Antologia Depois do Anoitecer - 3 - Um Baile na Escuridão - Karen Ranney
Nota da Revisora:
Louisa é uma moça considerada muito feia, sendo até comparada com um cavalo por causa de seu rosto. Ela sofre com os comentários maldosos sobre sua aparência, mas jamais demonstra. Há milhares de homens querendo se casar com ela por causa de seu dinheiro e ela é ciente disso. Ela conhece um vampiro que pode ler sua mente e pelo qual se apaixona, mas o toque dele pode ser mortal. Ela tem que escolher logo um marido por exigência do avô... Bem, esse romance é muito envolvente por que é engraçado em muitos momentos, em outros passa uma forte emoção com os pensamentos de Louisa e Douglas.
Esse livro me deixou emocionada não só pelo amor além das aparências, mas também por passar a mensagem de que a beleza não tem que ser igual, pois há diferentes formas de beleza e diferentes apreciadores.
Disponibilização e tradução: Jossi
Revisão e formatação: MLore
ANTHOLOGY AFTER MIDNIGHT
? "Red Moon Rising" © 1998 by Connie Feddersen – (01 – Em revisão)
? "Highland Blood" © 1998 by Colleen Faulkner – (02 – Em revisão)
? "A Dance In The Dark" © 1998 by Karen Ranney – (03 -Um Baile na Escuridão)
CAPÍTULO 1
—Olá?
Não há ninguém aqui, Louisa. Mas não o parecia. Embora parecesse incrível, não se sentia sozinha, mas sim como se de algum jeito estivesse sendo observada. Como se houvesse alguém ali, esperando nas sombras. Um sentimento de alarme passou roçando sobre sua pele e depois foi silenciado por um pensamento. Não há ninguém aqui, Louisa. É que nunca lhe agradaram os lugares escuros. Inquietam-na. Já chega. Descartou o fato de que não tinha tido medo da escuridão desde que era uma menina.
Desde que tinha oito anos e tinha vindo viver em Bainbridge Hall, tinha explorado as terras aos arredores de Hodge Hill . Mas esta tarde, o sol brilhava no afloramento da rocha , iluminando as sombras atrás dela e a entrada de pedra que se abria até converter-se nessa larga, muito escura e até agora desconhecida caverna. De menina a teria explorado de boa vontade, pensou, então parou de se enganar, enquanto a verdade a invadia de novo. De menina tinha sido tímida e medrosa. Teria fugido dali e não teria perguntado a ninguém por aquele lugar. Inclusive agora, tantos anos depois, o eco dessa voz infantil ressonava em sua mente enquanto permanecia frente a ela. Está escuro e sujo e os morcegos vivem aí. Por não falar das aranhas. Possivelmente algo pior. Vais manchar-te o vestido e te despenteará, e as pessoas saberão que estiveste em algum lugar que não deviria.
Agitou a mão no ar frente a ela, como se assim afastasse todas as advertências. Fazia tempo que não era uma menina e os lugares escuros já não lhe assustavam, e era tão estranho ver algo quase escondido à vista e que depois se aproxima como por arte de magia... Quase como uma singela rocha que de algum jeito resulta ser um diamante. A caverna a tentava a investigar, a dar um passo e depois outro mais, entrando no silêncio de um lugar que nunca soube que existia.
Possivelmente não deveria explorar o lugar sozinha. Não era o que tinha intenção de fazer de todos os modos. Tinha saído de Bainbridge Hall com seus materiais de desenho sob o braço, em busca de um pouco de solidão e prometendo a sua criada Abigail, ao secretário de seu avô e a todas as pessoas com as quais se encontrou, que se comportaria corretamente e que não iria além de Hodge Hill. Eles tinham se abstido de acompanhá-la a contra gosto, lhe concedendo um precioso presente de tempo.
—Sei que está aí. Por que não responde?
Outro passo. Permanecia ali em silêncio, absorvendo todos os sons que ouvia. Em algum lugar a água gotejava, o vento sussurrava energicamente como se passasse a toda velocidade pelo buraco de uma chaminé. Outro som, inesperado embora não de todo.
—Posso lhe ouvir respirar.
Silêncio de novo e então chegou à voz.
—É sempre tão intrometida? —O tom era com certeza irritado.
Não podia lhe culpar, claro. Ela frequentemente tinha procurado privacidade só para ser interrompida por alguma alma bem intencionada. Não havia ninguém no mundo tão cuidadosa, mimada, reservada e preocupada como Louisa Patterson. Normalmente muitas jovens damas ricas o eram, disse-se.
—Não — respondeu honestamente. —Não acredito sê-lo. Mas sei muito bem me esconder dos outros e é, provavelmente, por isso que soube que estava aqui. Se realmente desejar que vá eu irei.
Não houve resposta para essa afirmação.
—Se está tentando ser descortês, está-o fazendo com perfeição.
A escuridão na caverna era penetrante. Tudo o que podia ver eram trevas, a cor da noite em sua hora mais tenebrosa.
Por que demônios tinha entrado? A curiosidade, ao que parece, a tinha posto em um dilema, um do que não poderia sair vencedora por si mesma. Depois de tudo, não podia simplesmente virar e sair. Não?
—Não está indo, verdade?
—Estava pensando como fazê-lo com melhores modos do que os que pareces ter — franziu o cenho na escuridão.
—E é muito educado me jogar um sermão sobre conduta? —sua voz tinha um claro toque de diversão.
Louisa sentiu suas bochechas ruborizando-se.
—Sinto muito. Meu avô diz que acostumo pensar primeiro e usar a razão depois.
—Um hábito lamentável.
—Não hei dito que eu esteja de acordo com ele.
Tocou-se os lábios com os dedos, um pouco surpreendida pelo pensamento que acabava de expressar. Apesar do que seu avô afirmava, havia poucas vezes que realmente infringiu as normas da sociedade. Era a neta de Arthur Patterson, uma posição que lhe recordavam a cada dia, a cada hora. Tinha uma dívida com seu avô, uma de amor e afeto e uma estrita atenção à correção.
—Ah, uma mulher com uma opinião. Que coisa mais estranha.
—Sabias que o sarcasmo é o recurso dos loucos?
—É uma citação textual, ou é, possivelmente, uma opinião que aprendeu de alguém?
—Por esse comentário, devo supor que segundo ti uma mulher não pode ter um pensamento por si mesma?
—Veio aqui para discutir comigo, então? Não há ninguém em Bainbridge Hall que o faça contigo?
A surpresa a deixou rígida durante um instante. O anonimato de que tinha desfrutado por um momento era muito bom para ser verdade.
—Então sabe quem sou?
—Há pouquíssimas coisas das que passam por aqui que eu ignore, senhorita Patterson.
—E suponho que contará a meu avô o incrivelmente mal educada que fui.
—Realmente não precisa parecer tão desconsolada. Nunca troquei uma palavra com seu avô. Nem é provável que o faça. Simplesmente sou consciente do que ocorre perto de meu humilde lar.
—Não pode estar dizendo que vive aqui?
Não havia silencio entre eles, o ar trazia muitos ruídos. Um suave som variável que poderia ter sido uma pegada, uma respiração, o roce de um tecido. Todas essas coisas pareciam ampliadas e condensadas na escuridão.
—Desaprova-o, suponho?
Ela apertou seu caderno de desenho mais perto do peito.
—Venha, deve ter mil perguntas ou mais. Quase posso as ouvir saindo debaixo de seu chapéu. Seu avô conhece minha existência ou inclusive este lugar? Como pode um homem viver entre a rocha e a pedra? E sobre tudo, por que escolheria este lugar para fazer minha casa? Não está transbordada pela curiosidade?
Depois de tudo o aconselhável é virar-se e partir. Mas a alternativa era voltar para Bainbridge Hall, e aquilo tinha estado tão solitário ultimamente...
—Sim — suspirou, apanhada pela honestidade. — Desejaria saber a resposta a cada uma dessas perguntas.
—Uma mulher realmente honesta. Por que entrou aqui?
—Nunca antes tinha visto a caverna. Queria vê-la.
—E descobriu um ermitão residente e, além disso, rude.
—Isso é o que é?
—Certamente não há razão para soar tão absurdamente alegre.
—Bem, é porque nunca tinha conhecido um. Minha própria vida é muito cheia de gente.
—É jovem e solteira. Em tais circunstâncias é normal. Enquanto que esta reunião entre nós não o é.
—Oh, mas esta caverna é parte de Hodge Hill e portanto faz parte do meu dote.
—Assim, reclama a propriedade de meu lar. Esse fato requer um convite? Inclusive fora dos vínculos da propriedade?
—Não — disse lentamente. —Tu tens razão certamente.
É só que toda minha vida consiste em ter sempre em conta o que outra pessoa diz e pensa de mim. Foi revigorante passar uns poucos momentos simplesmente sem preocupações.
—Sente-se — disse ele, e sua voz estava tão perto que ela saltou, sobressaltada. A impenetrável escuridão era como uma névoa tenebrosa, cobrindo-o todo. — Lhe assusto?
—Sim — disse muito desconcertada para ser educada.
—Sente-se, pois tentarei ser hospitaleiro.
—Não posso ficar — disse apertando seus materiais de desenho, agradecida pela distância entre ela e as profundas sombras frente a si.
—Então vá — a voz estava irritada de novo, era imaginação dela ou havia uma pitada de decepção?
Não seja boba, Louisa.
Realmente não deveria ter falado estas palavras, elas eram terrivelmente inadequadas.
—Posso voltar?
—Possivelmente não esteja aqui.
—Se estiver, posso visitá-lo?
Não houve resposta a sua pergunta, e momentos mais tarde, em silêncio, virou-se e saiu da caverna.
CAPÍTULO 2
— Olá?
O som pareceu ecoar em toda a caverna.
Douglas suspirou interiormente, ficou em pé e caminhou para a entrada da caverna. Seus passos não faziam ruído exceto para seus ouvidos.
— Não esperava que voltasse — não, isso não era completamente verdade. Havia esperado que ela não fosse tão imprudente para voltar. Mas parecia que Louisa Patterson era uma criatura mais valente do que lhe tinha parecido à primeira vez. Ou se encontrava tão só como ele.
—Não, só sou o oficial de meu avô, com ordens de escoltá-lo para fora de suas terras.
Ele não pôde evitar uma gargalhada.
—Julgou bem meu cepticismo.
—Realmente esperava que lhe traísse?
Entrou na escuridão da caverna, como se desafiasse a si mesma a lutar com seu medo. Ele podia perceber suas emoções, o pulsar de seu coração. Um camundongo, explorando o cesto de um gato. Que insensatamente valente era ela.
Ele não pensou que ela poderia lhe estender sua mão, uma criatura cegada pela noite, medindo na escuridão. Era o assombro o que lhe manteve no lugar? Ou simplesmente a surpresa?
—Sim. — disse ele, avançando e agarrando a cesta que ela levava nas mãos. Ele sabia que inclusive nesse momento, tão perto como estava, ela não podia vê-lo. Ela tirou a capa dos ombros e a dobrou diante de si. — Essa foi minha experiência, as pessoas não se sentem confortáveis com alguém que decide ser diferente.
— Assim aguarda tranquilamente seu exílio?
Ele fez uma reverência, depois se deu conta de que ela não podia lhe ver. Facilmente poderia fazer-se visível para ela, mas por várias razões não o fez. A escuridão tinha a vantagem acrescentada de ir desprendendo-a lentamente de seu temor.
— Posso lhe persuadir para que saia? Faz um dia glorioso, o céu está totalmente claro. Trouxe queijo e carne assada, e algumas das melhores massas da cozinheira.
— Não deve pensar em mim como um de seus casos de caridade — lhe disse ele, colocando a cesta no comprido assentamento de pedra que lhe servia de mesa.
— Não o faço — elevou o queixo e embora ele estivesse submerso na escuridão, dirigiu-lhe um olhar capaz de lhe queimar.
— Minha querida donzela apegada à juventude, crê – inflexível, rápida e firme – a todo o ensino transmitido por sua piedosa mãe.
— O que citou?
— Uns poucos versos de Heinrich August Ossenfelder querida, que recomenda à precaução frente a muita curiosidade.
— Não considera apropriado que eu tenha vindo.
Parecia tão absurdamente chateada que ele quis repreende-la, como o faria com um menino. Mas não era uma menina. Era uma herdeira e só estava interessada no dinheiro, nada mais.
— Não, não me parece correto que tenha vindo — admitiu, desejando estranhamente diminuir a dor que tão facilmente lia em seu rosto. — Mas já que está aqui, podemos desfrutar de sua generosidade.
— Se não gosta de sair da caverna, trouxe velas — ofereceu. — Mas não o vinho. Tenho um recipiente térmico de chá, muito doce para o seu gosto provavelmente, mas um piquenique sozinha é a única maneira para que eu consiga escapar e Cook sabe como eu gosto do chá.
—É acostumada à reflexão solitária?
Deu uns passos para longe dela. Cheirava a mulher aconchegante e a um perfume caro. Algo leve e floral, feito a mão para donzelas. Deixava-lhe tentado a esquecer o que ele era, o perigo que representava para ela. O momento era perigoso para ele mesmo.
—Meu avô quer que eu me case, portanto tenho que pensar muito sobre o homem que tenho que escolher como marido.
—Assim passa o tempo sentada no alto da colina e só pesando em todos seus pretendentes?
Sua risada lhe surpreendeu.
—Mas como eu escapei de sua companhia.
De novo, sua honestidade lhe assombrou.
—Me dê sua mão senhorita Patterson e a escoltarei até meu local de refeição, onde pode tomar seu chá quente e entreter ao ermitão com seus relatos sobre os planos de bodas de uma herdeira.
Ela lhe estendeu a mão e ele a aceitou sem pensar. Seus dedos estavam quentes, mas os dela mais; e por um segundo, um segundo fugaz, pareceu como se ele pudesse introduzir-se sob sua pele. Podia sentir seu pulso e o dela, o ressonante batimento de ambos os corações. Como se seus sangues se fundissem, juntas suas peles se convertessem em uma só, a luz de sua alma derramando-se sobre a dele.
Quando deixou cair sua mão, foi como se um vinculo tivesse sido talhado.
—Não vais acender as velas? —sua voz soava trêmula. Uma jovem começando a dar-se conta do perigo? Possivelmente.
—Não
—Não?
—A luz fere meus olhos —explicou,— que é por isso que declinei seu convite para comer fora.
—Que terrível para ti.
Deteve-se no ato de destampar o recipiente térmico. Um sorriso iluminou seus lábios, mas ela não podia vê-lo.
—Possivelmente. Mas tenho ocupações que me satisfazem e não sinto falta.
Ele lhe serviu o chá, infalivelmente e com competência. A terrível escuridão que desorientava as outras pessoas a ele não parecia incomodar. Podia ver o que outros não viam, ouvir o que eles não podiam. E sabia o que eles desejavam manter oculto. Suas mentes eram quase tão transparentes como o era a escuridão para ele.
Uma maldição, Douglas, pior do que qualquer outra.
Se não fosse por isso, se não fosse porque era capaz de perceber seus pensamentos e conhecer sua mente, ele a teria expulsado em seu primeiro encontro. Mas ela tinha despertado uma emoção longamente esquecida, ou possivelmente ele nunca tivesse conhecido sua existência: ... É só que toda minha vida consiste em ter sempre em conta o que outra pessoa diz e pensa de mim. Foi revigorante passar uns poucos momentos simplesmente sem preocupações. Compadeceu-se dela, tanto por seu desespero como pelo desejo desesperado que tinha sentido em seu coração.
Piedade. Que conceito mais absurdo. Ela era Louisa Patterson, de quem havia rumores que era a herdeira mais rica desta época ou de qualquer outra. Paparicada e cuidada, vivendo em uma casa cuja decoração rivalizava com a da realeza. Tinha tudo o que pudesse desejar. Menos a aceitação. Tudo o que ela queria era ser amada.
Uma alma gêmea. Quase.
Reduziu a profunda escuridão acendendo uma vela na entrada da caverna. Ela virou-se e fixou o olhar no suave resplendor da vela, piscou e depois sorriu como se a tranquilizasse. Ele queria lhe avisar que a escuridão não era assustadora e a luz não prometia um refúgio, mas essas eram lições que ela deveria ter aprendido de menina, não com dezoito anos.
A luz não iluminava toda a caverna, deixando a zona, onde ela estava sentada, na escuridão. Emoldurava a área entretanto, aumentando-a. Expondo alguns de seus segredos.
—É muito grande, não? —perguntou, seus olhos alargando-se enquanto olhava ao seu redor.
Havia bibliotecas construídas nos buracos e fendas da caverna, cada estante repleta de livros muito usados. Havia uma fogueira, mas não seria usada até perto da meia-noite, esquentando a caverna e todas suas coisas, cuidadosamente colecionadas ao longo dos anos. Uma cadeira confortável, algumas almofadas aqui e ali, alguns objetos de ouro, uma estátua de mármore especialmente atrativa. Pequenas coisas, todas lhe traziam lembranças, algumas não tão tranquilas nem atrativas como o objeto que as provocava.
Não foi um movimento inesperado o que ela fez, enquanto deixava a escuridão que a envolvia e entrava em sua sala de estar. Ler seus pensamentos não requeria toda sua habilidade. Ela estava radiante em sua curiosidade, uma donzela apanhada pelo mistério e a fascinação.
—Lê francês — disse, seus dedos percorrendo as peças de teatro de Dom Agustín Calmet .
Douglas amaldiçoou sua generosidade. Deveria havê-la mantido na escuridão. Ela não deveria poder catalogar sua biblioteca. Logo veria o Burgher Lonore e as histórias de Elizabeth Bathory . Ou, possivelmente, era algo que tinha que fazer, um ato criado por sua mente de modo involuntário.
Ele sorriu ao pensar em tal dualidade. Agarrou uma maçã da cesta, recostou-se contra a parede e a mordeu. Seu sabor era quase maravilhoso depois de viver meses de frutos secos e nozes. Logo teria que aventurar-se a sair ao mundo e equipar sua casa de novo. Uma necessidade que evitava até que precisava misturar-se entre os outros. Ele afastou bruscamente de si o pensamento de angustiar a outros e se concentrou no sabor da maçã e no milagre dos pensamentos dela.
Um sentimento de fatalidade o inundou novamente. Ela não era uma mulher estúpida. Descobriria-lhe. Era isso o que queria?
—Tem uma maravilhosa coleção de livros — foi tudo o que disse, entretanto, quando se virou lhe olhou como se o pudesse ver através das sombras.
Ela não disse nada mais enquanto voltou para sua cadeira, sentava-se, e cravava os olhos no chão da caverna como se fosse completamente fascinante.
—Me fale dos candidatos a obter sua mão em matrimônio, Louisa.
Ele pôde sentir seu repentino tremor. Estava arrepiada, com pequenos tremores que lhe fizeram unir as mãos em a frente a si. Não lhe olhava, mas os rápidos batimentos do seu coração eram audíveis, como a confusão de sua mente. Fale-me, Louisa. Foi uma ordem amável, que a forçou a levantar o queixo e lhe olhar.
—Sou feia, sabe — disse ela, lhe sobressaltando.— Sou a soma da herança de todos os meus ilustres antepassados. Tenho o queixo pontudo de minha avó, o nariz aquilino de meu avô paterno. Meu pai me dotou com seus protuberantes dentes, e minha mãe com uma testa grande. Sou, infelizmente, tão parecida com a cara de um cavalo como alguém pode sê-lo. Soube quão muito feia era desde a primeira vez que me olhei em um espelho e notei em meu reflexo a diferença com os rostos das outras pessoas.
—Está sendo muito severa consigo mesma – ele não podia, em toda sua honestidade, enganá-la.
Não era atrativa, mas ele tinha aprendido em sua época, que a beleza era algo fácil de obter. O que era mais difícil de ganhar era a doçura da alma, uma aceitação da vida e toda suas inúmeras possibilidades e restrições. Ele não falou, ensinar-lhe o intimo seria despir sua alma ao perigo, sua mente a suas explorações. Mas ele suspeitava que ela fosse tão inocente em sua alma como o era em seu corpo. Em geral, ele não escolhia donzelas para alimentar-se. Seu entusiasmo era muito embriagador, quase aditivo, sua sede de vida uma urgência que ele sozinho havia sentido profundamente.
—Não espero que suavize a realidade — disse, lhe dirigindo ao chão seus comentários.
Zangou-lhe, esta crueldade autoimposta, sua candura. É só porque ela não permite a ti mesmo cobri-la com mentiras, Douglas. É só porque ela tem um precedente para a confiança e estas zangado com ela por fazê-lo. Não podes aceitar e ela te deixou vulnerável frente a isso.
—Portanto — continuou ela, como se esta fosse uma conversa normal entre dois amigos íntimos em um salão de incomparável riqueza, — é uma conduta mais amável do que o amor o que me leva a escolher a meu marido. Sabe, não espero que me ame.
—O amor não se apoia só nas aparências, senhorita Patterson.
Ela levantou a cabeça e olhou a sombra que lhe abraçava como se pudesse analisar sob o manto da escuridão. Era seu aspecto tão de compadecer como parecia?
—Esse é um sentimento muito adotado pelos poetas, senhor. Ou por meu avô. Mas ele não deve ignorar o assombro daqueles que tinham ouvido falar de minha fortuna, mas não de minha aparência. É uma esperança incrivelmente ingênua, um pensamento encantador, mas desgraçadamente, não é compartilhado por nenhum dos jovens que me cortejaram.
