quinta-feira, 12 de agosto de 2010 By: Fred

Rebecca Winters - Nunca Sem Meu Filho!.txt


Bem que Tessa Marsden tentou, mas não conseguiu salvar seu casamento. Agora, precisava sair dele, antes que sua vida fosse destruída. O marido partia para a vingança,
reclamando no tribunal a custódia do filho, pois sabia que Tessa não podia viver sem o filho! Alex Summerfield, o advogado contratado por Tessa, desafiou todas as
regras ao se apaixonar por sua cliente. E tinha de ocultar seu amor para não pôr em risco o caso da custódia do garoto, bem como a felicidade de Tessa...

Nunca Sem Meu Filho!
Título original: Not Without My Child
Autora: Rebecca Winters
Copyright (c) 1996 by Rebecca Winters
Originalmente publicado em 1996 pela Harlequin Books, Divisão da Hariequin Enterprises Limited.

Digitalização: Nelma Maciel
Revisão: Andréa Madeira


Capítulo 1
-E é por isso que vou pedir o divórcio a Grant - Tessa Marsden finalizou, encarando o psiquiatra.
O doutor não respondeu, mas ela já se acostumara a não receber nenhum apoio de sua parte quanto aos problemas que tinha no casamento. Na verdade, isso já não importava
mais; estava decidida e não pretendia voltar atrás.
- Já que conhece Grant tão bem, dr. Milhouse - prosseguiu -, eu gostaria que me aconselhasse quanto ao modo como devo dar a notícia a ele. Apesar de que... não será
uma surpresa. Grant nunca disse nada, mas sei que está tão ansioso quanto eu para pôr fim ao tormento em que vivemos.
- E você se decidiu após sua viagem ao Havaí?
Tessa procurou não demonstrar sua reação, mas tudo naquele homem a repugnava. Já o consultava havia mais de quatro anos, e ele sabia tudo sobre seu casamento problemático.
Como aquele homem podia fazer-lhe tal pergunta? Se o dr. Milhouse não lhe tivesse sido indicado por seu próprio pai, Tessa jamais teria comparecido à segunda consulta.
Naquela época, em vez de cuidar da depressão pós-parto pela qual ela passava, o dr. Milhouse diagnosticara reações maníaco-depressivas em sua personalidade, querendo
tratá-la à base de medicamentos pelo resto de sua vida. A dosagem variava, de acordo com o resultado dos exames de sangue feitos duas vezes por mês, os quais ele
fazia questão de verificar pessoalmente. Além disso, havia as consultas periódicas, que Tessa odiava.
Era como se o dr. Milhouse estivesse controlando sua vida e, até mesmo, seus sentimentos. Por isso, Tessa procurava manter-se o mais distante possível, sem revelar-lhe
o que, de fato, sentia.
No entanto, diante de uma resolução tão definitiva quanto o divórcio, ela achava melhor pedir a opinião do psiquiatra, já que ele conhecia seu marido muito bem.
- Não fosse por minhas convicções religiosas - ela continuou, procurando justificar-se -, eu já teria me divorciado antes mesmo do nascimento de Scotty. Mas levei
muito tempo para perceber que não sou o que Grant espera que eu seja. Não gosto de me sentir em exposição constante nos jantares de negócios aos quais ele comparece.
Quanto mais Grant procurava me modificar, mais afastados ficávamos um do outro. E este último ano foi quase insuportável. Não posso continuar vivendo assim.
A única reação do psiquiatra foi erguer as sobrancelhas, cético. Tessa prosseguiu:
- Quando falei a meu irmão, Winn, sobre minha decisão, ele me pareceu bastante satisfeito, e pediu para que eu o acompanhasse à viagem que faria ao Havaí, com a
família, para que pudéssemos conversar melhor a respeito. Quando contei a Grant que iria e que levaria Scotty comigo, ele pareceu não gostar da idéia, mas, depois
de algum tempo, concordou.
- E quanto tempo você e o menino ficaram lá?
- Oito dias.
- A viagem parece ter-lhe feito muito bem.
- É. Estou feliz por ter ido. Eu e Scotty nos divertimos muito. Foi bom ficarmos longe de Grant. Eu pude enxergar as coisas sob outro prisma.
- Você esteve com algum homem lá?
A pergunta direta e insidiosa irritou Tessa.
- Por que está me perguntando isso?!
- Vejo que toquei num ponto fraco. Muitos dos meus pacientes voltam de férias com uma nova visão da vida.
Isso, de modo geral, decorre do fato de terem encontrado outra pessoa, que os desviou da rotina cansativa do casamento. É muito comum.
Tessa tinha, de fato, conhecido um homem bastante diferente das pessoas com quem convivia. A experiência fora boa, mas eles não tiveram um caso. Tessa teve a impressão
de que o psiquiatra não possuía sensibilidade suficiente para compreender o momento crucial pelo qual ela passava.
- Digamos que essa viagem reafirmou minha decisão pelo divórcio - disse, enfrentando o olhar sardônico do dr. Milhouse. - Então? Como o senhor sugere que eu fale
com Grant? Não quero ferir os sentimentos dele.
O psiquiatra pensou por instantes antes de falar:
- Olhe... Prometa que não vai fazer nem dizer nada até que eu mesmo possa ter uma conversa com seu marido. Quero que você volte aqui, dentro de uma ou duas semanas.
E traga uma amostra de urina.
- Está certo -r- concordou, sem a menor intenção de voltar. - Devo dizer a Grant que o senhor quer vê-lo?
- Não. Eu mesmo direi a ele.
- Está bem. Obrigada.
Ela já se levantava para sair quando o doutor tornou a falar, enquanto prescrevia-lhe nova dosagem do medicamento:
- Você me parece mais feliz hoje do que jamais esteve nestes anos todos.
- E estou. - Pegou o papel que ele lhe entregava e guardou-o na bolsa. - E sabe por quê? Porque vou ficar livre do meu sofrimento. Grant é uma boa pessoa, mas quero
sair logo deste casamento, antes de começar a achar o contrário, entende?
O psiquiatra assentiu e completou:
- Depois que eu falar com Grant, vou ligar para você para marcarmos nova consulta.
Assim que Tessa saiu, o médico foi até seu arquivo e apanhou a pasta com os relatórios sobre ela. Tirou uma caneta do bolso e acrescentou nas linhas ainda em branco:

"Vinte de janeiro - A paciente voltou de viagem decidida a pedir o divórcio. Não gosto da euforia que percebo em sua atitude e que está mais pronunciada do que há
quatro anos, quando falou pela primeira vez sobre o mesmo assunto. Informarei a seu marido que o modo evasivo como sua mulher se manifesta deve estar relacionado
ao fato de ter conhecido outro homem no Havaí. Ele não deveria ter consentido nessa viagem. Tenho suspeitas de que Tessa esteja usando drogas e acredito que precise
de supervisão constante. Pedi amostra de urina nesta consulta, apesar de ela demonstrar sinais claros de estar resistindo a meu tratamento e de guardar segredos.
Farei uma verificação de gravidez, bem como exames para detectar a presença de cocaína ou anfetaminas em sua urina, na próxima consulta a ser realizada em três de
fevereiro. Aumentei a dosagem de Valium para 2,5 mg. Se isso não a acalmar, terei de tomar medidas mais severas. Avisarei o marido para que a mantenha sob estrita
vigilância."

Pela primeira vez em quatro anos, Tessa não passou na farmácia ao voltar para casa. Sentia-se tão livre, que poderia sair dançando pela rua. Já eram quase onze
horas, e seu pai costumava estar livre no hospital nesse horário, pois suas consultas terminavam às dez. Seria bom se pudesse falar com ele agora.
Ao chegar à Clínica Colorado de Cirurgia Ortopédica, Tessa dirigiu-se logo ao consultório no qual o dr. Jenner trabalhava havia anos. Ela sabia que o pai ficaria
surpreso ao vê-la.
- Olá, papai! - cumprimentou, colocando a cabeça no vão da porta entreaberta.
- Oh, olá, querida! Eu estava justamente me perguntando quando a veria de novo! Winn me ligou hoje cedo.
- Espero que o senhor não se importe por eu ter vindo. - Ela deu a volta na escrivaninha, à qual o pai se sentava, e abraçou-o.
- Ora, mas é claro que não me importo! Estou feliz por vê-la tão bronzeada e tão linda com esse sorriso maravilhoso nos lábios!
- O Havaí me fez bem. Foi ótimo Winn ter me convidado para passar esses dias com ele e Rae.
- Todos nós precisamos de umas férias de vez em quando, não é? - O dr. Jenner era um homem de muito tato, e esse era seu jeito de dizer à filha que compreendia
os problemas pelos quais ela estava passando em seu casamento.
- Papai, teria alguns minutos? Eu preciso tanto falar com o senhor...
A ansiedade de Tessa devia ser visível, pois ele acionou o interfone, pedindo à enfermeira que não o interrompesse enquanto estivesse conversando com a filha.
- Conheci um homem no Havaí, chamado Paul Wong - Tessa começou, um tanto hesitante. - É o proprietário do hotel onde estávamos hospedados. Bem, para resumir
a história, ele tinha um filho, que se afogou no mar quando estava com a idade de Scotty, que o fez lembrar-se do menino, e houve uma simpatia imediata entre os
dois.
Na verdade, nós nos tornamos bons amigos.
O médico assentiu e observou:
- Winn me contou.
- Então... Durante uma conversa, Scotty disse a Paul que eu precisava tomar remédios pelo resto de minha vida. Como ele não acredita na medicina ocidental, procurou
com muito jeito me perguntar por que dependo de tais drogas.
- E o que você lhe disse?
- Falei sobre o que me aconteceu depois do nascimento de Scotty, e eu disse a ele o quanto odeio tomar esses remédios. Sinto-me lenta e um tanto desligada, como
se estivesse sempre flutuando. Bem, ele foi tão gentil em me ouvir, que acabei comentando sobre outros problemas; sobre coisas que não falei nem mesmo com você porque...
você
foi uma das pessoas que me indicaram o dr. Milhouse.
Uma leve ruga de preocupação apareceu na testa do médico.
- Querida, você pode me dizer tudo o que sente.
- E que não gosto do dr. Milhouse. E acho que ele gosta de me controlar com seus medicamentos. Além do mais, não sinto que esteja me ajudando. Quando falei com Paul
a respeito, ele também achou que o doutor está me manipulando e me deixando sem esperança de cura e de melhora no meu casamento. Ele só está me fazendo ficar cada
vez mais dependente dos remédios! Paul me desafiou a parar de tomá-los e ver o que acontece.
- Graças a Deus! - o dr. Jenner exclamou, aliviado.
Sua reação surpreendeu Tessa.
- Então... o senhor não me considera desequilibrada?
- Muito pelo contrário, querida: acho que você é a pessoa mais corajosa que conheço. Creio que devo muito a esse tal Paul, por ter sugerido algo que eu mesmo gostaria
de ter discutido com você,
- E por que não o fez, papai?
- Porque fiquei arrasado quando Milhouse diagnosticou a personalidade maníaco-depressiva em você. Eu sabia que isso significaria a ingestão constante de medicamentos.
Sempre achei que ele foi um tanto precipitado em seu diagnóstico, mas, como eu mesmo a enviei até Milhouse, que me foi indicado por um colega comum, vi-me de mãos
amarradas, compreende? E nunca falei nada porque sabia que a situação entre você e Grant era um tanto... delicada.
Mas eu e sua mãe sabemos dos problemas que enfrenta em seu casamento, pode estar certa, e cremos que você não pode continuar assim. Foi por isso que Winn a convidou
para acompanhá-lo ao Havaí.
Tessa nunca fizera nenhum comentário com seus pais, para não preocupá-los e, no entanto, eles sempre souberam de tudo o que se passava. Sentiu-se, de repente, confortada,
como se um peso enorme tivesse sido tirado de suas costas.
- Oh, Deus, estou tão feliz! - exclamou, sorrindo. - Quero parar com todos os medicamentos! O pior que poderá acontecer é eu ficar deprimida outra vez. Se isso acontecer,
vou consultar outro psiquiatra e retomar o tratamento.
Mas, se Paul estiver certo e eu não precisar mais de remédios, serei a mulher mais feliz do mundo! E quero estar bem para poder falar com Grant sobre o divórcio.
- Estarei sempre a seu lado, querida, para apoiá-la no que for preciso.
- Sabe, papai, o que Paul disse faz sentido. Afinal, nunca entrei em depressão antes de Scotty nascer. Ele acha que o problema adveio de minha angústia por meu casamento
falido.
- Talvez seja isso, de fato. Sua mãe e eu sempre achamos que, se você tivesse se separado de Grant antes de Scotty nascer, jamais teria entrado em depressão.
- Obrigada, papai, por me apoiar.
- Querida, eu faria qualquer coisa para vê-la feliz de novo. E farei tudo o que estiver ao meu alcance para ajudá-la.
Com lágrimas nos olhos, Tessa abraçou o pai com força.
- Sabe, papai, desde que fui dada como maníaco-depressiva, Grant tem me tratado como uma criança anormal. E uma situação irônica... Ele diz não acreditar em psiquiatria,
mas é muito amigo do dr. Milhouse e faz questão de que eu não falte a nenhuma consulta, nem
deixe de tomar os remédios do modo correto. As coisas entre nós pioraram tanto que já não há mais intimidade há muito, muito tempo.
- É difícil lidar com uma doença num casamento; seja ela de que tipo for. Grant deveria ser mais compreensivo, dar-lhe mais apoio. Seria preciso um homem maduro
para entender seu problema e não se atemorizar com ele. Mas acredito que maturidade não seja a palavra adequada para definir seu marido, querida.
- Não, não é - Tessa concordou. Mais uma vez, a franqueza de seu pai a surpreendia. De modo geral, ele era bastante reservado quanto a fazer críticas. - Quais os
riscos que posso correr por parar com a medicação?
- Bem, você já toma Valium há quase quatro anos... Pode ser que sinta certa ansiedade; ou mesmo até ataques de pânico. Talvez fosse melhor eu interná-la durante
as primeiras quarenta e oito horas, para monitorar se batimentos cardíacos.
Tessa não se importava com os riscos. Estava feliz demais para isso.
- Está bem, faça como quiser. E como vamos esconde isso do dr. Milhouse? Ele e Grant são as duas última pessoas que quero que saibam sobre o que vou fazer.
- Vamos manter tudo como segredo. Acho que tenho a solução: planejaremos uma viagem em família até as montanhas. Grant não gosta de lá, nunca ficou mais de dois
dias. Podemos prolongar a viagem, e ele só aparecerá no final de semana. O que acha?
Tessa assentiu, animada.
- Você pode tirar Scotty da escola - ele prosseguiu.
- Enquanto sua mãe cuida dele, eu coloco você no hospital em Vail, onde conheço vários membros da diretoria.
Após dois dias, iremos todos para o chalé nas montanhas, onde ficaremos até o final de semana. Poderemos caminhar juntos, respirar ar puro, relaxar, esquiar, conversar
diante da lareira... Sua recuperação será rápida, Tessa, porque nunca usou estimulantes. Em poucas semanas, estará completamente recuperada. Até lá, teremos uma
idéia total de suas condições físicas e mentais.
- Faria isso por mim, papai?
- Faria tudo, minha querida, tudo o que fosse possível para vê-la bem. Agora, não vamos perder tempo. Tenho apenas duas operações para esta semana, mas ambas podem
ser adiadas. Podemos partir para Vail hoje à noite mesmo. Teremos de terça a sexta, e, se Grant for, não estará lá antes de sexta-feira à noite ou sábado, certo?
Você já terá passado pela pior parte até lá.
- Então, já não devo tomar remédios hoje, correto?
- Exato. Vá para casa e conte a sua mãe o que combinamos. Vou ligar para o hospital em Vail e pedir sua internação. O que vai dizer a Grant?
Tessa pensou por um instante.
- Vou dizer-lhe que, já que tem alguns dias livres, quero ficar com você e mamãe. Não acho que ele vá suspeitar de alguma coisa.
- Ele jamais iria imaginar que você tivesse coragem de tentar algo assim. Grant parece ter se esquecido de que você é uma Jenner; forte e corajosa, e sempre disposta
a um recomeço.
- Eu jamais conseguiria sem você, papai.
- E pode contar sempre com o seu velho, ouviu? Jamais se esqueça disso.
- Não vou esquecer. Agora, é melhor eu me apressar e ajeitar tudo para que Grant não desconfie.
- Certo. Mas, antes, quero mais um abraço.

- Sr, Marsden? Sua esposa na linha um - avisou a voz da secretária, através do interfone.
- Obrigado, Cindy. Alô? O que houve, Tessa? - Grant atendeu, com má vontade.
- Sinto interromper seu trabalho, Grant, mas eu gostaria de saber se você se importaria em me deixar ir para as montanhas com Scotty, para passar o resto da semana
lá, com meu pai e minha mãe. Há meses não fico algum tempo com eles.
- E por que eu me importaria? - O tom dele era frio, quase rude.
- Talvez... porque acabei de chegar do Havaí. - Tessa procurava manter a calma. Não queria estragar os planos que traçara com o pai.
- Não, eu não me importo que vá. Mas, quanto a Scotty...
- Por favor, Grant, deixe-me levá-lo. Ele não perdeu nenhum dia de aula este ano, a não ser durante nossa viagem ao Havaí; não haverá problemas. E há mais uma coisa:
preparei aquele ensopado de que você gosta. Há duas vasilhas dele no congelador.
- E eu devo lhe agradecer por isso?
- Por favor, Grant, não quero discutir - Tessa falava com calma, não querendo irritá-lo. - Eu e Scotty estaremos de volta no domingo à noite. Vamos partir hoje à
tarde, se você não tiver nada contra.
- Não, não tenho. Na verdade, estou morrendo de felicidade.
Sem esperar por resposta, Grant desligou o telefone e recostou-se à cadeira, pensativo. Sua vida parecia ter se tornado um inferno sem saída.
O interfone tornou a soar. Dessa vez, era a secretária do dr. Milhouse que estava na linha, querendo marcar uma hora para Grant, com urgência.

