrar as mãos e os pés. Precisava ter coberto os olhos e a boca. Saber disso agora não servia de nada.
- O que vai fazer agora? - Sean perguntou.
Seu primeiro impulso era deixar tudo para trás. Já havia feito tudo o que estava ao seu alcance. Se havia decidido desperdiçar a vida por uma mulher que o lembrava da irmã, era problema dele. Não ficaria por perto para testemunhar isso.
Esmeralda dissera que era inevitável que encontrasse a pistola. Poderia então, encontrá-la na cidade. Não precisava ficar no Chesterfield.
Respondendo à pergunta de Sean, disse:
- Vou pegar o próximo trem para Hope Springs.
- E como isso vai ajudar? - Depois de uma pausa, ele perguntou incrédulo: - Não vai abandoná-lo ao próprio destino, vai?
- Já fiz tudo o que podia, não vou ficar para assistir a morte dele.
- Então vai fugir?
Infelizmente Sean tinha escolhido as únicas palavras que poderiam detê-la. Drake a acusara de viver fugindo.
Ele tinha razão, mas e daí?
Fugir não adianta nada, disse uma vozinha em sua cabeça.
Gina não prestou atenção. Fugir era tudo o que sabia fazer. Era muito mais fácil do que ficar e enfrentar as conseqüências. E se não ficasse para ver coisas ruins acontecerem, poderia fingir que elas nunca ocorreram.
Elas acontecem mesmo assim, a voz insistiu, mesmo que você finja que não. E Drake morrerá. Conseguirá viver sabendo que não fez nada para impedir isso?
Que besteira! Vinha tentando de tudo pelos últimos seis meses. Ele, pelo visto, não apreciava a sua ajuda e não se importava com a própria vida.
Hoje ele precisa de você mais do que nunca, a voz continuou, e não poderá ajudá-lo se fugir.
- E então - Sean perguntou -, o que pretende fazer? Gina pegou o jornal mais uma vez e leu a manchete. Continuava igual, implacável. Se não fizesse nada, Drake morreria. Se tentasse, talvez ele ainda morresse, mas pelo menos teria tentado tudo o que estava ao seu alcance.
Sean estava certo, dessa vez não poderia fugir.
- Vou ficar - disse determinada.
- Ótimo - ele declarou. - O que posso fazer para ajudar? O artigo anunciava duas mortes, não queria colocar a vida do chefe da estrebaria em perigo, porém havia algo que ele poderia fazer.
- Mande alguém chamar o chefe de polícia. Diga que... Diga que Shorty Calahan voltou para a cidade e um crime está para acontecer aqui no hotel. Seria bom avisar os bombeiros também.
- E o que a senhorita vai fazer?
- Eu? Vou tentar salvar a vida de Drake...
Correu para procurá-lo, mas ele não estava nem no quarto, nem no consultório. Onde poderia estar?
Annabelle era a chave. Se eles tinham de morrer juntos, onde quer que ela estivesse, Drake estaria também. Annabelle devia ter conseguido se livrar do marido e eles deviam estar na torre.
Gina correu com Scruffy se esforçando para acompanhá-la. Era lá mesmo que Drake estava e se voltou quando ouviu o som do tecido da saia dela.
- Que bom que o encontrei - ela disse sem fôlego e Scruffy o cumprimentou contente.
O rosto dele demonstrava tensão e apreensão. Pelo menos não subestimava o perigo.
- Quer morrer? - ela questionou. - O que está fazendo aqui?
- Estou esperando a Sra. Rutledge, que já deve estar chegando - ele disse ao consultar o relógio. - Combinamos isso há dois dias quando ela soube que o marido pretendia participar de uma caçada.
- Por que não me contou?
- Porque sabia que se oporia já que hoje é...
- O dia em que vai morrer! Você precisa sair daqui.
- Eu vou sair, assim que a Sra. Rutledge chegar.
- Não! Precisa sair agora!
- E o que pretende fazer? Mandar Sean Quinn me seqüestrar de novo?
Gina sentiu-se corar, porém não se deixou intimidar.
- Sinto muito, mas sabe muito bem por que fiz isso. A expressão dele se suavizou.