>>Não é simplesmente que seja singela. A falta de atrativo é algo que poderia aceitar. Poderia realçar meu vestuário com cores brilhantes, ou poderia me acostumar a usar maquiagem. Mas não sou melhorável, sou feia. De qualquer ângulo, meu rosto é horroroso. Por separado, possivelmente, cada parte é pouco afortunada, mas unidos criam uma combinação que aterrorizaria inclusive ao pai mais carinhoso e caduco. Frequentemente me perguntei se minha mãe sucumbiu à suarenta enfermidade com algum tipo de delicado alívio.
Ele não tinha nada que lhe dizer, não podia lhe oferecer nenhuma palavra de consolo. Irritava-lhe, não seu próprio silêncio, o qual não parecia esperar nada. Onde estava sua carência?
—Sabe, me dei conta que não sei seu nome.
—E aqui estás, minha caseira.
Seu sorriso pareceu estranhamente forçado.
—Não até que não esteja casada e inclusive então, não seria uma caseira exigente. Entretanto, substituiria esses arbustos em frente à caverna para que os meninos da área morram de vontade de explorar.
—Ou que um clandestino resolva armazenar aqui sua mercadoria? —ele sorriu, outro gesto perdido. — Na realidade, meu lar é mais que difícil de encontrar, mas ontem me aborreci e já não o recordo.
Possivelmente era mais que isso. Possivelmente havia sentido sua chegada, tinha-lhe dado às boas vindas, animando-a. Possivelmente inclusive a tinha convocado com alguma necessidade latente de falar, escutar e ouvir a voz e os pensamentos de outra pessoa. Rechaçou essa ideia. Seria uma forma de autodestruição e também de menosprezar a vida que levava. Ele adorava sua própria vida.
—Meu nome é Douglas Traherne.
—Faz muito tempo que vive aqui?
—Não, não muito.
—Não divulgarei seu segredo, sabe — parecia terrivelmente séria e jovem ali sentada.
—Comecei a acreditar que não o faria.
—Apesar de ser um solitário, tu és bastante amável.
—Ah, admitiu que seu conhecimento sobre os ermitões é bastante limitado.
Ela manuseou o tecido de sua saia.
—E por que se esconde aqui?
Ele sorriu, pensando que ela era muito jovem afinal. Sem dúvida, ela imaginava algum conto romântico. Uma rápida olhada em seus pensamentos demonstrou que era assim.
—Seria uma caseira mais compreensível se eu confessasse suspirar por um amor perdido?
—Não, não acredito. Provavelmente lhe julgaria duramente e declararia que me deve um pagamento. Veja, o imagino abandonando uma jovem apaixonada por ti, seu coração feito em pedaços e chorando o mar.
Até que não sorriu, não soube que lhe estava tirando sarro. Era uma experiência tão nova que a estudou em silencio durante um longo tempo, distraído observando sob os adornos a jovem que havia embaixo deles. Oh, se pudesse fazê-lo sem feri-la. A tentação era muito grande.
—Sinto-o — disse. —Não queria ser atrevida.
Havia desculpas e vergonha em sua voz. Possivelmente ela estava tão pouco acostumada a brincar como ele a ser objeto de brincadeira.
—Não o foi. Simplesmente estava planejando minha defesa, desejando lhe falar de sua traição, do fato de que ela rompeu meu coração.
—O fez?
Havia remorso e inclusive mais vergonha em seu rosto. Ele amaldiçoou suas defasadas técnicas. Evidentemente a comunicação não era algo que se pudesse ignorar e depois recuperar facilmente.
—Não, não é certo. Sou ermitão porque assim o escolhi, não porque alguém me tenha forçado a permanecer isolado. Não abrigo um coração ferido nem um orgulho machucado, Louisa.
Ela sorriu, um gesto de alívio que não se refletiu em seus olhos. Havia curiosidade em seu olhar, brilhante como ouro recém-extraído. Teria que desviá-la.
—Não há algum pretendente que tu prefiras, Louisa? —perguntou, voltando para tema original.
Ela não protestou pela familiaridade, não disse nada porque seus lábios tinham pronunciado duas vezes seu nome. Parecia adequado fazê-lo, como se tivesse força e espírito por si mesmo. Louisa. Curiosamente lhe combinava muito bem.
Ela baixou a vista para suas mãos cruzadas, como se nunca antes as tivesse visto.
—Há um montão de homens que cobiçam minha fortuna, Douglas — disse, lhe surpreendendo pela facilidade com a qual pronunciou seu nome. Eis aí a resposta. Sem pensá-lo tinham passado a falar-se pelo primeiro nome, todos os convencionalismos de sua época tinham sido deixados de lado. Amigos possivelmente? Que absurdo. — Se os pusessem em uma fila, chegariam até Londres, estou segura.
—E nenhum é aceitável?
Ela sorriu de novo. Ele se perguntou se ela sentia-se a salvo na escuridão, segura na errônea ideia de que não podia vê-la.
—Todos são extremamente aceitáveis, entretanto todos são notavelmente pobres. Não há nenhum só entre eles que tenha mais de dois peniques . Tem o indigente filho de um Duque, dois condes pelo menos, quatro barões e mais que uns poucos filhos segundos e terceiros, para contar entre meus pretendentes.
—Cada vez melhores, eu apostaria.
Ela sacudiu a cabeça.
—Douglas, muito mais que qualquer outro eu diria. Estou segura de que monopolizei a conta matrimonial, por assim dizê-lo. Simplesmente há muitos.
—E nenhum que teria em mente?
Por um momento, pareceu pensá-lo.
—Há um, possivelmente, que é menos adulador que a maioria.
—Assim tem um admirador que é apropriadamente atento, mas não muito.
Era como se pudesse vê-lo, tão ardente foi o olhar que ela lançou às sombras.
—Sinto-me abençoada por não carecer de dinheiro. Por mais que minha família seja rica não significa que eu não tenha bom senso. Todos e cada um desses pretendentes declaram terem sido arrebatados pelo amor, levados à beira do desespero para que eu considere suas propostas. Tenho sido aclamada como a loira Louisa, a dos cachos de ouro.
—E?
—Não sou uma completa idiota, Douglas. Meu cabelo é sem dúvida castanho, e qualquer um que me aclame como a loira Louisa, certamente está cego!
Realmente não deveria haver rido, mas o olhar de desgosto em sua face era muito estimulante.
—É muito triste —disse, — que alguém pense que me falta inteligência.
—Posso imaginá-lo.
—Não, não acredito que possa.
—Por que sou um ermitão?
—Não.
—Então, por que não estaria disposto a entendê-lo?
—Não estou segura de poder explicá-lo.
Estava envergonhada de novo? Um momento usava a verdade como um chicote e ao seguinte se acovardava detrás de seus pensamentos. Ela era tremendamente fascinante.
—Que aspecto tem Douglas?
Deveria mostrar-se ante ela? Era uma loucura, mas a tarde parecia cheia de barreiras quebradas. Ele não tinha direito a estar com ela, a chamá-la por seu nome, rir com ela como se fossem amigos antigos. De todos os modos, ele conhecia bem o aspecto dela, esconder-se na escuridão parecia quase covarde agora. Estava começando a gostar de Louisa Patterson que se sentava na escuridão e falava com as sombras.
—Sou comum, Louisa — disse, esperando que a resposta fosse suficiente.
—Suspeito que não o é, Douglas, tal como penso que não o entenderia.
Ela se afastou. Douglas se perguntou que habilidades tinha para lhe irritar, lhe encantar e lhe envergonhar por momentos.
—É uma jovem extraordinariamente desconcertante.
—Há uma característica em tua voz, Douglas, que todas as pessoas atraentes têm. Possivelmente seja a confiança. Uma certa arrogância que expressa ao mundo que estão acostumados a obter o que desejam. É triste, mas inegável, Douglas: o mundo satisfaz aos que são atraentes.
"Arrogante?" Tinham-lhe chamado de perigoso, ladrão de almas, até lhe tinham comparado com a Lamia, uma criação dos gregos, um monstro com cabeça de mulher e corpo de serpente que chupava o sangue das crianças. Mas nunca tinha sido reconhecido com certeza e ninguém teve a coragem de chamá-lo de arrogante.
Sorriu.
—Tu te preocupas muito com as aparências, Louisa. Há algumas mulheres mundanas que não são belezas lendárias, mas que conseguiram tentar a muitos homens.
Seus olhos se alargaram, depois caiu na gargalhada, lhe surpreendendo inclusive mais.
—É um ermitão absolutamente maravilhoso, Douglas, deveria sabê-lo. E que diz essas coisas chocantes.
—Sinto muito. Esqueci-me.
Ela ficou em pé e caminhou até a entrada da caverna.
—Obrigada por te esquecer de ti mesmo, então, e por ser honesto. É a primeira tarde deliciosa que tive em muito tempo.
—Estou agradecido de ter sido divertido.
—Oh, Douglas, fostes muito mais que divertido. Fostes um amigo. E com aquela surpreendente e completamente inoportuna observação, ela se foi de sua casa.
CAPÍTULO 3
—E te digo, Charles, que antes me deitaria com um pônei do que com essa garota.
—Tinha ouvido rumores a respeito de suas inclinações, Harold, mas dessa não tinha nem ideia. — Havia muito mais do que um toque de humor nessa voz, destilava sarcasmo.
Louisa retrocedeu, afastando-se para o vazio das cortinas, desejando não ter o agudo ouvido de sua tia-avó Winifred.
—Teme que sua pequena égua relinche em um momento inoportuno, Harold?
—Maldito seja seu senso de humor, Charles. Não tenho nem dois peniques, mas quase vale a pena uma prisão para evitar ver essa cara durante o resto de minha vida.
—Te animes, homem. Não seria o primeiro a casar-se por dinheiro e encontrar diversão em outro lugar.
—Sim, mas duvido que qualquer outro homem suportasse semelhante noiva. Não pode haver duas como ela na Inglaterra.
—Mantém as cortinas abaixadas, Harold. Proíba-lhe que use velas e a mantenha acordada toda a noite para que durma durante o dia.
—Melhor ainda, apertando os dentes e com os olhos vendados, dar-lhe-ei um filho e a despacharei para sempre a uma das casas que sua família tem na Escócia.
—Essa é a ideia. E dar-te a vida grande com sua fortuna.
Finalmente, afastaram-se. Passou um minuto e depois outro durante os quais só houve silêncio, o eco de um quarteto tocando um minueto ao longe. No vestíbulo um relógio bateu a hora e alguém soltou uma gargalhada.
Uma lágrima caiu e limpou sua mão.
Soltou a cortina que tinha amassado, alisou as dobras carmesins e utilizou o dorso de suas mãos para limpar as solitárias lágrimas de suas bochechas. Deveria estar acostumada a momentos como esse. Não era a primeira vez que algum jovem fazia comentários sobre seu aspecto. Nem, estava segura, se seria a última. Inclusive sua família, a mais carinhosa e nobre que uma vez foi tão grande e agora tristemente diminuída, não podiam aliviar sua desolação pela forma na qual a natureza tinha tomado todas aquelas características inaceitáveis reunindo-as em sua pessoa.
Meia Inglaterra tinha sido convidada este fim de semana para Bainbridge Hall. Uma oportunidade não para que os jovens galãs do país lhe jogassem uma olhada, mas sim para que ela escolhesse qual deles seria seu garanhão. Louisa não havia dito nada ante essa declaração. Fazia tempo que não se surpreendia por nada que seu avô dissesse ou fizesse. Nem era bastante valente para discutir com ele, portanto estava pronta e pontual quando a primeira das incontáveis carruagens apareceu ante a porta principal.
O jovem com o cortante senso de humor e tão obviamente horrorizado com ela, havia sido um de seus pretendentes favoritos. Com ele, esqueceu-se de seu espantoso rosto, do reflexo que lhe devolvia o espelho. Inclusive tinha rido com ele, esquecendo suas maneiras. Havia se sentido enfeitiçada por seu ensolarado cabelo loiro, os preciosos olhos azuis e o sorriso que parecia provir da profundidade de sua alma.
Mais provavelmente do cavernoso interior de suas arcas vazias.
Seu avô interviria se soubesse. Apesar de ter mais de setenta anos, exigiria uma satisfação no campo de honra. Mas seu avô estava quase cego, tanto para à verdade como para o afeto. Ele nunca parecia ver as olhadas diretas dirigidas para ela ou o repentino ofego assombrado de convidados que nunca antes tinham visto a herdeira Patterson. Inclusive aqueles familiares pareciam não ser capazes de abster-se de olhá-la fixamente, como as jovens donzelas que tinham sido atribuídas a sua suíte. Quando as encontrava por acaso, elas deixavam de limpar o pó e se viravam para olhá-la fixamente.
Não podia culpá-las, ela faria o mesmo.
Não tinha irmãos nem irmãs, o qual era uma bênção supunha. O Destino poderia lhe haver dado um irmão incrivelmente atrativo e então ela haveria se sentido duplamente maldita. Desta maneira, ela era a única herdeira dos milhões dos Patterson. Um fato que tinha atraído a uma penca de homens jovens a Bainbridge Hall este fim de semana, todos eles com os bolsos vazios e dispostos a fechar os olhos.
Os sonhos morrem duramente. Este chocou contra a Terra com tal golpe que foi como se por um momento o mundo se sacudisse. Harold Minter, Visconde Lacorn, não estava interessado nela por seu faiscante engenho. Ele não considerava que ela fosse encantadora, engenhosa ou inteligente. Ela tinha estado disposta a aceitar isso, inclusive a reconhecer que o único que ele desejava era seu dinheiro, não a ela. Afinal de contas, era a neta de Arthur Patterson e ele não era tolo. Mas ser ridicularizada publicamente parecia inclusive mais insensivelmente cruel. Depois de tudo, ela não podia modificar seu aspecto. Se houvesse algo que pudesse fazer para alterar sua feiura há tempos o teria feito.
Realmente pensavam as pessoas que ela gostava de ser assim?
O quarto de desenho estava vazio. A maior parte dos hóspedes tomava sol e passeava pelo jardim principal, enquanto lhes ofereciam taças de champanha e comida suficiente para alimentar a um pequeno exercito. No gramado do lado norte, transplantou-se um imenso labirinto para diversão dos convidados. Uma proeza que tinha requerido a importação de quinze dúzias de sebes de seis pés de altura, as raízes unidas com estopa. Realmente era uma pena que a criação não fosse a durar mais de uma semana.
Instalaram-se imensos guarda-sóis para proteger a pele das damas, e havia dois quartetos de músicos separados, mas tocando a mesma melodia, para que de qualquer lugar onde passeassem os convidados, o som da música lhes seguissem. O tempo tinha cooperado e fazia um dia ensolarado com apenas umas poucas nuvens.
Louisa o observou com o ar indiferente de uma anfitriã de nascença, uma posição que o amor por seu avô lhe obrigava a fingir. Ela lhe adorava, mas não se enganava quanto a seu caráter. Ele exercia o poder com um enraizado e contumaz amor por ele. Era um dos melhores estadistas do país, um homem de paz que também mantinha influência sobre o exército já que se destacou durante a Guerra do Rei Jorge. Além de sua comovedora oratória, tinha transformado uma pequena herança em uma fortuna cobiçada por muitos. A fortuna dos Patterson se extraiu no Canadá e foi transformada nas Américas.
Possivelmente era um sinal do quanto desesperado estava para casar Louisa já que estava disposto a enterrar seu desprezo pelos homens que se casavam por dinheiro em vez de ganhá-lo.
Ou um sinal de que ela era realmente inaceitável.
Saiu de casa pelo grande terraço, caminhando rapidamente. Suas sapatilhas não eram feitas para as escadas de granito nem para a exuberante grama que cercava o terraço. Parecia como se pudesse sentir cada pequena pedra, o frescor da grama sob seus pés. Se não fosse porque estava de meias, teria tirado as sapatilhas, as colocado nos bolsos de seu recatado vestido. Então a teriam chamado de moleque, ao invés de simplesmente feia. Uma herdeira que em torno de si giravam delicados murmúrios como uma fumaça.
Às vezes desejava sinceramente ser um moleque e banhar-se no riacho que bordeava Bainbridge Hall, rir com gargalhadas, cantar com força e ter vestidos que não fossem modestos, recatados nem de cor pastel. Desejava as cores vermelhas que fossem ousadas, as esmeraldas verdes que imitassem os teixos e azuis que evocassem a cor das safiras. E possivelmente o amarelo, como os raios do sol. Mas era um desejo que nunca se cumpriria. Sua costureira havia recomendado cores suaves, pasteis tênues e delicados que faziam Louisa parecer uma pálida sombra. "O melhor para integrar-se com as paredes, querida".
Jogou um olhar para a multidão. Riam em grupos, com os copos em alto cintilando ao sol. Os lacaios levavam bandejas de prata de um grupo a outro, outra bandeja de guloseimas, lanches para tentar o apetite antes do chá da tarde. Ninguém girou a cabeça, ninguém havia sentido falta dela.
Deveria sentir-se ferida por ser tão facilmente ignorada? Não estava. Nem lhes odiava. O fato era que possuía um lamentável sentimento de justiça. Eles invejavam sua riqueza, o amor de uma família ausente, porém forte na tradição e no carinho. Além disso, tinha o nome Patterson, uma herança da qual se sentia orgulhosa, misturada com o comércio, boa sorte e coragem.
Não, não odiava os seus convidados, a maioria dos quais riam dela a suas costas. Ela era, apesar de toda sua feiura, mais afortunada que todos eles. Ela poderia escolher a seu marido, seria livre para dirigir seu dinheiro. Se não queria viver em Londres, poderia manter suas habitações em Bainbridge Hall, ou em Powerscourt, ou no Damsen House, ou nas mais de vinte casas que seu avô tinha comprado durante anos. Era um vertiginoso tipo de liberdade que não descartaria.
Mas às vezes, com gosto teria trocado tudo para ser bonita, para ser como as outras jovens que se reuniam em Bainbridge Hall. Como seria discutir a respeito dos tecidos que favorecessem a sua pele e os penteados que realçassem o rosto? Rir e ruborizar-se, cochichar lacrimejando para fazer com que os olhos faiscassem ou inclusive manejar um leque com a delicadeza e precisão de um florete , sabendo que o objeto de tão decisivo esmero não poderia recusar muito tempo um convite.
Era mais fácil para Louisa ignorar a si mesma durante longos períodos de tempo. É infinitamente menos doloroso. Tinha aperfeiçoado a técnica de vagar durante horas sem ser consciente de si mesma. Sua criada lhe ajudava a vestir-se e a penteava pelas manhãs. Não precisava estudar-se no espelho para saber que a noite passada não tinha alterado sua aparência. Às vezes passava quase um dia inteiro até que captava um brilho de si mesma, um reflexo em uma das vitrines da biblioteca de seu avô ou no brilho de um mogno. Até esse momento, ela podia fingir que era diferente. Durante umas poucas horas, em seu coração, tinha conseguido esquecer.
O grupo de pessoas as quais tinha evitado agora eram como um grande espelho, vendo só seu exterior em toda sua feiura. Eles não olhavam sob a superfície para ver os sonhos, esperanças e o verdadeiro ser de Louisa. Eles só refletiam que ela era horrorosamente feia.
Durante um momento, um momento fugaz, desejou estar longe daquele lugar, do lar que havia chamado de seu durante quase toda sua vida. Morava ali desde que seu avô a havia levado com apenas oito anos, uma jovem e aturdida órfã. Viu-se de repente privada de seus pais e aterrorizada pelo homem de voz retumbante que raramente tinha visto durante sua vida. Levou pouco tempo para compreender que sob seu carrancudo exterior era um homem capaz da maior ternura. Mais tarde tinha olhado para trás no tempo e se maravilhou de sua bondade. Ele sofria também pela perda de seu único filho, mas sempre tinha tempo para ela. E a casa que havia parecido tão terroríficamente grande, converteu-se em um castelo mágico no qual ela sonhou, jogou e fingiu.
Desejou poder ir ao estábulo e selar a sua égua favorita. Mas alguém contaria a seu avô e ele iria procurá-la, possivelmente a convocaria a seu escritório para lhe dar uma palestra sobre os costumes. Nesse preciso momento não tinha vontade de ver ninguém. De fato queria fazer uma toca no bosque que rodeava Bainbridge Hall e que ninguém a encontrasse em semanas. Não era exatamente um ato de valentia, mas o desejava ardentemente.
Não podia escutar durante mais tempo a música, a cacofonia das conversações parecia tão molesta como o ruído que faria uma multidão de gansos. A ausência de ruídos parecia uma maravilhosa bênção. Mas não, havia sons, simplesmente tinha que parar para escutá-los. O canto de uma criatura do bosque, o canto de um pássaro, o bater das asas. Acima, uma aprazível melodia do roce de umas folhas com outras, o roce de ramo contra ramo.
Um sopro de uma brisa levantou a barra de sua saia, jogando com ela, flertando com uma mecha de cabelo em sua bochecha. Estendeu os dedos como se pudesse pegá-lo com seus dedos e sorriu quando se deu conta do que tinha feito. Como se pudesse capturar o vento.
Levantou as saias com a mão e subiu uma aprazível colina. Uma vez tinha ido ali quando era menina, só e assustada. Ali, naquele lugar, atirou-se ao chão e tinha chorado sua dor. Naquele momento não tinha chorado por seu rosto, mas sim pelo abraço de uma mãe longamente ausente de sua vida, pela risada de um pai que não voltaria a ver. Permaneceu de pé sobre a colina e sentiu um ataque de vergonha. Raramente havia tornado a pensar neles. Aquilo era a morte então? Ser esquecidos por quem deve nos amar? Inclinou a cabeça e observou suas mãos cruzadas, logo envolveu os braços ao redor de seu corpo. Dez anos. Esse era o tempo que tinha passado, e no intervalo, tinha conhecido o amor, o brusco afeto de um homem que tinha posto todo seu empenho e o tinha feito melhor do que ele mesmo acreditava.