Howard Milhouse levantou-se da cadeira atrás da escrivaninha assim que Grant entrou no consultório.
- Sente-se - pediu, após trocar um vigoroso aperto de mãos com ele.
- Obrigado. O que houve? Sua enfermeira disse que o assunto era urgente. Por favor, não me diga que Tessa piorou. Já tenho problemas demais para ter de enfrentar
mais esse.
- Você tem notado algo diferente em Tessa?
- Quer dizer... depois da viagem ao Havaí?
- Sim. Ou talvez desde a última vez em que você esteve aqui, há um mês.
- Não - Grant respondeu, rindo com sarcasmo. -Ela continua parecer viver em outro mundo.
- Tessa tem de tomar os remédios que receitei, Grant.
- Sei. Mas não fazemos sexo há meses, sabia? Afinal, por que está me perguntando se notei algo de diferente?
- Porque, hoje pela manhã, ela me pareceu bastante mudada.
Grant inclinou o corpo para a frente, subitamente interessado no assunto.
- Como assim?
- Tessa me pareceu mais alegre, mais... jovial, eu diria. Achei que, talvez, você soubesse o motivo.
- Não sei. Aonde quer chegar?
- Tenho razões para acreditar que ela esteja se drogando.
Grant franziu as sobrancelhas.
- Quer dizer... algo diferente do que você prescreve? Cocaína ou algo parecido?
- Eu não sei ainda. Vou fazer uma análise de sua urina e só então poderei ter certeza. Mas os sinais me parecem bastante evidentes.
- Que sinais?!
- Excitação, excesso de energia. Precisei até aumentar a dosagem de Valium.
- Que ótimo...
- O irmão ou a cunhada dela usa drogas?
- Não que eu saiba. Acho que eu teria notado, se usassem. Winn é um arquiteto de sucesso, talvez ele e a mulher possam ter acesso a drogas não muito pesadas, mas
não creio. Eles fazem parte da alta sociedade de Colorado Springs, divertem-se muito por lá...
- E você? Usa drogas, Grant?
- Usei um pouco, quando estava na faculdade.
- Mas não as tem mais em casa agora?
- Não.
- Então, devo concluir que Tessa passou a consumir algum tipo de narcóticos, enquanto esteve no Havaí. Eu já o havia prevenido antes para que observasse todos os
passos de sua esposa. Acredito que ela tenha conhecido algum homem que a tenha levado a isso.
- Parece mesmo que há algo errado. Tessa me ligou hoje, dizendo que iria com seus pais para a casa nas montanhas, perto de Vail. Na verdade, eles já partiram.
Howard assentiu com gravidade.
- Acho que isso explica a euforia que percebi nela. Tem certeza de que ela foi para lá? Pode confirmar se os pais estão com ela?
- Posso ligar para o dr. Jenner para confirmar com a secretária dele. Olhe, doutor, vou lhe dizer uma coisa: se Tessa chegou a esse ponto, ela já atingiu o fundo
do poço.
- Sei como se sente, Grant. Se você pudesse provar o que estou lhe dizendo, conseguiria uma internação para Tessa num manicômio, sem problemas.
Grant olhou-o por segundos, em silêncio. Howard continuou, calmo:
- Seria para o próprio bem dela, acredite. As drogas poderão matá-la devido à medicação que já está tomando. No entanto, se fosse mantida num local sob vigilância
e cuidados constantes, estaria em segurança. E você poderia visitá-la quando quisesse e manter sua própria vida de uma forma, digamos... mais liberal, sem tantas
restrições. É claro que, para isso, você teria de flagrar Tessa com as drogas.
Grant pensava. Seus olhos brilhavam com mais intensidade, até que murmurou:
- Se eu fosse até Vail e a surpreendesse... Tenho alguns compromissos para hoje e amanhã à noite, mas posso ir até lá depois.
- Eu sei. Mas você precisa de um plano. Diga-me uma coisa: há quanto tempo você e Tessa não fazem amor?
- Eu não sei. Talvez... sete ou oito meses, eu creio.
- Então, leve-lhe flores. Diga-lhe que planejou uma noite romântica para comemorar o regresso dela do Havaí. Às vezes, uma atitude inesperada reacende o relacionamento.
- Ela é fria como gelo - Grant falava com amargura e raiva ao mesmo tempo.
- Mesmo assim. Se você for até Vail, supondo que Tessa esteja, de fato, lá, você poderá matar dois coelhos com um só golpe. Por um lado, estaria mostrando a ela
que ainda é um marido interessado. Por outro, ficaria mais fácil descobrir se ela está usando drogas. Estou muito preocupado com a saúde dela.
Um silêncio pesado se fez no consultório, enquanto Grant pensava na proposta do médico. Pouco depois, este perguntou, com voz fria:
- Ainda deseja sua esposa, Grant?
Uma outra longa pausa se seguiu.
- Ela é a mulher mais linda que já conheci - Grant respondeu, por fim -, mas nunca me satisfez. Nossa lua-de-mel foi uma piada...
- Está querendo dizer que Tessa é frígida?
- É. Pode entender assim.
- Ela, alguma vez, o recusou?
- Não. Digamos que... nunca correspondeu à altura, o que é bem pior. Sempre achei que um homem pudesse estar com sua mulher quando bem entendesse e sentir-se realizado
com isso. Mas Tessa tem sido um desastre em minha vida desde o primeiro dia de nosso casamento.
Sempre se recusou a vestir as roupas que eu escolhia para ela; é tão bonita, mas parece querer sempre se esconder embaixo de roupas sóbrias, sem graça nenhuma. Estou
no negócio de seguros, preciso ter uma vida social bastante movimentada, fazer clientes, sabe? Tessa seria a mulher ideal para me acompanhar. Os homens a rodeiam,
interessados, e isso cria excelentes oportunidades de contato para mim.
Grant parou por instantes. Um sorriso indecifrável aflorou em seus lábios.
- Mas ela odeia reuniões sociais, e, assim que engravidou, encontrou mil desculpas para permanecer em casa e não me acompanhar. Depois que Scotty nasceu, então,
pareceu se esquecer do resto do mundo. Graças a ela, meus negócios, nos últimos seis anos, têm ido de mal a pior.
- Bem, acredito que você saiba o que fazer a respeito - concluiu o dr. Milhouse, erguendo as sobrancelhas. -Se não quer que tudo piore daqui para a frente, a primeira
providência a tomar é descobrir onde, de fato, Tessa se encontra, e se ela está ou não se drogando. Avise-me quando souber de algo. E se não conseguir descobrir
nada, falarei com você após a próxima consulta de sua esposa.
Os dois tornaram a apertar as mãos, em despedida.
Quando Grant saiu do consultório, Howard consultou o relógio; precisava se apressar ou chegaria atrasado para a última internação que recomendara.
Procurou pela pasta com os dados de Tessa Marsden e acrescentou novas observações a ela:

"O marido da paciente veio ao meu consultório, como pedi. Falei-lhe sobre meu receio de que ela esteja consumindo drogas. Sugeri um plano para que ele investigue
a verdade. Sugeri também a possibilidade de internação em casa de saúde, para o próprio bem da paciente. O marido irá manter-me informado. Talvez seja necessário
esperar pela próxima consulta."


Capítulo 2


-Dr. Jenner? - chamou um dos enfermeiros da emergência. - Sua esposa ao telefone. Ela diz ser importante.
- Obrigado, Arney.
O médico limpou o suor do rosto de Tessa com um lenço de papel. Sua filha estava sofrendo, mas não havia nada que pudesse fazer por ela. Havia quarenta horas Tessa
se debatia em agonia, com ataques de pânico e ansiedade intercalados, e agora parecia estar tendo fortes dores no peito.
O dr. Jenner temia que Tessa pudesse vir a sofrer um ataque cardíaco, mas ela teimava em querer continuar com o tratamento. Estava disposta a enfrentar tudo por
sua libertação das drogas que Milhouse lhe prescrevia por tanto tempo. Jenner admirava a filha, do fundo do coração, por sua força e coragem inquebrantáveis.
- Querida, vou atender sua mãe ao telefone e já volto, está bem?
- Volte depressa - Tessa implorou, cerrando os dentes devido ao sofrimento.

- Como está ela? - perguntou a voz ansiosa do outro lado da linha.
- Com dores no peito, mas não piorou. Acho que Tessa poderá sair daqui dentro de algumas horas.
- Oh, Richard, talvez não devêssemos tê-la internado...
- Foi a vontade dela, Vilma.
- Nossa filha é tão corajosa!
- É, sim. Tudo o que podemos fazer por ela agora é rezar, meu amor.
Houve um instante de silêncio, até que Vilma informou, preocupada:
- Tenho más notícias, querido. Grant chegou há pouco.
- Oh, não!
- E é como se soubesse de algo.
- O que você disse a ele?
- Que você e Tessa foram esquiar com alguns amigos e depois ficariam para o jantar. Acho que ele não gostou do que ouviu.
- E onde Grant está agora?
- Fazendo um boneco de neve com Scotty. Mas já está escurecendo, e eles logo voltarão para casa.
- Procure controlá-lo o quanto puder, Vilma. Não posso deixar Tessa, agora.
- Está bem, querido. Se ela piorar, avise-me logo. Não me interessa se Grant descobrir tudo. Quero apenas que minha filha esteja bem e que saiba que estarei sempre
a seu lado.
- Está bem, amor.
Jenner desligou e voltou logo para junto da filha. Como que por milagre, Tessa parecia bem mais calma e relaxada.
- A dor está passando - ela informou, num sussurro, assim que viu o pai.
- Graças a Deus! - Jenner murmurou, sabendo, porém, que ela poderia voltar a qualquer momento. Inclinou-se e beijou a testa de Tessa, sentindo-a úmida ainda.
Em seus trinta e oito anos como médico, ele jamais se acostumara a ver o sofrimento humano. E agora, quando a própria filha era sua paciente, tudo parecia ser ainda
pior. Olhou-a com carinho e disse: - Sua mãe mandou-lhe um beijo.
- Está tudo bem, papai? Aconteceu algo com Scotty?
- Não, querida. Ele está ótimo.
- Papai, a dor vai voltar?
- Talvez não. - Ele rezava para que fosse verdade. Você já passou pela pior parte.
As preces do médico pareceram ter sido ouvidas, pois o monitor cardíaco não acusou nenhuma outra oscilação que acusasse dor, naquela noite.
Então, com força e determinação, Tessa pediu ao pai para ajudá-la a levantar-se; queria ir até o banheiro.
Pouco depois, ao voltar para o quarto, ela perguntou:
- E então, papai? Podemos voltar para casa? Já estou me sentindo bem.
- Tem certeza?
Ela assentiu.
- Então, está certo. Vou assinar seus papéis de alta enquanto se veste.
Jenner já estava à porta quando a ouviu de novo:
- Como poderei, um dia, agradecer-lhe, papai?
O médico voltou e abraçou a filha. Tessa chorava baixinho.
- Você não pode imaginar como é maravilhoso ter uma filha como você.
- Como pode dizer isso? Só tenho causado preocupação desde que Scotty nasceu...
Jenner tomou-lhe o rosto.
- Você não tem culpa do que houve, querida. Também não deve se culpar pelo que está acontecendo entre você e Grant. Na verdade, sou de opinião de que Grant não
é o homem apropriado para você. Sinto-o sempre zangado, como se estivesse o tempo todo contra o mundo; talvez isso seja algum trauma que ele traz da infância, não
sei... Mas você não tem nada a ver com os problemas dele, concorda?
- Bem, acho que isso só vem provar que não sei julgar o caráter das pessoas, porque não percebi como ele era enquanto namorávamos.
- E você não sabe que o amor é cego? - brincou o médico. - Tudo isso mostra apenas, querida, que você ainda não encontrou o homem certo. Todos nós temos de aprender
a jogar com as cartas que recebemos, mas há muitas outras no maço; e o ás pode surgir a qualquer momento.
Tessa meneou a cabeça e soltou-se dos braços do pai.
Secava as lágrimas do rosto enquanto falava:
- Talvez o homem certo para mim ainda não tenha aparecido; talvez, até, eu nunca o encontre. Mas, se meu problema persistir, ele, com certeza, vai passar por mim
sem me dar maior atenção.
- Mas que idéia! Nenhum homem em seu juízo perfeito deixaria de prestar atenção a você!
- Ora, papai... - Ela sorriu, lisonjeada, e acrescentou:
- Talvez, então, haja mulheres com mais sorte do que eu. Veja Rae, por exemplo.
Richard Jenner lembrou-se da nora.
- É verdade, filha, mas a aparência dela não ofuscou o verdadeiro ser humano que há dentro de Rae. E Winn pôde vê-la por inteiro. Querida, você é dona de uma beleza
estonteante, mas Grant jamais notou a mulher maravilhosa que você é.
- Você fala como se eu fosse alguma beldade...
- Digamos que você é ainda mais bonita do que sua mãe. E olhe que ela era de fechar o comércio quando jovem.
Tessa sorriu.
- Mamãe teve muita sorte em encontrar você em seu caminho, papai.
- Nós dois tivemos. E você também terá, com certeza.
De repente, Tessa empalideceu e começou a suar frio.
- O que houve, querida? A dor voltou?
- Não. Mas estou com náuseas.
Richard ajudou-a a chegar até o banheiro. Sabia que os vômitos eram um sintoma a ser esperado, mas doía-lhe ver o sofrimento de Tessa. Quando a crise passou e ela
começou a se sentir melhor, o dr. Jenner foi até a recepção, para assinar os papéis de alta. Pouco depois, já estavam ambos no carro, a caminho do chalé nas montanhas.

Enquanto dirigia pela estrada sinuosa, Jenner olhou de relance para a filha e avisou:
- Há algo que precisa saber, querida. Esperei até agora para dizer-lhe porque não queria preocupá-la, mas... Grant está no chalé.
Tessa arregalou os olhos.
- Oh, meu Deus!
- Por algum motivo que desconheço, ele resolver vir antes do final de semana. Tenho pensado em alguma coisa para dizer a ele quando chegarmos. Talvez uma boa desculpa
fosse contar-lhe que você passou mal após o jantar e eu não quis levá-la para casa antes de passarmos pelo hospital. Afinal, você está um tanto enjoada ainda...
No entanto, se não estiver preparada para encontrá-lo agora, podemos dormir em Vail e seguir para o chalé amanhã de manhã.
- Não. É melhor enfrentá-lo logo. Vou ficar ruim do estômago durante os próximos dias, não é? Poderemos inventar uma virose qualquer para explicar meu estado. Só
não sei o que faremos quando eu tiver de voltar ao psiquiatra para fazer o exame de sangue.
- Vou ligar para Milhouse e dizer-lhe que você não passou bem, e quê só retornará a seu consultório quando estiver melhor. Em um mês, já teremos uma boa idéiade
seu estado geral.
Tessa assentiu e levou a mão até a do pai, apertando-a, agradecida.

Ás quatro da manhã, Tessa teve nova crise de náusea.
Estava ainda segurando-se à pia do banheiro quando Grant apareceu à porta.
- Por que está tão mal, Tessa? - ele indagou, estranhando a situação da esposa. Estava dormindo no sofá da ante-sala, mas provavelmente a ouvira e viera ver o que
se passava.
- Eu não sei. Sinto muito se o acordei. Sinto por tudo, na verdade; sei que você veio até aqui para conversarmos e... - Ela se interrompeu, sem saber o que dizer.
Quando chegara com o pai, ele dissera a Grant que ela precisava descansar, e Grant não teve outra escolha, a não ser aceitar os fatos.
Tessa sabia que Grant lhe trouxera rosas e surpreendera-se com isso. O marido jamais lhe dera flores.
Agora, ali, parado à porta do banheiro, Grant parecia olhá-la com certa acusação.
- Eu sinto muito, já disse - Tessa repetiu, e, de fato, sentia-se aborrecida por ter provocado tamanha hostilidade no marido durante todo seu casamento.
- Isso é novidade para mim - Grant respondeu, em tom seco, fazendo Tessa perceber que estava disposto a discutir.
- Por favor, Grant, agora não! Não quero que meus pais ou Scotty nos ouçam. Além do mais, estou muito fraca e...
- Onde foi que você conseguiu o material?!
Tessa olhou-o, sem compreender.
- Vamos logo! Fale!
- Grant, eu não sei do que está falando... - Tessa sentia uma leve vertigem agora e procurou voltar ao quarto, mas o marido bloqueou sua passagem. Um tremor diferente
a tomou, enquanto seu coração disparava.
- Eu já lhe disse que experimentei drogas na faculdade, Tessa - Grant continuou, impassível. - Todos os meus amigos experimentaram e posso reconhecer os sintomas
em alguém que acabou de voltar de uma "viagem". Então, diga logo: onde está comprando as drogas?
Tessa entreabriu os lábios, sem saber o que dizer.
Grant prosseguia, assustando-a cada vez mais.
- Drogas?
- É! Você sabe muito bem do que estou falando! Sou seu marido e sei quando está escondendo algo de mim!
- Grant, eu não sei do que você está...
- Pare com a representação, Tessa! Está usando cocaína ou não?!
- Não! Nunca! - Ela sentia as pernas fraquejarem. Seu corpo todo tremia. - Eu... preciso me deitar...
Grant cruzou os braços, postando-se diante dela, na firme intenção de não deixá-la passar para o quarto.
- Quero uma resposta! - ele exigiu, entre os dentes.
Um zumbido estranho tomou os ouvidos de Tessa, como se uma sirene insistente a atormentasse, vinda de dentro de seu próprio cérebro.
- Eu... acho que vou vomitar de novo - ela murmurou, voltando-se para a pia.
- Se não vai ajudar sua esposa, então saia do caminho para que eu o faça! - gritou a voz irada do dr. Jenner, logo atrás de Grant. - Não vê como está?! Sei que vocês
estão passando por problemas sérios, mas sua indiferença é intolerável! E quase que um tipo de violência, sabia?!
- Ora, pelo amor de Deus! A violência contra Tessa partiu dela mesma! Olhe! Veja em que estado ela está! Quem pode saber o que vem tomando sem nosso conhecimento?!
Você é médico, e devia, melhor do que ninguém, preocupar-se com sua filha!
- Eu me preocupo, sim. Mas acho que agora não é hora para discutirmos isso. Tessa precisa de cuidados e, se você não puder fornecê-los, é melhor voltar para Colorado
Springs e deixar que eu e Vilma cuidemos de nossa filha.
- Para mim está ótimo! Mas Scotty virá comigo. Não quero que ele perceba que sua mãe é uma drogada.
- Não! - gritou Tessa, ainda curvada sobre a pia.
- Não o acorde!
- Você não vai levar o menino a parte alguma, Grant! - Jenner falava num tom tão severo que surpreendia até a própria filha. - Você não está em condições de ficar
perto de ninguém, muito menos de uma criança! Volte para casa e esfrie a cabeça!
Talvez fosse porque o sogro jamais lhe falara daquela maneira, mas Grant saiu do banheiro sem mais uma palavra.
Logo em seguida, Vilma apareceu, e Tessa abraçou a mãe, exausta e magoada.
- Venha, querida. Vamos voltar para o quarto.
- Grant já foi embora?
- Seu pai o está acompanhando até o carro.
- Ele não está levando Scotty, está?
- Não, meu amor. - Chegaram à cama, e Vilma ajudou a filha a se deitar. - Deite-se e fique calma. Vou lhe trazer um leite quente.
- Mamãe, Grant me acusou de estar usando cocaína. Por quê?!
- Não sei. Mas ele, com certeza, não está em condições de conversar agora. Quando voltarmos para Colorado Springs, acho que você e Scotty ficar conosco por algum
tempo.
Tessa puxou o cobertor. Estava angustiada.
- Oh, mamãe, eu queria tanto que isso não tivesse acontecendo! Queria me livrar dos remédios, encontrar um bom apartamento para mim e Scotty e depois pedir o divórcio
a Grant.
- Pelo que vi e ouvi há pouco, pude constatar que seu casamento acabou porque Grant jamais soube lidar com seu problema clínico, Tessa. Acho melhor vocês se separarem
de imediato.

- Dr. Milhouse? Obrigado por retornar a ligação. Achei que não conseguiria falar com o senhor antes do almoço.
- Seu caso é prioridade para mim, Grant. E então? Eu estava certo sobre sua esposa?
- Sim. Fui até o chalé, ontem à tarde, para surpreendê-la, mas não a encontrei. A mãe dela disse que tinha ido esquiar e depois jantar com o pai. Quando voltaram,
já passava das onze, mas Tessa estava com náuseas e alegou que a comida do jantar não caíra bem em seu estômago. Mas não acreditei. Posso reconhecer o aspecto de
alguém que esteja usando drogas.
- Descreva os sintomas.
- Ela estava pálida, vomitando muito, e muito abatida. Tinha tremores por todo o corpo também.
- E ela sabe do que você suspeita?
-Eu a acusei de estar se drogando. Tentei fazê-la dizer a verdade, mas ela fingiu não saber do que se tratava.
-Você falou sobre a possibilidade do uso de drogas com o dr. Jenner?
- Sim, mas meu sogro se recusou a me dar ouvidos e me pediu para sair de lá.
- Sei, sei. Talvez se você tentasse falar com a mãe de Tessa...
- Não adianta, ela vai tomar a mesma atitude. Vai negar, eu sei.
- E seu cunhado?
- Eu e Winn nunca nos demos bem. Mesmo se ele soubesse de algo, jamais admitiria o fato para mim.
- E quanto às amigas de sua esposa?
Grant respirou fundo, frustrado e aborrecido ao mesmo tempo.
- A melhor amiga de Tessa é casada e vive na Califórnia. E ela não faria confidências a ninguém mais além dessa mulher.
- Mesmo assim... Tessa encontrou alguém no Havaí que deixou-a muito animada. Se você não puder surpreendê-la fazendo uso de alguma droga, vamos ter de esperar até
a próxima consulta. Se minhas suspeitas se confirmarem, ligarei para você e poderemos conversar sobre a melhor atitude a tomar.
- Mas isso ainda vai demorar dez dias! Você não poderia fazer alguma coisa antes disso?
- Apenas com um mandado judicial.
- Como assim?
- Bem, se você pedir o divórcio, alegando que sua mulher é uma mãe incapaz, que constitui perigo para o próprio filho, eu poderia providenciar a documentação
necessária para uma internação. O juiz exigiria um exame para detectar o uso de drogas e, baseado no resultado, afastaria Scotty da mãe até haver um julgamento formal
do caso. Suponho que um bom advogado pudesse fazer você chegar ao juiz antes dos dez dias se passarem...
- Eu... não havia pensado em divórcio.
- Nesse caso, espere até que eu obtenha as provas que procuramos e depois interne-a. Em todo caso, você é o marido e pode agir como bem entender. Decida como quiser
e depois torne a me telefonar, está bem?
- Certo. Obrigado.
Logo após desligar, o dr. Milhouse fez uma anotação, que pretendia anexar, mais tarde, à pasta de Tessa Marsden:

"Vinte e dois de janeiro - O marido da paciente ligou para dizer que a esposa mostra sinais de estar consumindo drogas, mas não há provas. Farei uma investigação
mais profunda na próxima consulta, a não ser que ele proceda a uma ação legal para proteger seu filho de possíveis perigos representados pelo estado da mãe".