- Sim, eu sei. O que me leva a uma coisa que eu devia ter perguntado há muito tempo...
Entretanto, não teve chance de descobrir o que era, pois Annabelle chegou arquejando e nervosa. Drake se virou imediatamente para a loira, como se ela nem estivesse mais lá. Nunca imaginou que isso podia doer tanto...
- Vocês precisam ir agora, antes que seja tarde demais.
- Já é tarde demais - anunciou uma voz grave. Annabelle gritou, Scruffy se escondeu embaixo da saia de Gina e todos se voltaram surpresos para Clyde Rutledge parado na porta com uma pistola muito familiar na mão.
A pistola de duelo finalmente surgira, mas em mãos totalmente erradas. Isso não era possível! Tinham vasculhado o quarto do casal e não encontraram nada...
Ele fechou a porta e colocou uma sacola no chão com cuidado, sem desprender os olhos de Drake e Annabelle.
- Sabia que havia algo de errado - ele disse com escárnio. - Você é incapaz de manter um segredo, mesmo que sua vida dependa disso. Sabia que tinha um amante... Só não imaginava que fosse ele! - Clyde fez um gesto de desprezo na direção de Drake.
Drake se pôs diante da mulher, que se encostou na parede tremendo, e enfrentou bravamente o homem.
Gina queria gritar que ele fugisse, que esquecesse Annabelle, contudo sabia que Drake jamais faria isso. Ela mesma parecia congelada, sem saber o que fazer, temerosa que qualquer movimento seu o colocasse em perigo maior.
- Não somos amantes - Drake disse num tom conciliatório. - Só a estou ajudando a sair de férias, é isso.
- Ela não vai a parte alguma - Clyde declarou. - Sempre soube que ela não prestava, desde o início do casamento, mas não vou deixar uma mulherzinha à-toa me passar para trás. Vocês dois vão morrer.
Ele engatilhou a arma e a apontou para Drake. Com um grito, Annabelle escorregou para o chão e se encolheu tremendo. Gina não podia condená-la, pois também desejava fazer o mesmo, entretanto a vida de Drake estava em jogo.
Ele levantou as mãos num gesto de rendição, tentando acalmar o oponente.
- Alguém vai ouvir os tiros, nunca vai conseguir escapar.
- Acho que vou, sim. Há muito estardalhaço com os preparativos do baile. E todos vão pensar que o tiro veio do grupo que foi caçar.
Drake tentou se aproximar.
- Alguém vai descobrir e você será preso e enforcado. Gina percebeu que ele tentava manter Annabelle longe da linha de fogo enquanto falava num monocórdio a fim de mesmerizá-lo. Isso, no entanto, não daria certo. Clyde estava muito concentrado em seu objetivo para se distrair.
- Não serei, não - ele insistiu enquanto acompanhava o movimento de Drake com a arma. - Já pensei em tudo: roubei a pistola de uma loja na semana passada, ninguém poderá ligá-la a mim.
Esse era o motivo pelo qual não a haviam encontrado antes. Clyde gargalhou. O som era tão demoníaco que fez Gina se encolher tanto quanto Annabelle.
- E o idiota do Calahan me deu uma excelente idéia. Eu o vi ateando fogo ao seu consultório, embora ele tenha feito um serviço malfeito. - Chutou a sacola aos seus pés e dela caíram trapos embebidos em querosene. - Mas eu não. Depois de matá-los, vou acender uma pira funerária com isso. - E riu mais uma vez. - Vou esconder as cápsulas das balas e todos vão culpar Calahan.
Ele conseguiria se safar! Agora Gina compreendia de onde viriam os boatos sobre Drake e Annabelle serem amantes. Não poderia permitir isso, porém não sabia o que fazer... Estava desarmada e nem sabia artes marciais... Sua única habilidade era treinar cachorros...
Isso! Scruffy seria sua arma! Cruzando os dedos para que o que tinha em mente desse certo, Gina ordenou enquanto Clyde se preparava para atirar:
- Scruffy, ataque! - E apontou na direção do homem armado. Com incrível destreza e velocidade, Scruffy saiu de baixo de suas saias e pulou na direção do homem, mordendo sua mão. A pistola voou pelos ares e acabou aos pés de Annabelle enquanto Clyde praguejava e se libertava do cachorro, jogando-o para o alto.