Oh, se tão somente pudesse ser um orgulho para ele, em vez de alguém tão necessitada de palavras amáveis e conversações revigorantes. "Coragem" lhe diria ele se estivesse ali "Eles não merecem o tempo que gastas pensando neles". "Jovens cachorrinhos", ele teria rido debochadamente, com o sarcasmo evidente em seu rosto. "Não consentirei que te case com um idiota, garota".
Deu a volta e desceu do topo da colina, virando à direita para seguir um caminho quase oculto pelos matos e as sarças . Sabia que não era apropriado, mas de alguma forma não parecia lhe importar nesse momento. Sabia desde que saiu de Bainbridge Hall que iria vê-lo. Sentar-se na escuridão com ele e escutar sua voz sarcástica lhe dizer que estava muito preocupada com as aparências, esta era a única alternativa para um dia que se tornou sombrio por causa da reflexão e triste por causa da verdade.
Capítulo 4
Ele fechou os olhos, concentrado nas pessoas ao seu redor, transportando a si mesmo desde Dorset até as lotadas ruas de Londres. Tudo o que precisava era permanecer ali e deixar que lhe empapasse de toda essa massa de humanidade, caminhando, correndo, empurrando-se, andando de carro, conduzindo carruagens e carroças. Vida pulsava ao seu redor como um coração gigante. Caminhou para trás encostando-se contra a parede de tijolos de um edifício, sentindo como se lhe cravassem pontadas na pele mesmo através do casaco.
Tanto era o que experimentava, esta vida que desejava com tanto desespero, que lhe assustava.
E era dele. Tudo o que tinha que fazer era estender as mãos e absorvê-la como uma esponja gigante e nenhum dos que passassem diante saberiam por que hoje estavam mais cansados que no dia anterior, por que precisavam descansar ou tomar uma vitamina. Eles nunca saberiam, porque ele não queria que soubessem, ao contrário de outros de sua classe, que aterrorizavam aqueles dos quais se alimentavam, lhes fazendo acreditar que era seu sangue a que tinham espremido. Não, só a força da vida, a essência da alma, o brilho de seus reluzentes olhos, que comporiam um sorriso real e sincero. Pior do que o sangue. Mais importante do que o simples sangue.
Haviam-lhe dito que os de sua classe nasciam, não eram criados. Mas ninguém sabia por que de todos os nascidos em certo dia, em determinado lugar, embaixo de uma certa estrela, só Douglas Traherne tinha nascido dessa maneira. Uma questão de herança? De um momento exato? De um Deus vingativo que tinha castigado à dinastia Traherne por pecados muito antigos para serem recordados? Ou possivelmente por nenhum desses motivos? Talvez porque era o momento de que outra criatura caminhasse pela Terra, vivesse na solidão e no desespero, e morresse sendo um mito.
Era normal para aqueles que eram como ele unir-se, viver em grupos separados de outros. Viviam em lugares criados por seus ancestrais: em lugares como Veneza, Paris e Roma. Cidades conhecidas por suas belezas, suas escuridões e seus encantos. Era a ironia suprema. Cada um deles desejava ser parte daqueles que lhes temiam e a humanidade lhes temia porque o desejava também. Se fossem rechaçados, então era por temor, não porque eles tivessem nascido diferentes, sós e apartados.
Já do começo, Douglas sabia que não poderia ser parte desse temor, não poderia propagar o mito, não faria circular os rumores que eles gostosamente contavam sobre si mesmos. Não podia ser um desses que aceitava a solidão para cair na depravação. Para apanhar os receosos, enganar os sábios e enfeitiçar os desiludidos. Era melhor simplesmente estar sozinho.
Mas havia outros como ele? Havia algum lugar intermédio entre o isolamento e a depravação?
Era por isso que simpatizava com Louisa Patterson? Por que seu coração tinha sido afetado, sua mente enfeitiçada e sua alma pega despreparada? Porque embora os dois fossem diferentes, ambos haviam sido jogados na deriva na vida.
Permitiu-se escutar os pensamentos dos que passavam por ele, pois é o melhor para ignorar os próprios. Não queria sentir nada por Louisa Patterson. Acrescentar mais dificuldades a uma vida que já era bastante difícil.
Permanecia em pé na escuridão, suas mãos feitas um punho contra sua saia. Havia deixado o xale e na caverna fazia frio. Virou-se e ele estava ali, uma sombra gigante bloqueando a tênue luz da entrada da caverna.
Passou roçando-a e ela escutou sons na escuridão, depois viu o resplendor de um fogo ao ser aceso. O oco da chaminé era um buraco natural, o lar uma rocha plana, o suporte uma parte de xisto . Ele estava de pé olhando o fogo, de costas para ela.
—Congelar-te-á com essa roupa tão ridícula.
—É novo — disse olhando a criação de cor marfim. —Desenhado para atrair a atenção de meus pretendentes para meus mais louváveis atributos.
—Quase te sai dele.
Era verdade, havia uma boa parte de sua pele exposta. Porém ela preferia ter os olhos dos cavalheiros sobre essa parte de sua anatomia do que fixos nas características ruins de seu rosto.
Douglas virou-se e entrou nas sombras. Que estranho que nunca lhe permitisse ver seu rosto. Teria cicatrizes ou seria inapresentável de alguma outra maneira? Sentiu uma quebra de onda de gratidão de que assim fosse, depois sentiu vergonha por semelhante pensamento. Se fosse uma pessoa melhor, persuadir-lhe-ia para sair de seu retiro, lhe fazendo acreditar que a pessoas não julgavam pelas aparências, mas sim pelo valor de uma pessoa. Tudo isso era mentira.
Às pessoas, em geral, não gostavam daqueles que eram diferentes. Conhecimento que tinha adquirido quando era menina durante uma visita a fabrica de louças de seu avô. As xícaras que saíam do forno eram classificadas e julgadas. Se a pintura estava danificada e a asa rachada, as xícaras eram metidas em caixas e colocadas sobre uma mesa de trabalho para serem oferecidas a preço baixo a modestas donas de casa. As mais bonitas eram enviadas para cumprir pedidos através da Inglaterra, para adornar vitrines e as casas dos aristocratas. As pessoas eram iguais, rechaçavam uma outra pessoa porque seu nariz era muito largo ou suas orelhas muito grandes, ou seu sorriso cheio de dentes, ou porque estava muito magra ou muito gorda. Ela tinha sido colocada na caixa também, salva pelo fato de que sua asa rachada era feita de ouro ou sua pintura era de prata.
—Vais permanecer aí de pé todo o dia? —sua voz interrompeu seus pensamentos.
Mexeu-se e seguiu Douglas, entrando nas sombras. Uma vez sentada, cruzou as mãos em seu regaço e jogou a cabeça para trás para olhar fixamente o teto. Inclusive com a tênue luz do fogo era impossível ver, como se uma grande nuvem negra estivesse situada sobre eles.
Ele levantou suas mãos no ar e se foi com passo violento, voltando em um instante com um suave xale que colocou ao redor de seus ombros.
—Ao menos desta maneira não te congelará, Louisa.
—Obrigado — respondeu, afundando o nariz na suave lã. Cheirava a especiarias e era tão suave como a pelagem de um gatinho ao tato.
—Nem todos nós podemos ser tentilhões , Louisa — disse Douglas calmamente. —Alguns devemos ser pardais.
A declaração estava tão em sintonia com seus pensamentos que virou a cabeça e estudou a sombra que lhe cobria.
—Eu não gosto muito de ser um pardal, Douglas. Sempre desejei ser um petirrojo , ou algo com mais colorido e ousado.
—Então, deve aprender seu lugar no mundo.
—Sei — suspirou. —Não me Rebelo, Douglas. Exceto às vezes em meu coração.
—E sonha sendo cantora de ópera ou atriz?
O pensamento era tão escandaloso que sorriu.
—Não, claro que não. Mas possivelmente uma viajante, alguém que veria o mundo.
—E aonde iria se tivesse a oportunidade?
—Ao Egito, a Espanha. A França e a China — acariciou o tecido de sua saia e sorriu na escuridão.
Por que parecia mais fácil falar com ele do que com qualquer outro? Porque não podia lhe ver? Porque a escuridão que lhes envolvia também a protegia? Tinha mentido, era uma rebelde. Ao menos nesse momento. Estava traindo todos os convencionalismos de sua vida sentando-se na escuridão com um homem ao qual não conhecia, ao qual nunca lhe tinham apresentado e que tinha sua própria cota de segredos sobre si mesmo. Podia imaginar o que diriam as pessoas se a vissem sentada ali. "Pobre feia Louisa, infectada pela loucura. Pobre coisa, se senta na escuridão e fala com uma sombra, pensando que encontrou um amigo, porém sozinha".
—Os ermitões não têm amigos, Louisa.
—Tem uma desconcertante habilidade para fazer isso, Douglas. Adivinhando meus pensamentos.
—Isso é o que estavas fazendo? —uma mudança na direção do som, depois sua voz mais perto. — Seus pensamentos não são difíceis de reconhecer, Louisa. Por que estas aqui?
—Possivelmente só desejava escutar uma voz amável, Douglas.
Sua gargalhada foi inesperada. Não é tão envergonhado. Louisa passou muitos anos para ficar ao menos com essa emoção.
—Atribui-me uma virtude que poucos fariam, Louisa. De fato, eu nunca havia pensando em mim mesmo como uma pessoa amável.
—Mas tu não me insultas, nem me ridiculariza por coisas que não posso evitar.
Aí está, a verdade tinha saído. Sem um pensamento consciente, ela recordou todo o doloroso instante da conversa que escutou por acaso.
—Por que te preocupa tanto o que alguém disse de ti?
—Porque ele não parecia uma má pessoa e foi capaz de ter falado isso. Porque eu pensava que ele era capaz de ignorar meu aspecto — deveria ter sido tão honesta?
—Não parece que tenha sido tão perfeito como tinha imaginado.
—Não. — disse calmamente. E até que não a tivesse ridicularizado, não sabia que pensava nela com tanto desprezo. Que facilmente tinha sido enganada. Ou quis ser.
—E tu te preocupas muito com as aparências, Louisa.
—Entretanto tu não me julgas, Douglas.
Não utilizas minha feiura contra mim, não me aconselha que proteja a mim mesma não por quem sou, mas sim pelo que represento. Sou A Herdeira do Bainbridge Hall. Quanto tempo se passou desde que alguém se deu conta de que também sou Louisa Patterson?
—Pretende me converter em um santo, Louisa e não o sou — em um segundo, esteve tão perto que podia sentir o roce de sua mão em seu pescoço. Um roce doce, embriagador e proibido. — Estou tão afastado da piedade como um homem possa está-lo.
Ela fechou fortemente os olhos, não consentindo a si mesma sentir o tremor de suas pernas. Não era medo, mas sim consciência. Uma sensação de conhecimento que nunca antes tinha experimentado. Era como se pudesse lhe sentir tocando sua mente, gritando de alguma estranha maneira que alertava a cada parte de seu corpo de que ele estava ali. Era como se ela existisse nesse momento fora de tempo só para ser o que ele quisesse que fosse, como se pudesse dizer onde estava ele, o que via, o que sentia. Uma autêntica intrusão de pensamento e empatia. Ela piscou e o sentimento desapareceu abruptamente. Ela piscou uma vez mais e ele estava parado ali, tão perto que podia sentir sua respiração sobre sua bochecha.
Ele estirou sua mão e lhe elevou o queixo. Sorria ou seu aspecto era solene? Ridicularizava-a ou só se compadecia por sua necessidade? Não poderia dizê-lo, já que as sombras lhe ocultava. Mas o tato de seus dedos sobre sua pele, a fez dolorosamente consciente de que isto era embaraçosamente real. Não era um sonho.
—Posso fazer isso, Louisa — lhe disse suavemente. —Posso banir todos os pensamentos sobre mim de sua mente se o desejar. Posso fazer isto parecer só um sonho, um do qual desperte renovada e aliviada.
Outra vez, um silêncio sem sentido.
—Quem és? —perguntou e pôs sua mão sobre a dele. Seu calor parecia estranhamente reconfortante.
—Realmente não quer saber, disse no mais suave e amável dos tons.
Esta tarde impossível, estas horas improváveis tiradas de sua vida estavam a ponto de culminar no conhecimento que mais desesperadamente queria e que estava segura que nunca esqueceria. Sinceramente desejava saber? Honestamente, e mais ainda, fervorosamente, queria escutar as palavras que ele estava a ponto de pronunciar?
—Sim quero — disse ela sem estar segura se era mentira ou verdade.
Ele duvidou por um momento, depois disse as palavras em um tom suave e tenro.
—Sou um vampiro, Louisa.
Capítulo 5
—Não vou desmaiar, sabe? —disse ela, alguns minutos depois.
—Não esperava que o fizesse.
—Se pudesse ler sua mente, acredito que descobriria que isso é falso. Não cometeria uma crueldade, poderia dizer. Se eu não estivesse completamente certa estarias preparado para me agarrar.
—É uma mulher magra, não seria difícil.
—Que educados estamos sendo. É normal?
—Não sei, nunca antes tinha contado a alguém — permanecia de pé junto a ela, uma presença nesta escuridão. —Estas tremendo como uma árvore jovem durante um vendaval.
Sua coleção de livros, sua voz, o encanto desta, a sensação que sentia quando lhe escutava falar. Como se uma cálida tira de palavras se enroscasse ao seu redor, empurrando-a para ele, caindo no ar, só para enrolar-se ao redor dele. Muito impossível. Ridículo.
—Isto é quase tão aventureiro como viajar a China, Douglas — limpou a garganta. —Nunca antes tinha conhecido a um dos não-mortos.
Suas gargalhadas ressonaram por toda a caverna e além dela, saíram para a luz do sol, para os bosques, as verdes e ondulantes campinas de sua terra natal.
—De onde tiraste essa ideia?
—Minha babá era russa — disse ela.
Realmente era uma experiência muito angustiante permanecer na escuridão, ao som de seu sorriso caloroso sua única conexão real com ele.
—E sua nana russa te punha para dormir com contos sobre os não-mortos? Se o fosse, seria como a maioria dos russos acreditam, o filho de uma bruxa com um lobisomem? Minha mãe não gostaria que a chamassem assim. No melhor sou o sétimo filho de um sétimo filho. Ou suas crenças vão muito mais longe e são versadas no dogma? Roma declarou a incorruptibilidade do corpo uma recompensa por uma boa vida, se as pessoas viverem segundo os princípios da Igreja. Possivelmente só seja um pecador, então — ele se moveu, podia senti-lo pelos redemoinhos de ar ao seu redor. —Não estou mais morto do que ti Louisa. Meu corpo mortal procurará o final em seu momento. No momento, sou o que sou e nenhum conto infantil alterará isso nem me deixará ao exposto.
—Então o que é?
—Já não lhe disse? —sua voz tinha um estranho tom de amabilidade. — E tu já não suspeitavas? Minha biblioteca, esta caverna, minha reticência, seu próprio desejo de um acontecimento cheio de romantismo e lenda... Teve tudo em conta e embora fosse o suficiente para assustar a maioria das pessoas, ainda assim, voltou.
Um roce em sua bochecha. Amável e tenro.
—Considera a ti mesma feia e foge do mundo. Eu me considero um solitário e desejo o exílio por diferentes razões. Quem é o não-morto dos dois?
Ela pôde notar como se ruborizava.
—Por que, então, odeia a luz?
—Não a odeio. Não entende. Meus olhos são sensíveis à luz do sol. A das velas. Não significa que odeio o que não posso suportar. Não como os idiotas de seus pretendentes.
—Há-me dito o que não é, mas ainda não me há dito o que é — se sentia estranhamente cansada, com uma repentina e profunda ânsia de dormir.
Um breve silêncio, o vento soprando contra este refugio seguro. Louisa se perguntou por que ele a atraía a dar um passo para muito perto da verdade.
—O que quer saber, Louisa?
—Que tipo de poderes tu tens, Douglas? E como os obteve? —ouves meus pensamentos verdade?
Que estranho que pudesse lhe sentir observando-a.
—Os poderes que tenho os obtive em meu nascimento, não por acidente. Nunca fui excomungado e eu gosto dos cães. Não nasci no solstício de inverno, nem entre o Natal e a Epifania, não matei ninguém, nem anjo nem pecador. Não, Louisa, não sou um não-morto —Mas sim, posso escutar seus pensamentos. Sua voz parecia tão carinhosa e tão cheia de calor...
Quando ela abaixou a cabeça e observou, sem ver, suas mãos, ele se aproximou mais.
—Tu bebes sangue.
—Prefiro as frutas frescas e as hortaliças do que carne ou sangue de qualquer tipo. Meu desejo por sangue é outro mito. O mundo está cheio de mentiras sobre os de minha classe, Louisa. Eu não vejo nada repugnante em uma cruz, não me desgosta o alho se não for usado em excesso. Sou tão fácil de matar como qualquer homem — um roce em sua mão, isso foi tudo, mas parecia como se uma faísca a tivesse queimado.
—E, no entanto, escutas meus pensamentos, vês na escuridão e te deslizas facilmente pela caverna com grande agilidade e inclusive com a mais surpreendente velocidade.
—Perguntava-me se te daria conta — disse ele, retirando suas mãos.
—O que é real e o que é mito?
—E por que quereria sabê-lo?
—Não pode ler minha mente?
—Seus pensamentos são muito confusos, Louisa. E por cima deles há um terror que esconde muito bem. Estas assustada?
—Sim — disse brandamente.
—Tua honestidade será tua perdição algum dia.
—Por tua mão?
—É isso o que te assusta, que me cresçam as presas ou um buraco na parte de atrás de meu pescoço e absorva seu sangue? Na Bulgária, aqueles como eu são chamados Obour, e se fofoca que têm só um orifício nasal e uma língua pontiaguda. Na China, os Ch'lang Shih não são totalmente humanos, enquanto que na Rússia de sua babá, os Viesczy se supõe que roem suas próprias mãos e pés enquanto descansam em uma caverna durante o dia. Qual destes serei Louisa, já que te nega a ver o horror que alguma vez existiu, enquanto ignora aquilo que o provoca?
Ela se virou, como se lhe visse, desejando pela primeira vez que a escuridão desaparecesse, que a luz lhe permitisse vê-lo.
—De que cor são seus olhos? —Parecia necessário sabê-lo.
Que aspecto tinha este ermitão que fugia da luz do sol? E por que ela se via tão obrigada a estar ali hoje deixando de lado os pensamentos racionais, sua educação, os intermináveis sermões sobre o decoro e sua própria persistente sensação de um pouco de algo não dito e subentendido, entretanto evidentemente inconsciente? Vampiros? Tinha adivinhado antes? E tinha estado ele certo? Tinha desejado algo cheio de romantismo e lenda?
—É mais correto vampiro, Louisa. Dos magiares. E meus olhos são verdes — disse. —Herança de minha mãe.
—Ela sabe?
Ele sorriu, um sorriso totalmente precioso.
—Claro que sim. Meus pais não estão tão limitados pela superstição como tantos de nossos compatriotas. Eles se deram conta logo de que eu era um menino estranho, incapaz de tomar meu lugar à cabeça da família. Mas ainda assim, meu exílio não foi decisão dela e sim minha.
—Mas, se não quer ser como o mito, se não há nada real em todos esses horríveis contos, então por que te escondes? É bastante fácil justificar um certo conhecimento das pessoas. Uma grande maioria parece ter intuição. E sua agilidade poderia ser escondida ante a boa sociedade, não? E se não gostas da luz, não poderias simplesmente dormir durante o dia?
—Adverti-te de que não me falasses como a um de seus casos de caridade, Louisa. E não tem nem ideia do que estas dizendo. Pergunto-me se o que não quer é escutar aquilo do que não quer saber.
—Vais falar-me disso, não? Sobre o horror que existe.
Ele assentiu. Ela desejou que não falasse.
—Posso matar, Louisa. Rapidamente e sem pensar muito. É por essa razão que me separo de outros. Eu me alimento, querida Louisa, não de sangue, mas sim de energia vital. Cada vez que te toquei, extraí-lhe isso, é por isso que estas tão cansada agora. E a razão pela qual não posso ser visto é essa, pela força vital que entregaste sem te dar conta.
Ele se aproximou, mas não a tocou.
—É como se estivestes cedendo parte de ti mesma cada vez, sem sabê-lo. Com minha frequente companhia, nossa amizade só poderia te levar a morte. Até que já não tivesse mais nada que entregar. Sabe onde estava quando viestes, Louisa? Estava me alimentando — um toque suave em sua bochecha, uma centelha de fogo quando parecia que seus dedos iriam seguir o caminho descendo até seu queixo. —Minha solidão se tornou tão molesta que não podia suportá-la mais tempo, então eu me vi em Londres, Louisa, entre aqueles que não se preocupam com minha condição, estando tão preocupados com suas próprias vidas. Caminhava entre os nobres e plebeus e bebendo suas energias, até que me senti tão forte e poderoso como um carvalho inglês.
Ela secou as Palmas na saia, desejando voltar-se para ele, mas estava sendo muito covarde para fazê-lo.
—Eu não criticarei sua conduta, Louisa — disse, com essa voz suave de novo. —Mostrastes mais coragem do que qualquer pessoa que eu tenha conhecido em toda minha vida.
Ela elevou a vista, então desejando poder ver na escuridão.
Não queria ir-se, mas podia ouvir as palavras como se ele as houvesse dito simplesmente em sua alma. Havia muitas perguntas que queria fazer, muitas coisas que queria saber. Respostas que provavelmente nunca conheceria. De qualquer forma, não lhe havia dito que não poderia voltar.