- Mamãe, você ainda está doente?
Tessa sentou-se na cama ao ouvir a voz do filho. Sentia-se ainda trêmula e nauseada, e recostou-se aos travesseiros altos, buscando uma melhor posição. Olhou para
o relógio sobre a mesa-de-cabeceira; já passava das dez da manhã. Compreendeu que dormira mais do que fora capaz de perceber e indagou-se quando poderia levantar-se
e sentir-se bem de novo.
- Venha cá, querido. - Ela esticou os braços para envolvê-lo. Seu filhinho tão querido era muito parecido com o pai: tinha olhos castanhos e cabelos claros, encaracolados.
- Seu estômago ainda dói? - ele perguntou, olhando-a com carinho.
- Já estou bem melhor, meu amor.
O menino abraçou-a mais apertado, murmurando:
- Vovô falou que você vomitou. Eu fico assustado quando vomito. Onde está o papai?
- Ele... teve de voltar ao trabalho.
- E vai voltar hoje à noite?
- Talvez... - Tessa abraçou o filho com força. O que mais temia, desde que pensara pela primeira vez em divórcio, era magoar Scotty. - Onde está vovó?
- Na cozinha. Ela me deixou ajudá-la a fazer rosquinhas. Quer uma?
- Mais tarde, talvez. Acho que vou tomar um banho agora. Depois, que tal caminharmos?
- Ótimo!
- Então, vá dizer a vovó que vou descer em cinco minutos.
Quando já estava embaixo do chuveiro, Tessa sentiu as náuseas voltarem. Se aquilo não parasse logo, talvez tivesse de ser outra vez internada.
Poucos minutos depois, ouviu que a chamavam. Tirou depressa o resto de espuma que ainda estava sobre seu corpo e colocou a cabeça para fora da cortina do boxe. Sua
mãe estava à porta do banheiro.
- Querida, acho que precisamos conversar. - O rosto de Vilma deixava transparecer alguns traços de preocupação. - Scotty saiu para brincar há pouco, mas acho que
ele já notou que há algo muito errado entre você e Grant.
Tessa desligou o chuveiro e enrolou-se na toalha.
- Acha que ele nos ouviu ontem à noite?
Vilma assentiu.
- Oh, meu Deus! Preciso falar com ele logo que me vestir. Não posso mais adiar essa conversa.
- Concordo. Mas está em condições para isso, filha?
- Eu não sei. Ainda sinto-me tão fraca... E as náuseas estão me matando.
- Seu pai disse que elas vão parar em breve. Vou lhe trazer mais leite.
- Não, não. Acho que vou vomitá-lo também.
- Mas você precisa se alimentar.
Tessa pareceu pensar por instantes. Mordeu o lábio, preocupada, e olhou para a mãe.
- Acha que vou conseguir?
- É claro que vai, minha filha.
- Eu me sinto como um fardo que você e papai têm de carregar...
- Não diga bobagens! Ouça, coloquei uma camisola limpa para você na cama. Sei que prometeu a Scotty que caminhariam juntos, mas acho que ainda não está em condições
de fazê-lo. Vou mandá-lo subir com o leite, está bem?
Tessa assentiu. Sua mãe tinha razão. Como poderia caminhar se um simples banho a esgotara? E depois, mesmo temendo o momento em que teria de contar toda a verdade
a Scotty, era um alívio, afinal, ter chegado a hora. Estava cansada de guardar esse segredo.
Scotty era um bom menino; meigo, sensível, maduro para sua idade. E merecia saber a verdade. Quando estava no Havaí, Paul lhe falara sobre a necessidade de ser sincera
com o garoto. E ele também estava certo quanto a isso. Era uma pena que o mundo de Scotty tivesse de se modificar tanto devido aos problemas entre ela e Grant. Ele
era um bom pai quando queria, alegre e brincalhão; mas podia ser também frio e teimoso como ninguém.
Como na noite anterior. Tessa ainda não compreendia aquelas acusações sobre uso de cocaína. E Grant não parecera nem um pouco preocupado quanto ao fato de Scotty
poder ouvi-los.
Agora, porém, o momento da verdade chegara para Tessa e seu filho. Sentia-se fraca; uma espécie de dor apertava-lhe o peito.
E sabia que era por causa do divórcio. Jamais pensara que poderia vir a pedi-lo. Mas agora não havia outra saída.

Tessa acabava de vestir a camisola quando Scotty voltou ao quarto.
- Vovó disse que você ainda está muito doente para se levantar, mamãe. Aqui está seu leite.
Ao entregar o copo à mãe, o menino voltou-se para sair.
- Scotty, espere. Quero conversar com você sobre o que aconteceu ontem à noite.
Ele hesitou, depois tornou a aproximar-se. Seus olhinhos castanhos brilhavam mais, devido às lágrimas.
- Por que você e papai não se gostam mais? - perguntou, à queima-roupa.
Tessa engoliu em seco.
- Nós... gostamos um do outro, sim. Mas temos problemas que tornam nossa vida juntos muito difícil. É por isso que, quando formos embora daqui, eu e você iremos
passar algum tempo com vovô e vovó.
As lágrimas, lentas e grossas, começaram a rolar pelas faces rosadas do menino. Ele aproximou-se mais e abraçou a mãe com força. Ficaram assim por minutos, até que
Tessa falou:
- Seu pai ama você, mas está muito infeliz vivendo comigo agora. E eu também estou. As vezes, isso acontece a um casal.
- Por quê?
- É difícil explicar, querido. Lembra-se de quando estávamos montando aquele aviãozinho e, de repente, ele se quebrou em mil pedaços?
Scotty assentiu e ela continuou:
- Tivemos tanto trabalho, não é? Tomamos tanto cuidado com todas aquelas pecinhas e, mesmo assim, o avião se quebrou todo, não foi? Você se lembra do que fez, então?
- Eu fiquei com tanta raiva que chutei tudo e joguei o tubo de cola no lixo.
Tessa sorriu.
- Foi assim que eu e seu pai nos sentimos ontem à noite. Tentamos salvar nosso casamento, fazer com que desse certo, mas foi em vão. É por isso que papai voltou
para casa. Ficou difícil para ele continuar aqui. Não que quisesse se afastar de você, mas... ele estava zangado. Por isso tomamos uma decisão. Eu quero ser feliz
e quero que seu pai seja feliz também; por isso, é melhor não vivermos mais juntos. Porque não quero que ele fique zangado como na noite passada. Entende?
- Vocês vão se separar?
Tessa assentiu.
- Vamos - sussurrou.
- Os pais de Brad também são separados. O pai dele vem nos finais de semana e o leva.
- Eu sei.
- Papai vai fazer o mesmo?
- Nós três vamos falar sobre isso, para que você fique com seu pai quando quiser. Nós amamos você. E eu lhe prometo que vamos encontrar a melhor solução para nosso
caso.
Tessa tornou a abraçar o filho, pedindo a Deus que sua promessa pudesse ser mantida.


Capítulo 3


- Lowell?
- Entre, Grant. Eu estava esperando por você.
Grant sentou-se na cadeira diante do pastor Carr. Sentia-se à vontade ali. Encontrava-se com o pastor todas as semanas desde que se casara com Tessa, havia seis
anos, e tinham se tornado grandes amigos. Grant confiava naquele homem religioso, de meia-idade, que conseguia conciliar muito bem sua vida religiosa e conjugal.
- Obrigado por me receber hoje, pastor. O assunto que me traz aqui não poderia mesmo esperar até amanhã, quando teremos nosso jogo de basquete semanal.
- E sobre a apólice de seguros que me vendeu?
- Não. Antes fosse.
- O que houve? Você me parece preocupado. Tessa e Scotty chegaram bem do Havaí?
Grant assentiu, e o pastor acrescentou, com um sorriso:
- Diga a Tessa que as crianças sentiram sua falta no coral de domingo. Ficaremos contentes quando ela voltar.
- Bem... talvez ela não volte. É por isso que vim lhe falar.
- Por quê? O que aconteceu?
- Assim que retornou, Tessa foi até o psiquiatra, e depois viajou com Scotty para Vail, acompanhada de seus pais. O dr. Milhouse, que vem cuidando dela, me disse
que está desconfiado de que Tessa possa estar usando drogas. Estou... tentando perceber sintomas que comprovem isso.
Lowell franziu as sobrancelhas.
- Está se referindo a drogas diferentes das que ela usa no tratamento?
- Estou.
- Não acredito que Tessa fizesse tal coisa.
- Pois eu já não sei mais no que acreditar. Tessa está se tornando uma estranha para mim. Eu mesmo não acreditei nas dúvidas do psiquiatra, até que fui a Vail e
a vi. Achei que talvez pudéssemos ter uma noite maravilhosa juntos, mas encontrei minha mulher vomitando o tempo todo e tremendo sem parar. Enfim, ela parecia, de
fato, uma pessoa viciada em cocaína.
Lowell parecia surpreso e chocado.
- Isso é horrível, Grant! Sinto muito. Olhe, assim que puder, entrarei em contato com Tessa e pedirei para que venha até aqui para conversarmos, está bem?
Grant assentiu, agradecido.
- E o que pretende fazer nesse meio-tempo? - indagou o pastor.
- Não sei. E por isso que estou aqui. Quando procurei fazer com que Tessa me contasse a verdade, o pai dela apareceu e me disse para ir embora. Ele se recusou a
comentar o fato de que sua filha possa estar envolvida com narcóticos.
- É difícil acreditar que Richard tenha reagido assim.
- As coisas estão fora de controle para mim, Lowell. Meu próprio sogro praticamente me expulsou de sua casa de campo e não me deixou sair de lá com Scotty. Fiz o
que ele queria porque já era tarde da noite e eu não desejava que meu filho visse como a mãe estava. Tessa estava irreconhecível.
- Estou pasmo, Grant. Quando penso no quanto você trabalha, nos sacrifícios que faz para sustentar sua família... Bem, eu nem sei o que lhe dizer.
- Obrigado. Aprecio sua consideração. Sabe, Lowell, vim até aqui porque sei que você aconselha muitos casais, e eu esperava que me ajudasse também. Se Tessa estiver
se drogando, e tenho quase certeza de que está, acho que meu filho não deveria ficar sozinho com ela enquanto estou trabalhando.
- Compreendo sua preocupação. Parece óbvio que ela está bastante doente.
- Você não sabe nem metade da história. Ela esconde tudo de mim e agora está começando a escondê-las também do dr. Milhouse. Ele disse que tenho duas opções: se
puder provar que Tessa se droga, posso colocá-la numa clínica. Ou, então, pedir o divórcio e ficar com a guarda de Scotty.
Lowell meneou a cabeça, aborrecido.
- As duas me parecem escolhas muito tristes e difíceis de fazer, Grant. Mas a vida tem sido muito dura para você, não há dúvida.
- Pois você devia ter ouvido o dr. Jenner ao telefone, outro dia. Quando pedi para falar com meu filho, ele disse que o garoto estava dormindo. Comunicou-me que
Tessa e Scotty ficariam em sua casa em Colorado Springs na semana que vem, e que eu deveria ligar para lá se quisesse falar com minha família. - A voz de Grant tinha
um tom baixo, de raiva contida.
- Não estou gostando nada disso, sabe? Achei que seu casamento poderia ser salvo, em seu devido tempo.
- Eu me casei com uma estranha, Lowell. Há outra pessoa vivendo dentro dela agora, e seus pais parecem estar lhe dando todo o apoio possível...
- Que pena! Richard deve estar se sentindo envolvido demais no problema e não consegue raciocinar direito. Os laços entre pai e filha são sempre muito fortes. Mas
é em momentos assim que necessitamos do apoio de Deus. Talvez eu consiga falar com Vilma. O que acha?
- Não fique muito animado. Minha sogra também se opõe a qualquer coisa que se faça em relação a Tessa.
O pastor recostou-se à cadeira, pensativo. Disse, pouco depois:
- Você merece uma chance de ser feliz, Grant. Se internar sua esposa num manicômio, estará afastando Tessa de tudo e de todos. E isso seria péssimo. Creio que, das
duas opções que lhe foram apresentadas, a que faz mais sentido é o divórcio. O dr. Jenner tem condições de cuidar da filha doente. Você poderia obter a custódia
de Scotty e, talvez, algum dia, encontrar uma mulher que possa ser uma boa esposa para você e uma boa mãe
para seu filho.
- É. Eu concordo com o senhor. Então... conhece algum advogado para me indicar?
Lowell pensou por instantes.
- Vou ligar para minha mulher. Um dos primos dela é advogado trabalhista. Vou pedir que o consulte. Talvez ele possa nos indicar alguém.
- Por favor, faça isso depressa.
- Entendo sua situação, Grant, mas, você sabe, minha função é manter os casais unidos. Porém não se preocupe, Connie fará a ligação. Espere aqui. E, antes que eu
me esqueça, venha jantar conosco hoje à noite, está bem?
- Obrigado. É sempre muito difícil, para mim, ter de voltar para uma casa vazia no final do dia.
Enquanto Lowell falava ao telefone, Grant apanhou a Bíblia que estava sobre a escrivaninha e folheou-a, distraído. Minutos depois, o pastor voltava e entregava-lhe
um pedaço de papel no qual havia anotado um nome e um número. Grant repetiu o nome mecanicamente:
- Clive Medor. Nunca ouvi falar.
- Eu também não, mas o primo de Connie disse que ele é o melhor.
Grant guardou o papel no bolso da jaqueta e levantou-se.
- Eu lhe agradeço muito, Lowell.
- Fico feliz por poder ajudá-lo, Grant. Nós o esperamos às seis, está bem?
- Combinado.
Logo após se despedir do pastor, Grant correu ao estacionamento da igreja e pegou seu carro. Sua casa não ficava muito distante da igreja, mas ele estava ansioso
demais, querendo marcar uma hora com Clive Medor o mais rápido possível. Se o dr. Jenner pensava que podia fazer e desfazer tudo como bem entendesse, Grant estava
disposto a mostrar-lhe que nem todos se curvavam à sua vontade.
Ao chegar em casa, foi direto ao telefone e acionou o botão da secretária eletrônica. Havia apenas um recado, e era para Tessa. A voz era masculina e desconhecida:
"Alô, Tessa! É Paul. Como você está? Espero que o vôo de volta tenha sido ótimo. Sinto saudade de você e de Scotty. Eu queria que soubesse que enviei o presente
que eu tinha prometido a ele; deve estar chegando nos próximos dias. Ligue para o número que eu lhe dei quando achar conveniente, está bem?"


A secretária do dr. Milhouse parecia agitada:
- Doutor, é Grant Marsden na Unha dois. Ele parece fora de si. Disse que precisa falar com o senhor com urgência!
O médico pediu desculpas ao paciente à sua frente no momento e atendeu ao telefone:
- Sim?
Ele ouviu enquanto Grant lhe falava sobre a mensagem deixada na secretária eletrônica. Depois, disse, calmo:
- Esse tal Paul talvez seja quem está dando as drogas a Tessa. Talvez ele também as tome. O presente que ele mencionou deve conter as provas que estamos procurando.
Pode vir ao meu consultório em uma hora?
- Posso. Até lá já terei marcado uma hora com o advogado que meu pastor recomendou.
- E quem é ele?
- Clive Medor. Já ouviu falar?
Howard sorriu.
- Ah, já ouvi, sim.
- E ele é bom?
- Parece que não perdeu nenhum caso até hoje.
- Ótimo! Obrigado por me receber ainda hoje.


Tessa tinha a sensação horrível de estar caindo num abismo profundo.
- Papai, acho que vou morrer...
- Já vai passar, querida. Tenha fé. Continue segurando minha mão e caminhando.
- Eu... não consigo...
- Consegue, sim. Respire fundo. Vamos!
- Acho que vou vomitar de novo...
O dr. Jenner amparou a filha, vendo-a curvar-se sobre a neve. Tirou alguns lenços de papel do bolso e ofereceu-os a ela, perguntando:
- Está melhor?
- Acho que preciso me deitar.
- Seria melhor se pudesse andar, meu amor. Vamos. Você pode.
- Esse zumbido nos meus ouvidos vai acabar me deixando louca! Parece que existe um vulcão dentro de mim!
- Vai passar. Olhe, mastigue este chiclete.
Ele desembrulhou a goma e colocou o tablete entre os lábios trêmulos de Tessa.
- Vamos, querida! Você já passou pela pior parte. Tenho muito orgulho de você.
Continuaram a caminhar e, pouco depois, Tessa já se sentia melhor.
Logo à sua frente, avistou a mãe e Scotty e acenou para eles. O menino pulou do trenó no qual vinha e correu em sua direção.
- E então, querido? - Tessa perguntou, desejando que o filho não notasse suas pernas trêmulas. - Parece que você e a vovó estão se divertindo muito, não?
- É. Vovó está me empurrando, como no desenho que vimos nas férias, lembra? - Scotty falava rápido, e logo emendou: - Sabe, a vovó Marsden me ligou.
Tessa sentiu o coração bater mais depressa. Olhou para os pais, preocupada. Sabia que Grant estava zangado. Seria por isso que sua sogra ligara para o menino?
- E o que ela lhe disse?
- Amanhã é o aniversário de Susie. Todos vão ao McDonaWs. E ela quer que eu vá também.
- Você quer ir, querido?
- Só se você for.
- A mamãe ainda está doente - interferiu o dr. Jenner. - Podemos comprar um presente para sua priminha e levá-lo na semana que vem. O que acha?
- O que poderíamos comprar para ela, vovô?
- Não sei. Que tal um trenó igual ao seu?
- Ela já tem um.
- Aposto que o dela não tem sininhos.
Tessa sorriu ao ver seu pai falando com Scotty. Ambos se afastavam, conversando, e ela podia notar o carinho, a devoção dele para com o menino.

- Sra. Marsden? O dr. Pett vai recebê-la agora.
- Obrigada.
Sentindo-se ainda um tanto hesitante, Tessa entrou no escritório do homem que seria seu advogado. Assim que a viu, o senhor calvo, de meia-idade, sorriu abertamente
e estendeu-lhe a mão, para um aperto vigoroso.
- Que bom vê-la, Tessa. Você está cada dia mais bonita! Sente-se, por favor.
Tessa sentia-se ainda um tanto fraca, mas não sentia mais náuseas.
O advogado sentou-se à sua escrivaninha e olhou-a com atenção.
- Fiquei surpreso e triste ao saber que precisava dos meus serviços, Tessa.
- Também estou muito triste, doutor.
- Não se ofenda, mas... posso ver como está estressada.
Ela sorriu, abatida. Sofrerá outro ataque de ansiedade enquanto subia, no elevador. Fora, então, até a sala de espera e ficara lá até sentir-se melhor.
- Tem sido difícil para mim, doutor. Mas acredito que tudo ficará melhor após meu divórcio.
- Você tem um filho, não?
- Tenho. 0 nome dele é Scotty. Já tem quase seis anos.
Pett ergueu as sobrancelhas.
- 0 tempo passa rápido... - observou. Colocou os óculos e pegou um bloco de papel. - Muito bem, vamos começar: por que quer pedir o divórcio?
- Porque eu e Grant fomos incompatíveis desde o começo, mas agora a situação é insustentável.
- Seu marido sabe que quer a separação?
- Acho que ele espera que eu o faça. Há alguns dias passamos por uma situação bastante... desagradável no chalé de meus pais, em Vail. Não vi Grant desde então.
Eu e Scotty estamos vivendo com meus pais. Meu filho já falou com o pai pelo telefone, mas não houve visitas.
- Por que não?
- Porque Grant foi muito indelicado comigo na ocasião que já mencionei. Meu pai pediu a ele que se acalmasse. Achamos que seria melhor assim, até que eu pudesse
vir aqui e pedir seu aconselhamento.
O advogado assentiu, dizendo:
- Conte-me tudo o que houve até agora.
Procurando deixar as emoções de lado, Tessa traçou um painel de como sua vida com Grant tinha sido até o presente. Falou também sobre sua internação para livrar-se
da medicação que tomava havia anos, mas pediu ao advogado que mantivesse essa informação em segredo.
- Agora entendo o motivo de sua palidez, de seu abatimento geral, Tessa. Você é uma mulher muito corajosa.
- Não sei se sou, doutor. Mas estou procurando ser. Preciso ser.
- Que bom! E como você pretende se sustentar após o divórcio?
- Sou professora de música. Pretendo lecionar num coral. O diretor de pessoal da Secretaria de Educação disse-me que há noventa por cento de chance de me contratarem
no próximo semestre.
- Ótimo, Tessa! E até lá?
- Vou trabalhar meio período e tentar achar um apartamento pequeno para mim e Scotty. Já pedi para ser auxiliar de ensino numa escola local e acho que vou conseguir
o emprego. Saberei na semana que vem. Vou trabalhar à tarde, enquanto Scotty vai à pré-escola.
Não posso abusar da boa vontade de minha mãe para cuidar dele.
- Seus pais a amam e tenho certeza de que lhe darão todo o apoio possível. Isso tornará tudo mais fácil para você e o menino.
- Eu sei. Mas detesto incomodar.
- Seu filho não a incomoda, não é? Pois então: seus pais também não consideram você um estorvo. Eu também tenho três filhos e não os perdoaria se não me deixassem
ajudá-los num momento de crise.
Tessa sorriu.
- Seus filhos e eu temos muita sorte...
- Bem, vejamos: haveria algum problema para você se Grant obtivesse o direito de visitar o menino como e quando quisesse?
- Não. Grant sempre foi um bom pai, e Scotty gosta muito dele. Não quero que nada mude nesse sentido.
- Ótimo. Vamos falar em divisão de bens, então.
Tessa e Grant tinham comprado uma casa, que ainda estavam pagando. Não possuíam outros bens materiais.
- E quanto à pensão alimentícia? - Pett prosseguiu.
- Se Grant pagar uma quantia razoável para o sustento de Scotty, estará tudo bem. Ele não ganha muito; não quero vê-lo atrapalhado por causa da separação. Vou vender
meu anel de brilhantes e usar o dinheiro para alugar um apartamento pelos primeiros três meses. Depois, tendo conseguido o emprego na escola, poderei me sustentar
sozinha.
- Então, está certo. Vou providenciar a documentação, e seu marido deverá ser notificado nos próximos dois dias. Acredito que não haverá problema nenhum e poderemos
resolver tudo em breve.
Tessa estava aliviada, mas percebia que outro ataque de ansiedade se preparava; precisava sair depressa dali.
- Obrigada, dr. Pett. Sinto-me melhor, agora que o processo já vai ser preparado.
Tessa despediu-se do advogado e saiu logo do escritório.
Evitou o elevador, indo direto às escadas, pois não queria que ninguém presenciasse seu sofrimento.