O bichinho ganiu ao cair no chão e Gina correu para seu lado. Felizmente, ele não parecia machucado. Só restava agora, assistir à luta corporal de Drake e Clyde. Por que o chefe de polícia ainda não tinha chegado?
Viu que Annabelle parecia se recuperar de seu terror e tentava pegar a pistola, por isso correu para a porta a fim de gritar por socorro. Foi detida por um baque surdo. Virou-se e viu que Clyde tinha subjugado Drake.
Com um riso de escárnio, ele levou a mãos às costas e pegou outra pistola, igual àquela que jazia no chão.
Droga! Por que não se lembrou que pistolas de duelo vinham em pares? Deu um passo na direção deles, mas Clyde ordenou:
- Para trás! Ou atiro em você e em seu cachorro!
Gina obedeceu e viu quando o homem voltou a atenção para Drake novamente. Não tinha nada a perder, então se preparou para se lançar sobre ele quando ouviu um tiro.
Cobriu a boca com as mãos, mas, para sua surpresa, Drake não se moveu.
Em vez disso, foi Clyde quem arqueou para trás e caiu no chão com o tiro que sua adorável esposa lhe deu.
Gina e Drake trocaram olhares, sem saber se tudo tinha, realmente, acabado. Antes que pudessem falar qualquer coisa, a porta foi aberta num rompante pelo chefe de polícia, e ele foi seguido por vários outros homens e por Esmeralda.
Enquanto Garrett esquadrinhava o local, Drake declarou:
- Foi legítima defesa. O Sr. Rutledge queria matar a todos nós.
- Sei disso - o chefe anuiu.
Todos eram testemunhas, pois o morto ainda tinha uma das pistolas na mão como prova de suas intenções, sem falar dos trapos com querosene aos seus pés.
Esmeralda apressou-se a amparar Annabelle que soluçava num canto. Garrett foi para junto do corpo e, Drake, graças aos Céus, se aproximou de Gina.
Ela se aninhou nos braços dele e confessou:
- Senti tanto medo!
- Eu também - ele admitiu, acariciando o seu cabelo. - Não esperava que fosse Clyde... O artigo sobre o incêndio me tirou dos trilhos.
- Sim, ele foi mais esperto do que supúnhamos.
- Parece que você salvou minha vida no fim das contas, fazendo Scruffy pular sobre ele. - Drake sorriu.
- Bem que eu tentei, mas quem conseguiu salvá-lo foi Annabelle.
- Sim, porém ela só conseguiu pegar a pistola por causa do que você fez...
- E porque você a ajudou a ser corajosa - Gina rebateu. - Ela nunca teria agido daquela maneira se não tivesse se tratado com você.
Ele sorriu mais uma vez.
- Acho que é nosso crédito, então. Só espero que ela supere tudo isso.
Lembrando-se de repente do jornal, Gina se libertou dos braços dele com relutância para pegar o papel no bolso.
- Veja! Está diferente! - O artigo agora falava da morte de Clyde. - Aqui diz que a polícia vai isentar Annabelle de culpa e que a família virá de Boston para levá-la para casa.
- Que bom. - Drake suspirou aliviado. - Junto da família, ela não precisará mais de mim.
Bem, aquilo parecia um indício de mudança.
- Não quer ajudá-la a superar este trauma?
- Se ela quiser ir até Richmond, ficarei feliz em ajudá-la, mas já cumpri minha promessa junto a Charlotte. A Sra. Rutledge não tem mais motivos para cometer suicídio e poderá contar com o apoio da família para se fortalecer.
- Pensei que só se importasse com ela - Gina murmurou, desviando o olhar.
Drake levantou o seu queixo com um dedo para que seus olhos se encontrassem.
- No final, tudo o que eu conseguia pensar era o perigo que você estava correndo. Pensei que você fosse tentar pegar a pistola e acabasse desaparecendo...