Ela piscou de novo, sentindo-se incrivelmente idiota. Ainda assim, estendeu a mão e colocou sobre sua bochecha, sentindo-se provocadora e valente. Ele se afastou de seu contato e ela lhe seguiu, decidida a experimentar essa emoção que a tinha inundado antes, como se ela fosse parte dele, podia fazer eco de sua respiração com seu próprio fôlego. Era como se sua pele fosse parte dele, ou surpreendentemente, que ele estivesse em seu coração, podendo ser Louisa Ann Patterson durante o tempo que ele decidisse que seria dele.
—O que faz? —seu tom era brusco, mas não suficientemente perigoso. Carecia do tom de terror que tinha usado para assustá-la.
Sua bochecha era absurdamente suave, delineada por uma linha onde crescia o bigode. A barba emergente da tarde, arranhava sua palma. Seu cabelo era tão suave como o de um menino: negro, escorrido e grosso, atraindo a seus dedos. E no meio de tudo, os silenciosos momentos estavam marcados pela aturdida aceitação dele e a importância dela. Era totalmente assombroso, é obvio, e algo pelo qual deveria ser castigada, mas foi um gesto apaziguador o que ela tinha feito, um pouco tão inevitável e necessário, que não parou para pensar nas consequências. Um menino que sofria pela dor, um animal torturado, uma mulher dando a luz, um homem ferido na batalha. Quem podia afastar-se deles? Ou de Douglas, com seu desespero escrito em letras tão grandes que era impossível não senti-las?
Finalmente, ele apertou seu pulso e lhe afastou a mão.
—Não o faça — disse, e foi o tom dessas palavras o que os separou. Finalmente deu um passo para trás e deixou escapar o fôlego. —Estas tentando o destino, Louisa.
—Faço isso?
—Posso te fazer mal, pequena parva, não entende isso?
Ela retrocedeu, obedecendo a ordem que ele tinha dado com uma voz muda. Louisa vacilou na entrada da caverna, agachou-se e apagou as velas que descansavam sobre uma parte do xisto. Virou-se e lhe sorriu.
—Retornarei, sabe.
—É melhor que não o faça. Ou simplesmente irei eu?
—Então pensarei em ti aqui. Os pensamentos são permitidos?
—Aceitos e apreciados. Inclusive poderia dizer uma oração ou duas se estas tão disposta — ante seu olhar, ele sorriu. —Eu não estou desprovido de religião, Louisa, simplesmente afastado dela.
As palavras restantes foram implícitas. E da humanidade.
Capítulo 6
—Sabia que não iria.
Ele levantou a vista para ela. Tinha escutado seu avanço pela caverna até a cadeira em que ele se sentou. Podia vê-la claramente pela luz da vela que tinha acendido para aumentar o fogo. Ele podia ver na escuridão, mas tinha dificuldade para ler sem alguma luz. Ou possivelmente fosse coisa da idade. O pensamento foi quase divertido. Fundiu-se com as sombras, escondendo-se.
—Queixa-te de estar sendo muito vigiada, Louisa, entretanto não tem dificuldade em organizar seu horário para me visitar. E por que acreditava que eu estaria aqui?
—É um pensamento presunçoso, Douglas. Não pode lê-lo?
Deixou a cesta que havia trazido no chão da caverna. Ele esperou que se lembrasse desta quando se fosse. Ela se converteu em uma espécie de talismã, algo que se buscar quando se sentia especialmente sozinho. Durante a semana passada, tinha tirado seu conteúdo um a um, para assegurar-se de que a incursão dela em sua solitária vida tinha sido real e não um sonho. A jarra de cerâmica, os guardanapos bordados, o prato onde tinha ficado uma seleção de bolos... Tudo isso eram símbolos de lembranças. Tolices.
—Por que deveria fazê-lo, Louisa, quando tu estás ardendo de impaciência para me dizer.
—Muito bem — disse, plantando os punhos nos quadris e sorrindo para a sombra que o escondia. Outra dicotomia de Louisa Patterson. Franzir-lhe o cenho e lhe sorrir ao mesmo tempo.
—Acredito que não te repugna especialmente minha presença, Douglas.
—De outra maneira, Louisa, teria tratado de beber seu sangue antes?
—Dize-o de verdade não?
Ele elevou a mão e cruzou sua palma com os dedos da outra mão. Que idiota. Ela não podia lhe ver.
—Te farei um juramento em dobro de que nunca fiz isso. A ideia é particularmente espantosa.
—Entretanto, seu material de leitura poderia fazer a alguém pensar outra coisa.
Ele observou suas estantes.
—Vlad Torrões e Elizabeth Baltory? Ele estava louco e ela era uma lunática.
—Então por que lhes estuda?
—Por que me envenena com sua curiosidade, Louisa? Ninguém deseja responder suas perguntas em Bainbridge Hall?
—E a quem deveria perguntar sobre os vampiros, Douglas? Minha babá se poria a correr e gritar na noite. Além disso, se eu não te deixasse louco, estaria aqui sentado sozinho.
—Isso é precisamente o que significa ser ermitão, Louisa.
Ela pareceu retroceder, afastando-se de tal maneira que ele soube que a tinha ferido. Pequena inocente. Ela não tinha tido intenção de incomodar. Tão mal preparada para a conversa social como ele.
Decidiu lhe entregar uma parte de si mesmo como penitência. Uma parte da verdade e de sua história, uma não facilmente divulgada.
—Quando era jovem, Louisa, queria saber tudo a respeito daqueles que tinham reputação de ser como eu. Mas estudei só a uns poucos. Estavam Peter Pogojowitz e os trabalhos do Calmet, Gilles do Rais e alguns mais dos quais se falavam que eram vampiros.
—E não o eram?
Ela rapidamente rompeu seu nível de intimidade. Com o qual aliviou sua transcendência.
—Que mais te disse sua babá russa, Louisa?
—Só o que te hei dito. Não podem morrer, alimentam-se de sangue, podem trocar sua aparência e despertam ao anoitecer.
—As duas últimas habilidades são também compartilhadas pela maioria dos nobres — disse ele, surpreso pelo humor que sentia. Mas nunca tinha discutido isto com ninguém além de sua família, inclusive então, tinha mitigado seu próprio horror doentio a respeito do que era para não ferir seus pais. —A verdade, Louisa, é de algum modo mais complexa do que os contos de fadas. Realmente quer ouvi-la?
—Desejo-o muito, Douglas. Mas só se quiseres me contar.
Ele sorriu. Não queria, mas possivelmente lhe servisse como um ato de purificação. E por outra parte, possivelmente a separasse de sua presença para sempre. É algo não desejado, Douglas? Ou começastes a esperar seu melodioso olá, seu sorriso?
Deveria havê-la aterrorizado com seus conhecimentos, poderia havê-la ferido facilmente se tivesse sido necessário. Outros como ele lhe teriam roubado sua essência vital sem nenhum escrúpulo, sem nenhuma faísca de desespero interno. Em vez disso, ele a tinha escutado, sentindo o entusiasmo sair desse lugar profundamente escondido em sua alma.
—Nasci como o fazem os meninos e fui alimentado por uma babá cheia de lágrimas e o amor de minha mãe. Os Traherne não são tão ricos como sua família, mas têm bastante dinheiro para se manterem. Minha infância transcorreu como a da maioria nessas circunstâncias, recebendo lições sobre o dever e classes particulares de uma seleção de jovens bem educados, porém pobres — ele jogou a cabeça para trás, centrando a vista no teto. Tinha manchas de fumaça por anos de fogueiras. — Não foi até que tinha treze anos quando me dei conta de que algo ia mal. Até esse momento, tinha sido protegido, suponho que por ser filho único.
—O que aconteceu? Alguém te feriu?
Ele fechou os olhos.
—A vida que vivo, Louisa, é como resultado da ignorância. Não estou doído por isso, estou alterado — não podia esconder a amargura de sua voz. Ouviria-a ela?
Ela se sentou na banqueta, o queixo apoiado na mão, aparentemente atenta ao fogo.
—Mudaria suas circunstâncias se pudesse, Douglas. Sei o que é ser deixada de lado pelo que é, e entretanto ser procurada depois pelo que tem. As pessoas têm o costume de ignorar a verdade a respeito de outro ou não querem saber o que há em seu interior.
—Isso fora singelo. Em toda minha infância escutei as vozes dentro de minha cabeça, ouvia os pensamentos dos meus pais, os desejos de minhas babás. Pensava que era normal, uma habilidade compartilhada por outros. Não me dava conta de que não era assim até que não fui enviado para estudar longe — sorriu. —Todos diziam quão brilhante eu era, como parecia tirar notas tão boas em todos meus exames. Nunca lhes ocorreu pensar que as respostas eram tão fáceis de escutar como o dom de minha mente.
Os olhos dela brilhavam agora. De admiração? Inveja? Ele fechou os seus de novo. Ela estava encantada pela magia. Pelo inferno mais provavelmente. Era justo destruir sua inocência tão facilmente? Um enigma. Deixá-la perdida na ignorância ou aproveitar esta audiência disposta e ansiosa de lhe ouvir falar de coisas que não havia contando vez alguma? Quem triunfaria neste intercâmbio? Não havia dúvida, não? Ele a carregaria com a verdade e veria se conseguiria se aliviar ao compartilhá-la.
—Comecei a experimentar quase um constante cansaço. Meus pais o atribuíram a meu rápido crescimento. Era muito mais alto do que meu pai e os outros parentes masculinos. Eu sabia, de algum jeito, que era diferente.
Inclusive agora, se não tomasse cuidado, sentiria outra vez essa desconcertante sensação de estar preso em um vidro, como se todo mundo menos seus atos fossem mais lentos, mais incomodo. Era como se cada movimento se realizasse em um líquido viscoso, claro e grosso. Era isso o que sentia as pessoas normais?
Abriu os olhos, ficou de pé e caminhou pela caverna, escolheu uma garrafa de vinho dos alimentos organizados ali e se serviu de um copo cheio. Não ofereceu nada a Louisa. A última coisa que queria era ter que enviá-la de volta a Bainbridge Hall com seus sentidos perturbados e balbuciando que tinha conhecido um vampiro. Voltou e se deteve para olhar Louisa. Logo o clima isolaria sua caverna dos curiosos e imprudentes. Observou a Louisa, uma das poucas pessoas que se atreveram a cruzar a entrada de seu lar. Importância? Ou simples curiosidade? Não sabia. Devolveu-lhe o olhar, não muito recatada em sua análise, mas eles já estavam além dessas coisas, não? Os segredos formavam redemoinhos entre eles. O ódio pela astúcia dela e pela identidade dele.
—O que aconteceu então, Douglas? —sua voz era tenra, cativante, amável.
A de sua mãe tinha sido igual. Sempre, inclusive depois daquele dia.
—Conheci outro que era como eu. Alguém que desfrutava sendo como era, que usava seu nascimento como desculpa para a depravação — Como a maioria deles. —Ele me ensinou a me alimentar, o poder que havia nisso. Mostrou-me que eu era tão diferente dos outros e como eles se pareciam entre si. —Me ensinou que eu era único e estranho, e melhor do que aqueles dos quais eu me alimentava, como se eles fossem uma presa e eu um abutre. Comecei a desfrutar de minhas excentricidades, de minhas diferenças. Que parvo tinha sido em sua juventude.
—O que aconteceu com seu amigo?
Sua gargalhada foi breve e triste.
—Adrian não era um amigo, Louisa. Um oportunista, possivelmente. Um hedonista , com certeza. Possivelmente inclusive um demônio. Mas não era de confiança, nem alguém a quem se deva ter afeto. Quanto a seu paradeiro, provavelmente esteja em Veneza ou em mil outros lugares que pareçam dar a boas-vindas às pessoas que são como nós.
—E no entanto, não se unes a eles.
—Sou considerado um rebelde, inclusive entre os meus, Louisa. Eu adotei o confinamento.
—E te oculta em uma caverna para não ser tentado.
Ele se virou para olhá-la de novo. Como sabia isso?
—Penitência, Louisa. Não poderia viver comigo mesmo se matasse de novo.
Ela começou a ficar tensa, como se tivesse se dado conta neste momento do perigo que representava sua presença.
—Matei a meu pai — disse com calma no silêncio. —Não é razão suficiente para ser castigado durante toda a vida?
—Como? —quão diminuta soou sua voz.
—Não tinha aprendido — disse, olhando para o fogo mais uma vez — a controlar minha alimentação. Tudo o que sentia era uma fome voraz, quase uma necessidade profunda na alma de satisfazê-lo — ele procurou sua cadeira, sentou-se pesadamente e bebeu o resto do vinho. —De todos os homens que eu jamais havia admirado, ele era o mais refinado, o melhor. Em um momento, rodeava-me com seu braço e nos ríamos por um potro novo que acabara de nascer, nos felicitando por nossa sabedoria ao comprar o garanhão que o tinha gerado. Em seguida ele estava no chão quase morto, tão pálido como se na verdade lhe tivesse chupado o sangue.
—Poderia ter sido o coração, ou um ataque de loucura, ou mil outras coisas, não necessariamente por sua culpa.
—Acredita que não me perdoei mesmo por uma parte e me culpei por outra? Era assim que minha mãe me animava, mas eu sabia mais. Inclusive quando ele morreu um mês mais tarde, eu sabia mais. Fui eu.
—Não pode sabê-lo.
As palavras saíram de repente de sua alma, pareceram iluminar a estadia com seu próprio fogo:
—Eu o matei, Louisa. Acredita que não pus a prova uma habilidade tão deplorável nos anos seguintes? Tenho que me alimentar de ti para lhe provar isso?
O silêncio parecia pesado, como se contivesse ainda toda sua raiva, a amargura com a qual tinha vivido durante anos, o desejo de ser diferente de como era.
—Se for seu desejo — disse uma voz débil e rouca.
O convite formou redemoinhos em si. O desejo por ela expandindo-se por sua mente, nessa parte adormecida que mantinha acorrentada, trancada e cuidadosamente confinada. Fazia uma semana que havia se alimentado e podia aguentar muito mais do que isso. Durante um certo tempo enquanto houvesse sustento não sentia sede pela essência vital de outros. Alimentar-se da Louisa seria o tipo mais deplorável de roubo.
Baixou o olhar para ela.
—Não sabe o que estas dizendo, Louisa. Nem sequer sua juventude é desculpa para semelhante estupidez.
—Eu não duvido do seu poder, Douglas — disse, lhe olhando com uma expressão que não podia decifrar. —Só ponho em dúvida que foi culpa tua.
—Não é verdade, sabe — disse quase ausentemente. Estendeu a mão e capturou uma mecha de seu cabelo. Enrolou-se ao redor do dedo como se tivesse vida própria. Igual a Louisa, destemida, imprudente, tão desejosa de afeto que colocaria em perigo sua vida. —Não necessito de um convite para tomar o que desejo de outros.
Faze-o Douglas. Acabava de lhe rogar isso.
Não sabes o que estás dizendo.
—E tu não dormes até a noite, porque te trouxe o almoço e estavas acordado.
—Foi um teste, então? —não pôde evitar sorrir. Que inocente era ela.
Ela sacudiu a cabeça, sorrindo também.
—E os outros mitos que me rodeiam, querida Louisa? Posso te converter em vampira simplesmente por mordiscar tua carne? Ou não me refletir? Sabe que as pessoas suspeitam que os vampiros enterram suas cabeças decapitadas e embalsamadas em baixo de suas coxas, assim não podem ver a tampa do caixão levantar?
Ela não falou, aproximou-se até deter-se muito perto dele para sua comodidade.
—Nenhuma dessas coisas é verdade, não?
Sorriu-lhe. Que segura soava, enquanto que houve um tempo em que ele mesmo acreditou em todas essas histórias a respeito dos da sua espécie.
—Qual é a verdade, Douglas? Pode escutar meus pensamentos e controlar minha mente. Vê bem na escuridão e te move rapidamente. Por que então não podes viver entre outras pessoas? Por que vives nesta caverna te castigando por algo que não foi tua culpa?
Já o havia perguntando antes. Tinha-a advertido naquela ocasião. A tentação de fazer o teste com ela era muita atraente. Estendeu a mão e a puxou para ele, tão perto que seus seios estavam apertados contra seu peito. Tinha uns seios formosos, coroados por pequenos mamilos eretos. Podia senti-los aumentando inclusive agora. Ela não disse nada, nem sequer quando ele a atraiu para mais perto, introduzindo uma perna entre as suas, sentindo seu calor através de todas as camadas da roupa. Seus olhos aumentados, seus lábios entreabertos. Um suspiro contido?
Ele inclinou a cabeça, aspirou seu aroma. Cheirava a mulher e a algo embriagador que lhe debilitava. O temor, a confiança e o desejo, todos giravam ao seu redor, lhe aproximando mais para ela, lhe atraindo inexoravelmente para a rede que ela hábil e inocentemente, tinha tecido sem saber.
Suas mãos agarravam seus braços. Podia sentir cada dedo separado, mas não o empurrou para longe. Ele se agachou e acariciou sua têmpora com os lábios, sentindo a quebra de onda de poder em seu interior. Só este momento. Dê-me este momento, Louisa, e te deixarei intacta e a mim mesmo preso no desejo, na necessidade e na saudade. Só um momento.
Seus lábios roçavam sua têmpora, um beijo na testa. Ela tremia sob seu contato, mas não como uma presa ante seu caçador. Estremecia-se, sua intransigente Louisa, pelo assombro e o prazer. Temor virginal.
Seus lábios eram cheios. Ela pensava que ele também os sentia como uma almofada suave e convidativa. Uma necessidade diferente de qualquer outra que houvesse sentido jamais imaginou aproximar-se mais, até que nem sequer suas roupas puderam esconder as mudanças que experimentavam seus corpos. Ela respirava rapidamente, com uma cadência que elevava seus seios para ele repetidamente, pondo a prova sua contenção. Ele não tinha nada que se comparasse a este momento.
Um beijo era simplesmente um encontro dos lábios, não? Um intercâmbio de vacilante fôlego, um tímido saque de línguas? Isso era tudo. Não era uma porta a um lugar proibido, a um escuro jardim perfumado por doces flores e o embriagador atrativo da paixão. Ela era inocente, podia sabê-lo pelo modo como ela suspirava em sua boca, pelo modo como seu coração pulsava com força pelo deleite de um simples beijo. Certamente ela não tinha poder para atraí-lo para mais perto, para lhe infundir temor e florescente desejo. E entretanto, isso era o que ele sentia. Como se não estivesse tirando dela, mas sim ela o estivesse oferecendo, e o presente era muito abundante para absorvê-lo rapidamente. A necessidade lhe alagava.
A quebra de onda chegou tão repentinamente, com tanta força, que tropeçou para trás em seu poder. Era como se o relâmpago lhes tivesse unido durante um segundo, depois rompeu esse laço sobrenatural. Ela desabou em seus braços, esgotada. Em um momento tingido pelo pânico, ele pensou que ela estava morta.
Seus lábios pronunciaram uma oração, mas não a soltou, só a levou a sua cama, a esse nicho solitário que tinha sido testemunha de muitas noites sem dormir e de sua solidão. Deitou-a ali, retirou a manta de lã e a cobriu com ela, colocando uma barreira de tecido entre eles. Sentia como o fogo queimava suas vísceras, jogando faíscas em cada lugar que vibrava com o pulsar, avivando seu coração. Sentia-se satisfeito e cheio de energia. Como se a tivesse consumido e bebido, satisfazendo essa necessidade tanto tempo contida e depois reprimida.
—Louisa?
Por favor, sinto muito. Ela é tão delicada, doce, cálida e celestial, e eu estou tão terrivelmente sozinho. Tinha sido tão fácil, muito. Ele reclinou a cabeça ao lado da cama, desejando poder voltar a viver estes últimos momentos, contendo-se de tomá-la.
Outro momento, outra oportunidade. Deter-se-ia? Teria o poder para afastar-se dela? Idiota. Louco. Por favor, não me converta em assassino. Não de novo.
Ela jazia como uma morta, terrivelmente pálida. Suas mãos recostadas fracamente sobre as mantas, não se movia. Talvez ele devesse desatar seu espartilho, mas não queria aproveitar a oportunidade para tocá-la outra vez. Já era culpado por tanta destruição.
Quando se alimentava, o fazia com pensamento consciente. Abria a mente da pessoa cuja força extraía, bebendo só o que necessitava e deixando a sua vítima cansada, mas não morta. Por que tinha acontecido isto? Porque não se centrou em nada que não fosse esse beijo. Tinha-lhe roubado a razão e despojado de qualquer pensamento consciente exceto a necessidade de posse.
Desejou que ela nunca tivesse vindo a ele, nunca lhe tivesse olhado com esses seus olhos, tão cheios de inocência e confiança. Ela lhes chamavam de cor avelã, a cor não tinha importado, só a emoção que os traía tão candidamente. Pequena inocente. Por um momento, só um momento, ele pensou com compaixão naqueles que eram como ela, sem adornos, transparentes, aqueles que passavam pela vida com seus desejos à vista de todos. Não era preciso estar versado na arte de ver para saber quão sozinha ela estava, para escutar seu coração implorando. O que ela queria? Oh, era muito claro. Abrumadoramente singelo. Ser amada.
Ela tinha um sorriso delicioso, despretensioso. E engenho para rir de sua própria situação. Tinha-lhe feito rir, lhe pondo nomes, lhe reduzindo à aflição e ao desconcerto.
Ele nunca havia se sentido tão vivo como nesse momento.
Roçou o dorso de sua mão com um dedo. Estava quente. Um dedo se mexeu e então a mão dela rodeou a sua antes que pudesse apartá-la.
—Douglas? —uma palavra cheia de fadiga.