Clive Medor ligou o gravador e foi até seu futuro cliente, cumprimentando-o:
- Então, você é Grant Marsden. Acho que já o vi no álbum do Country Club. Você é um dos melhores no golfe aqui em Colorado Springs!
Ambos apertaram-se as mãos, enquanto Grant sorria devido à referência a seu esporte favorito. Medor continuou:
- Minha secretária me disse que seu sogro não permitiu que levasse seu filho para casa. Vamos dar um jeito nisso.
- Graças a Deus!
- Sente-se e relaxe. Quer um café?
- Sim, obrigado.
Medor acionou o interfone, fez o pedido à secretária e sentou-se diante do cliente.
- Bem, vamos falar sobre seu filho. Tem alguma foto dele?
Grant tirou a carteira do bolso, pegou uma foto de Scotty e Tessa, que trazia sempre consigo e entregou-a ao advogado. Foi Tessa quem chamou a atenção de Medor.
- Acho que também reconheço sua esposa de algum álbum que vi no Country Club.
- É. Ela foi Miss Country Club no ano em que nos casamos.
Aquela foto fazia Medor lembrar-se das novelas de tevê. Quando sua mulher o deixara, dois meses após o casamento, para fugir com outro homem, a única coisa que fizera
durante meses fora assistir à televisão. E, embora isso tivesse sido há muito tempo, Medor ainda se recordava dos enredos picantes das novelas que apreciava então,
para confortar sua própria dor e revolta. E agora, aquela mulher da foto fazia-o lembrar-se de alguma das histórias que vira. Estranho... Era uma bela mulher, sem
dúvida; e tinha classe,
podia-se ver, além daquele olhar distante que poderia levar qualquer homem à loucura. O tipo de mulher que não notava um homem, a não ser que quisesse. Uma mulher
que jamais o notaria; a ele, Medor...
- Uma mulher como esta poderia causar muito sofrimento a um homem - comentou, sem reservas.
- É verdade - Grant concordou, num murmúrio aborrecido.
A secretária entrou no escritório, com o café, deixando as xícaras sobre a escrivaninha. Após sua saída, Medor devolveu a fotografia a Grant, dizendo, com firmeza:
- Ninguém tem o direito de afastá-lo de seu filho, Grant. Agora, fale-me sobre seu casamento.
Grant passou a falar sobre Tessa, sobre sua firma de seguros, e o quanto faturava por mês. As vezes, quando algum detalhe favorecia o assunto, falava sobre os esportes
de que gostava. O advogado o acompanhava, animado. Pareciam estar se entendendo muito bem.

- Olá, beleza! - cumprimentou um freguês da lanchonete do fórum, o advogado Alex Sommerfield, sorrindo para Hannah, a garçonete gorducha e simpática. - O que temos
para o desjejum hoje?
- Mas já são duas da tarde, doutor!
- Bem, eu estive trabalhando, moça! Onde estão as rosquinhas, o café, os bolos?
Hannah sorriu. Foi até o bule enorme e trouxe-o, dizendo:
- Guardei algumas roscas para o senhor, como sempre. E o café está quentinho.
- Ah! Deus a abençoe, Hannah!
- Como é que o senhor pode comer tantos doces e ainda estar em tão boa forma?! Parece Mel Gibson!
Alex sorriu. Desde que conhecera a garçonete, ela sempre elogiava sua aparência, comparando-o com algum artista famoso.
- Puxa! Estou bonito hoje, então!
- E não? Como as garotas que trabalham no seu escritório agüentam?
- Não sei. Acho que vivem suspirando pelos cantos.
- Ele falava com bom humor, como sempre.
- É mesmo?
Alex sorriu.
- Não, Hannah. As duas moças que trabalhavam no escritório se casaram e saíram do emprego. Só tenho homens trabalhando comigo agora.
- Sei, sei.
O jeito incrédulo da garçonete o fez sorrir mais uma vez. Na verdade, Hannah tinha certa razão em desconfiar, pois, desde que se divorciara, havia dois anos, Alex
sempre estivera em contato com muitas mulheres sem, no entanto, envolver-se com nenhuma delas.
Deixou de falar com a garçonete, que se afastou por trás do balcão, e abriu sua pasta, verificando os documentos do processo no qual trabalhava no momento. Estava
ansioso pela decisão do juiz Gore. Queria acabar com Clive Medor naquele último caso de custódia de crianças. Alex costumava ter um bom relacionamento com todos
os seus colegas, às vezes freqüentava suas casas socialmente após o expediente; mas, com Clive Medor,
tudo era diferente. Ao apertar a mão daquele advogado adversário, antes de uma audiência, ele sabia sempre que estava começando uma batalha, e não uma confrontação
de dois profissionais bem qualificados. Alex sabia, na verdade, que Medor seria capaz de cortar o pescoço da própria mãe para ganhar uma causa.
Às vezes, Alex chegava a imaginar que havia uma agenda escondida naquela mente maquiavélica. Medor parecia ter um ódio interior pelas mulheres, o qual não fazia
questão de ocultar. Alex chegara até a pensar que o outro tivesse uma certa perturbação mental.
Em seus dez anos como advogado, Alex vencera dois dos quatro casos em que se vira confrontando Medor. E, nas outras duas vezes, os clientes de Alex não lhe tinham
dito a verdade desde o começo dos processos.
Em ambos os casos, Medor não tivera complacência para com o colega, procurando humilhá-lo e irritá-lo onde quer que se encontrassem: nos corredores do fórum, no
elevador, na lanchonete. Após a segunda derrota para o homem que muitos outros advogados chamavam de Pequeno Hitler, Alex jurara que nenhum outro cliente seu esconderia
fosse o que fosse; nem que ele tivesse de vasculhar toda sua vida para preparar a defesa de sua causa.
Duas horas mais tarde, Alex corria para o elevador, orgulhoso de si mesmo pela vitória que acabava de conquistar contra Medor. Voltaria depressa a seu escritório,
para atender aos inúmeros telefonemas que deveriam ter sido feitos enquanto estava no tribunal.
A demora, porém, o fez optar pelas escadas, onde ouviu, de repente:
- Espere, advogado!
Alex parou e voltou-se, encontrando o rosto sardônico de Clive Medor.
- Você não me deu chance de cumprimentá-lo pela brilhante vitória.
- Sinto muito, mas estou com pressa, Clive. - Alex continuou a descer.
- Também estou. - O outro já o acompanhava, -Tenho um novo caso de custódia nas mãos, que vai estabelecer um precedente na justiça deste Estado!
- Verdade? - Alex sorriu, sem querer dar muita atenção a Medor. - E o que isso quer dizer? Que todas as mães que requerem a guarda de seus filhos devem cair mortas
agora?
- Sei que o incomoda o fato de eu estar mudando a percepção das pessoas sobre a sacrossanta instituição da maternidade, mas...
Alex parou e voltou-se, fazendo Clive interromper o que dizia.
- O que me incomoda, Medor, é esse seu jeito nojento de apreciar e acreditar no que diz.


Capítulo 04

- Tessa? É você?
- Sim, mamãe. Adivinhe o que aconteceu! Consegui o emprego de auxiliar de ensino! Vou começar amanhã!
Tessa tirou depressa o pesado casaco de inverno e correu até o estúdio, de onde viera a voz de sua mãe. Estava ansiosa por contar os detalhes do novo serviço; o
salário não seria muito alto, mas seria suficiente para viver bem com Scotty.
Já se haviam passado mais de dois dias desde que visitara o advogado, e Grant já devia ter recebido o comunicado sobre seu pedido de divórcio. Tessa estava ansiosa
por saber se ele ligara para falar algo a respeito.
Quanto entrou no estúdio, encontrou sua mãe com a cabeça apoiada nas mãos, numa atitude desconsolada.
- Mamãe, o que houve? Por que está assim?
Vilma olhou para a filha e respirou fundo.
- Milo Pett ligou - informou, em voz baixa e cansada.
- Ele tinha notícias não muito agradáveis, querida.
Tessa sentiu o coração acelerar, como quando tinha aqueles ataques de ansiedade que agora estavam se espaçando cada vez mais. Sentou-se numa das poltronas macias,
esperando pelas más novas.
- Grant já recebeu os papéis - Vilma continuou. -Mas ele já tinha entrado com uma ação na Justiça, pedindo a custódia integral de Scotty. Ele alega que você não
está capacitada para criar o menino em segurança.
- O quê?!
- Ainda há mais, meu amor. Milo disse que, após ler todo o material apresentado pelo outro advogado, ele não vê como poderá defendê-la e fazer-lhe justiça.
- Mamãe, você não pode estar falando sério!
- Infelizmente, estou, Tessa. Milo sugeriu que você encontre o quanto antes um bom advogado que lide apenas com casos específicos de custódia de crianças. E ele
também... não quis cobrar a consulta que você lhe fez, nem a abertura do processo de divórcio. Já tentei me comunicar com seu pai, mas ele estava em meio a uma cirurgia.
Winn está vindo para cá. Scotty logo chegará da escola e fico aliviada por você já estar aqui. Não quero
que o menino fique triste com as notícias.
Tessa estava em estado de choque. O mundo parecia desabar.
- Querida, eu sinto tanto! Não queria vê-la passar por esse pesadelo.
- Mãe! - a voz de Winn chamou, da entrada da casa.
- No estúdio! - Vilma informou, em voz alta.
Quando viu o irmão aparecer à porta, Tessa atirou-se em seus braços.
- Ei, Tessie... O que houve? O que Grant fez dessa vez?
Incapaz de falar, Tessa deixou-se cair de novo sobre a poltrona, ouvindo a mãe repetir as novidades para o irmão.
- Mas, afinal, que tipo de material o advogado de Grant pode ter apresentado para acusar Tessa de não ser capaz de criar Scotty?! - Winn protestou, após ouvi-la.
Foi Tessa quem explicou:
- Deve ter algo a ver com o fato de eu estar me consultando com um psiquiatra há anos. Grant sempre me acusou de ser louca.
- Mas o que é isso?! Em que século ele vive? Milhões de pessoas consultam psiquiatras e não são loucas! E depois, que droga de advogado é Milo Pett?!
- Ele é um bom profissional, Winn - Vilma respondeu, afastando os cabelos da testa. - Apenas não se considera apto a lidar com esse tipo de caso em particular. Ele
não está acostumado a trabalhar com questões que envolvam custódia de menores.
- Vou ligar para um amigo meu, então: Roger Thorn.
Ele já fez muitos divórcios. Posso ligar, Tessie?
Ela assentiu e buscou o conforto da mão de Vilma, enquanto Winn telefonava. Seus pensamentos pareciam estar embaralhados, e sua cabeça começava a doer.
- Tessie - Winn chamou, pouco depois. - Roger está na linha, mas está ocupado com um cliente. Ele quer saber o nome do advogado que Grant contratou.
- Não tenho idéia. Não falo com ele há algum tempo.
- Espere! - Vilma interferiu, indo pegar um bloco sobre a escrivaninha. - Anotei tudo o que Milo me disse. Aqui está: o nome dele é Clive Medor.
Winn informou o nome ao amigo, depois calou-se, ouvindo. Tessa podia ver os músculos de seu rosto se enrijecendo conforme ouvia.
- Então, quem pode defendê-la?! - ele protestou, por fim. Depois, mais calmo, acrescentou: - Está certo. Obrigado, Roger. Até!
Sem vacilar, Winn desligou e em seguida discou o número que acabara de anotar. Pelo jeito como falou, devia estar sendo atendido por uma secretária. Como não olhasse
nem para Tessa, nem para sua mãe, era fácil notar que Winn estava muito tenso.
De repente, a porta da frente se abriu. Todos ouviram. Era Scotty, que chegava da escola.
Winn desligou o telefone. Sua expressão não era nada boa, e tanto Vilma quanto Tessa conheciam aquele brilho diferente nos olhos dele, que surgia quando estava,
de fato, muito irritado.
- O que houve, filho? - Vilma perguntou, sem poder mais se conter.
- Parece que o tal Clive Medor é, mesmo, terrível. Tem um incrível reputação de ajudar homens a conseguir custódia total dos filhos. Roger disse que Tessa precisa
de alguém tão habilidoso e sagaz quanto Medor para equilibrar a situação. Acho que isso acabará custando uma pequena fortuna, porque o advogado que Roger recomendou
cobra caro.
Tessa sentia um aperto no peito. Podia ouvir seu filho chamando-a do hall de entrada, mas não respondia porque sua preocupação agora estava totalmente voltada para
as palavras de Winn.
- Eu vou atender Scotty. Vocês podem continuar discutindo o assunto-Vilma se prontificou, saindo do estúdio.
Tessa cobriu o rosto com as mãos.
- Oh, Winn, acho que terei de parar por aqui. Não quero envolver mamãe e papai em problemas financeiros que nada têm a ver com eles.
- Que tal se eu lhe emprestasse o dinheiro?
- Não... Adoro você por estar me fazendo essa oferta, mas está fazendo seu pé-de-meia e não quero atrapalhá-lo.
- Sei. Prefere perder Scotty, então?
Tessa encarou-o com os olhos vermelhos, marejados de lágrimas.
- Seu amigo Roger acha que há, de fato, essa possibilidade?
Winn assentiu e acrescentou:
- Os outros advogados chamam Medor de Pequeno Hitler porque ele não tem piedade nenhuma. Já ganhou inúmeros casos de guarda de crianças. Roger disse que apenas um
homem no Colorado o enfrentou nos tribunais e conseguiu derrotá-lo. O nome dele é Alex Sommerfield. Acabei de falar com um assistente dele, que disse que você pode
ir até o escritório para uma consulta, amanhã ao meio-dia. Mas ele já adiantou que Sommerfield talvez não possa assumir o caso, porque anda muito ocupado. Mas não
custa nada tentar, não é?
Tessa cerrou os olhos, abalada e confusa.
- Oh, meu Deus! Mal posso acreditar que isso esteja acontecendo. Acabei de arrumar um emprego na escola e deveria estar lá amanhã ao meio-dia...
- Então telefone e diga a eles que só poderá ir depois de amanhã. De acordo com as anotações que mamãe fez aqui, há uma espécie de mandado judicial referente a Scotty
que será levado a efeito dentro de três dias.
- O quê?!
- É o que está escrito aqui.
- Vou ligar para o dr. Pett.
Tessa pegou o telefone e discou. Foi a secretária quem atendeu.
- Sinto muito, sra. Marsden, mas o dr. Pett foi para o fórum. Ele pediu, porém, que, caso a senhora telefonasse, eu lhe dissesse que deve arranjar um advogado o
quanto antes. Há um mandado pronto contra a senhora.
- É por isso mesmo que estou ligando. Que tipo de mandado é esse?
- Eu não sei. Mas, assim que contratar outro advogado, por favor ligue de novo para que possamos encaminhar os papéis diretamente a ele.
- Obrigada - Tessa respondeu, contrafeita, e desligou.
Olhou para o irmão e caiu mais uma vez em seus braços.

Alex entrou no escritório e tirou o sobretudo e o paletó, pendurando-os num mancebo, à esquerda da porta. Gostava de chegar antes das seis, porque ainda não havia
ninguém por ali. Assim, podia analisar seus casos, raciocinar com calma e clareza, sem ninguém para perturbá-lo.
Arregaçou as mangas da camisa e sentou-se a sua mesa, pegando a primeira das oito pastas colocadas sobre ela. Seus olhos encontraram logo o bilhete colado ao telefone.
Era de seu assistente, Burt, e dizia: "Alex. Achei que você poderia se interessar por este caso. Medor está do outro lado, mais uma vez. E aquele caso de custódia
que ele diz que vai abrir um precedente na Justiça do Colorado. Dois advogados já se recusaram a cuidar do assunto. Um deles, Roger Thorn, disse a Winn Jenner, irmão
da mulher em questão, que você é a única pessoa que pode enfrentar Medor. Tessa Marsden estará aqui hoje ao meio-dia, para um primeiro contato com você. O advogado
que ela procurou antes é Milo Pett. Estão com ele os papéis referentes ao processo. Parece haver um mandado a ser cumprido dentro de três dias sobre o menino, Scotty,
de seis anos de idade".
Alex recostou-se na cadeira, ponderando que deveria dar um bom aumento a Burt; ele, mais uma vez, provava sua eficiência.
A porta da frente do escritório se abriu e fechou, fazendo Alex erguer a cabeça e indagar:
- Gus? É você?
- Não. Sou eu, Burt. - O eficiente auxiliar colocou a cabeça pelo vão da porta.
- O que está fazendo aqui tão cedo, rapaz?
- Achei que gostaria de dar uma olhada nos papéis de Milo Pett sobre o caso Marsden, então, antes de ir para casa ontem, fui até o escritório dele e os peguei. Estão
aqui.
- Você deve ter lido meus pensamentos. Quando recebeu o telefonema?
- Faltava pouco para as três da tarde. Olhe, já pedi uma térmica com café.
Alex sorriu. Burt era ótimo, de fato. Deixou o rapaz prosseguir:
- Fiz algumas averiguações também, porque o nome Winn Jenner me pareceu familiar. Ele é o arquiteto responsável pela reforma que transformou aquele velho cinema
no centro em um belo restaurante.
Alex assentiu.
- É. Foi um belo trabalho.
- Também descobri que o pai da moça é o dr. Richard Jenner, cirurgião ortopedista, que também é um grande admirador e patrocinador da orquestra sinfônica.
Alex ergueu as sobrancelhas, admirado.
- Meu ex-cunhado, Neil, foi operado por ele quando quebrou a clavícula, num jogo de futebol. Esse médico fez um excelente serviço, na época.
Alex enfiou a mão no bolso do paletó pendurado e tirou de lá dois ingressos para o jogo de beisebol do domingo próximo. Entregou-os ao rapaz, sabendo que o deixaria
eufórico.
- Obrigado, chefe! - Os olhos de Burt brilhavam de satisfação.
Animado com o novo caso, Alex mergulhou no serviço, sentindo já um prazer antecipado por poder enfrentar Clive Medor mais uma vez.

Grant saiu para pegar a correspondência e viu a caixa que acabara de ser entregue. Na tampa, havia o logotipo de uma loja e o nome e endereço, logo abaixo: "Bazar
Pérola Negra, Hotel Tradewinds, Honolulu, Havaí".
Seus olhos cerraram-se um pouco ao ler o destinatário: "Para o mestre Scotty Marsden e família".
Cerrando os dentes, ele voltou para dentro de casa, disposto a abrir o pacote e encontrar as provas de que precisava para comprometer ainda mais a esposa. Colocou
a caixa sobre a pia da cozinha e abriu-a com gestos rápidos, tensos. Tudo o que encontrou, porém, foram cocos, abacaxis e castanhas. Nada de drogas.
Havia um bilhete entre as frutas, que dizia: "Relembrando os dias maravilhosos que me trouxeram muita felicidade. Com carinho, Paul Wong".
Grant sentiu a raiva tomar conta de si. Tessa jamais o fizera pensar que poderia haver outro homem em sua vida. E o que o convencera disso era aquela absurda inabilidade
que tinha para satisfazê-lo sexualmente e sua recusa em se vestir e se comportar de modo mais atraente, mais provocante.
No entanto, agora, suas convicções pareciam oscilar à beira de uma realidade chocante. O dr. Milhouse estava certo, então: não deveria ter deixado que Tessa viajasse
sozinha com o menino. Ela podia não gostar de sexo, mas apenas com ele, Grant.
Sua garganta estava seca; todos os seus nervos, tensos. Apaixonara-se por Tessa ainda no ginásio, quando era muito querido por todas as garotas; mas escolhera-a
entre todas. E agora ela o traía daquela maneira! Pensar que ela pudesse ter dormido com um estranho chamado Wong fazia-o ter náuseas.
Foi, então, até o telefone e ligou para a casa dos Jenner.
- Quero falar com Scotty! - vociferou, assim que Vilma atendeu.
- Olá, Grant. Espere um minuto. Vou chamá-lo.
Grant sorriu, irônico. A sempre educada Vilma Jenner ficaria horrorizada em saber que sua filha estivera saindo com um traficante.
- Papai? - Scotty atendeu.
- Olá, companheiro! Como está?
- Estou bem. Tio Winn está colocando sinos no trenó que vou dar a Susie e eu estou ajudando.
- É mesmo? - Grant apertava com força o lápis que tinha entre os dedos. - Escute, fale-me sobre aquele homem que você conheceu no Havaí, chamado Paul Wong.
- O presente dele já chegou? - A euforia na voz do menino irritou o pai ainda mais.
- Chegou, sim. - Ele procurava se conter para não assustar Scotty. - Espero que não se importe por eu tê-lo aberto. Foi bom, sabe, porque poderia ter estragado.
- O que era?
- Castanhas, abacaxis e cocos.
- Ah, sei. Paul nos levou a alguns lugares. Ele me ensinou a colher abacaxis e a abrir cocos. E me deu uma faquinha que pertenceu a seu filho. Ele também me ensinou
a usá-la, para que eu não me machucasse. Sabe, ela serve para cortar frutas.
Grant cerrou os dentes.
- Puxa, ele parece ser um bom sujeito - comentou, a contragosto. - Vocês passaram muito tempo com ele?
- Todos os dias. Ele é o dono do hotel. Podíamos fazer o que quiséssemos. Ele nos levou para passear em seu jipe. Foi gostoso. E um dia ele nos levou em seu avião
até outras ilhas.
Os dedos de Grant crisparam-se no aparelho.
- Deve ter sido divertido, Scotty. Escute, que tal vir para casa? Quero saber mais sobre sua viagem.
- Está certo. Espere, vou falar com a vovó.
Pouco depois, Vilma estava ao telefone:
- Grant?
- Quero falar com meu filho!
- Eu sei. Ele também quer vê-lo. Mas, devido ao que houve no chalé, nosso advogado achou por bem esperarmos até que ambos os advogados decidam sobre as visitas.
Acredito que dentro de dois dias, no máximo, tudo já esteja acertado.
Grant sorriu com maldade. Tudo estaria acertado, sim. Clive Medor garantiria isso. E então os Jenner estariam vencidos, de joelhos.
- Obrigado, Vilma - ele se despediu, desligando o telefone.
Pouco depois, ligava para Medor. Tessa estava muito enganada se pensava que podia dormir com qualquer outro homem e não ser castigada por isso.
Ela que esperasse. Scotty não ficaria em sua companhia por muito tempo.