Esquecera-se completamente, em meio a tantos acontecimentos, que a pistola era seu passaporte para o futuro.
- Esqueci disso, acredita?
Ele voltou a prendê-la nos braços.
- Posso persuadi-la a se esquecer disso de vez? - ele murmurou de encontro aos cabelos de Gina.
Ela se afastou um pouco, pois precisava ver o rosto dele. Tudo o que ele revelava era um pedido e esperança.
- O que quer dizer? - perguntou num fio de voz. Drake analisou-lhe as feições e disse:
- Que não quero que vá embora. Quero que fique aqui... comigo.
O coração de Gina disparou, mas ela não queria ter esperanças.
- Por quê? Por que quer que eu fique? Carinhosamente ele ajeitou uma mecha de cabelo que estava fora do lugar.
- Porque eu te amo e quero que seja minha esposa.
Essa era a resposta que ela tanto queria ouvir. Livrou-se de qualquer reserva e deixou o coração falar mais alto.
- Oh, Drake, eu também te amo. Acho que sempre te amei. O alívio foi aparente nas feições masculinas.
- Vai se casar comigo, então?
- Claro que sim! Não há nada que eu queira mais do que passar o resto da minha vida ao seu lado. - E isso era a verdade, não havia nada no futuro que a prendesse. Era ali que ela devia ficar, ao lado de Drake.
- O que acha de um casamento natalino?
- Perfeito!
Beijaram-se com abandono e só se separaram quando ouviram um pigarrear.
Olharam ao redor e viram que todos os homens já tinham saído levando Annabelle e o corpo de Clyde. Só restara Esmeralda e Scruffy, que estava sentado nas patas de trás e os observava com curiosidade. A governanta os olhava divertida e trazia as duas pistolas nas mãos.
- O que vai fazer com elas? - Gina perguntou.
- Perguntei ao chefe de polícia se poderia ficar com elas e ele permitiu. - Fez uma pausa e depois perguntou: - Imagino que uma delas seja o seu portal?
- Sim. - O da mão esquerda emanava uma energia que a atraía e ao mesmo tempo a repelia e Gina teve certeza de que era a arma que tinha matado Drake na linha do tempo original.
Esmeralda inclinou a cabeça e perguntou:
- Devo acreditar que não precisará mais dela?
- Está certa. Pode levá-las - Gina respondeu sem conseguir conter a felicidade. - Vou ficar aqui. Drake e eu nos casaremos no Natal.
- Excelente escolha - Esmeralda sorriu em aprovação e Gina admitiu que nunca vira a governanta com um sorriso mais amplo. - Importa-se se eu ficar com uma delas?
Parecia um tipo estranho de souvenir, mas Gina não se importava com o que aconteceria com elas, pois não tinham mais impacto em sua vida.
- Pode ficar.
Esmeralda segurou a que criava o portal do tempo e estendeu a outra para Drake.
- Tome, fique com esta. Para que se lembre de tudo o que sua esposa desistiu para ficar com você.
Drake a pegou e a colocou nas costas.
- Obrigado. É o que farei.
- Bem, agora eu os deixarei sozinhos.
Com seu estranho souvenir, Esmeralda saiu e deixou Drake, Gina e Scruffy a sós para planejarem o futuro.
Dia de Natal, 1885
Esmeralda Sparrow se retirou para o quarto com um suspiro. Esse tinha sido o melhor Natal de sua vida.
Drake e Gina casaram-se numa linda cerimônia da qual todos os funcionários do hotel participaram. Gina tinha sido uma linda noiva e Esmeralda nunca vira o sério mesmerizador sorrir tanto como naquele dia. Eles eram, de fato, almas gêmeas, e ela tinha feito a coisa certa ao aproximá-los.
Em retribuição, conseguiu o único presente de Natal que desejava. Poliu a pistola até que brilhasse como um espelho e depois a colocou no fundo do baú com cuidado. Olhou-a com um sorriso e esperança no coração.
Uma missão cumprida.
??
??
??
??
Estranho Encantamento Pam McCutcheon
155
Bjos!
Edilma
http://blogdosamigosdaedilma.blogspot.com/
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