—Eu nunca me deitei com uma mulher — disse sem preâmbulos. —Quando fiquei grande o bastante para fazê-lo, já tinha aprendido que podia ferir os outros. Teria sido a maior intromissão, o mais terrível dos atos.
Ele se recostou, estendendo as mãos, aumentando a distância entre eles. Era um antigo gesto de suplica, um que não mostrava armas, nem defesas.
—Não me dava conta de que a paixão podia ser tão poderosa — disse, seu sorriso zombava de si mesmo, arrependido. —Não me dei conta de que te demonstrarias tão completamente desejável.
Ela estendeu sua mão para ele, passando os dedos por seu cabelo, colocando sua palma contra sua bochecha. Ele se afastou.
—Não o faça, Louisa, não quero te causar dano.
Não sejas tolo, Douglas, posso me gabar de ter beijado um vampiro.
—E quase morrer por isso.
—Tens pouquíssima fé em minhas capacidades, se acreditas nisso. Senti-me um pouco estranha, mas já estou bem agora.
—Não te terei em minha consciência.
—E eu não te pedi que o faça.
Ela se sentou lentamente e balançou as pernas à beira de sua cama. Ele podia sentir seu desconforto, sua confusão. Faria-lhe bem ter um momento para si mesma, pensou, ficou em pé e a deixou sozinha.
Podia sentir seus pensamentos mesmo de outra sala, sensível a ela de um modo como não tinha estado antes com ninguém. Tinha sido o beijo? Um momento de união com outra alma, por mais breve que fosse. Havia-lhe mudado de algum jeito? Não seja tolo, Douglas, simplesmente desejava o fim de tua solidão com tal desespero que viu a absolvição em um beijo.
Embora ela fosse curiosamente resistente a apagar sua memória, o faria para protegê-la. Devia fazê-lo.
Inclusive agora, ela não estava assustada. Deveria está, é obvio. Se não pelo conhecimento do que ele era, pela escuridão, pela insinuação de mistério que ele traiu sem querer. Ou pelo poder desse beijo, o poder do coração gaguejando pela mesma paixão. Oh, Deus bendito, que miúdo casal eram. Ele, com o poder da morte em sua presença... ela, com o desejo do amor em seus olhos.
Sussurrou-lhe uma ordem a sua mente. Alguma suplica que não chegou a seus pensamentos com a claridade que deveria. Tinha sido uma experiência tão estranha estar tão perto de outra pessoa sem o medo, o desgosto ou o desespero marcando seu caminho se dando ao o luxo de um contato, permitindo-se beijá-la. Melhor que ela se fosse antes que a pusesse em mais perigo.
—Não me recordará, Louisa — que insólito que essa ordem fosse tão difícil. —Sou apenas um sonho — as palavras pareciam cantar no ar, o ritmo trilhado pelo ar como se as transportasse. Ele enviou mais força nesta ordem. —Foi só um sonho, doce Louisa. Uma fantasia cativante, mas só isso.
Observou como ela se deslizava junto a ele, com um sorriso em sua face, seu olhar não para ele, mas sim para a entrada da caverna. Ele sabia que se examinasse sua mente não encontraria lembranças sobre ele. Nada exceto o sabor do mistério, um indício de escuridão e desejo talvez.
Em um instante, ela tinha se afastado dele, lhe deixando só de novo, protegido do descobrimento e estranhamente mais sozinho do que esteve em toda sua vida.
Capítulo 7
—Acredito que nunca te tinha visto com tão bom aspecto, querida.
—Obrigada, vovô.
—Ouvi que não estas dormindo bem — Arthur Patterson se apoiou em sua bengala e a observou.
Ela sabia que era melhor não tratar de enganá-lo. Seu avô era uma das pessoas mais astutas que conhecia.
—Na realidade, senhor, pareço ter menos necessidade de dormir do que antes —lhe sorriu, o seu riso o fez franzir a testa. Uma reação estranha, mas que ela empurrou para fundo de sua mente.
—Vais cavalgar, então? Parece um dia sombrio para um piquenique.
—O consenso parece ser que se ignorarmos o tempo, senhor, ele irá melhorar.
—Levará uma escolta apropriada, suponho.
—Tenho nada menos que cinco pretendentes ansiosos de me acompanhar esta manhã, senhor.
—Boa decisão, garota. Não terei um neto que não saiba montar. Decididamente isso é pouco inglês.
—Descansas seguro, vovô, não aprovarei a um pretendente sem abundância de talentos aceitáveis — ficou em pé e lhe beijou na bochecha.
Ele observou seu rosto e o seu pareceu abrandar-se. Louisa sabia muito bem que não havia semelhanças com ninguém querido em suas características. Não havia, simplesmente, ninguém parecido na família.
—Sei que é uma época difícil para ti, pequena. Mas o que faço, faço-o por ti. É hora de que te cases e encha o quarto infantil. Não estarei aqui para sempre, sabe, e quero verte assentada.
—Sei, vovô — disse, lhe abraçando.
Ele aceitava poucas vezes esses gestos, mas neste momento o fez. Inclusive estendeu os braços para envolvê-la em seu próprio abraço vigoroso, o que durou uns poucos segundos. Depois pigarreou e retrocedeu, batendo em suas costas com uma mão e com tanta força que a pluma de seu chapéu de montar balançou.
—Já fizestes tua escolha? —perguntou bruscamente— Te dei um ano, menina. Visitam mais jovens dândis a Dorset do que a Londres.
—Eu sei, vovô, e te agradeço pela tua paciência. Escolherei logo.
—Dou-te mais um mês, pequena. Isso é tudo. Se não escolheres, o farei eu. Dois de meus amigos têm filhos aceitáveis. Não teria inconveniente em aparearte com um deles. Farão boas crias, qualquer um dos dois.
Louisa se absteve de mencionar que ela não era uma égua domesticada. A triste realidade é que isso era exatamente o que era. Ela era a esperança de Arthur Patterson introduzir-se entre a nobreza. Com seus recursos poderia comprar um ducado se quisesse, mas ele tinha centrado suas esperanças nela. Ele abraçou rapidamente a visão de sua fortuna nutrindo incontáveis gerações de uma família nobre, sem dar importância nunca ao fato de que sua neta não era nada atraente. A quantidade de dinheiro que estava disposto a oferecer ao seu prometido simplesmente o fazia parecer algo sem importância.
Louisa colocou as luvas, ajustou o véu de seu chapéu e balançou com desenvoltura a sua fusta no ar. Louisa não pôde compor um sorriso, sentia-se desgraçada.
—Acredito sinceramente que veremos o sol em questão de minutos, senhorita Patterson. Esta névoa desaparecerá quando desembrulharmos nossas comidas — o Marquês de Bridgeton parecia obcecado pelo clima, especialmente tendo em conta que tinha sido ideia dela que fizessem um lanche campestre apesar do frio e sombrio dia. Louisa assentiu e sorriu, o que só pareceu lhe encorajar ainda mais. — E a brisa tão aprazível para esta época do ano. Traz-me lembranças das Índias Orientais.
—Pelo nariz do Rei Percy, não nos chateie com essa viagem outra vez.
—Só quero entreter a Senhorita Patterson com relatos de minhas viagens, Damon. Não faz falta que fique sensível só porque não foi para fora da Inglaterra exceto para teu Grande Tour .
—Estou encantada pelas histórias de tuas aventuras, senhor, e estou segura de que a senhorita Patterson também. Rogo-lhe que nos conte isso — Margaret Rocher era meio francesa, a filha de um conde imigrante com uma mulher inglesa. Designou-se a pacificadora dos dois homens, principalmente, pensava Louisa, para poder ser vista como amável, doce e modesta. Não porque desejasse atrair a um dos dois homens. Margaret estava desesperada para atrair a atenção do Lorde Sheraton que também visitava Bainbridge Hall. Lorde Sheraton, havia rumores de que planejava fazer carreira nos círculos diplomáticos e Margaret Rocher tinha decidido que era uma ocasião em que sua herança meio francesa não estaria em seu contrário e seria possivelmente um benefício. O fato de que Lorde Sheraton atraia imensamente às jovens damas e acabou de herdar uma fortuna de seu tio só era prova de que seu instinto estava certo. Louisa a abençoou em silencio por sua intervenção já que tornou desnecessário que ela tivesse que responder aos comentários de seus pretendentes.
Francamente não estava de bom humor para uma excursão, mas era isto ou sofrer pela quantidade de cartinhas que chegavam a sua residência, todas as quais devia responder por medo de parecer grosseira. Outra tarefa que lhe parecia inapropriada hoje.
Era a falta de sono, isso era tudo. Só isso. E os sonhos Louisa?
—Não acha que esse é o lugar mais encantador, Louisa? —O comentário de Ann Martin, a segunda filha do Conde do Cheswick, interrompeu brevemente a necessidade de uma resposta interior. Louisa estava agradecida pela pausa.
Ann estava sempre tão cheia de bom humor que às vezes era difícil estar em sua companhia. Especialmente hoje, quando sua risada parecia vibrar através do bosque como um vento errante, pegando a compostura de Louisa e esfriando-a com sua respiração. Inclusive sorrir parecia muito para ela, mas forçou um em seus lábios, olhando a claridade ao seu redor, com o qual esperou que pudesse ser aprovado. Ela era a mulher mais velha do grupo, em uma idade muita avançada para ser chamada moça e muito jovem para ser chamada solteirona a não ser algo intermédio. Nesse momento se sentia tão velha como seu avô, embora faltando a sua determinação ou ambição.
A única determinação que sentia era sobreviver a este dia, a única ambição era escolher a um de seus convidados como marido. Para fazer com que seu avô e o pretendente escolhido sorrissem com alívio.
E para acabar com isso de uma vez por todas.
Mais uma noite dessas, isso era tudo. Esta noite anunciaria sua escolha ao seu avô. Quem seria? Peter Gregory? Ele tinha uma cervejaria que funcionava mal e necessitava de recursos para fazê-la rentável de novo. Era viúvo, levemente calvo, tinha o temperamento amável e o habito de chupar o lábio inferior. Ou Matthew Higginbotham, que nunca se casou, mas que tinha cinco irmãs e estava desejoso em ajudá-las a subir na escala social. Não havia melhor método do que tendo o dinheiro do reino. Ou o Conde de Somerset, que era uma pessoa encantadora, realmente, embora que havia fofocas de que ele estava desesperadamente apaixonado pela filha de um vigário. Entretanto, ele tinha que fazer um matrimônio de conveniência porque as propriedades de Somerset deviam, a todo custa, ser mantidas. Havia ao menos outros três que poderiam ser apropriados. Nenhum deles, é obvio, era o odioso Harold Minter e nem o seu amigo Charles Wilcox. Esses dois tinham decidido deixar Bainbridge Hall e seus festejos uma vez que se decidiu que Harold não estava mais fazendo parte da corrida para obter sua mão.
Estava tão constantemente cansada das festas, os bailes, as excursões. Não importava mais nada, exceto fingir. Devia escolher a um deles e com sorte, seu escolhido seria um homem com amabilidade inata, que lhe daria um filho e depois a deixaria. Se fosse abençoada, ele se iria gastando os milhões dos Patterson em luxos excessivos.
Se não fosse pelos sonhos, poderia ter sido possível. Mas tinha sido incitada com o que poderia ter sido. Deus querido, só foi um sonho. Isso parecia à coisa mais cruel.
Os sonhos eram só isso.
Alguém estendeu uma toalha no chão e outra pessoa tirou uma cesta de vime. Louisa podia recordar a reprimenda que tinha recebido de Cook por voltar para casa sem uma cesta como essa. Cook não via nada de mau em um pouco de piedosa humildade, não importava que Louisa fosse uma das jovens mais ricas da Inglaterra e pudesse comprar milhares de cestas sem lhe importar o custo.
Sacudiu a cabeça. Cook nunca a tinha repreendido. Nunca havia levado uma cesta da cozinha. Nunca a tinha enchido com bolos, nem maçãs, nem um recipiente térmico de chá.
O amor não se baseia simplesmente nas aparências, Senhorita Patterson.
Uma frase do sonho. Pronunciada por uma voz que ela havia imaginado.
Sou um ermitão porque assim o escolhi, não porque alguém me tenha forçado a me manter enclausurado. Não abrigo um coração quebrado nem um orgulho ferido, Louisa.
Deveria ser capaz de lembrar-se dele tão bem? Como se ela o tivesse retirado de uma tela de desejos e fantasias, desenhando um homem com ela e lhe soprando sua própria respiração em seus pulmões tornando possíveis todas as coisas que ela desejava dele. Divertido e compassivo. Amável e forte. Arrogante? Oh, sim, era-o.
Não pensará em mim, Louisa. Só um sonho. Que estranho que ela ainda pudesse ouvir sua voz, podia-o recordar tão bem quanto podia escutar os sinos da capela de Bainbridge, repicando só nos dias importantes para a família. Esta voz era como eles, musical, grave e pressagiando que ela não poderia evitar todas e cada uma de suas palavras.
—Louisa?
Uma voz lhe chamando a devolveu ao presente, ao bosque e a claridade, onde vários pares de olhos estavam voltados para ela. Ela seguia montada enquanto todos os outros estavam em pé. Aceitou a ajuda do Major Bentley, ajeitou-se bem a saia e lhe permitiu que amarrasse seu cavalo junto aos outros. Era consciente dos olhos posados sobre ela enquanto se sentava na manta, aceitava um copo de limonada e se forçava a sorrir.
A conversação parecia girar ao seu redor, salpicada com a suave risada de Ann e os solícitos comentários de Margaret. Uma voz de barítono se mesclava com uma voz feminina, uma voz mais baixa, intercalada com o som das gargalhadas.
Ele recuou para trás de uma árvore, o repentino movimento tão sutil como o ar sobre o fogo do cozinheiro, um sopro de brisa, isso era tudo o que parecia. Uma névoa sem importância ante os olhos, isso era tudo.
Em vez de participar da conversa, ela parecia sozinha, uma alma isolada, intacta e intocável. Nem sequer parecia parte deles, como se houvesse algo em sua natureza que a colocasse à parte. Não era por seu aspecto. Na realidade, não desluzia entre as jovens belezas que a acompanhavam. Mas era seu coração o que lhe preocupava, o estado de sua mente que parecia gritar sua confusão inclusive até onde ele estava. Como podiam seus acompanhantes não escutar seu coração? Parecia gritar tão alto e tão suplicante...
Ela ficou em pé e, em meio à conversa, caminhou até o topo da colina, detendo-se ali para observar a paisagem ante ela. Parecia como se fixasse em tudo, estudando-o como se fosse uma fotografia exposta para ser apreciada e julgada. Dia nebuloso em Dorset, feito pelo artista, o Grande Criador.
O que estará pensando... Amaldiçoou esse pensamento inclusive enquanto aparecia em sua mente. Não deveria desejar sabê-lo.
Mas, ah, o fazia.
Era um dia de aspecto triste, cheio de névoa e de estranhas lembranças. Escutou as gargalhadas e se sentiu como se ela pertencesse à névoa, não ao grupo vivo que estava atrás dela. Mas bem, ela se sentia invisível na maioria das vezes. A maioria das pessoas estavam contentes para lhe deixar ser sua anfitriã e depois ignorá-la completamente, como se sua presença não fosse mais importante do que a de um lacaio ou uma criada. Reconheceram seu afastamento ao mesmo tempo em que percebeu que lhe davam as boas-vindas. Pelo menos nesse momento.
Apertou suas mãos em frente a si, olhando fixamente as onduladas colinas e o vale coberto pela neblina. Parecia como se estivesse à deriva em uma nuvem e sem pensar muito, poderia fingir que permanecia sozinha na beira do mundo, exceto pela névoa que se aproximava lentamente.
Que fantasia. Era só por que estava cansada. Muitas noites sem dormir, com medo de mergulhar em um chão que sentia mais real do que este momento.
Acostumou-se a dormir só umas poucas horas por noite, depois permanecia tombada, acordada e inquieta até o amanhecer. Uma noite, tinha vagado até a biblioteca e o mordomo, pensando que era um intruso, tinha despertado a toda a casa. E agora todos sabiam, especulavam e a examinavam. Sonhava Louisa com um amante? Estava desanimada e perdida de amor?
Mais perdida pela confusão e desejando algo que nunca tinha conhecido. Abraçou-se pela cintura e observou a prateada neblina. Sentia-se como se estivesse dormindo quando estava acordada, como se as horas do sonho fossem as únicas reais. Um sonho, isso era tudo o que era. Só um sonho. Porém um doce paraíso, um proibido.
Se lhe perguntassem qual era o momento mais importante de sua vida, teria que responder que havia sido a parte de um sonho. Que triste essa admissão. Um beijo. Um cheio de emoção, não simplesmente o roce de outros lábios sobre os seus. Mas sim uma insinuação de paixão, uma palavra que pensou que nunca conheceria, uma emoção que nunca tinha esperado sentir. Tinha sonhado com um homem beijando-a, e tinha parecido tão real que de vez em quando tocava os lábios para sentir se estavam machucados.
Nem sequer esgotar-se parecia deter a dor. Como se este momento exato de solidão fosse real, uma lança em seu peito, uma adaga entre suas costelas. Poderia morrer por isso?
Não, claro que não, mas poderia desejá-lo.
Que classe de mente criava algo tão proibido? Era ela malvada? Estava abençoada com uma natureza libertina? Ou uma imaginação muito vívida que deveria imaginar essas coisas só em sonhos? Realmente os homens e as mulheres sentiam essas coisas um pelo outro? Ou esse tipo de coisas ocorriam só no escuro mundo dos sonhos? E que classe de pessoa era ela que tinha criado um companheiro imaginário com um segredo tão vil? Um vampiro, Louisa? Nem um duque, nem um conde, nem um barão. Nem sequer um cavalheiro sobre um cavalo branco, São Jorge em sua jornada, armadura brilhante e o rosto resplandecente com retidão e paixão por estar em uma missão divina. Um homem da escuridão, um instrumento de Satanás, um homem que sussurrava de sua inocência, que tinha o poder da vida em suas mãos, que a fez desejar estar nua e retorcendo-se por seu contato. Que classe de mulher conjurava um herói como esse, um amante de sonho?
Uma escandalosa, talvez até mesmo depravada.
Podia a solidão te deixar louca?
Douglas se retirou e fechou os olhos.
O que tinha feito?
Desejou que ela se detivesse. Isso, ou que deixasse de condenar a si mesma. Doía-lhe escutá-la, era quase uma agonia sentir cada lágrima não derramada. Enviou-lhe um pensamento, sabendo que seria inútil. Ela estava tão rodeada de seu próprio desespero que não o ouviria.
Se pudesse lhe dizer que não estava sozinha, que ele compartilhava de seu desejo e confusão. Amaldiçoou a si mesmo no silencioso momento em que o pensou. Não é tua culpa, Louisa. Não é por tua inocência. Não és tu.
Capítulo Oito
—Tu és um salgueiro na pista de baile, Louisa.
—Obrigada, Senhor Adams.
—Não posso dizer quando havia desfrutado tanto, de verdade — disse, enxugando a testa.
O pobre homem suava abundantemente e parecia necessitar mais de um refresco do que voltar para a pista de baile. Quando ela recusou seu convite, ele quase teve um colapso de alívio.
—Não posso imaginar o que ocorreu a meu filho — disse, procurando ansiosamente entre a multidão.
O baile estava muito lotado. Havia muitos convidados em Bainbridge Hall, inclusive o salão de baile estava cheio a transbordar. Quase todos os que tinham sido convidados tinham comparecido para se vangloriarem de ter visto as famosas maravilhas do palácio que é propriedade de Arthur Patterson, ou para estudar à herdeira.
Louisa se abanou, perguntando-se como poderia evitar outra tentativa clara para casá-la. Todo mundo sabia que o Senhor Adams era um homem encantador, um cavalheiro justo e o capaz arrendatário das Granjas Mittleborough. O fato era, entretanto, que andava escasso de dinheiro. E o Senhor Adams tinha um filho para casar, que por desgraça, era um caipira grosseiro. Era trinta centímetros mais alto e sessenta mais largo que Louisa e costumava sorrir de um modo que era mais cruel do que agradável. Ela só havia trocado uma palavra com o Jeremy em toda sua vida e tinha sido "Desculpe" quando ele tinha tratado de abordá-la na Sala de Jogos esta tarde. Se não houvesse ocasião de lhe ver de novo, não sentiria falta dele. Perturbava-a. Não, assustava-a um pouco, com esse costume de observá-la e esse estranho sorriso.
É uma mulher estranha, Louisa, assusta-te quando não deveria e mostras coragem quando deveria estar aterrorizada.
—Perdoe-me, Louisa, disseste algo?
De novo um sonho? Louisa, estas acordada.
Sacudiu a cabeça, tratou de sorrir e murmurar uma desculpa antes de escapulir-se. O Salão de Baile, com seu teto curvado e pintado, o chão revestido de madeira e painéis de tela dourada, ocupavam quase todo o primeiro andar. Cruzou-se com vários casais em seu caminho para a grande escada. Era uma característica arquitetônica de Bainbridge Hall que realçava casa. Tinha dois patamares, já que a escada se curvava para unir-se consigo mesma no segundo andar e depois se elevava para um outro andar.
Caminhava muito rapidamente para o que mandava o decoro, mas tinha muita pressa para fazer o que realmente lhe importava. Tudo o que queria era fazer a Cook uma pergunta que tinha estado rondando sua mente toda a tarde.
Cook estava supervisionando o jantar da meia-noite, uma grande refeição que era oferecida a todos os convidados e que equivalia a uma refeição de seis pratos. O pessoal da cozinha não pareceu excessivamente surpreso de vê-la, inclusive com seu encantador vestido de baile branco e prateado. Tinha sido uma visitante assídua desde que era menina.