Alex saiu de seu escritório, para a ante-sala, a fim de cumprimentar a mulher que Clive Medor pretendia prejudicar. Para sua surpresa, toda a família Jenner estava
ali.
Todos se levantaram assim que o viram. As duas mulheres, na certa mãe e filha, eram muito bonitas e elegantes. Os homens eram ambos altos, fortes, bem apessoados,
e muito parecidos; pai e filho, com certeza.
As expressões em seus rostos eram preocupadas; seus olhares, francos, diretos. Nove entre dez clientes que olhavam Alex nos olhos eram confiáveis. Ele se enganara
apenas duas vezes, mas isso não aconteceria de novo. Era difícil ver uma família assim tão unida. E era bonito, também, em dias tão conturbados, onde reinava tanta
desarmonia e falta de amor.
Todos cumprimentaram-no, e a moça foi a última a estender-lhe a mão. Aquela deveria ser Tessa, sem dúvida.
Ele ainda não dissera que aceitava o caso; ainda não lera os relatórios que deixara sobre a escrivaninha. Como o professor que prefere ignorar as provas e avaliar
por si mesmo os alunos que tem, Alex queria conhecer primeiro a mulher envolvida no processo antes de ver sua história, exposta por um colega sem escrúpulos.
Alex notara logo o jeito muito feminino de Tessa. Mas não estava preparado para a estranha e intensa sensação que teve ao tocar sua mão fria. Percebeu sua respiração
acelerada, movimentando-lhe o colo suave, arredondado. Havia gotículas de suor em sua testa, como se ela estivesse muito angustiada e tensa, e suas pupilas estavam
dilatadas no castanho-claro que as envolvia.
Alex percebeu de imediato que ela estava desesperada.
Sentiu um impulso masculino de protegê-la e, por algum estranho processo de seleção natural, encontrou-se preso a Tessa Marsden.
- Você não vai perder seu filhinho - disse-lhe, calmo, enquanto fazia um sinal a toda a família, convidando-os a entrar em seu escritório.

Tessa sentira o ataque de ansiedade se aproximando assim que passaram pela recepção. Procurava controlar-se, como seu pai lhe ensinara, ficando consciente, mas num
nível de percepção diferente.
Sentia o coração apressado, angustiando-a. Alguém se aproximara e tomara sua mão num aperto forte, viril e, ainda assim, confortador. As palavras vibraram em sua
mente, cheias de significado: "Você não vai perder seu filhinho". A sensação de segurança e proteção era incrível...
- Estou aqui, querida. - A voz de seu pai confortou-a ainda mais. - Vamos, apóie-se em mim. Tudo vai estar bem.
Tessa acompanhou o pai, como ele dizia, sentindo ainda o zumbido perturbador nos ouvidos.
Quando conseguiu recobrar forças suficientes para falar, indagou, em voz baixa, para o dr. Jenner:
- Meu Deus, o que o dr. Sommerfield vai pensar de mim?
- Nós vamos contar a verdade a ele. Toda a verdade. Então, ele não poderá pensar nada. Vai estar a par de tudo por que você tem passado.

Alex deixou a porta aberta, para que o dr. Jenner e sua filha entrassem, instantes após os demais.
Pelo que pudera observar, aquela moça estava doente. Sob circunstâncias normais, a doença de alguém nada tinha a ver com um processo de divórcio baseado em incompatibilidade,
mas Alex já fizera certas investigações.
Dois excelentes advogados tinham se recusado a representar Tessa Marsden, sendo que um deles era amigo pessoal do dr. Jenner. Era fácil deduzir que Clive Medor soubesse
algo sobre aquela mulher que pudesse prejudicá-la muito na ação de divórcio. Ele até já dissera que esse caso traria novidades nos termos judiciais... "Só sobre
meu cadáver", pensou Alex, observando os olhos castanhos de Tessa Marsden, que antes estavam
apavorados e agora imploravam-lhe compreensão.


Capítulo 5

- Já li a documentação que Milo Pett preparou contra seu marido, Tessa - Alex informou, assim que todos se sentaram diante de sua mesa. - Importa-se que eu a chame
pelo primeiro nome?
- Não. Até prefiro assim.
- Também prefiro que todos vocês me chamem de Alex. Já que nenhum advogado quis aceitar sua causa, há algo que queiram acrescentar a estes documentos, Tessa? Qualquer
coisa que talvez tenha se esquecido de mencionar, ou não quisesse revelar?
- Não.
- Isso significa que vai aceitar o caso?
- Exato, dr. Jenner.
O alívio no rosto do médico era visível.
- E o senhor sabe que tipo de alegação o advogado de Grant tem para considerar minha filha incapaz de criar Scotty?
Apesar dos modos educados, Alex poderia jurar que aquele homem estava furioso. E a batalha apenas começava...
- A função exclusiva do dr. Medor parece ser conseguir a custódia das crianças para os pais, dr. Jenner - explicou Alex. - Por enquanto, não preciso saber do conteúdo
da documentação que o dr. Pett me enviou para alertá-los de que Medor usará tudo o que puder para provar que Tessa é uma mãe incapaz.
Alex viu que as duas mulheres buscavam a mão uma da outra, aflitas, enquanto o rapaz olhava para o pai e apertava os lábios.
Voltou a fixar sua cliente para indagar:
- Quer me contar tudo o que aconteceu na recepção há poucos instantes?
Sem hesitar, Tessa explicou:
- Tenho tentado me livrar de certas drogas nas últimas duas semanas. Meu pai tem me ajudado nisso.
Drogas. Alex podia imaginar a satisfação de Medor.
- A que tipo de drogas se refere?
- Posso interferir? - O dr. Jenner inclinou o corpo para a frente e, ao ver o assentimento do advogado, prosseguiu, narrando todo o tratamento pelo qual sua filha
tinha passado.
Conforme ouvia, Alex mais e mais admirava a coragem e determinação daquela moça, que arriscara a própria vida para ver-se livre de uma medicação escravizadora.
O homem mencionado no relato, de nome Paul Wong, devia ter influenciado muito na decisão de Tessa. Talvez houvesse algo no relacionamento entre os dois que ela
preferira esconder da família. Faria essa pergunta mais tarde, quando estivessem a sós. Era um dado importante, já que Medor poderia usá-lo para acrescentar o problema
do adultério em sua apresentação dos fatos. O Pequeno Hitler ficaria histérico ao saber que a esposa de seu cliente não estava usando drogas ilegais como, com certeza,
ele já a acusara.
Ao contrário, ela estava procurando ter uma vida saudável. De acordo com as explicações do dr. Jenner, durante os quatro anos em que estivera sob os cuidados do
psiquiatra, Tessa sempre cuidara muito bem do filho. Isso poderia ser usado em seu favor na Corte, se o garotinho fosse chamado a depor e se submetesse ao exame
de um psicólogo.
A Corte pediria também uma análise psicológica de Tessa e sua família, depois de determinar uma avaliação de custódia que incluiria a opinião de um psiquiatra.
Alex poderia adiar tal avaliação por algumas semanas, até que os sintomas do tratamento a que Tessa se submetera desaparecessem por completo.
- Tessa, antes que eu responda à ação movida por parte de seu marido, gostaria de conversar a sós com você.
Vilma e Winn levantaram-se e aproximaram-se da mesa para despedirem-se de Alex.
- Minha filha tem sido uma ótima mãe para Scotty, e o menino a adora. Não sei por que Grant está dizendo o contrário. De qualquer forma, obrigada por aceitar a causa,
doutor.
- É um prazer, pode ter certeza.
Winn falou a seguir:
- Tessie era feliz antes de conhecer Grant, Alex. Esse casamento foi um erro desde o princípio. Tenho insistido para que ela se divorcie há bastante tempo, mas a
igreja que freqüentamos não aceita muito bem essa idéia, e Tessa tem se esforçado por continuar algo que acabou há anos.
O comentário de Winn provocou certas lembranças em Alex. Ele próprio adiara seu divórcio pelas mesmas razões.
- Farei o que puder para ajudar minha irmã.
- Conto com isso, Winn. - Alex sorriu.
Depois, foi a vez do dr. Jenner apertar a mão do advogado.
- Eu o avisarei sobre o dia da audiência - Alex garantiu.
Ao ficar a sós com Tessa, ele tornou a sentar-se e chamou Burt pelo interfone. Precisavam beber algo.
- Aceita um café ou um refrigerante? - ele indagou, sorrindo.
- Uma soda - Tessa respondeu, sorrindo também, pela primeira vez.
Alex notou sua beleza serena, seus grandes e expressivos olhos, sua boca bem desenhada. Pediu as bebidas ao assistente e voltou ao assunto do divórcio:
- Quem tocou no assunto de separação primeiro: você ou seu marido?
- Meu pai falou com você sobre aquela noite no chalé quando Grant me acusou de estar tomando drogas. Ele pediu para que meu marido fosse embora e não deixou que
levasse Scotty. Acho que Grant compreendeu que nosso casamento terminava ali. Mas nenhum de nós jamais usou a palavra "divórcio". Quando voltei do Havaí, fiz uma
consulta ao dr. Milhouse e perguntei-lhe como eu poderia abordar o assunto com Grant. Sabe, ele conhece bem o meu marido e qualquer conselho que pudesse me dar seria
de grande ajuda. Mas ele me disse para não falar com Grant até que ele próprio o fizesse.
Leves batidas soaram na porta, e Burt entrou, colocando as bebidas sobre a mesa e saindo a seguir. Alex prosseguiu, então, com as perguntas:
- Esse psiquiatra sempre falava a sós com seu marido?
- Sempre, depois das consultas.
- E por que ele não falava com vocês dois ao mesmo tempo?
- Eu também sempre quis saber.
Alex tinha suas próprias conclusões a respeito, mas preferiu não mencioná-las. Entregou a Tessa o copo de refrigerante e pegou sua xícara de café. Tomou um gole
e indagou:
- Sabe se seu marido falou com o dr. Milhouse após sua última consulta?
- Não, mas acredito que sim.
Alex começava a não gostar do que estava pensando.
- Você falou sobre o divórcio com outras pessoas além desse médico e de sua família?
- Não.
- Nem mesmo com uma amiga muito próxima?
- Não.
- E quanto ao pastor?
- Não. Nunca.
- Por que não? Os religiosos costumam ser bons conselheiros.
Tessa tomou um gole de sua soda antes de responder:
- Meu pai sempre me ensinou que assuntos conjugais devem ser decididos entre o casal, em particular. Ele sempre disse que os pastores não são psicólogos, por isso
não podiam salvar casamentos. Sua função maior é deixar claro que Deus ama e apoia ambas as partes.
Quanto mais Alex ouvia, mais admirava os princípios daquele cirurgião ortopedista.
- Tessa, qual você acha que foi o principal motivo para que seu casamento fracassasse?
- Bem, eu sei que não sou perfeita e, com certeza, a depressão pós-parto que me atingiu pesou muito, mas assim que o psiquiatra me avaliou como maníaco-depressiva
e começou a me prescrever aqueles remédios, Grant passou a me tratar como criança, como se eu não estivesse ali, presente, a seu lado...
- Seu casamento foi feliz até o nascimento de seu filho?
- Não. Acho que não fui capaz de satisfazer meu marido. Eu costumava chorar muito, e ele detestava isso. Grant sempre quis que eu fosse sociável porque ajudaria
em seus negócios, atrairia mais clientes. Não gostava dos excessos que ele fazia: festas até madrugada, por exemplo. Eu ainda estava na faculdade, precisava estudar,
levantar cedo. Ele costumava me levar para fazer compras e escolhia roupas ousadas demais para mim.
Queria que eu... aparecesse em suas reuniões sociais. Costumávamos brigar por qualquer coisa, até mesmo por uma possível gravidez. Cheguei a implorar para que ele
me deixasse ter Scotty. - Ela parou de falar e sorriu, acrescentando: - Ele tem sido minha única alegria.
Alex prosseguiu, ora indagando sobre a formação escolar de Tessa e Grant, ora sobre os negócios dele e sobre a casa em que viviam. Tessa contou-lhe que preparara
um jantar especial para comemorarem a aquisição de sua modesta casa.
- Grant se sentou para comer, e eu achei que tudo estava bem, até que começou a dizer que eu estava fingindo, que ele sabia que eu queria viver numa bela mansão
desenhada por meu irmão.
- E você queria viver numa mansão?
- Naquele momento, eu tinha consciência de que éramos um casal jovem, lutando para vencer na vida. Talvez um dia, se tivéssemos sorte e trabalhássemos muito, pudéssemos
pedir a Winn para projetar uma bela casa para nós. Mas eu estava feliz com a casinha que tínhamos comprado.
Aquela resposta mostrava a Alex o quanto Grant se ressentia por ter se casado com uma garota mais rica, acostumada a um padrão de vida mais elevado.
- Você acha que seu marido ainda a ama?
- Não sei se ele me amou algum dia. Grant nunca conseguiu ver meu íntimo. Na verdade, acho que nós dois nos decepcionamos muito com o casamento. - Tessa tomou mais
um gole do refrigerante antes de prosseguir:
- Acho que, após seis anos de infelicidade, ele sente prazer em ver que tomo remédios para continuar vivendo. Isso parece lhe dar uma sensação de poder e força que
o dr. Milhouse deve encorajar.
- Você não gosta de seu psiquiatra?
- Eu o desprezo.
Alex ergueu as sobrancelhas, intrigado.
- E ele sabe disso?
- Tenho certeza de que sim. Mas isso já não importa porque não vou mais vê-lo. Se eu tornar a cair em depressão, procurarei outro profissional.
- Fale-me mais sobre o dr. Milhouse.
Com aquele convite ao desabafo, Tessa colocou para fora quatro anos de sofrimento contido, de manipulação por aquele psiquiatra que parecia ter um papel tão nefasto
em sua vida.
- Quando voltei do Havaí, ele me perguntou se eu tinha conhecido algum homem. Isso me deixou furiosa. Eu, honestamente, acho que deve haver algo de errado com ele.
Alex concordava com Tessa sob todos os aspectos.
- Ele lhe perguntou isso depois que você mencionou sua intenção de pedir o divórcio?
- Sim.
- Você falou a ele sobre Paul Wong?
- Não. Estava zangada demais para lhe dar qualquer tipo de explicação. Ele deveria saber que eu jamais olharia para outro homem; afinal, fui sua paciente por quatro
anos!
- Mas ele estava certo. Você, de fato, conheceu um homem no Havaí.
- Conheci. Um homem que tem idade para ser meu avô!
Alex sorriu de leve e terminou seu café. Depois prosseguiu: - E como seu filho está encarando toda essa situação?
- Scotty é tão pequeno, ainda! - Falar sobre o filho deixava Tessa ainda mais emocionada. - Ele aceita o que lhe digo, é meigo, mas sei que deve estar confuso e
com
medo. Desde que estamos morando na casa de meus pais, ele tem dormido comigo, porque pede isso todas as noites.
- E ele chora por causa do pai?
- Não, mas fala nele, e sei que quer vê-lo. Mas acho que não quer ficar sozinho com Grant por causa do que houve no chalé.
Alex sabia que Tessa não ia gostar do que diria em seguida; mas precisava fazê-lo:
- Scotty vai ter de ficar a sós com o pai. Isso faz parte da visita. Na verdade, há uma especificação para que seu marido fique com Scotty neste final de semana,
a partir das cinco horas da tarde de sexta-feira.
Tessa arregalou os olhos:
- O final de semana inteiro?!
- É comum que o pai fique com a criança uma vez cada quinze dias, mais uma noite por semana, além de um feriado sim, outro não, seis semanas no verão e também no
Dia dos Pais.
Havia lágrimas nos olhos dela.
- E se Scotty chorar e não quiser ir?
- Você deverá ajudá-lo. A Corte espera que a mãe honre o direito do pai em ficar, às vezes, com a criança. Se fizer com que a visita seja uma experiência agradável
para Scotty, será melhor para você, quando o juiz ouvir seu caso.
Alex esperou que ela se acostumasse com a idéia.
- O advogado de seu marido usará isso contra você, se perceber que está tentando afastar Scotty do pai, Tessa.
- Eu jamais faria isso.
- Talvez não, mas milhões de mulheres fazem, algumas com razão, outras sem. Quando formos ao tribunal, Scotty terá de fazer vários testes psicológicos para que se
determine seu estágio de desenvolvimento. Terá de prepará-lo para lidar com tais situações, porque haverá momentos em que você não poderá estar junto dele.
- Mas ele é tão pequeno...
Alex podia sentir a angústia na voz de Tessa.
- Isso não importa - continuou, procurando mostrar-lhe a realidade dos fatos. - O juiz vai querer falar a sós com o menino, também. Vai fazer perguntas. Se você
tiver feito todo o possível para ajudá-lo a ficar bem com o pai durante este período difícil, o juiz poderá dar a custódia a você.
Tessa baixou a cabeça e escondeu o rosto entre as mãos.
- Isto é um pesadelo!
- Não, se pensar sempre que está agindo para manter a guarda de seu filho. - Alex ofereceu-lhe uma caixa de lenços de papel.
Tessa enxugou o rosto.
- É. Tem razão.
- Muito bem, então. Vou responder ao mandado. Então, uma audiência será marcada para que o juiz ouça ambas as partes. Permita que Scotty veja o pai neste fim de
semana. Se tiver qualquer dúvida, é só ligar para mim.
- Obrigada, dr. Sommerfield. Eu lhe serei eternamente grata pelo que está fazendo por mim e por meu filho.
- Meu nome é Alex, não se esqueça! - ele corrigiu, abrindo a porta. - Ah, mais uma coisa, Tessa: não quero que ninguém saiba que deixou de tomar os remédios e que
esteve internada como parte do tratamento. A Corte precisa saber que sua decisão de abandonar a medicação foi planejada antes do pedido de custódia de seu marido.
Se não for assim, Medor poderá me acusar de usar uma tática de última hora para provocar uma reviravolta no caso.
Tessa assentiu e saiu do escritório. Seu perfume permanecia no ar, enquanto Alex a via afastar-se pelo corredor até a recepção, onde a família a esperava. Sem saber
explicar por que, ele tinha uma impressão estranha de perda.
Assim que voltou ao escritório, Burt chamou-o pelo ínterfone:
- Chefe, posso passar as ligações? Chefe, está ouvindo?
- Espere um instante, Burt.
Havia algo diferente no nome Milhouse. Alex não conseguia se lembrar o quê. Aquele nome parecia estar ligado a algo familiar, talvez um outro cliente seu, há seis,
sete
anos... Mas... qual?
- Burt!
- Sim, senhor.
- Não estarei disponível nos próximos três dias. Gus tomará conta de tudo. E consiga-me um vôo para Honolulu. Depois verifique nos arquivos os casos que falam sobre
custódia de crianças. Procure pelo nome do dr. Howard Milhouse, psiquiatra. Comece nos casos de oito anos atrás. Terei uma surpresa para você, se encontrar o que
quero e me entregar quando eu voltar do Havaí.
- Pode deixar que eu encontro, chefe!
- Ótimo. Vou até o fórum agora. Devo estar de volta em duas horas.
- Sadie está na linha, chefe.
- Agora não posso atender.
Alex apanhou sua pasta e saiu pela porta dos fundos. Sadie Ness teria de esperar. Era sua amiga de infância; Alex a apresentara ao homem com quem ela se casara e
fora seu padrinho. Mas Sadie era insistente. Desde que Alex se divorciara, ela se dispusera a encontrar-lhe uma nova esposa, que Sadie chamava de "alma gêmea", numa
das festas que promovia com certa regularidade. Alex não acreditava em almas gêmeas. Seu casamento
acabara porque ele e Betsy eram advogados e tinham um senso profissional muito mais aguçado do que a atração que os unira. Além disso, ela era estéril e não aceitava
a idéia de adotar uma criança. Alex adorava crianças. Assim, acabaram por se afastar cada vez mais um do outro.
O divórcio se tornou inevitável, embora ele tivesse uma formação religiosa muito sólida, que o impedia de tomar a iniciativa.
Certo dia, Betsy veio lhe dizer que encontrara outro homem: um negociante de Denver, cuja firma a contratara para representá-los numa causa trabalhista. O tal homem
era bem mais velho, divorciado, tinha filhos crescidos; e pedira a Betsy que se divorciasse para que pudessem se casar.
A separação foi fácil, sem problemas. Ela ocupara um bom espaço em sua vida durante muito tempo, mas tudo acabou com certa facilidade e alívio para ambos. Agora,
aos trinta e oito anos, Alex começava a sentir-se só outra vez. Aquele espaço precisava ser preenchido outra vez. Dedicara-se demais ao trabalho. Como Clive Medor.
Na verdade, essa era a única semelhança entre os dois.
Agora eram, de novo, adversários. E Alex não pretendia perder. Um par de belos olhos castanhos o olhara como salvador e trouxera à vida algo que estivera adormecido
havia anos...