—Claro que me lembro da cesta, Senhorita Louisa — Cook virou-se e pôs a mão de repente sobra a tábua do pão. Polvilhou a farinha no ar. A massa pareceu encolher-se em rendição sob seus punhos. —Uma de minhas favoritas. Tinha pequenos anéis trançados por dentro para os guardanapos e as demais coisas. Não procurou e a encontrou?
—Não — disse Louisa. —Pode recordar se por acaso pedi um piquenique naquele dia?
—Bom, foi a apenas uns quinze dias, não? Acredito que tenho boa memória para isso. Quis bolos e maçãs. E meus bolos de carne, mas não tinha terminado de assá-los. No seu lugar levou várias fatias de meu assado de vaca — seus olhos eram penetrantes e viam tudo. —A quero de volta se a tiver. Não é normal em ti ficar distraída e esquecer as coisas. Mesmo que esteja apaixonada.
Havia malícia em seus olhos agora em lugar de intensidade e uma risada tola vinda dos fundos da casa pareceu acompanhar o seu olhar de quem sabe tudo. As pessoas de Bainbridge Hall desejavam desesperadamente uma história de amor que fosse das felizes.
E o que ela podia lhes oferecer? Um sonho que depois de tudo talvez não fosse um sonho.
Ao invés de retornar ao Salão de Baile, dirigiu-se ao redor da casa até a parte traseira, para o salão matinal, aonde as portas que iam do chão até o teto se abriam para um terraço.
O vento pareceu saudá-la, enviando folhas espalhadas através do caminho empedrado. Louisa colocou a mão na lateral de um dos leões de pedra que se encontravam sobre uma base de pedra olhando para os jardins do sul e além de Hodge Hill. Era quase meia-noite, muito tarde inclusive para considerar aventurar-se além de Bainbridge Hall. Mesmo até para investigar uma caverna que podia não ser parte de um sonho afinal de contas.
E para comprovar se um ermita vivia ali?
—Douglas? —o nome soou como uma invocação, um rogo sussurrado— me Salve desta loucura. Permita que seja real. Que tu sejas real.
—Era para que não se lembrasse, Louisa.
Virou-se e ali estava ele, vestido tão esplendidamente como qualquer um dos homens lá de dentro, com cores escuras que pareciam compensar a neve brancura de sua camisa e da gravata, só seu rosto permanecia nas sombras.
—Não o fiz, durante muito tempo.
Caminhou até ele e pela luz das velas dispostas no salão matinal, pôde ver que ele ficava tenso. Estendeu uma mão para tocar sua manga, depois a afastou, apanhada em seu próprio ser de uma forma em que nunca tinha estado antes. Ela não tocava a outros por causa do decoro. Não tocou a ele por sua solidão autoimposta. A barreira estava ali, tão evidente que quase podia vê-la. Mas o desejo de fazê-lo estava ali e sabia que ele podia ouvi-lo. Desejava poder ver seu rosto, descobrir se seu sorriso era tão suave como sua maneira de falar ou se seu olhar era tão doce.
—Lançou-me um feitiço, Douglas, um para que não te recordasse?
—É muito obstinada para acatar, evidentemente.
—Então, por que estas aqui, vestido tão magnificamente?
—Continua muito obcecada com as aparências, Louisa — disse.
Ela riu, surpreendendo a si mesma. Parecia que a alegria tinha faltado em sua vida durante muito tempo.
—O que te faz sentir tanta alegria?
—O fato de que não foi um sonho, depois de tudo. Recordo-te me dizendo isso, em muitas ocasiões. Como se sentisses pouco apreço pelas boas aparências.
—Serias feliz se fosse formosa?
—É parte de seus poderes?
Ele riu a gargalhadas, mas ela sentiu que não ria dela, mas sim das circunstâncias, da sociedade que a tinha moldado, levando-a ao ponto de fazer perguntas absurdas com tanta esperança.
—Não, Louisa, não o é.
Desejaria ser bela, só para ser igual a ti.
—Oh, Louisa, não podes me ver. Só acredita que podes, porque transmiti o pensamento a tua mente. Vê o que quer ver. Não o que é real. Na verdade, eu sou mais sombra do que matéria.
—A menos que te alimentes.
—Nunca deveria ter te contado isso.
—Por que o fez?
Ele sorriu.
—Porque tens a estranha habilidade de escutar, Louisa, e há muito poucas pessoas que o façam. Um atrativo verdadeiramente apaixonante, especialmente para um ermita que teve pouquíssima companhia.
—E, no entanto, escutas os pensamentos dos outros com tanta facilidade, que não acredito que tua solidão autoimposta seja pesada.
—E isso também, recordas muito facilmente. Se tivesses um pouco de bom senso, apreciarias tua ignorância e a teria como uma capa sobre ti.
—Muito bem, Douglas. Considerar-te-ei um desconhecido. Um que se aproximou de mim em um momento de reflexão. Desconhecido, qual é seu propósito?
—Lhe inculcar bom senso, acredito. Carece-te completamente de decoro, Senhorita Patterson. Aqui voltei para ti por que somos como desconhecidos.
Ele estava certo, não estava pensando corretamente. Se ela tivesse sido uma dama formal, teria fugido dele na primeira vez que lhe conheceu. Não teria retornado uma segunda vez, cativada e encantada por uma voz na escuridão. Nem estaria tão agradecida por sua presença agora, pela paradoxal normalidade dele. Não havia falsidade em Douglas. Ele não proclamava que ela era perfeita ou encantadora, nem lhe dizia que sua voz era tão formosa que parecia rivalizar com a dos pássaros.
Os músicos estavam tocando uma balada preciosa. Perfumava o ar com o som, parecia emparelhar o jogo das folhas sobre a pedra, o vento que soprava entre os ramos dos olmos e carvalhos.
—Não posso evitá-lo, Douglas. Estou feliz.
Ele não disse nada, simplesmente parecia estudá-la. Ela sorriu com tanta vontade que o sorriso pareceu estender-se até a ponta dos pés, expandindo-se em seu interior com uma calidez que fez desaparecer inclusive o frescor da brisa dos finais do verão.
—Vim te fazer uma pergunta — disse Louisa. —Uma que é fácil de responder.
Ante seu silêncio, ela sorriu.
—Não é justo, Douglas. Tu podes adivinhar meus pensamentos, mas eu não tenho nem um indício dos teus.
Tu podes me ouvir, Louisa. Mas não disse as palavras em voz alta e era quase como se ela as tivesse imaginado.
—Dançarás comigo, Louisa?
—Tu danças, Douglas?
—Para alegria do meu professor de baile, posso te assegurar que sim.
Ela elevou seus braços, lhe dando boas-vindas com um sorriso.
Ele lhe bateu levemente no nariz com a ponta dos dedos.
—Não deveria ser tão imprudente, Louisa. Ao menos deveria perguntar se é seguro fazê-lo.
Nesse momento, ela recordou tudo.
—Tu não me farias mal.
—E tu não devias ser tão confiante.
—Então, é seguro, Douglas?
—Por um tempo breve. Uma dança, talvez.
—Uma valsa?
—Desafia ao destino e aos costumes sociais, não? —Ele estendeu sua mão esquerda, ela pôs sua mão direita nela. Inclusive assim, ambos usando luvas, puderam sentir um formigamento quando suas palmas se encontraram.
Como se ele tivesse ordenado, os músicos começaram a tocar uma valsa, tons melodiosos tão puros envolvendo a escuridão que era como se a própria doçura lhes desse voz. Suas saias se ondulavam ao redor das pernas dele, enquanto a fazia girar na escuridão para sua esquerda, depois de volta para a direita. Inclusive o som das folhas pisadas sob seus pés parecia o acompanhamento perfeito para este momento.
Nenhum dos dois falou, atentos à música, ao silêncio, à paz da noite, estranhamente acompanhados pelos dois leões de pedra mirando. Sorriam os leões? Ou vigiavam a qualquer intruso que pudesse perturbar esse momento? Ou era tudo simplesmente uma fantasia estremecedora, encantadora e realmente maravilhosa?
—Vem alguém — disse Douglas, detendo-se junto ao corrimão de pedra.
Não lhe perguntou como sabia. Ele era algo que ela não era, abençoado com poderes que ninguém mais possuía, versado em um mundo que era imaginação para ela, que por uns poucos minutos, permitiu a si mesma esquecer.
Seu avô se deteve do outro lado das portas olhando fixamente para o terraço.
—Me deixes, Douglas — disse, por que ele havia dado um passo entre ela e as portas do terraço. Não queria que ele tivesse que dar explicações sobre si mesmo, responder perguntas que seriam muito diretas e difíceis.
Ele olhou para baixo para observá-la.
—Realmente deves deixar de pensar em mim como em uma de tuas causas, Louisa.
—Douglas — pensou nas dificuldades que sobreviriam se seu avô a encontrasse sozinha no terraço com um desconhecido.
Douglas suprimiu um sorriso e caminhou para onde as sombras pareciam mais profundas.
—Muito bem, Louisa.
Quando ele se foi, fundindo-se com as sombras em uma piscada, teve a absurda sensação de que ele teve a intenção de lhe dizer algo, de adverti-la ou possivelmente de tratar de convencê-la de novo de que ele não era a não ser um sonho. Mas parecia como se tivesse mudado de opinião no último momento e o pensamento flutuou no ar como um suspiro. Um de resignação. Ou talvez simplesmente de aceitação.
Arthur Patterson enxugou a umidade de seus olhos. Não estava tão afetado pela pena que havia caído sobre ele ante o espetáculo como estava agora pela raiva. Durante muitos meses, tinha permitido a Louisa assumir a liderança. Ela tinha evitado suas perguntas e murmurado desculpas cada vez que tinha tentado fazê-la escolher a um dos infernais jovens que estavam sempre girando ao seu redor.
Eles estavam ali, acima das escadas, bebendo seu licor e dançando ao som dos músicos que tinha contratado, à luz de mil velas, rindo e desfrutando totalmente a suas costas e o que ela estava fazendo?
Correndo pelo terraço dançando consigo mesma. Seus braços elevados como se realmente estivesse dançando com um homem alto, um sorriso tolo em seu rosto que o fez desejar chorar e gritar ao mesmo tempo.
Bem, tinha-lhe dado muito tempo. A decisão agora era dele. Seria ele quem deveria escolher seu parceiro, e o faria.
Afastou-se da porta e se dirigiu a sua biblioteca, onde fechou a porta de repente, com tanta força que o busto de algum obscuro imperador romano caiu no chão, quebrando-se.
—Vai-te — disse, fazendo um gesto para o lacaio presente que tinha aberto a porta e inclusive agora estava tentando limpar o desastre.
O dinheiro podia comprar muitas coisas em sua vida, pensou. Ao menos a eterna companhia dos criados pagos que insistiam em estar sempre à disposição de alguém inclusive quando preferia estar sozinho.
Serviu-se de uma dose de brandy, sentou-se bruscamente atrás da escrivaninha, e começou a rabiscar nomes em um papel. Para que quando esta semana terminasse, Louisa tivesse um marido. Não mais tolices.
Capítulo 9
Era possível sentir-se enfeitiçado?
Durante os dias seguintes, Louisa se escapulia tão frequentemente como podia de Bainbridge Hall e ia à caverna. Se Douglas tinha alguma dúvida, a guardava para si. Era um interlúdio perfeito, no qual parecia que até mesmo o tempo passava com bendita preguiça. Enquanto os convidados dormiam pelas manhãs, ela escapava à caverna. Enquanto eles dançavam durante as noites, ele lhe esperava no terraço. Às vezes dançavam de novo, outras simplesmente se sentavam no escuro do jardim ou lhe mostrava os lugares onde ela jogava, a cerca de sebes do buxo onde estava acostumada a esconder-se, a árvore que tinha desejado subir.
—O faria agora? —Ele lhe provocou uma noite.
Ela tinha respondido ao sorriso em sua voz com um próprio.
—Agora sou muito mais formal, senhor.
—De verdade o é, Louisa? —e quando o perguntou, dessa maneira, ela se perguntou se o era.
Os dias chegaram a ser quase mágicos, uma existência à parte tão formosa e tão rara como um diamante amarelo. Ela aprendeu que ele detestava de verdade carne de qualquer espécie e que inclusive evitava os peixes e as aves. Que as maçãs eram a sua fruta favorita. Ele faria, proclamou, qualquer coisa por uma torta de maçã, assim lhe levou uma no dia seguinte, tendo que mentir a Cook para consegui-la e sem sentir nenhum remorso por fazê-lo. Entusiasmava-lhe ler e aprender, e Louisa lhe trouxe alguns dos romances mais recentes e alguns trabalhos científicos incluídos na última remessa que veio de Londres. Seu avô já não abria a maioria das grandes caixas de mercadorias, alegando que os olhos lhe incomodavam e que a letra era muito pequena. Louisa tinha enchido uma bolsa de viagem de palha com os livros e os havia trazido para Douglas.
Às vezes falavam de arte, às vezes de literatura. Ele a acusava de ter gostos plebeus. Ela replicou dizendo que ele era muito arrogante. Descobriu que ele estava notavelmente informado a cerca dos acontecimentos políticos e do mundo. Trouxe-lhe as primeiras cópias do novo Observer e lhe comunicou que a proposta para a abolição do comércio de escravos tinha sido levada ao Parlamento. Discutiram sobre Shakespeare e Bacon, e sobre As Bodas de Fígaro de Mozart, uma de suas favoritas e a que ele detestava.
Era um tempo fora de tempo. Um interlúdio especial no qual nenhum deles discutiu sobre seus passados em comum nem sobre seus futuros separados. Era como se estivessem congelados no momento, fantasmas de si mesmos, enviados para desfrutar de um mundo que eles tinham criado das névoas da alvorada e da magia do crepúsculo.
—Me diga como foi quando menino — lhe perguntou um dia e ele lhe sorriu.
—Como qualquer outro menino, acredito. Eu adorava pescar, tinha um grupo de soldados de chumbo com os quais jogava constantemente e me escondia de minha babá quando podia.
—Não tinha companheiros de jogos?
Ele sorriu de novo, um sorriso terno e nostálgico.
—Não havia meninos perto de minha casa e eu era filho único. Às vezes penso que minha infância me preparou para passar minha maturidade sem pessoas. Não me importo tanto como uma pessoa que tenha estado acostumada à companhia.
—E entretanto, evita inclusive a aqueles que são iguais a ti.
Ele ficou em pé, caminhou até o fogo, atiçou-o com o ramo que havia trazido e recortado para esse propósito. O fogo lhe perfilava, deixava-lhe menos na sombra do que ele desejava.
—Eu não quero acreditar que somos iguais, Louisa. Eles cultivam mitos sobre nós que fariam empalidecer a uma pessoa racional.
—Como os não-mortos?
—Ou pior. Como tendo o poder de converter a alguém em vampiro lhe mordendo. Ou sendo possível viajar no tempo.
—Que estupidez.
Ele a olhou.
—Não descartes essas tolices, Louisa. As pessoas acreditam no que elas desejam. Mesmo sendo contra todas as leis da natureza. É simplesmente mais fácil do que tentar entender.
—Considerastes alguma vez que haja outros iguais a ti na sociedade, Douglas?
Ele franziu a testa, movendo o pau. Mais brasas voaram, mas ele pareceu alheio a isso.
—Ou melhor ainda, Douglas, que alguém na sociedade queira que tu te integres a ela.
Esse comentário incitou um franzir da testa ainda maior.
—Pense nisso, Douglas — lhe disse, animada pelo pensamento. —Ser capaz de analisar a mente do inimigo seria muito útil na guerra. E ser capaz de controlar os pensamentos de alguns pode ser perfeitamente maravilhoso nas circunstâncias apropriadas.
—É uma romântica, Louisa, inclusive por pensar que semelhante coisa seria possível. Te destes conta dos efeitos prejudiciais relacionados a minha presença?
Não me fazes mal.
E a cada momento, prometo a mim mesmo que nunca o farei.
—Não posso dizer que não esteja desiludido, minha menina.
—Sinto muito, vovô.
—Porque eu estou — disse, como se não lhe tivesse ouvido. —Não sou considerado um homem paciente, Louisa — se sentou em sua cadeira com braços em forma de garra, em sua mão direita segurava com força sua bengala com punho de ouro, um enfático golpe no piso atapetado acentuava cada palavra. —Eu não economizo no cuidado e na alimentação de metade de Londres enquanto eles passeiam para cima e para abaixo para sua análise, pequena.
Golpe, baque.
—Mas perdi toda a esperança de que tu escolhas a um deles como marido. Especialmente — golpe, golpe, — desde que me deu razões para acreditar que o faria imediatamente.
—Pensei que poderia fazê-lo vovô — tinha sido mais fácil adiar a decisão do que tomá-la. Não queria pensar no matrimônio.
—Portanto — disse, ignorando-a de novo, — eu escolherei por ti.
Continuou com seu anúncio, enumerando todos os atributos de seu futuro marido como se ela não estivesse ali sentada, estupefata.
—Faremos o anúncio esta tarde, Louisa, e as proclamações serão lidas em três semanas.
—E eu não tenho nada que dizer sobre isto, vovô?
—Dei-te quase um ano, Louisa. E em todo este tempo não escolhestes. Demônios, menina, dei-te todas as oportunidades!
Ficou em pé, não era bastante complacente para permanecer sentada diante da escrivaninha de seu avô como o era quando era uma menina, assustada e esperando ser castigada.
Não havia nada que pudesse dizer. Ele tinha razão, certamente. Havia sido mais do que paciente. Não era culpa dela que não tivesse encontrado alguém que quisesse olhar além de seu aspecto, à pessoa que era. Que quisesse falar com ela e escutá-la, que discutisse de política ou lhe perguntasse sua opinião. Ninguém como Douglas.
Ele não disse nada quando ela saiu pela porta e fugiu.
Durante muito tempo, para Louisa não parecia uma caverna, mas sim um escuro e perfumado lar fechado contra a intrusão do sol, protegido dos elementos da natureza, inclusive das estações. Em algum lugar, o som da água e depois o ruído do ar como se a própria caverna respirasse profundamente.
—Douglas?
—Por que estas chorando? —perguntou detrás dela.
Virou-se e ali estava ele, tão imóvel que poderia ter sido parte da escuridão.
—Não o faço.
—Posso sentir tuas lágrimas, Louisa. Inclusive as ver.
As enxugou com o dorso da mão.
—O que está errado? —perguntou enquanto a tocava. Veio um som e em seguida uma luz fraca. Para animá-la, para fazê-la se sentir mais confortável. Fazia coisas como essa constantemente.
—Não sou um santo, Louisa. Não me converta em um em seus pensamentos.
Ela apartou o olhar e ele se agachou para acender o fogo. Um sentimento de irrealidade caiu sobre ela, como se cada ação separada já tivesse acontecido. O ensaio para este momento, este dia? Ele ficou em pé e esfregou as mãos contra as calças. Não podia ver seu rosto, mas pressentiu que ele não estava contente com sua presença. Ou talvez isso não fosse totalmente verdade. Talvez tivesse captado seu pensamento, sua desafiante e selvagem ideia, e inclusive agora se preparava para a petição que suportava. Não era uma emoção que recebia dele, mas sim uma tensa cautela, como se ele fosse um animal enjaulado aguardando o momento de escapar. Um pensamento estranho. Pensava ele nela como sendo uma carcereira então?
—Não somos carcereiros o um para o outro? —disse suavemente, sem virar — Nos colocamos restrições em nós mesmos em um esforço para sermos civilizados e ao fazê-lo, limitamos qualquer originalidade da conversa, as ações, inclusive o vestido. Uma mulher é elogiada por ser original, mas só é se for a mais espetacular de algum tipo de beleza. Um homem deve imitar um certo estilo ou é considerado um simples. E entretanto, choramos por nossos heróis, pelos que se atrevem a ser diferentes, por se distinguirem da multidão.
Seu humor parecia estranhamente triste, mas a pouco havia pensado isso dele. E às vezes, realmente sentia que ela poderia dissipar essa tristeza, lhe fazer sorrir e o fazia. Por um tempo muito breve.
—E onde teríamos que encontrar a nossos heróis, Douglas?
Ele se virou e se aproximou. Seus dedos retiraram as mechas de cabelo de seu rosto. Um gesto de ternura, muito íntimo e paralisador. Pareceu parar seu coração e fazê-lo palpitar de novo, tudo em um fôlego.
—Nos escritores possivelmente ou nos cientistas. Ou talvez em um de cada reino da vida. Um lorde, uma dama, um santo e um pecador. Não podemos todos ser capazes de heroísmos de vez em quando?
—Eu nunca o fui.
—Não fique tão desconsolada, Louisa. Tu és a maior das heroínas, por transpassar a guarida das Gorgonas . Por invadir o lar de um vampiro e pretender lhe tirar de seu santuário. Por que estas aqui?
—Vão me casar.
Ele continuou estudando-a. Ela apartou o olhar. É obvio que ia se casar. Era como funcionava o mundo. Mas ela tinha esperado muito tempo pondo esse momento em último lugar, atrasando o inevitável. O homem que seu avô tinha escolhido não era uma má pessoa, de todos seus pretendentes era possivelmente o mais aceitável. Estava na casa dos trinta, dizia-se que era estudioso, um homem que só tinha estado uma vez em Bainbridge Hall e depois não havia voltado. Era um vizinho que tinha conhecido a seu pai e talvez a ela mesma há muito tempo, quando era uma menina e ele não era muito mais velho. Não tinha defeitos, dizia seu avô, não esgotaria seu capital e falavam que ele tratava bem seus cavalos e seus serventes, certamente não havia dúvida de que trataria igual a sua esposa.