- Mamãe?
- O que houve, Scotty? - Tessa apertava o telefone, nervosa. - Papai acabou de pegar você!
- Eu tenho de ficar aqui esta noite?
Tessa procurou refrear seu instinto materno, mantendo-se calma. Já fora difícil demais ver Scotty caminhando para o carro de Grant. Ele pedira visitas livres e plenas
no mandado que impetrara contra a esposa e conseguira seu intento até a primeira audiência com o juiz.
- Querido, papai não vê você há mais de uma semana. Ele está com saudade...
- Mas eu quero voltar para casa. - Scotty estava a ponto de chorar.
- Papai te ama, meu anjo. Aposto que ele planejou uma porção de coisas para vocês fazerem juntos. Vai ser chato se você voltar. Lembra-se do emprego que consegui
na escola?
- Lembro.
- Então. Preciso corrigir provas. Você vai ficar melhor aí onde estão seus brinquedos.
- Mas por que você não pode vir também?
- Nós já falamos sobre isso, Scotty. Papai e eu decidimos viver separados. Mas nós dois adoramos você.
- Eu amo, com certeza.
Tessa cerrou os olhos com força. Grant estava na extensão e provavelmente ouvira toda a conversa. Ela ficou furiosa e gostaria de poder gritar com ele, mas conteve-se.
Alex a alertara para que se mantivesse calma e equilibrada sempre, além de pensar no bem-estar de Scotty.
Essa era a pior parte nos divórcios, ela sabia. Os ressentimentos entre os pais não deviam atingir as crianças.
- Diga boa noite à mamãe, Scotty. Nós vamos ao MacDonalds e depois daremos uma volta pelo shopping center.
- Não é maravilhoso, Scotty?! - Tessa exclamou, fingindo animação. - Há muitos menininhos que dariam qualquer coisa para estar com seus pais passeando pelo
shopping.
- É. Eu sei. Kevin não pode ir, porque o pai dele mora na Califórnia.
- Isso mesmo. Mas o seu pai mora perto, não é? Você pode vê-lo sempre que quiser.
Tessa ouviu o filho suspirar fundo, e isso quase cortou-lhe o coração. Depois, Scotty disse, amuado:
- Está bem. Boa noite, mamãe.
- Boa noite, querido. Eu te amo.


Capítulo 06

-O que foi, querida? Não consegue se concentrar para corrigir essas provas? - Vilma perguntou, vendo a filha sentada no chão, diante da televisão, com papéis espalhados
à sua frente.
- Mamãe, não sei como as outras mulheres conseguem suportar os dias de visita de seus filhos aos ex-maridos.
- Sei que é difícil. Eu também não paro de pensar em Scotty. Ainda bem que ele não ligou de novo...
- Mas isso não significa que ele não queira. Talvez Grant não o deixe telefonar outra vez, ou talvez Scotty tenha percebido que ele não gostou e não se atreva a
pedir-lhe para ligar novamente.
- Tessa... - Vilma ia dizer algo, mas a campainha soou, interrompendo-a. - Eu vou ver quem é.
- Vou com você. Talvez seja Grant trazendo Scotty de volta.
Tessa seguiu a mãe até a porta da frente. Espiou pelo olho mágico e sussurrou:
- Oh, mamãe, é o pastor Carr. Não quero falar com ele. Não agora.
- Acho que Grant comentou com ele sobre a situação. Você não foi à igreja domingo passado. Acho que deve atendê-lo, Tessa. Vai ter de fazer isso mais cedo ou mais
tarde. Não acha melhor que seja agora?
Tessa passou as mãos trêmulas pelos cabelos.
- Acho que tem razão, mamãe. Evitá-lo não vai adiantar nada.
Vilma recebeu o pastor com um sorriso. Ele logo voltou-se para Tessa.
- Como vai, minha filha? Seja bem-vinda de volta ao lar.
Ela aceitou a mão que o reverendo lhe estendia, notando-a fria. A temperatura lá fora já devia ter atingido índices negativos. - Entre, pastor. Venha para a sala.
Aceita uma bebida para se aquecer um pouco?
- Não, obrigado. Acabei de jantar.
Foram os três para a enorme sala de estar, onde a lareira estava acesa, deixando o ambiente confortável e aconchegante. Tessa sentia os olhos do pastor sobre si
e
isso começava a incomodá-la. Sabia que ele e Grant eram grandes amigos.
- Bem - ele começou, sem rodeios -, vou direto ao assunto: vim até aqui para saber se há algo que eu possa fazer para ajudar você e Grant.
- Aprecio sua consideração, pastor, mas acho que é tarde para que se tente fazer qualquer coisa. Vamos nos divorciar.
- Eu sei. Grant me contou. E sinto muito por isso.
- Eu tentei de todos os modos fazer com que meu casamento desse certo, mas acho que... não tinha de ser. Agora, acabou de fato.
- Tem certeza de que tentou tudo, Tessa? - a insistência do reverendo a aborrecia.
- Tenho plena certeza, pastor.
- Não haveria algo que... gostaria de me contar? Sabe, às vezes guardamos certas coisas que poderiam se tornar mais leves para nós se as revelássemos à pessoa certa.
- Meus pais têm sido ótimos nesse sentido. Obrigada.
- Mas, às vezes, não dizemos certas coisas a nossos pais por medo de magoá-los.
- Pastor, o que está querendo dizer? Não temos segredos uns para os outros nesta casa. - Tessa sabia que sua mãe já estava ficando tão irritada quanto ela própria.
- Sabe, Tessa, eu sinto que é minha responsabilidade dizer algo... - Ele voltou-se e encarou Vilma. - Você sabia que sua filha vem tomando drogas?
Vilma não hesitou ao responder, zangada:
- O que sei é que Grant diz que ela está tomando drogas. Mas isso não é verdade.
- Negar o fato não vai ajudar em nada, Vilma. Grant está preocupado com a segurança de Scotty e eu posso entender por quê.
- Minha mãe acabou de lhe dizer que não uso drogas - Tessa interferiu, com voz firme. - E nunca as usei em toda a minha vida. Grant está tirando conclusões precipitadas
só porque me viu vomitando no chalé. E eu estava apenas com um problema hepático naquela noite, devido a algo que tinha comido. Aliás, eu estava no começo de uma
gripe muito forte também, o que piorou meus sintomas.
O pastor nada disse. Continuou olhando-a, penalizado.
Tessa já não agüentava mais. Respirou fundo e prosseguiu:
- Grant está aborrecido, e eu também. Estamos no meio de um processo de divórcio e nossas emoções não estão bem controladas. Sinto muito se ele foi aborrecê-lo com
suas conclusões precipitadas, e sei que o senhor está apenas tentando ajudar. Mas vou lhe dizer mais uma vez: não tomo drogas. A minha vida se resume a amar meu
filho, e eu jamais faria algo que pudesse magoá-lo.
Lowell Carr demorou a responder:
- Bem, posso perceber que não vim numa boa hora para tocar nesse assunto...
- Pastor, por que acredita em Grant e não em mim?
- Querida, eu só quero ajudar...
- Então seja meu amigo também.
- Eu gostaria, se você deixasse.
- Fiz algo no passado que o leve a pensar que eu mentiria sobre algo assim tão importante?
- É claro que não, Tessa. Mas você tem um problema mental, todos sabem. Grant tem se preocupado com sua depressão durante todos esses anos e, muitas vezes, as pessoas
se deixam levar ao uso de drogas quando não conseguem suportar os problemas.
- Pois, então! O senhor sabe que tenho tomado remédios durante anos! Meu psiquiatra tem conhecimento de meu estado de saúde, não?!
- Bem... - Ele meneou a cabeça. - Não sou médico, nem pretendo ser...
- Pastor, se eu estivesse usando cocaína ou qualquer outro tipo de drogas, acha que me dariam emprego numa escola?
Vilma levantou-se, mostrando que queria pôr um ponto final naquela conversa. Disse, olhando para o pastor com altivez:
- Minha filha não fez nada de errado. Grant acabou envolvendo o senhor em um assunto que não interessa a ninguém além de Tessa, Grant e seus advogados!
O reverendo levantou-se devagar.
- Sinto muito, Vilma. Sei que quer apenas proteger sua filha. Compreendo. Acho que já está na hora de eu ir embora.
Nada mais foi dito até que Vilma fechasse a porta atrás do pastor. Quando ela voltou à sala, encontrou a filha atordoada.
- Viu, mamãe? Meu próprio pastor!
- Se Richard estivesse aqui, ele não teria ousado falar conosco daquele jeito.
- Acho que teria, sim. Grant o vem convencendo há anos de que sou uma drogada, uma inútil. Sabe, fico pensando em quantas outras pessoas Grant convenceu sobre meu
estado mental. Devem todos achar que sou, de fato, uma louca.
- Não se preocupe. Aqueles que a amarem de verdade não acreditarão em Grant. Então? Vamos voltar ao estúdio?
Tessa aceitou o convite, automaticamente. Lá chegando, ajoelhou-se e começou a recolher os papéis espalhados pelo chão.
- O que está fazendo, querida?
- Estou aborrecida demais para trabalhar. Acho que vou ligar para Winn.
- Penso que seja melhor não dizer nada a ele sobre o pastor. Winn é capaz de ir até a igreja para dizer poucas e boas a ele. Seu pai chegará logo; você poderá falar
com
ele, se quiser.
- É horrível saber que há pessoas por aí que pensam como o reverendo a meu respeito.
- Ora, Tessa, pare com isso! Ele não é um fofoqueiro!
- Estou me referindo a Grant, mamãe, não ao pastor. Ele deve ter convencido muita gente de que tenho alguns parafusos a menos.
- Não fale assim...
- Não posso evitar! Sabe com quantas pessoas ele conversa todos os dias no escritório? E no clube de golfe? Grant tem muitos amigos lá. Talvez até fale de nossa
vida íntima com eles.
- Isso ninguém pode dizer ao certo, querida, mas não importa.
- Importa para mim, porque ninguém mais vai acreditar no que digo!
Tessa começou a chorar. Vilma abraçou-a com carinho, compreendendo o estado da filha. Pouco depois, recompondo-se, Tessa murmurou:
- Desculpe-me. Sei que você não merece isso. Acho que vou me deitar.
- Vá, sim, meu amor. Você precisa dormir.
- Não sei se vou conseguir, sem ter Scotty aqui.
- Não se aflija, Tessa. Tenho muito orgulho de você, sabe?
Tessa abraçou a mãe com força, agradecida e emocionada. Depois, foi para seu quarto, sabendo, porém, que não conseguiria dormir antes de conversar com alguém.
Havia algumas pessoas para as quais poderia ligar, além de seu irmão. No entanto, a única voz que gostaria de ouvir agora e que poderia lhe proporcionar certo consolo
era a de Alex Sommerfield.
Ele lhe transmitia tanta segurança, tanta confiança...
Era como se pudesse lhe dizer qualquer coisa. Entretanto, sentia que não precisaria nem mesmo de palavras para fazê-lo entendê-la. Pareciam estar unidos por algum
laço espiritual, especial. Talvez estivesse apenas fantasiando, já que se sentia tão aflita, mas ele tinha um carisma tão forte! Talvez todos os seus clientes se
sentissem como Tessa, mas isso não importava. Ele irradiava uma força e um dinamismo nada comuns. Ela sabia que Alex sempre cuidaria de tudo, que faria com que se
sentisse segura em quaisquer situações.
Ele lhe havia dito para telefonar, caso quisesse esclarecer algo. Poderia ligar apenas porque estava com medo?
Tessa vacilou por alguns minutos, depois pegou o telefone e discou o número que Alex lhe dera. A secretária eletrônica atendeu, e ela resolveu deixar um breve recado
para que ele ligasse ao chegar. Então, desligou.
Olhou para o relógio de cabeceira: já eram quase nove horas.
Winn dissera que Alex costumava trabalhar até tarde, mas era sexta-feira; ela nada sabia sobre a vida pessoal do advogado. Não o vira usando aliança, mas isso não
significava que não fosse casado. Talvez tivesse uma namorada. Um homem como Alex não ficaria sozinho, com certeza.
Que tipo de mulher o atrairia? Tessa achou melhor não pensar mais. Estava se deixando levar pela imaginação. Como podia estar se fazendo tantas perguntas sobre um
homem, seu próprio advogado, estando ainda casada e vivendo um pesadelo horrível?
Achou que, se tomasse um banho, conseguiria relaxar.
Pensava em Scotty também; tinha medo de que ele chorasse por estar longe dela.
O banho foi bastante demorado. Já estava vestindo a camisola quando o telefone tocou, fazendo-a sobressaltar-se. Atendeu depressa, e a voz de Scotty do outro lado
da linha fez seu coração saltar dentro do peito:
- Mamãe?
- Sim, querido? Você ainda não está na cama?
- Não. Adivinhe! - Ele parecia alegre.
Tessa sentiu-se tão aliviada que teve de se sentar na beirada da cama.
- O que houve? - perguntou, esperando a novidade que o filho tinha para contar.
- Sabe, quando voltamos do shopping, eu fui abrir cocos!
- Cocos? - ela estranhou. - Vocês compraram cocos?
- Não! - Ele ria. - O sr. Wong mandou alguns para mim.
- Não diga!
- E também abacaxis e castanhas.
- Quanta gentileza dele, não? E esse presente chegou hoje?
- Não. Outro dia. E eu ensinei papai a abrir os cocos com a minha faquinha.
- Querido, quer chamar o papai ao telefone por um instante?
- Está bem.
Ela o ouviu chamar Grant. Logo em seguida, ele atendeu:
- O que foi, Tessa?
- Scotty disse que recebeu um presente do Havaí.
- Sim. Com os cumprimentos do sr. Paul Wong. Quem é ele?
- É o dono do hotel. Ele gostou muito de Scotty. Mandou alguma carta junto com o presente?
- Só um bilhete.
- Você poderia lê-lo para mim?
- Não sei bem o que fiz com ele. Mas, em resumo, dizia algo sobre os momentos maravilhosos que você, ele e Scotty passaram.
- Obrigada, Grant. - Tessa lutava por se controlar, sentindo o sarcasmo na voz do marido. - E Scotty? Está gostando de ficar aí?
- É lógico! Afinal, sou o pai dele, não?
- Grant, eu não quis aborrecê-lo...
- Eu sei. Você nunca quer. Mas o faz com muita naturalidade. Quer se despedir de Scotty?
- Acho que não. Já que ele está bem, é melhor não perturbá-lo.
- Ótimo! Até domingo à noite, então!
Ele desligou em seguida, com um forte estalido. Tessa colocou o fone no gancho, pensativa, e ouviu sua mãe, que acabava de entrar no quarto:
- Quem era, querida?
- Scotty. Mas ele está bem. Parece que Paul Wong mandou frutas de presente há alguns dias, mas só estou sabendo disso agora. Se Scotty não me contasse, Grant nunca
teria dito. Ele nem sabe onde colocou o bilhete que Paul enviou com o presente.
- E isso surpreende você?
- Bem, se eu tivesse recebido um presente para Grant, eu o teria avisado de imediato.
- Mas é essa a diferença entre vocês, não vê? Grant está sempre irritado.
- Eu sei. E isso parece ter se transformado numa excelente desculpa para ele. Tudo o que faz é explicado com base em seu temperamento explosivo, como se isso o redimisse
de qualquer culpa.
Tessa olhou para a mãe e viu-a sorrindo, alegre.
- O que houve?
- Estou notando que a antiga Tessa está de volta: jovial, animada, natural. Exatamente como você era antes de se casar. Sabe, comecei a notar isso esta noite quando
você enfrentou o pastor Carr. Antes, enquanto estava tomando seus remédios, estava sempre perturbada, passiva. Hoje, notei que havia vida em seus olhos outra vez!
Continue assim, querida, e nunca mais vai precisar de medicamento algum.
- Será, mamãe?
- É claro! Você está começando a falar e agir com autenticidade; não há mais sinais de depressão em suas atitudes. Vem se transformando aos poucos desde aquela noite
no chalé. E, hoje, é como se um milagre maravilhoso tivesse acontecido com você.
- Sabe, mamãe, mesmo tendo ataques de ansiedade às vezes, eu me sinto ótima. Mal posso acreditar quando me vejo assim no meio da pior crise de minha vida. E saber
que não terei nunca mais de viver sob o mesmo teto que Grant me dá uma sensação tão grande de liberdade, que pareço estar vivendo um sonho.
- Que ótimo, querida! E você foi a grande heroína nessa sua vitória, sabia?
Tessa sorriu. Sabia que as palavras da mãe estavam corretas. A maior prova era sua preocupação com Alex Sommerfield; mas preferiu não contar isso à mãe.
- Eu me sentia amarrada, presa por laços invisíveis, mas fortes demais. Agora, sinto que tudo acabou, que estou livre para viver minha vida de modo saudável, sem
culpas, sem medos.
Tessa estendeu os braços para a mãe e ambas se abraçaram com força, renovando votos silenciosos de esperança no futuro.
O som do telefone surpreendeu-as ainda assim, unidas.
- Será Scotty, de novo? - sugeriu Vilma, preocupada.
- Deixe que eu atendo - Tessa ofereceu, pegando depressa o aparelho. - Alô?
- Tessa?
Ela conheceu de imediato a voz vibrante, viril. Sentiu uma reação tão surpreendente quanto agradável.
- Dr. Sommerfield... - Chamá-lo pelo sobrenome era algo proposital. Não ousava pensar nele apenas como Alex.
- Meu assistente disse que você ligou - ele prosseguiu. - Como vai?
- Bem, obrigada. Não achei que... ligaria ainda esta noite. Não era tão urgente assim. Desculpe-me por invadir sua privacidade; você tem o direito de descansar em
sua casa, com sua esposa, seus filhos...
- Mas eu lhe dei permissão para que ligasse quando quisesse. A propósito: sou divorciado e não tenho filhos, por isso não se sinta acanhada em ligar. Sabe onde estou
agora?
- Não... - Tessa ainda pensava na revelação que ele acabara de lhe fazer sobre sua vida pessoal.
- Estou no saguão do Hotel Tradewinds, em Honolulu. Daqui a pouco vou jantar com o sr. Paul Wong.
- No Havaí?! E vai jantar com Paul?!
- Exato. Quer que eu dê algum recado a ele?
- Bem... sim. Diga-lhe que agradeço pelo lindo presente. Scotty está se deliciando, cortando as frutas com a faquinha que pertenceu ao filho de Paul.
- Pode deixar. Eu direi a ele.
- Eu não cheguei a ver a caixa onde vieram as frutas, nem o cartão que Paul enviou com elas. Fiquei sabendo do presente através de Scotty e Grant. Quando pedi a
Grant que lesse o bilhete para mim, ele disse que não sabia onde o tinha colocado.
- É porque ele o entregou a Medor, com certeza.
Tessa engoliu em seco. Só agora percebia contra o que estava, de fato, lutando. Graças a Deus, Alex estava ao seu lado.
- Você poderia dizer mais uma coisa a Paul? - ela pediu, um tanto hesitante.
- É claro que sim.
- Por favor, diga-lhe que sua teoria estava correta. Já estou livre dos remédios e nem sequer tenho sinais de depressão. Graças a ele, nunca mais precisarei daqueles
medicamentos horríveis. Um dia poderei agradecer-lhe em pessoa.
- Essa novidade me fez ganhar o dia, sabia, Tessa? Mesmo estando separados por milhares de quilômetros, ela podia sentir a alegria na voz dele.
- Sei o quanto isso é importante; em especial porque o pastor de minha igreja esteve aqui hoje. Ele está certo de que sou uma viciada em drogas.
- Foi por isso que ligou para mim?
- Foi. - Aquele não era o único motivo, mas como explicar algum outro, se ela própria não entendia o impulso que a levara a procurá-lo? - Ele não acreditou nem em
mim, nem em minha mãe.
- Bem, os pastores também são feitos de carne e osso, certo?
- Ele e Grant são amigos íntimos, e fiquei com medo do que pode estar sendo dito a meu respeito. Todos que conhecem Grant devem me considerar maluca.
- Pois tenho novidades para eles, então. Você não é nada do que pensam.
Tessa sentiu de novo a animação e a energia que emanavam da voz de Alex.
- Mas... e se Grant convencer meu filho de que estou louca? Não sei o que ele pode achar de minha amizade com Paul...
- Uma das razões para eu estar aqui é pegar o testemunho de Paul Wong sobre você. Também vou falar com outras pessoas que os viram juntos. Tenho certeza de que Medor
vai tentar acusá-la de adultério.
Tessa sentiu o coração acelerar. Ficou alguns segundos sem conseguir dizer uma só palavra, tão chocada estava com o que tentariam provar a seu respeito.
- Tessa? - Alex chamou, estranhando o silêncio prolongado.
- Sim? Desculpe-me...
- Isso é muito comum no modo de agir de Medor. Não se preocupe. Estou apenas me precavendo, para que não sejamos pegos de surpresa por ele.
Ela respirou fundo antes de falar de novo:
- Como será que se saem as mulheres que não são representadas por você num divórcio?
- Vou aceitar isso como um elogio.
- E foi, de fato.
- Seria muito pedir-lhe um favor?
- Não. Por favor, peça.
- Procure fazer uma lista das pessoas que mantiveram contato com você desde que seu filho nasceu. Peça a seus pais e a seu irmão para ajudá-la, se for preciso. Tente
se lembrar de todos que presenciaram sua depressão. Quando eu voltar ao Colorado, vamos verificar essa lista juntos.
- Vou começar a fazê-la agora mesmo.
- Ótimo. E quanto à visita de Scotty neste final de semana?
- Bem, ele saiu daqui há mais de cinco horas e já ligou duas vezes. Parece estar contente.
- Que bom! Você deve tê-lo preparado bem.
- Acho que sim. Obrigada por ter me ligado. Sinto-me muito melhor. Tenha uma ótima noite.
- Aloha, Tessa!
A saudação fez com que se lembrasse do momento da chegada ao Aeroporto de Honolulu. Ela e Scotty tinham recebido lindos colares de flores. Alex teria recebido um
também, com certeza. Ficou imaginando-o, vestido num belo terno escuro, o colar de flores típicas sobre o peito largo, os olhos azuis brilhantes...
Tessa ainda segurava o fone quando a voz de sua mãe tirou-a do devaneio:
- Tessa?
Ela recolocou o aparelho no gancho, afobada, e voltou-se. Quando encontrou os olhos de Vilma, sentiu que corava. A mãe sorriu e murmurou, com doçura:
- Eu tenho olhos, sabe, querida?
- É tão evidente assim, mamãe?
Vilma assentiu e acariciou os cabelos dela.
- Posso dizer que a cura sugerida por Paul Wong acaba de ser plenamente alcançada. - Ela se levantou e beijou o rosto de Tessa, dizendo, antes de sair do quarto:
- Tenha uma boa noite, meu amor.
- Obrigado por ter vindo em sua hora de almoço, Grant - disse Howard Milhouse, indicando a cadeira em frente a sua mesa.
- Tessa veio para a consulta ontem? - Grant perguntou, sem preâmbulos.
- Não. É por isso que eu quis que viesse. Não consigo falar com ninguém na casa dos pais dela; apenas a secretária eletrônica atende. Preciso verificar os níveis
sangüíneos de Tessa cada duas semanas, você sabe.
- Por que não liga para o pai dela no hospital?
- Eu farei isso se não conseguir outra forma de contato. Quando foi a última vez em que a viu?
- Hoje é terça... Eu a vi no domingo à noite, quando entreguei Scotty.
- E como estava?
- Não vomitava mais, se é o que quer saber.
- Ela parecia eufórica, muito excitada?
- Acho que sim. Parecia que ela e Scotty não se viam há anos! Se Tessa tivesse se mostrado assim tão feliz em me ver pelo menos uma vez em todo nosso casamento...
- As drogas podem alterar o comportamento de uma pessoa de modo drástico. Você conseguiu achar algo suspeito entre os objetos pessoais dela?
- Não. E a casa dos Jenner é uma fortaleza; afinal, não sou o que se poderia chamar de pessoa bem-vinda, não é? Não posso entrar e começar a vasculhar o quarto dela.
O pastor Carr foi até lá para ver se conseguia descobrir algo, mas Tessa e Vilma negaram tudo. Acho que o único modo de descobrirmos alguma coisa é fazer com que
Tessa venha aqui para os exames.
- Já que sua esposa nunca faltou a uma consulta antes, acredito que agora ela tem medo do que eu possa descobrir. Não quero alarmá-lo, Grant, mas, se Tessa misturar
as drogas com os remédios que prescrevi, talvez seja arriscado deixar seu filho a sós com ela.
- Eu já disse tudo isso a meu advogado. Ele está trabalhando no caso.
- Você me parece abatido. Há algo que queira me dizer?
- O que há para dizer? Minha mulher me traiu e está usado drogas. Não posso deixá-la a sós com meu filho e tenho de esperar até amanhã para poder vê-lo de novo.
Acho que a vida não pode ser muito pior do que isso, não?
- Você conta com o apoio de sua família?
- Ah, sim. Vou visitá-los neste final de semana. Meu advogado diz que vou conseguir a custódia de Scotty, então prepararemos um dos antigos quartos de meus irmãos
para ele. Minha mãe vai tomar conta de meu filho enquanto trabalho.
- Qual é a data da audiência?
- Saberei hoje.
- Sua esposa vai permanecer na casa que vocês compraram?
- Não. Vai ficar com seus pais. Vou alugar a casa para uns conhecidos até sair o divórcio. Meu advogado está me cobrando uma fortuna, sabe?
Como não houvesse mais nada a dizer, Grant despediu-se do psiquiatra e saiu, amuado como entrara.
O dr. Milhouse, então, pediu à secretária que ligasse para o dr. Jenner, na clínica onde este trabalhava.
Pouco depois, ela veio ao consultório para informá-lo de que o dr. Jenner estava em cirurgia e telefonaria mais tarde.
Enquanto esperava pelo primeiro paciente da tarde, Milhouse acrescentou algumas notas à pasta de Tessa Marsden:

"Seis de fevereiro - A paciente não veio fazer os exames de sangue. Continuo acreditando que ela esteja usando drogas e que não pretende voltar ao consultório. Avisei
ao marido sobre o perigo de deixar a criança sozinha com a mãe. Estou tentando entrar em contato com o pai da paciente para avisá-lo sobre o estado crítico de sua
filha. Enviei relatório sobre a paciente para o advogado de seu marido".

Capítulo 07

- O dr. Jenner e a sra. Marsden estão aqui - Burt avisou a seu chefe, pelo interfone.
Alex consultou o relógio. Eram duas e meia.
- Aguarde só um minuto, Burt. Depois peça-lhes para que entrem.
Alex foi depressa até a minúscula cozinha contígua a seu escritório. Desde que voltara do Havaí, no dia anterior, deixara na geladeira o presente que Paul Wong mandara
para Tessa.
Num impulso, porém, tirou as duas flores que decoravam a tampa da caixa e guardou-as.
Ao voltar a sua sala, Tessa e o pai já estavam lá.
Alex cumprimentou cordialmente o médico; toda a sua atenção estava no par de olhos castanhos que o recebiam com um brilho diferente, cheio de vida.
- Uma lembrança de Paul - ele murmurou, entregando a caixa a Tessa. Quando ela abriu, Alex pegou o lindo colar de orquídeas que havia lá dentro e colocou-o no pescoço
delicado, sentindo seus dedos roçarem nos cabelos macios.
Por um breve instante, o perfume das flores e o de Tessa se mesclaram, deixando Alex encantado.
Um suspirou escapou dos lábios de Tessa, que logo procurou disfarçá-lo, dizendo:
- São tão delicadas...
Tessa parecia ter dificuldade para respirar, e Alex não sabia se ela estava tendo um novo ataque de ansiedade ou se reagia à mesma intensa emoção que o atingia.
Enquanto dava a volta em sua escrivaninha, Alex ouviu-a dizer:
- Oh, papai, jamais poderei recompensar Paul por sua gentileza e sua atenção para comigo.
- Ele sente orgulho de você, querida. Pode estar certa. Seguiu o conselho dele, arriscou muito e conseguiu os melhores resultados.
- É verdade - Alex concordou, sentando-se. - Essas orquídeas mostram a alegria que ele está sentindo por você. Também eu fiquei tentado a dar-lhe um colar desses,
para cumprimentá-la por sua coragem e força de vontade, mas achei que um só quase a sufocaria. - Ele apontou para as flores que formavam uma moldura maravilhosa
e abundante para o rosto de Tessa. - Como se sente?
Alex procurava manter o tom casual, mas a resposta dela era muito importante.
Em todos os seus anos como advogado, jamais se envolvera com uma cliente. Isso seria antiético, imoral. Seria loucura...
- Estou bem - Tessa respondeu com naturalidade.
- Não sinto mais ansiedade, nem depressão. Há anos não sabia o que era paz.
- Isso é ótimo, porque a audiência preliminar foi marcada para o dia dezesseis de fevereiro, às dez horas da manhã. Temos muito a fazer até lá.
Nesse momento, a campainha do interfone soou. Alex desculpou-se e atendeu:
- Sim, Burt?
- Desculpe interromper, mas acho que encontrei, afinal!
Alex sabia a que seu auxiliar se referia. Aquele rapaz era, de fato, muito bom.
- Continue, Burt.
- Foi no caso Carling versus Carling, chefe.
- Sei. Um julgamento em tribunal fechado, em setembro, há sete anos. Estou certo?
- Certo. Mas o nome do dr. Milhouse não apareceu nos relatórios oficiais da Corte. Eu o encontrei numa folha de papel em sua pasta, anotado numa lista de prováveis
testemunhas. Parece que, durante o processo, uma das testemunhas que o senhor queria chamar...
- Agora me lembro! - Alex exclamou. - A mãe de Stephanie foi recusada pela Corte porque se descobriu que estava sob tratamento psiquiátrico intensivo nessa época
e não poderia dar um testemunho confiável.
- Sim. E o dr. Milhouse era seu psiquiatra.
- Eu sabia que conhecia esse nome de algum lugar! A condição da mulher foi mencionada?
- Não. Mas posso verificar.
- Faça isso, Burt! Bom trabalho, rapaz! Pode me interromper a qualquer momento que quiser!
Recolocando o fone no gancho, Alex voltou-se para Tessa, dando-lhe total atenção.
- Já preparou a lista que lhe pedi?
- Sim, mas acho que não está completa. - Ela tirou da bolsa uma folha de papel dobrada e entregou-a ao advogado.
- Já é um começo - ele comentou, passando os olhos pelos nomes anotados. O perfume das orquídeas o atingia, fazendo-o lembrar da conversa que tivera com Paul Wong
sobre aquela mulher e seu filho.
O dono do Hotel Tradewinds, agora com sessenta e cinco anos, perdera seu filho muito cedo e apegara-se ao pequeno Scotty, o qual, como dissera, era muito parecido
com seu menino. E essa aproximação com Scotty estendera-se a Tessa, seu irmão Winn e sua cunhada Rae.
O fato de Paul já ter passado dos sessenta anos não excluía a possibilidade de que ele quisesse ter um relacionamento mais íntimo com Tessa. Não havia como negar
o fato de que ela era muito bonita, atraindo o olhar de qualquer homem do qual se aproximasse. Mesmo com o testemunho de Paul e Tessa dizendo não haver nenhum tipo
de envolvimento amoroso entre os dois, a Corte poderia não acreditar, dada a estonteante
beleza dela.
Medor poderia expor suas idéias sobre adultério com clareza e precisão. No entanto, Alex não estava muito preocupado com isso. Mesmo ouvindo a opinião e o testemunho
de todos, o juiz iria se preocupar apenas com a criança envolvida no caso. E escolheria aquele, no casal, que melhor poderia criar Scotty.
Em nenhum momento Tessa negligenciara a segurança do filho no Havaí. O juiz poderia confirmar tal fato se chamasse Scotty para uma conversa particular.
O problema real estava nas conseqüências que aquele processo teria sobre Tessa. Ela seria colocada frente a frente com o marido, que agora era seu pior inimigo;
seria acusada de utilização de drogas, adultério e negligência para com o filho. Algumas pessoas jamais se recuperavam de uma experiência desgastante como essa.
Mas Alex a vira lutar contra a depressão, a medicação receitada por Milhouse, a ansiedade. E ele sabia que Tessa tinha grandes reservas de força e coragem escondidas
sob aquela aparência frágil e delicada. Medor exploraria tais reservas até o fim. E Alex estaria lá para enfrentá-lo!
- Alex? - A voz do dr. Jenner parecia vir de longe.
Só então ele percebeu que se deixara levar pelos pensamentos. O pai de Tessa prosseguia:
- O que você nos aconselha quanto ao dr. Milhouse? Ele tem tentado falar comigo. Tessa não compareceu à consulta de ontem. Vou ter de ligar para ele e dar algum
tipo de explicação.
Alex pensou um pouco antes de responder:
- Ligue e diga-lhe que sua opinião profissional sobre sua filha é satisfatória, que o senhor a considera plenamente recuperada da depressão. Diga também que ela
não precisa mais de nenhum remédio. Agradeça por tudo o que ele fez para ajudá-la, despeça-se e coloque um ponto final nessa parte sombria da vida de Tessa.
O dr. Jenner parecia aliviado.
- Vou fazer isso assim que chegar ao meu consultório.
- Ótimo. - Alex voltou-se mais uma vez para Tessa e prosseguiu: - Agora, quero que me conte em detalhes o que aconteceu após o nascimento de Scotty. Quero saber
quais foram os sintomas de sua depressão, como as pessoas desta lista a viram e souberam de seu estado na época. Como pensa que elas a vêem hoje, como mãe? Quem
você imagina que elas escolheriam para ficar com a guarda de Scotty: você ou Grant?
Antes que Tessa começasse a falar, Alex explicou, um tanto constrangido:
- Desculpem-me por insistir, mas vocês sabem como as pessoas reagem num caso de divórcio. Eu me refiro aos amigos e parentes. E sempre uma situação difícil. Alguns
procuram não tocar no assunto; parece que ficam assustados ou intimidados. Acabam agindo de modo diferente, isolando o casal e as famílias envolvidas. - Ele se inclinou
para a frente. - Outros querem ajudar porque gostam do casal e não querem ver os dois separados. Então, procuram ver seus problemas, como se eles não fossem assim
tão grandes, numa tentativa de provocar uma reconciliação. Isso também faz com que o casal se sinta isolado porque parece que essas pessoas não entendem nada do
que está acontecendo. De modo geral, porém, a maioria dos parentes e amigos apenas seguem
a natureza humana e acabam tomando partido. Eles têm suas próprias opiniões e lealdades para com cada um dos cônjuges, mas quase nunca as expressam de modo correto
e, de repente, durante o processo do divórcio, acabam revelando o que sempre sentiram de modo enfático até demais.
Alex pôde notar o tremor no lábio inferior de Tessa.
- Agora já sei como o pastor Carr se sente a meu respeito - ela murmurou.
O nome do pastor era o primeiro na lista que ela preparara. Alex sentia pelo fato de Tessa não poder confiar no reverendo para obter alguma espécie de conforto durante
os dias traumáticos que estavam por vir.
- Ele fez o casamento de Tessa e Grant, e batizou Scotty - o dr. Jenner esclareceu. - Não entendo como pôde interferir em algo que está fora de sua competência.
Seu trabalho é ser conselheiro espiritual, tanto para Grant quanto para Tessa. No entanto, recusou-se a acreditar em minha esposa e minha filha, as quais conhece
há tantos anos.
Tessa voltou-se para o pai.
- Alex disse que o pastor talvez até testemunhe contra mim...
- Isso é verdade?! - surpreendeu-se o médico. Seu senso ético era apurado demais para tolerar tal procedimento.
- Eu não me espantaria com muitas coisas daqui para diante, doutor. Num tribunal, pode-se esperar qualquer tipo de alegação. Até já avisei Paul Wong de que a caixa
de frutas que enviou a Scotty será vista com maus olhos depois que seu significado for alterado por Medor.
- Está querendo me dizer que o advogado de Grant tentará provar que Tessa encorajou as atenções desse homem?!
- Como eu já expliquei a sua filha, esse é o procedimento comum de Medor. Como é imperativo que a reputação de Tessa permaneça intacta, Paul Wong não mais tentará
se comunicar com ela ou Scotty até que eu lhe dê permissão para tal. E por isso que quero que sua filha aprecie essas lindas orquídeas enquanto conversamos. - Ele
se virou para Tessa e continuou: - Terá de tirá-las antes de sair daqui.
Tessa tocou as pétalas delicadas com os dedos longos, elegantes. Alex foi em frente:
- Agora, quero que esqueçam Clive Medor e se concentrem em me contar toda a verdade, do começo ao fim. Assim, poderei preparar minha causa sabendo que não haverá
surpresas de nenhuma espécie.
Alex acionou o interfone e pediu a Burt que trouxesse alguns refrigerantes. Sem ter consciência do que fazia, admirava sua cliente enquanto falava com seu auxiliar.
E Tessa percebeu seu olhar, surpreendendo-o. Ela corou de imediato e desviou os olhos.
- Quando quiser... - Alex instigou-a a começar.

Howard Milhouse acabara de se despedir do último cliente do dia quando sua secretária o avisou de que o dr. Jenner o aguardava, ao telefone.
- Richard, obrigado por me ligar! - disse ele, atendendo.
- Sinto por ter demorado a lhe falar sobre minha filha, mas hoje tive um dia cheio.
- Eu também. Não o teria perturbado, sei o quanto é ocupado, mas estou preocupado com Tessa. Ela não apareceu para a consulta de ontem.
- Eu sei. Foi culpa minha. Pedi a ela para que me deixasse contar as novidades a você.
- Quais novidades?
- Percebi que minha filha não precisa mais de medicamentos, Howard. O quadro depressivo regrediu por completo. E estou muito grato a você por isso, pois foi quem
ajudou-a a superar um dos piores momentos de sua vida. Jamais esquecerei o que fez por Tessa. No entanto, devo também agradecer a Deus pelo milagre que nos foi concedido.
- Bem, Richard, se você tem certeza de que foi um milagre, não posso me sentir mais feliz. Desejo a Tessa o melhor que a vida pode dar.
- Obrigado. Vou dizer a ela. Até logo, Howard e, mais uma vez, obrigado por tudo.
Howard Milhouse desligou o telefone e chamou a secretária.
- A que horas é o jantar da Associação Psiquiátrica do Colorado, hoje à noite?
- Às sete e trinta, doutor. Mas a secretária ligou pedindo para que o senhor esteja lá às sete, porque, já que é o presidente eleito, terá de estar presente a uma
breve reunião que antecederá o jantar.
Ele olhou para o relógio, na parede oposta. Faltavam quinze minutos para as seis.
- Mal vou ter tempo de terminar o que tenho a fazer aqui - ele comentou. - Preciso ainda ir até minha casa para trocar de roupa. Faça-me um favor: ligue para o Sanatório
Sleepy Hollow. Diga que irei almoçar com minha mãe amanhã.
- Certo, doutor.
A secretária se foi, e Milhouse pegou a pasta referente a Tessa Marsden. Escreveu:

"Nove de fevereiro - O pai da paciente ligou dizendo que ela não mais sofre de depressão e dispensou meus serviços. Ele pode estar apenas negando os fatos. A teoria
mais provável é a de que está usando sua posição profissional para poupar a filha de uma exposição futura, evitando, dessa forma, que certos atos apareceram, isto
é, o uso de drogas, provável gravidez, adultério com homem estranho no Havaí e obsessão por conseguir o divórcio. Temo pela vida da paciente e pela segurança de
seu filho. Suspeito que sua condição de maníaca-depressiva tenha piorado muito. Continuarei em contato com o marido e fornecerei ajuda ao advogado do mesmo".