Douglas se afastou.
—Parecia o melhor lugar para ir — disse ela simplesmente.
—E é o pior lugar, Louisa. Não posso mudar seu futuro para ti. É por isso que veio? Para que possa mudar a mente de seu prometido? Ou a de seu avô?
—Eu não te pediria isso.
—Então o que me pede?
—Já pensaste alguma vez em casamento?
—Brincamos com o desastre, Louisa, como duas crianças dançando ao redor de uma fogueira, conhecendo o perigo e a ameaça, sem ver nunca que a consequência de fazê-lo pode ser uma oferenda. O tempo de brincar veio e se foi, ambos temos que superar nossa infância.
Ela sentiu surgir à raiva, rapidamente se conteve. Não o suficientemente rápido, no entanto, porque ele pressentiu isso. Sentia sua raiva momentânea e fugaz.
—O que é isto, Louisa?
—Pensei que fosse meu amigo — se virou afastando-se, as saias de seu vestido formavam redemoinhos em seus tornozelos enquanto se dirigia apressadamente para a entrada da caverna.
—Louisa!
O grito foi tanto uma ordem como uma suplica. Ela apertou os punhos fechados, depois se virou e lhe encarou.
—Não posso me casar com ninguém, Louisa. Tu entre todas as pessoas deveria sabê-lo.
—Por que não? Estamos juntos com gosto. Nós rimos e conversamos.
Espontaneamente, ele recordou de um beijo e de um baile na escuridão.
—Não sejas tola.
—Não sou uma menina, Douglas. Conheço meu lugar no mundo, minha obrigação para com meu avô. Sei que as mulheres como eu devem casar-se. Inclusive as que são feias como eu. Posso ser a senhora de um castelo, organizar e preparar um jantar de gala para cinquenta. Estou preparada para dar a luz a tantos meninos como Deus veja adequado me dar, para lhes amar, lhes criar e lhes deixar partir quando for o momento — podia escutar a estridência em sua própria voz e se forçou a respirar fundo várias vezes. —Tinha pensado, entretanto, que haveria alguém que me apreciaria pelo que sou e não pelo que tenho ou o que poderia lhe outorgar.
—Eu te aprecio, Louisa.
—Então te cases comigo, Douglas. Por favor. De modo que possa dizer que meu amigo é também meu marido. De tal forma que talvez na escuridão possa esquecer meu aspecto e pensar só que sou divertida, inteligente ou amável.
—Te esqueces do que eu sou?
Avançou para ele, toda ideia de ir embora foi esquecida.
—Sei que é um homem que não procura a companhia de outras pessoas porque teme lhes fazer mal. Que acredita que está amaldiçoado porque é diferente. Mas que é inteligente, engenhoso e amável.
—Um vampiro, Louisa. Amaldiçoado desde nascença.
—Obtém tua energia de mim, então, Douglas — disse, estendendo as mãos com as palmas voltadas para cima. —Com muito gosto serei teu sustento se for o que necessitas.
—Desejas com tanto desespero escapar do matrimônio que escolhes morrer em seu lugar?
—Não tenho sentido nenhum dano.
—Porque tomei cuidado para não fazê-lo.
—E não poderia ser cuidadoso se estivéssemos casados?
Ele sacudiu a cabeça e se afastou dela.
Ela abaixou as mãos para seus flancos, permanecendo tão rígida que sentia como se tivesse sido amarrada a um encosto. Piscou rapidamente, permitindo a seus olhos vagar pela caverna, às escuras exceto por uma vela que lhe piscava. Não era que tinha se humilhado. Era que tinha se afundado mais profundamente do que esse miserável sentimento. Estava tão inundada de vergonha que parecia cobri-la. Não podia respirar.
—Não é o que estas pensando, Louisa — disse, voltando-se. —Não é por teu aspecto. É a total loucura de tua sugestão. Não posso me casar. Nasci diferente. Acreditas que traria para o mundo um menino como eu?
—E eu estou segura de que é por tua perda pelo que chora tua mãe, Douglas, não por teu nascimento. —E como sabes que seria assim? Não tens esperança?
Tu tens muita para os dois, Louisa.
Ele estendeu a mão. Ela fugiu da mão e dele, desejando poder deixar sua mente em branco tão facilmente como ele parecia lê-la.
Capitulo 10
—Oh, senhorita Louisa, este tom pêssego fica precioso. Não achas?
Assentiu, depois forçou um sorriso.
—E este cabe. Bem, acredito que deve ter levado quase um ano para às freiras fazê-lo. É tão delicioso, como uma rede que uma delicada aranha tivesse tecido — Hester Marston o estendeu. Era quase transparente, mostrando a palma que o sustentava.
—É realmente bonito — disse Louisa.
A costureira resplandeceu pelo êxito. Louisa não duvidava que o vestido de baile fosse excelente. Além disso, a matronal solteirona tinha recebido uma comissão para fazer o enxoval de Louisa, o equivalente aos ganhos de um ano. Sua loja da aldeia era pequena e escassamente capaz de dirigir o fluxo dos negócios, mas neste ponto Louisa tinha sido inflexível. Não quis fazer seus vestidos em Londres. Nem quis contratar a alguns dos refugiados nos quais se falava que tinham atendido ao deposto monarca francês e sua corte. Algo sem adornos e simples era tudo o que necessitava e se Hester Marston se beneficiava de seu desejo de moderação, melhor.
Esta noite se anunciaria seu compromisso. Reuniu-se com o Senhor Dunston duas vezes. Ele parecia muito cortês. Não duvidava que se dariam bem. Poderiam talvez chegar a sentir afeto depois de um tempo. Ela, possivelmente, lhe perguntaria se gostava de poesia e talvez ele a surpreenderia dizendo que sim e citando uns poucos versos de um poeta que ela não conhecia. Ou talvez lhe perguntasse por sua opinião sobre os problemas na França e ele, certamente, lhe contaria como se sentia, lhe dando bastante informação para que ela compreendesse seu ponto de vista, mas sem forçá-la a estar de acordo com ele. Talvez. Era possível. Tudo era possível... inclusive um mito que vivia nas sombras, ria de seus temores, falava francês e alemão e fazia brincadeiras por seu caráter provinciano.
O silêncio ensurdecia. Os sons, não da habitação, enquanto Hester e suas ajudantes se ajoelhavam para lhe fazer a bainha, segurando, medindo e voltando a segurar. Nem sequer de fora, se podia ver bem por cima da pequena elevação das costureiras. A chegada de outra carruagem. O fim da temporada em Londres. Um último baile em Bainbridge Hall. A herdeira escolheu. Quem será? Pobre tolo rico, que obteria uma fortuna e uma cruz para levar nas costas ao mesmo tempo. Não. O som que sentia falta em sua companhia era o dele em sua mente. Um pensamento errante que podia captar às vezes desde além da colina em uma caverna escondida por trás de uma rocha. Uma advertência, um pequeno toque de humor, um comentário interrogativo. Esfumaçaram-se, como se ela nunca tivesse sido perceptiva ao som de seus pensamentos. Quando havia começando a perceber que era verdade, que podia lhe escutar tão bem como ele a ela? Não importava agora. Não importava agora. Diga-o de novo, Louisa e talvez se torne verdade.
Sentiu uma sacudida no peito, como uma imagem dele que pareceu deslizar-se em sua mente. Douglas, tão forte, tão atraente, tão sozinho. Ele estava indo. Tinha certeza. Agarrou com força o corpete de seu vestido, começando a remover os alfinetes.
—Senhorita Louisa!
—Sinto muito, senhorita Marston, mas tem que me ajudar a tirar isso, seus dedos voavam, enquanto uma das aprendizes se agachava rapidamente e a outra recolhia a toda pressa os preciosos alfinetes.
—Mas a prova...
—Não me importa. Por favor, me ajude.
—Mas temos pouco tempo, Senhorita Louisa. O baile é amanhã à noite!
—Realmente não me importa, senhorita Marston.
Arregaçou a saia para cima e a tirou pela cabeça, deixando-a caída e abriu a porta do guarda-roupa. A costureira e as duas ajudantes a olhavam boquiabertas. Supunham que estava se comportando de maneira muito estranha, mas tinha que encontrar Douglas.
Uma das ajudantes se adiantou e lhe atou os laços de seu vestido favorito de dia. A agradeceu, hesitando na porta, perguntando-se se deveria tentar lhes explicar a urgente necessidade de sair correndo.
A risada a afligiu ao pensar na história que poderia lhes contar, o ridículo que seria falar sobre Douglas, a caverna, de ter escutado sua voz despedindo-se no mais terno dos murmúrios. Quem duvidaria da maioria dessas coisas? Não importava, porque não tinha intenção de contar-lhes, de contar a ninguém.
Acendeu a vela que ele mantinha para ela na entrada da caverna. Mas não disse seu nome nem anunciou sua presença. Não precisava anunciar-se, ele sabia que estava ali pelo repentino estado de consciência que sentia. A vela modelava sinistras sombras sobre o curvado teto da caverna. Uma brisa que entrou pelo tubo da chaminé quase apagou a pequena e desafiante vela. Era suficiente para ver o baú aberto, os livros esparramados sobre a mesa, as superfícies de pedra onde ele tinha posto seus tesouros. Dois baús mais fechados, suas correias de couro apertadas sobre o conteúdo volumoso.
—Então é verdade.
—Aumentou tua habilidade para me escutar, Louisa. É um talento que não considerava tão facilmente transferível.
—Aonde vai?
—Longe. A algum lugar. Onde seja. Importa o destino?
—Sim — se deu conta de que lhe tinha surpreendido tanto por sua resposta como por sua veemência. —Quero imaginar-te em algum lugar em minha mente, Douglas. De maneira que poderei te dizer bom dia ao amanhecer e boa noite quando for lua cheia.
Ele se virou.
—Queria que nunca tivesse se recordado.
Era crueldade? Não, só a verdade.
—Eu também, Douglas. Teria sido muito menos doloroso.
Foi como se suas palavras lhe ferissem, mas não podia ser assim. Os vampiros não sentiam dor, nem pena, nem a perda, nem o arrependimento.
—Ou a esperança, o desespero ou a solidão, Louisa? Coloques-me na mente de Shakespeare, Louisa. Eu não sou mouro, mas sangro com habilidade.
—Escolhe o que serias, Douglas. Não podes ser as duas coisas, parte da humanidade e entretanto te afastares dela. Queres ser algo mais, mas foges de tudo.
—O que sabes disso, Louisa? Intromete-te em minha vida. Aventura-te aqui durante algum tempo e depois volta para seu o lar como se fosse uma aventura visitar um vampiro. Por que, Louisa? É sua própria vida tão malditamente monótona que deseja a aventura, cercar o perigo? Ou só porque tu desejas me chamar de amigo, para ter uma novidade que ninguém mais tem. A herdeira com uma nova diversão — pela primeira vez o via zangado, a fúria da qual lhe tinha falado, mas nunca mostrado.
—Por que estas fazendo isto, Douglas? —liberando sua própria raiva — Deste modo podes te afastar e não sentir nada? Assim te asseguras que não podes ser tratado a não ser como se fosse um animal? Os animais vivem em cavernas, Douglas. É isso o que queres ser, na verdade? Ser livre para te alimentar do que queiras? Livre para te banhar em sangue. E todo o tempo, chorar em voz alta aos céus para que mostrem misericórdia pelo que é.
—Tu não sabes, Louisa. Mantenha-te em silencio a respeito de coisas das quais não sabes nada — estendeu os braços sobre a rocha, abaixou a cabeça entre eles.
Não deveria ter vindo, era evidente pela forma com que a tinha recebido.
Olhou o fogo, antes que a ele. Que estranho que lhe tivesse mostrado seu desgosto, estava zangado, no entanto, não se sentia tão mal como quando tinha escapado de Bainbridge Hall. Possivelmente porque ele tinha sido honesto em suas emoções, a havia tratado como se fosse uma pessoa, não simplesmente uma cara feia. Ao menos a tinha aceito, sem querer mudá-la, sem lhe dizer que alterasse sua postura, seus vestidos ou seus modos. Ao menos Douglas viu como ela é por dentro, seus desejos, sonhos e complexidades, a verdadeira Louisa.
A luz do fogo esquentava a caverna, iluminava seu perfil, projetava sombras sobre seu rosto. Inclusive sem vê-lo, podia sentir seu semblante. Que estranho que não se sentisse desconcertada por esse olhar.
—Por que estas aqui?
Havia muitas mentiras que poderia lhe contar para explicar sua presença.
—É o único, Douglas? O único que deseja andar entre outras pessoas? Ou há outros, que se educaram e foram pelo caminho difícil, que se levantam a cada dia inseguros de suas habilidades, mas desejando provar todas do mesmo modo?
Um passo a mais, as mãos a alcançaram, agarrando-a pelos ombros e sacudindo-a, até que deixou cair à vela e a lançou longe, apagada.
—Não podes ser o único, Douglas. Pensaste-o alguma vez?
—O que queres de mim, Louisa? Não posso ser teu marido. E já não me agrada ser teu amigo. Farias-me retorcer-me sobre um espeto por ser o que sou? Os dedos se arrastaram pelas ombreiras de seu vestido de dia, acariciando sua nuca. Suas palmas estendidas para acariciar os lados de sua face, cravadas sobre suas bochechas enquanto os dedos roçavam seus lábios. Tudo com raiva, com pena, com uma espécie de indefeso medo.
—Douglas?
—Sim, Louisa? —um suave sussurro, um sopro de fôlego sobre sua testa.
—Estas me tocando, Douglas.
Deteve-se um tempo durante um momento? Deu a impressão de fazê-lo. Ele não emitiu nenhum som, não se moveu, mas ela pôde pressentir a mudança dele, como se toda a raiva tivesse suavizado e adoçado para converter-se em prazer. Suas mãos tremiam. Podia sentir o movimento como se o chão se balançasse abaixo dele. Estendeu as mãos e cobriu os dedos dele com os seus. Só um leve tremor, um formigamento agudo que sentia como se tivesse levado uma ferroada de abelha cravada na mão e depois arrancada. Isso era tudo.
Ele respirava? Virou-se e ele deu um passo para trás, sustentando a mão no ar como se previsse sua aproximação. Ela sabia que era melhor que não lhe tocasse agora. Era como se nos breves últimos momentos ele tivesse mudado, convertendo-se em alguém a quem deveria temer. E ainda havia algo mais, algo que não podia decifrar em sua expressão. Ou havia sido... um sentimento de alegria tão profundo que tinha parado seu coração por um momento.
Ele não se moveu quando ela se aproximou. Permaneceu tão quieto como uma pedra quando ela estirou as mãos e tocou sua face com um dedo. Um teste. Nada. Só a sensação de pele cálida sob a ponta de seus dedos. Ele era uma estátua, completamente sem emoções, exceto pelo lento subir e descer de seu peito. Medo ou algo mais? A palma em sua bochecha, os dedos percorrendo seu cabelo até a testa. Nenhum momento de dor, nenhum sentimento de esgotamento. Nada. Exceto pela sensação de ser surpreendentemente atrevida, de assombro, poderia ter acreditado que ela mesma era indecente e insensata. Mas ela sentia algo, um calor profundo em seu interior, como se um pequeno sol morasse em seu estômago, esquentando tudo ao seu redor, criando um oásis tão brilhante que não poderia evitar de ser visto e sentido. Ou estava sentindo o que sentia Douglas, como se algo houvesse se dissolvido e fundido em seu coração? Algo que lhe havia impedido de estar com outro humano, que lhe havia negado o contato com outra pessoa.
Ela se aproximou mais um passo e embora ele não tenha lhe dado boas-vindas, tampouco evitou seu avanço. Só permaneceu como estava, quieto e aceitando, como se não se atrevesse a acreditar que era verdade. Ela curvou a mão ao redor de sua nuca, sentindo a suavidade de seu cabelo, os adiantados músculos de seu ombro sob seu punho. Avançou um pouco e elevou os lábios, ficou nas pontas dos pés elevando a boca até que só ficou a uma polegada da dele. Saboreou o fôlego dele em seus lábios, o suave som de um suspiro ou gemido, ou a liberação do desespero contido.
Ele estendeu as duas mãos com uma brutalidade que a surpreendeu, agarrou-a pelos braços e a puxou para ele, inclinando a cabeça e envolvendo seus lábios em um beijo diferente do primeiro. Neste beijo não parecia lhe preocupar que ela não conhecesse os sentimentos que percorriam seu corpo. Não cortejava, roubava. Havia calor, medo, surpresa e maravilha, tudo isso envolto em uma caixa de ouro brilhante amarrada com laços escarlate. Um presente, por causa da falta de atenção da natureza, talvez por bondade do céu ou um milagre tão raro que nunca antes foi dito ou escrito.
Ou uma aberração no tempo, uma isca para um imprudente.
—O que é isto?
—Deves ir — disse, sua voz áspera e sem seu habitual tom melodioso.
—Devo?
—Faça-o, Louisa.
Ela escutou a cacofonia de sua mente enquanto copiava a ordem com seus pensamentos. Afasta-te, Louisa. Deixe-me. Agora. Era tão forte como um grito que ela cambaleou ante isso, confusa.
Não o vê, pequena idiota? Não sabes o perigo no qual te colocastes?
Tu não me farias mal, Douglas.
Pequena tonta. Não tem nem ideia, não?
—Não tomando tua energia vital, Louisa — disse em voz alta, —mas sim roubando tua inocência.
—Não podes roubar o que te é devotado livremente.
Apertou as mãos, esperando que sua voz não soasse tão trêmula como se sentia.
—Oh, Douglas, não te afastes de mim.
Suas palavras lhe seguiram na escuridão, no negro infernal da caverna, mas ele não se virou, não voltou.
Parecia uma proeza muito grande manter-se em pé, então se deixou cair no chão entre uma nuvem de saias. Tinha sido uma louca, uma completa idiota. Reprimiu as lágrimas, secando das bochechas as que não a tinham obedecido. Não era verdade, nada. Não tinha encontrado um santuário neste lugar. Na realidade ele não se preocupava com ela. Não havia o sentimento de camaradagem e amizade que ela tinha imaginado, não lhe tinha interessado conhecer o que havia dentro de seu coração nem em seus pensamentos. Ele não precisaria eliminar suas lembranças nem apagar estes dias na névoa. Ela mesma os suprimiria. Haviam sido pouco mais que um capricho. E a humilhação havia sido muito grande para pensar nela, inclusive para suportá-la.
—É muito severa em teus pensamentos, Louisa. Quase nunca é amável contigo mesma.
Percebeu-a afastando a cabeça, mas ele ignorou. Ajoelhou-se em frente a ela, agarrando suas mãos, as apertando entre as suas. Era a primeira vez que ele tinha sido capaz de tal coisa. O pensamento veio a ela em ondas de sentimentos, tão doces que pareceram impregnar seu coração. Abaixou a cabeça e cobriu seu rosto com as mãos dela, sua respiração cálida contra sua pele, suas lágrimas mais quentes.
Só desejava te proteger, Louisa. Não te ferir.
Por favor, não me deixes.
Ele não respondeu. Ela não podia ouvir nada em seus pensamentos e ele não falava. Ficou de joelhos, tirando suas mãos de seu confinamento, as estendendo para sentir seu rosto, as maçãs do rosto. Seus polegares encontraram os lábios dele, agindo como guias para ela. Foi só o terceiro beijo de sua vida, ajudado pela habilidade de um coração tão cheio que se transbordava em lágrimas. Ela já não era uma novata quando se afastou, retirando-se do poder desse beijo com o coração palpitando e a respiração irregular.
Já não era uma aprendiz, mas sim uma mulher apaixonada.
Por favor, Douglas.
Só ouvia o som do coração dele, pulsava com tanta força que impedia que ela ouvisse o seu próprio. Deslizou suas mãos desde seu pescoço até seus ombros, seu peito, colocando a mão no lugar onde pulsava seu coração. Não era estável, nem inabalável, mas sim batia com tanta força que sua pele parecia vibrar contra sua palma.
Por favor, Douglas.
Ele pareceu suspirar. Expulsava toda sua dor? Ou submetia-se a magnitude de seus pecados? Por que ficou em pé e a ergueu em seus braços, sustentando-a com tanta força entre seus braços como se ela fosse a mais especial das cargas e o mais frágil dos pacotes?
Só quando ele alcançou sua cama, nesse quarto de pedras que ele tinha feito a mão, deteve-se e a baixou posando-a sobre a cama. O hedonismo incluso aqui. O luxo dentro de uma caverna de pedra. Um pensamento errante, mas que ele captou e lhe enviou de volta com um sorriso. O melhor para agradar a uma herdeira.
E então, no momento seguinte, ele a advertiu, esquecendo-se de qualquer frivolidade. As palavras que disse ricochetearam contra a pedra que lhes rodeava, que lhes escondia dos distúrbios e de serem descobertos.
—Tu estas segura, Louisa? —diga-me isso agora a não ser que esteja.
E apareceram em sua mente uma multidão de imagens, pedacinhos de lembranças frequentemente rememoradas e inclusive mais intensamente revividas. Todas de Douglas. Sempre sozinho, eternamente à deriva, para sempre solitário.
—Sim, Douglas — disse. —Estou segura.
Há momentos na vida que são tão perfeitos que são recordados até a morte. Esse tempo na negra caverna, com a escuridão sendo ao mesmo tempo um estorvo e uma bênção. Douglas parecia feliz explorando-a lentamente, enquanto Louisa se consumia esfomeada. Não pelo gozo, nem sequer pelo sentimento, mas sim por uma carícia, um consolo, um beijo e mais. Não lhe preocupava as convenções, nem a moralidade, nem a vergonha de ser uma herdeira feia. Sentia-se como um diamante, desenterrado e cheio de barro, sendo polido para sua própria perfeição. E eram as mãos de Douglas as que a preparavam para essa beleza, quem soprava sobre sua pele, beijava seus seios e a acariciava onde ela tinha proibido tocar-se pelas recomendações de sua babá. Foi Douglas quem a sustentou quando chorou pela dor disto e depois por sua beleza. E finalmente foi Douglas quem se afundou entre seus braços e a tomou, enquanto lhe sussurrava palavras até que seu coração se acalmou e sua pele se esfriou.
Capítulo 11
Londres estava cheia de gente. Muita gente, pensou Douglas, enquanto se sentia empurrado na estrada. Era como se a cidade fosse uma grande besta que respirava até quase lhe sufocar.
É só por que estas acostumado a estar só Douglas. Com somente tua própria companhia.
Louisa.
Apagou o pensamento de sua mente, irritado de que ela surgisse tão facilmente. Quantas vezes hoje havia dito a si mesmo que tinha que esquecê-la? Dez, vinte? Pois bem cem, Douglas.
Ela não desapareceu com a facilidade que ele tinha esperado que o fizesse, sempre estava na periferia de seus pensamentos. Pois bem, ela sempre tinha sido teimosa, inclusive desde a primeira vez que a conheceu.
Sou muito boa me escondendo dos outros, esta é provavelmente a razão pela qual soube que estavas aqui. E agora, Louisa? Escondes seus pensamentos dos outros com mais facilidade do que o faz comigo?
Não. Ele não estava aqui para isso. Não desejava pensar em Louisa Patterson. Nem agora nem em um futuro previsível. Talvez uma vez quando tiver chegado ao Continente se permitiria recordá-la, como um doce que lhe tivesse sido dado como prêmio por seu zelo. Não agora, especialmente não agora quando precisava alimentar-se.
Odiava essa parte de si mesmo, odiava a necessidade de fazê-lo. Seria mais fácil simplesmente permitir-se escorregar para o nada, chegar a converter-se no que mais temia, uma sombra, um espiral, uma lembrança frágil e inconsistente de si mesmo. Uma tolice na realidade, mas a fome estava ali, a necessidade estava ali, essa estranha dor que só se podia apaziguar roubando algo que não lhe pertencia.
Louisa.
Não, maldição! Seu protesto foi mental, mas tão forte que vários transeuntes detiveram seu caminhar. Olharam ao seu redor, como se estivessem procurando a fonte desse grito aflito e depois voltaram de novo a caminhar, sacudindo suas cabeças.
Não deveria ter tomado sua inocência, mas seria uma lembrança que lhe sustentaria durante o resto de sua vida. E a culpa. Isso também duraria durante seus anos mortais. Talvez até além se os de sua classe eram dos que se convertiam em fantasmas. Na realidade, seu conhecimento de si mesmo provinha de fontes falsas, de contos horrorosos que haviam sido coloridos com loucuras, aquelas histórias compartilhadas por Adrian com alegria.
É o único, Douglas? O único que deseja andar entre outras pessoas? Ou há outros, que se educaram e foram pelo caminho difícil, que se levantam a cada dia inseguros de tuas habilidades, mas desejando provar todas do mesmo modo?
Ela não ia, era incapaz de silenciá-la. Isto era o pagamento por lhe roubar aquilo que nunca deveria ter compartilhado. A inocência, a esperança, a fé nele.
Considerastes alguma vez que haja outros iguais a ti na sociedade, Douglas? Ou melhor ainda, Douglas, que alguém na sociedade queira que tu te integres a ela.
Maldição. Não era a Louisa a quem amaldiçoava, mas a si mesmo.
—Senhorita, Louisa?
—Sim, Annabelle?
—Não poderiam comer um pouquinho? Cook certamente me dará uma bofetada se devolver a bandeja com seu chá, sem que tenha provado um bocado. E seu avô me deu ordens estritas para que comesses.
—Realmente não tenho fome, Annabelle — se virou no assento da janela, sorrindo para a jovem donzela. —Mas, por favor, comas algum dos bolos. Desse modo, nem Cook nem meu avô se zangarão conosco.
—Oh não poderia, senhorita.
Havia um olhar de horrorizada fascinação no rosto da criada. Louisa lhe estendeu o prato. Annabelle agarrou dois dos bolos de frutas e pôs um no bolso de seu avental. O outro o comeu lentamente e com grande gratidão.
—São os sonhos de novo, senhorita?
Louisa só sorriu. Não havia sonhos, só o fluxo de emoções que a mantinham sem dormir e perto das lágrimas em cada minuto do dia.
—Bom — disse Annabelle, recolhendo a bandeja, —todos dizem lá em baixo na cozinha que as noites de insônia talvez seja algo para devotar-se, senhorita, pela mudança em tua aparecia —a jovem donzela parecia chocada. —Oh, sinto muito, senhorita.
Louisa ficou apenas ligeiramente intrigada.
—Minha aparência? —O nariz não tinha diminuído de tamanho, nem os dentes tinham retrocedido em sua boca e a última vez que tinha se olhado, a testa estava tão larga quanto alta.
—É só que parece como se o sol estivesse justo atrás de sua pele, senhorita. Algumas mulheres utilizam chumbo , mas depois lhes saem esses grãos de aspecto horrível para seu efeito. Eu disse a Cook que tu não utilizarias mascara de beleza. Perdoe-me, senhorita — Annabelle fez uma reverência depois da porta, tão ansiosa para sair como uma raposa no início de uma caçada.
Louisa olhou fixamente para além dela, um pouco desconcertada por esse discurso improvisado, o bastante para levantar-se de sua letargia e caminhar até sua penteadeira. Pegou o espelho de prata e se olhou nele. Seu rosto lhe devolvia o olhar, era disforme, ainda difícil de olhar, mas era verdade que sua pele parecia especialmente luminosa.
Devolveu o espelho a penteadeira, virou-se e caminhou para o espelho de corpo inteiro, onde estudou seu vestido, acostumada a manter seu olhar cuidadosamente afastado de sua face.
Estudou seu aspecto. O vestido de cor pêssego claro era muito bonito, realmente. Um pouco baixo no decote, mas não mais do que ditava a moda. Usava as pérolas de sua mãe, convenientes para uma mulher solteira, embora não uma donzela.
Uma vez, teria dado com gosto todo o seu dinheiro por uma face formosa, por apanhar um homem olhando-a, possivelmente inclusive sorrindo-lhe. Por ver alguém deter-se enquanto falava com outro para seguir com os olhos seu progresso através da habitação. Não com surpresa, nem repulsão, nem brincadeira. A não ser com a apreciação masculina.
E agora, tudo isso não parecia importar.
Louisa escutou os murmúrios enquanto cruzava o salão de baile e não os considerou. Não podia, entretanto, ignorar os curiosos olhares dirigidos a ela. Abaixou a vista para seu corpete, descendo discretamente a mão pelas costas do vestido. Tudo estava bem. Então por que todo mundo a olhava fixamente? Parecia tão perturbada como se sentia? Não. Havia praticado seu sorriso no espelho durante quase uma hora.
Desejou sinceramente que não a olhassem, quase tanto como desejava que essa noite passasse para poder voltar para seu quarto. Depois, passaria o resto da noite chorando. Parecia realmente a única coisa que sentia vontade de fazer.
Apesar de tudo, ele a tinha abandonado. Apesar da tarde anterior, o prazer, a completa alegria exultante, a havia deixado. Mas se negava a pensar que havia feito algo vergonhoso ou escandaloso.
Por favor, Douglas, não me deixe. Um rogo que não tinha resultado numa resposta dele. Nada. Ele poderia ter sido na verdade uma sombra pela emoção que tinha mostrado. Ele nunca voltaria e ela sempre estaria sozinha com apenas as lembranças.
—Estas pronta, pequena? —seu avô lhe sorriu carinhosamente.
Louisa lhe devolveu o sorriso, perguntando-se se os convidados reunidos teriam ideia do conflito em seu coração ou o difícil que era fingir nesse momento.
Seu avô fez um gesto para chamar a atenção. Os músicos captaram o sinal, a melodia continuou um par de minutos para acabar detendo-se gradualmente.
—É uma grande honra para mim, queridos convidados, lhes anunciar que minha neta Louisa acaba de comprometer-se.
Um alvoroço de vozes, uma pequena gargalhada, uma manobra de pessoas aproximando-se para captar o nome do afortunado e recentemente rico prometido. O Senhor Dunston se moveu por detrás de seu avô e Louisa lhe lançou um sorriso brilhante e completamente falso. Ele não tinha a culpa das circunstâncias e ela não podia tolerar que fosse ridicularizado pela falta de entusiasmo de sua noiva.
—Por isso, eu gostaria que se unissem para declarar os melhores desejos para Louisa e o seu prometido.
Estendeu a mão para agarrar a manga de Alan Dunston e fazer com que se adiantasse. Nesse momento a multidão perdeu interesse pelo que ocorria ante eles, a favor do que acontecia entre eles. Era a coisa mais estranha, pensou Louisa, mas era como a descrição da parte do Mar Vermelho da Bíblia. Simplesmente todos eles recuaram para a parede, deixando o caminho livre para que a mais magnífica das criaturas fosse observado em toda sua elegância no vestir.
Ele deu um passo para fora das sombras, à luz proporcionada por milhares de velas. Era mais alto que a maioria dos homens, vestia cores escuras. Sua pele era pálida, mas não mais que a daqueles que cultivavam tal palidez e revelavam uma disposição aristocrática. A natureza, que a tinha dotado com erros de gerações, tinha dado só atributos de beleza e força para ele. Sua face era a de um homem que tinha vivido e tinha experiência de vida, cujas emoções brilhavam em seus olhos. Maçãs do rosto altas, detalhes que se complementavam com outros, o cabelo tão negro como a escuridão.
Ela soube quem era imediatamente.
É incrivelmente atraente.
E tu ainda estas muito obcecada com o físico, Louisa.
Se isso era real para ela, também o era para os outros, especialmente para as mulheres que olhavam fixamente para Douglas como se ele fosse um doce e elas meninas famintas. Ela sorriu, desta vez como um gesto de gozo. Podia sentir a vergonha dele, o desejo de que olhassem para qualquer outra parte. Por um momento seus pensamentos a entretiveram, substituindo a curiosidade e o deleite por ele estar aqui.
Ele não respondeu as perguntas formuladas em sua mente, não falou até que chegou a lado de seu avô.
—Senhor? —disse, enquanto fazia uma pequena reverência, depois estendeu sua mão a Louisa.
Ela, desconcertada, pegou, lhe permitindo que a aproximasse para ele. Uma mão fez um gesto aos músicos, que obedeceram em silêncio. Então, sobre o murmúrio de uma valsa, dançou com ela. Daqui para lá, com um ritmo aprazível que se estendeu pelo salão de baile, criando um oásis que lhes guarnecia da curiosidade.
—Que casal mais chamativo.
—... poderia ser amor?
—... nunca o teria adivinhado.
—Acredito que tenha feito algo, embora não sei o que é.
—É uma nova maquiagem.
—Não me tinha fixado em seu sorriso até agora.
—Seus olhos sempre tiveram essa cor verde?
Louisa escutou os comentários murmurados, os cochichos. Algo um pouco parecido com uma gargalhada floresceu em seu interior e formou um amplo sorriso em seus lábios. Seu olhar encontrou o dele, um brilho satisfeito em seus olhos refletia seu próprio regozijo.
—Nunca vais me deixar sozinho, verdade Louisa? Seus pensamentos vão estar para sempre em minha mente, mesmo se eu os quiser ali ou não, certo?
Ela piscou, depois lhe disse a verdade.
—Isso espero, Douglas. Com todo meu coração, isso espero.
—Podia te escutar de Londres, sabe. E provavelmente poderia te haver sentido desde Veneza.
—Talvez.
—E alguma vez teria parado de me enlouquecer com tuas perguntas ou de me desafiar, não?
—Não, Douglas — admitiu. —Não acredito que parasse alguma vez.
—É melhor render-se —disse brandamente, —quando tu me ultrapassas com armas.
Ela piscou para ele.
—Posso escutar teus pensamentos, Douglas, mas não posso ver na escuridão. Nem posso me mover tão rapidamente igual a ti.
—Mas conseguiste a habilidade, Louisa, de controlar minhas ações só com um sorriso. Casaras-te comigo, Louisa?
Sim, Douglas.
E vários dos reunidos se perguntaram pelo sorriso que trocaram.
Capítulo 12
—Não havia me dito que foi Conde — se abanava com o documento de casamento.
—É por isso que decidiu aceitar minha oferta?
Ela sorriu.
—Certamente. O vovô sempre desejou emparentarse com a nobreza.
—Meu primo não pensará muito bem de mim por reaparecer, especialmente por que se supõe que morri na Itália.
—Mas pensa na felicidade que sentirá tua mãe, Douglas.
Ele acariciou com um dedo o nariz dela.
—E essa é a única razão pela qual te casastes comigo? Por que sou a única pessoa a quem podes tocar?
—Seus olhos são tão solenes, Louisa. Dá-te medo minha resposta?
—Francamente, sim.
Ele ficou em pé, deu a volta pela escrivaninha que tinha sido testemunha da assinatura de seu contrato matrimonial e a abraçou.
—Não me vistes apertando a mão de seu avô?
—Bem sim — disse, sem protestar quando ele baixou a cabeça e depositou um beijo em sua têmpora.
—E não bati nas costas do teu Senhor Dunston como consolo por ter perdido semelhante prêmio como esposa?
—Francamente, Douglas, faz-me sentir como um javali no qual tu fosses o primeiro a abater.
Pôde sentir sua risada, e ele não era muito sutil a respeito de seu sorriso. Demorou um momento para dar-se conta do que lhe perguntava.
—O que mudou?
—Não tenho certeza, Louisa — disse, recuando, — mas é como se tivesse maior poder de controle. Talvez tenhas razão, Louisa, e eu possa usar meus talentos para algo melhor do que me esconder em uma caverna.
E talvez tenhas razão, Louisa, de que eu não tenha tido esperança suficiente. Talvez haja outros como eu e haja coisas que eu possa fazer com minhas habilidades.
Ela apoiou a bochecha contra seu peito.
Lágrimas, Louisa?
Em lugar de responder ou reconhecer seu pensamento, escapou de seu abraço, juntou as mãos e depois se virou. Esta pergunta era muito difícil de fazer, muito difícil de escutar sua resposta. Se ele mentisse, ela saberia.
—Por que eu, Douglas? —Poderias escolher a qualquer uma do grupo que há depois desta porta, qualquer uma das convidadas, e qualquer mulher se teria considerado afortunada.
—Louisa — disse, o tom de sua voz tão cheio de ternura que ela fechou os olhos.
Por favor, Louisa.
—Como é que pensas em ti mesma como feia, Louisa? —Seu dedo acariciou seu ombro. Inclinou-se e depositou uma série de beijos por toda a curva da nuca.
—Não o penso, sei. Vejo-me no espelho todos os dias. — Apesar de desejá-lo. Não é uma visão que eu goste.
—Mas o que tu vês é só o que é medido por outros, Louisa. Vê seu nariz muito largo. Por que, porque a moda dita detalhes delicados apenas visíveis entre bochechas arredondadas? E seus dentes são brancos e perfeitamente formados — lhe retirou uns cachos que tinham ficado sobre sua testa. —Um perfil como o teu era muito apreciado na Grécia Antiga, onde uma testa alta representava um sinal de uma grande inteligência. E uns olhos como os teus, especialmente quando me olham como agora, devem ser apreciados mais do que como simplesmente azuis ou marrons. Podem ter uma tonalidade diferente segundo teu humor.
Finalmente ela se afastou, mais irritada do que envergonhada.
—Fiz um inventário completo de todos os meus detalhes, Douglas, não necessito que tu faças um.
Ele a virou de forma que suas costas se apoiasse nele. Só então ela viu que estavam virados para a janela e que a noite mais à frente atuava como um espelho. Teria se afastado, mas ele não permitiu, sustentando seus ombros fixamente no lugar enquanto ambos se observavam fixamente nele. Parecia quase intolerável, sua face junto a sua escura beleza. Fechou seus olhos contra a visão.
—Acredito que deves fazer, Louisa. Olha a ti mesma — disse, com a voz muito perto de sua orelha. —Abre os olhos e olhes de verdade a ti mesma.
Havia algo em sua voz, algo enriquecedor, cheio de humor e de algum modo promissor. Ela piscou, depois entortou os olhos, então abriu os olhos, vendo a si mesma sem surpresa e nem ansiedade.
—Quero que te veja como eu a vejo — disse, apertando-a contra ele. Não era nem correto e nem pudico, mas era ardentemente desejada, tal aproximação com ele. Permitiu a si mesma aconchegasse contra ele enquanto ele a observava fixamente por cima de seu ombro, desafiando-a com seus olhos a olhar mais além.
—Seus olhos, Louisa, são ternos. Não vi avareza neles, nem egoísmo, nem raiva. Só compaixão e perdão. Inclusive por alguém como eu — ela piscou, olhou-lhe e depois afastou o olhar. —Seus lábios jamais disseram uma mentira exceto pelas que diz de ti mesma — outro olhar, outra expressão. —O cabelo não é simplesmente castanho, mas sim há ao menos cinco cores nele, do dourado ao vermelho até uma cor que recorda aos carvalhos que há perto de minha casa. Brilham a luz do sol, desejo que veja quanto — ela podia sentir o rubor em suas bochechas, o calor dos dedos até as clavículas. Centrou a atenção nos preciosos olhos dele, não na forma da boca enquanto formulava as palavras. Isso a faria pensar em coisas nas quais não deveria. Pensamentos não muito virginais e reticentes. —E tua pele, Louisa, é de cor pêssego, delicada, radiante e suave.
Ela observou seu reflexo, e por um momento, um breve e brilhante momento ao olhar de esguelha deu a impressão de que havia outra mulher ali de pé. Uma mulher com um suave resplendor ao seu redor, com faíscas nos olhos e um sorriso tão radiante como o sol. Um homem parado detrás dela, um homem cuja beleza só refletia a dela, que desfrutava de seu calor e o devolvia.
—E o amor, Louisa? Não podes vê-lo? —virou-a, olhando-a diretamente nos olhos, agora nublados pelas lágrimas — Não posso te prometer um futuro livre de dificuldades. Se tivesse algum bom senso, afastar-me-ia de ti e de seu coração exposto. Mas descobri que prefiro acreditar em um mundo melhor do que me esconder longe e dizer a mim mesmo que não era para mim. Talvez haja outros como eu. E talvez haja um modo de que eu possa viver neste mundo. Ajude-me a encontrá-lo, Louisa.
E dessa vez, quando se beijaram, não foi só com anseio, antecipação e desejo. Foi com alegria, brilhantismo, elegância e pureza.
Epílogo
Ao contrário dos contos de fadas, nos quais a felicidade eterna é uma constante, viver a vida que sempre tinha desejado não era uma tarefa fácil para Douglas. Havia vezes em que se desesperava pelo que era, caindo em um estado de animo sombrio do qual só Louisa podia lhe tirar. Mas sempre havia compensações por cada tempo sombrio. A primeira vez que ele teve a seu filho nos braços foi um. O descobrimento de outro como ele, um homem que ajudava a seu país trabalhando no Ministério de Assuntos Exteriores foi outro.
Douglas escolheu converter-se em alguém indispensável para seu país em tempo de guerra, principalmente como assistente de Arthur Weslley. Louisa, uma esposa ardente e fiel, mãe de três filhos, nunca se separava de seu marido, utilizando seus nada insignificantes recursos para construir um quente e acolhedor oásis de paz em qualquer lugar para onde sua família devesse viajar. Além disso, a riqueza Patterson frequentemente era utilizada para proporcionar um lar temporário para todas aquelas pessoas deixadas à deriva pela guerra. As pessoas se esqueceram de seu aspecto, principalmente porque seu sorriso era tão cálido, sua capacidade de amar tão grande. Ela seria sempre conhecida como o Anjo do Campo de Batalha, enquanto Douglas, para não ser deixado de lado, foi considerado o Conde Angélico. Ambos os apelidos lhes divertiram muito e a seus filhos, só um dos quais tinha a habilidade de discernir os talentos secretos de seu pai.
Mas essa é outra história.
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PÉGASUS LANÇAMENTOS APRESENTA...
ANTOLOGIA UM BAILE NA ESCURIDÃO 03
KAREN RANNEY
Disponibilização e tradução: Jossi
Revisão e formatação: MLore
Louisa é uma moça considerada muito feia, sendo até comparada com um cavalo por causa de seu rosto. Ela sofre com os comentários maldosos sobre sua aparência, mas jamais demonstra. Há milhares de homens querendo se casar com ela por causa de seu dinheiro e ela é ciente disso. Ela conhece um vampiro que pode ler sua mente e pelo qual se apaixona, mas o toque dele pode ser mortal. Ela tem que escolher logo um marido por exigência do avô... Bem, esse romance é muito envolvente por que é engraçado em muitos momentos, em outros passa uma forte emoção com os pensamentos de Louisa e Douglas.
Esse livro me deixou emocionada não só pelo amor além das aparências, mas também por passar a mensagem de que a beleza não tem que ser igual, pois há diferentes formas de beleza e diferentes apreciadores.
ANTHOLOGY AFTER MIDNIGHT
© "Red Moon Rising" © 1998 by Connie Feddersen – (01 – Em revisão)
© "Highland Blood" © 1998 by Colleen Faulkner – (02 – Em revisão)
© "A Dance In The Dark" © 1998 by Karen Ranney – (03 -Um Baile na Escuridão)
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