- Mamãe, por que você chegou tão tarde? - Scotty reclamou, vindo ao encontro de Tessa, no hall.
- Sinto muito, querido. Estive procurando um apartamento e acho que encontrei um de que você vai gostar, bem perto da escola.
Tessa pendurou o sobretudo na chapeleira ao lado da porta e abaixou-se para abraçar o filho.
- Por que não podemos continuar aqui? - ele perguntou.
- Porque aqui é a casa do vovô e da vovó. Nós precisamos da nossa. E há muitas crianças no prédio onde iremos morar. Além disso, o apartamento térreo no prédio antigo
era bastante aconchegante, além de não ser muito caro. A viúva que morava no andar de cima parecia ser uma senhora muito agradável.
- E eles estão na minha classe? - Scotty indagou, referindo-se às crianças do prédio.
- Não sei. Vamos verificar na semana que vem, quando o apartamento estiver desocupado, está bem?
- Está. - Ele respirou fundo e perguntou: - Você está cheirando a flores. Por quê?
Surpresa pela observação do menino, Tessa procurou uma explicação convincente:
- É, mesmo? Acho que é o meu perfume.
Já se haviam passado quase seis horas desde que deixara o escritório de Alex Sommerfield e o perfume delicioso das orquídeas ainda estava impregnado em sua pele
e suas roupas.
Foi tão bom sentir as mãos dele roçando seus cabelos ao colocar-lhe o colar de flores... E seus olhos azuis tinham brilhado de um modo estranho, diferente.
- Sabe de uma coisa? - ela perguntou ao filho, procurando desviar os pensamentos. - Senti saudade de você! - Beijou-lhe o nariz e recebeu um beijo molhado na boca,
em resposta. - Nossa! Você está com gosto de macarrão!
- Como é que você sabe que vovó fez macarrão para mim?
- Porque sou a mãe mais esperta do mundo!
- Susie diz que você é a mãe mais doente do mundo. Mas agora você está bem e não tem mais de tomar remédio, não é?
Se alguém tivesse lhe enterrado uma faca no peito, Tessa não se sentiria pior. Se a menina fizera tal comentário, devia ter ouvido da mãe algo parecido. E sua mãe
era a irmã de Grant...
- É verdade - Tessa respondeu, procurando disfarçar o sofrimento. - Já estou boa. Para sempre! Quando foi que Susie lhe disse isso, querido?
- Hoje. Tio Winn me pegou na escola e nós levamos o trenó para ela.
- E ela gostou?
- Não.
- Por que não?
- Porque ela caiu. E depois ficou chorando. Eu também caí.
- Oh, querido! E você se machucou? Você chorou?
- Só um pouquinho. Mas tio Winn me disse que isso acontece, às vezes. Posso levar meu trenó para nosso apartamento, mamãe?
- É claro que sim.
- E amanhã à noite? Posso levá-lo para nossa casa quando o papai vier me buscar?
Tessa tinha se esquecido da visita no meio da semana, talvez até porque temesse lembrar-se de que ela teria de acontecer.
- Pode, sim - respondeu, procurando colocar um pouco de entusiasmo na voz. - Acho que ele vai ficar tão orgulhoso de ver você no trenó que vai até querer filmá-lo.
- Venha conosco, mamãe.
- Não posso, meu amor. Esse é o seu dia com seu pai. Aposto que ele vai levá-lo ao shopping. Vovô jantou com vocês?
- Não. Ele ainda está no hospital.
- E onde está vovó?
- Está falando com tia Rae ao telefone.
Tessa estava ansiosa por saber qual fora a reação do dr. Milhouse quando seus serviços foram dispensados.Teria de esperar, porém.
- Então, já que vovó está ocupada, por que você não vai tomar seu banho e me conta o que fez hoje na escola?
Começaram a subir as escadas juntos. Scotty ia falando, animado, contando as peripécias do dia:
- Usamos pincéis e tinta hoje. Anne pintou a carteira, e a professora ficou muito brava. Ela estava enjoada por causa do cheiro da tinta.
- Mas a sra. Janke não é brava...
- É que ela vai ter nenê, sabe? Ouvi a professora de Charlie dizer que é por isso que ela fica brava e com vontade de vomitar. Mamãe, você também vai ter um bebê?
- Não. - Ela não imaginava o motivo de tal pergunta.
Foi com o filho até o banheiro e ligou o chuveiro, esperando enquanto Scotty se despia.
Pouco depois, quando pulava para dentro da banheira e se preparava para o banho, o menino voltou a insistir no assunto:
- Tem certeza, mamãe?
- Sobre o quê, querido?
- Susie disse que você vai ter um bebê, e é por isso que você vomitou tanto lá no chalé.
Tessa não respondeu. Na verdade, não conseguia falar.
- Susie diz muitas coisas - murmurou, pouco depois, tentando se controlar. Scotty brincava com o sabonete. - Não vou ter um bebê, mas não ficaria surpresa se tia
Ruth
tivesse. Pergunte para seu pai amanhã. Ele deve saber. Agora, vamos pegar o xampu e lavar esses cabelinhos.
Pouco depois, o dr. Jenner entrou no banheiro. Sua filha e seu neto brincavam e riam, enquanto o menino lavava a cabeça. Tessa voltou-se e sorriu para ele.
- E então, papai?
- Não há como argumentar contra um milagre, não é? - ele respondeu, em tom de brincadeira. - O dr. Milhouse se comportou de modo bastante profissional e desejou-lhe
sorte.
- Aposto que deve ter ficado furioso.
- Se ficou, não demonstrou. Agora, esqueça-o, querida. Tudo já passou.
Tessa sentia-se, de fato, aliviada, como se um grande peso lhe tivesse sido tirado dos ombros. Pouco depois, sua mãe apareceu à porta do banheiro, chamando-a com
um sinal.
- Sinto interromper uma cena tão feliz - ela disse quando Tessa se aproximou -, mas Grant está ao telefone.
- Talvez ele queira cancelar a visita de amanhã - comentou, esperançosa. - Obrigada, mamãe.
E saiu do banheiro em direção ao quarto.
- Sim, Grant? - disse ela, atendendo.
- Por que demorou? Está com náuseas de novo?
Alex a aconselhara a ignorar qualquer tipo de provocação; deveria permanecer calma e controlada, fosse o que fosse que Grant dissesse ou fizesse.
- Não - respondeu, suave. - Mas obrigada por perguntar.
- Quero pegar Scotty na escola amanhã.
Seu primeiro impulso foi dizer "não", porque desejava que o menino jantasse antes de ir com o pai. Mas fazer qualquer objeção seria entrar no jogo de Grant, e Alex
a prevenira para que não fizesse isso.
- Está bem. Ele quer levar o trenó. Vou deixá-lo na escola, então. Acho que Scotty também quer que você o ajude a escolher cartões para os amiguinhos.
- Escute aqui, Tessa: você não tem de decidir o que vou ou não fazer com meu filho. Pode ir se acostumando com isso.
- Ele é nosso filho, Grant. Só estou tentando fazer com que as visitas que ele faz a você sejam agradáveis.
- Pois vou fazer com que você se lembre do que acabou de dizer quando ele estiver vivendo comigo.
Grant desligou, e Tessa ainda permaneceu segurando o fone por muito tempo. Suas mãos apertavam o aparelho com tanta força que as juntas embranqueceram.


Capítulo 08


Tessa e Scotty esperavam pela sra. Janke, a professora, na sala de aula. Havia muitos desenhos das crianças afixados no mural de cortiça, e Scotty apressou-se em
apontar o seu.
- Eu fiz este aqui, mamãe!
Tessa sorriu. Teria reconhecido o trabalho de seu filho mesmo que ele não o mostrasse. Scotty tinha traços firmes, bem definidos, como Winn sempre tivera. Dessa
vez, o menino tinha pintado uma paisagem do Havaí, com o mar, as palmeiras e as conchas. E havia três figuras humanas representadas sobre a areia da praia. Scotty
explicou:
- Estes somos nós: eu, você e o sr. Wong. Posso mandar esse desenho de presente para ele?
Tessa sentiu a preocupação voltar. Se Grant visse aquele desenho...
- É claro que pode, querido - respondeu, procurando disfarçar o que sentia. - O sr. Wong vai adorar.
- Sra. Marsden? - Era a professora de Scotty que entrava na sala.
- Oh, olá, sra. Janke. Como está passando? Scotty me contou que você está esperando outro bebê.
- Sim, é verdade. Para junho.
Tessa achou o tom da professora um tanto abrupto.
A sra. Janke parecia tensa, o que não era comum.
- Bem, eu vim até a escola apenas para avisá-la de que o pai de Scotty virá buscá-lo hoje.
- Eu sei. Ele já me avisou.
Tessa sentiu-se estremecer. Grant agira rápido.
- Entendo. Ele deve ter lhe falado também sobre nosso divórcio, eu presumo.
- É. Ele me falou.
Tessa esperava qualquer tipo de observação da professora, pelo menos em consideração ao menino, mas a sra. Janke não disse mais nada. Era óbvio que, fosse o que
fosse que Grant contara à professora, isso mudara a atitude dela em relação a Tessa. Sempre houvera um clima de cordialidade entre ambas, e agora a sra. Janke parecia
distante, até mesmo fria.
Tessa respirou fundo antes de comentar:
- Acho que Scotty irá passar por um período um tanto difícil daqui em diante. Eu gostaria que me avisasse, caso vier a notar algo diferente no comportamento dele.
Estarei à sua disposição a qualquer momento, se quiser que eu venha até a escola para conversarmos.
- Talvez tivesse sido melhor se a senhora tivesse ligado antes de vir "hoje. Meu horário de almoço está quase terminando e não terei tempo para falar-lhe sobre Scotty.
- Notou algo diferente nele?
- Quando há problemas em casa, a criança sempre mostra sinais de não estar muito bem. Eu os discuti com seu marido, já que ele me disse que a senhora não poderia
vir para conversarmos.
Tessa sentiu um frio no estômago. Há quanto tempo isso estaria acontecendo? Continuou ouvindo as explicações da professora, sentindo-se cada vez mais tensa:
- O sr. Marsden me disse que a senhora tem estado doente desde que voltou do Havaí. Estou vendo, porém, que parece estar muito bem hoje. Isso é bom, porque Scotty
queria tanto lhe mostrar seu desenho! - Ela apontou para o mural. - Sabe, ele tem muito talento. E esta gravura, em especial, é melhor, mais colorida, do que qualquer
outra que ele já fez. Eu disse isso a seu marido. O homem que encontraram no Havaí causou uma ótima impressão no menino, com certeza.
- Eu gostaria de levar o desenho comigo - Tessa pediu, sentindo os primeiros sintomas de náusea, devido ao nervosismo.
- Sinto muito, mas seu marido já me fez o mesmo pedido.
Tessa procurava se controlar. Engoliu em seco antes de responder:
- Está bem, então. Contanto que Scotty fique com seu desenho...
O sinal de entrada da escola soou, e a professora apressou-se em se despedir:
- Teremos de continuar esta conversa num outro dia, sra. Marsden.
- Eu ligarei para a secretaria para marcar um horário, então.
Tessa voltou-se para Scotty, que ficara o tempo todo junto à gaiola onde a professora mantinha um casal de periquitos. Havia crianças junto dele, e ela achou que
assim seria melhor; poderia ir embora enquanto o filho estava distraído.

Após a conversa com a professora, Tessa sentia-se horrorizada. Quantas coisas Grant fizera e dissera sem seu conhecimento! Talvez tivesse alertado a sra. Janke desde
o primeiro dia de aula; por isso ela sempre fora tão reservada ao conversar com Tessa.
E ela eatava tão abalada agora, por perceber o que Grant lhe havia feito, que nem se sentira em condições de despedir-se de Scotty. Ele parecia tão bem, tão alegre
em sua inocência!
Tessa sentia vontade de chorar. Correu para o carro e voltou depressa para a escola onde trabalhava. Queria telefonar para Alex e sabia que lá haveria um aparelho
disponível. Foi direto até ele assim que entrou em sua sala.
- Ele não se encontra no escritório no momento, sra. Marsden - Burt informou-lhe -, mas diga-me o número onde ele poderá encontrá-la e eu passarei seu recado assim
que ele chegar.
Aborrecida, mas sem alternativa, Tessa deixou o número da escola e de sua casa. Sabia que Alex seria avisado logo que possível, mas isso não melhorava seu estado
de ânimo.
Sentia-se fraca e enjoada, como se os sintomas da ansiedade estivessem voltando. Respirou fundo e resolveu subir para a sala de música, onde ajudava algumas crianças
a ensaiar para o coral.
Ficou lá durante algum tempo, arrumando partituras, recebendo os alunos, ensaiando junto com eles. Mas, quando seu trabalho acabou, as preocupações e a ansiedade
estavam de volta. Scotty não estaria na casa de seus pais quando voltasse; Alex ainda não telefonara...
Deus! Estaria ligada demais a ele ou todas as suas clientes se sentiriam da mesma forma, como se ele fosse a única pessoa capaz de acalmar-lhes o espírito sufocado
pela angústia?

Quando Alex chegou a seu escritório naquela noite, todos já tinham ido embora. Ele fez um pouco de café na cafeteira elétrica e sentou-se na cadeira giratória atrás
da escrivaninha, com a xícara na mão.
Tivera um ótimo dia no tribunal e depois fora para seu jogo de handebol semanal, com um colega.
Agora, olhava para pilha de mensagens colocadas sobre a mesa, enquanto bebericava o café quente. Olhou para o telefone. Um bilhete especial tinha sido colado ao
aparelho por uma tira de fita adesiva.
Seu primeiro pensamento, instintivo, inevitável, foi para Tessa Marsden. Aquele recado tinha de ser dela.
Havia dias pensava nessa mulher muito além do que o normal. Chegara a imaginar que isso se devia à crueldade com que Clive Medor, com certeza, conduziria aquele
caso; mas sabia que não devia se enganar. Tessa o impressionava, sim, e muito.
Queria ajudá-la, protegê-la. Sentia que havia algo de especial entre eles, algo que os unia num único objetivo, numa única direção. E poderia jurar que ela também
pensava assim.
Inclinou o corpo para a frente, na intenção de pegar o bilhete, e seus olhos puderam visualizar bem a caligrafia de Burt: "Ligue para a sra. Marsden assim que chegar".
Alex procurou controlar a ansiedade. Achou melhor fazer primeiro todas as outras ligações importantes, numa tentativa de acalmar a urgência que tinha em ouvir a
voz de Tessa Marsden.
Sorriu ao imaginar o rosto suave dela. Aquela mulher estava sofrendo demais com a possibilidade de perder a guarda do filho. Mas ele moveria céus e terras se fosse
necessário para evitar que isso acontecesse. Prometera a Tessa que ela ficaria com Scotty, e pretendia cumprir sua palavra.

Cada minuto que Scotty ficava com Grant significava um tormento renovado para Tessa. Era horrível não saber o que ele poderia estar dizendo ao menino. Além disso,
havia o medo de que Scotty ligasse a qualquer instante, querendo voltar para casa; ela teria de convencê-lo a ficar com o pai, e isso seria terrível.
Havia, além de tudo, um receio sobre o qual Tessa nem ousava pensar: o de que seu filho preferisse viver com Grant e não desejasse mais voltar para ela.
Temendo sofrer novo ataque de ansiedade, Tessa correu até o estúdio e sentou-se ao piano. Precisava ensaiar diversos acompanhamentos para os meninos do coral; afinal,
eles cantariam músicas de várias épocas, começando dos anos quarenta em diante.
Uma das canções, uma espécie de marcha militar feita para os soldados que partiam para a Segunda Guerra Mundial, fez Tessa imaginar Alex vestido num elegante uniforme
do exército. Se um homem como aquele fosse seu marido, teria morrido ao vê-lo partir para a frente de batalha.
Quando terminou de tocar a música, ela deu-se conta do absurdo daquele pensamento. Talvez o fato de ter tomado remédios pesados durante tantos anos tivesse afetado
sua sanidade. Como podia estar tendo fantasias com seu advogado?
Levantou-se, depressa, e afastou-se do piano. Estava sozinha em casa. Seus pais tinham ido a um jantar com amigos. Eles insistiram para que Tessa os acompanhasse,
mas ela preferira ficar.
Agora, sozinha, seus pensamentos a consumiam. Como podia estar se envolvendo com Alex? E ele? O que sentiria a seu respeito? Talvez apenas compaixão. Ou, pior ainda,
tivesse por ela apenas o apreço comum entre advogado e cliente. E depois, mesmo se Alex também estivesse interessado nela, o sentimento de culpa que Tessa experimentaria
seria constrangedor o suficiente para mantê-la afastada dele.
Qualquer envolvimento entre os dois seria, em última instância, antiético.
Mesmo estando ainda presa a um casamento que era a morte em vida para ela, Tessa não podia admitir a idéia de envolver-se com alguém agora. Por isso baixou a cabeça
e cobriu o rosto com as mãos, murmurando:
- Oh, Scotty, me perdoe! Perdoe a mim e a seu pai pelo que estamos fazendo a você! Meu Deus, me ajude a agir de modo correto, a manter minha cabeça no lugar. E me
perdoe pelos pensamentos que tenho a respeito de Alex...
A prece foi interrompida pelo telefone. Ela enxugou as lágrimas e atendeu:
- Alô?
- Tessa?
A preocupação na voz de Alex fez com que sentisse um arrepio pelo corpo todo. Reagindo a algo que não compreendia, Tessa deu vazão a um choro convulsivo, que só
se acalmou aos poucos, minutos depois.
- Acho que precisamos conversar - Alex continuou, quando notou que ela estava mais calma. - Pode vir até meu escritório?
- Eu... não sei...
- Se quiser, posso ir até sua casa.
- Não! - Tessa respondeu, apressada. E se Grant aparecesse de repente com Scotty enquanto Alex estivesse com ela? Grant logo imaginaria o pior. Por isso, achou
melhor concordar: - Está bem. Estarei aí em meia hora.
Ela pretendia voltar antes que Grant viesse trazer o menino. Por isso resolveu sair de imediato, deixando apenas um recado na mesa do hall, para seus pais.

O sol já se pusera, e o frio era intenso. Tessa estacionou próximo ao edifício onde ficava o escritório de Alex e, ao se aproximar, notou que ele a esperava à porta.
Devia tê-la visto estacionar, porque saiu, sem ao menos se preocupar em vestir um casaco ou uma
jaqueta. Estava apenas com a camisa, cujas mangas arregaçara até o cotovelo.
Quanto mais se aproximava, mais rápido Tessa sentia bater seu coração. Vê-lo ali, esperando por ela, era como estar de volta de um pesadelo escuro e terrível e encontrar
apoio e proteção. Jamais experimentara tal sentimento.
O elevador não demorou mais do que alguns segundos para levá-los ao sexto andar, mas, nessa fração de tempo, Alex passou por vários sentimentos e sensações, a maioria
dos quais, novos e agradáveis para ele.
Tessa mantinha-se a uma certa distância e procurava não encará-lo, guardando um silêncio quase respeitoso.
Ele, porém, não deixava de olhá-la e de admirar sua beleza.
De repente, Tessa ergueu aqueles olhos suplicantes, cheios de significados, carregados de angústia.
Aqueles eram os olhos mais lindos que Alex já vira. Sua vontade era tomá-la nos braços e confortá-la. Controlou-se, porém, agradecendo a Deus quando as portas do
elevador se abriram.
Um outro advogado que trabalhava no mesmo andar estava à espera, e não pôde evitar o olhar admirado que lançou sobre Tessa. Ela, afinal, chamava a atenção de qualquer
homem, e Mitch Gardner não era exceção.
Alex não gostou do modo como ele mediu Tessa dos pés à cabeça nos poucos segundos em que teve oportunidade de olhar para ela. Sabia o que Mitch estava pensando;
não era conveniente trazer uma cliente ao escritório após o horário do expediente, mas agora já
era tarde.
Tessa tirou o casaco pesado ao entrar no escritório.
Parecia não ter notado o olhar do outro advogado, pensava Alex. Na verdade, ela parecia não notar o que provocava nele também.
Desde que a conhecera, Alex percebera que Tessa não reparava no impacto de sua beleza sobre os homens. E, para ele, esse era mais um dos motivos que a tornava tão
atraente.
- Deseja beber algo antes de começarmos a conversar?
- ele perguntou, um tanto preocupado, embora tentasse manter o tom profissional.
- Não, obrigada.
- Bem, se não se importar, vou tomar um pouco de café.
Alex foi até a pequena cozinha. Um de seus assessores tinha deixado um pacote de pãezinhos doces sobre a pia, e ele comeu dois, rapidamente, sentindo a fome apertar,
pois não jantara ainda.
Quando voltou ao escritório, trazendo a xícara fumegante entre as mãos, já havia se decidido a esquecer seu envolvimento emocional com aquela mulher, e ater-se apenas
ao aspecto profissional de sua visita.
- Bem, Tessa, conte-me o que aconteceu hoje. O que a perturbou?
Ela respirou fundo antes de começar a relatar o episódio com a professora de Scotty. Enquanto o fazia, Alex prestava a máxima atenção. Nada nas palavras dela o surpreendia.
Precisava convencê-la de que aquele processo de divórcio e guarda do menino seria, de fato, algo muito penoso para ela; precisava mostrar-lhe quem era Clive Medor.
- Tessa - começou, inclinando-se para a frente em sua cadeira giratória -, ouça: não sou nenhum psicólogo, mas, baseado no que acabou de me contar, e no que já tinha
me dito antes, acredito que seu casamento já estava em crise muito antes de Scotty nascer. Creio, também, que você jamais teria sofrido aquela depressão se pudesse
ter obtido o divórcio naquela época. No entanto, devido a seu forte senso de responsabilidade, seu amor por seu filho e sua religião, você permaneceu casada, apesar
de estar numa situação para a qual não via saída. Assim, a depressão tomou conta de você e foi mal compreendida, ou mal interpretada, por seu analista. Nesse momento,
Alex notou o brilho de lágrimas nos olhos dela. Continuou, porém, com seu raciocínio:
- O fato de ter se livrado dos medicamentos pesados e de estar se sentindo bem só vem provar que você jamais teve uma personalidade maníaco-depressiva. E o que acho
admirável é que, apesar de seu péssimo casamento, você conseguiu criar uma criança maravilhosa e terminar seus estudos na faculdade, mesmo estando sob influência
de remédios poderosos. É assim que vejo seu caso. E é assim que o apresentarei perante a Corte.
- Graças a Deus você acredita no que eu lhe contei!
- Tessa murmurou, fixando-o com olhar intenso. - Não sabe o que sua opinião significa para mim!
- Não sou o único que acredita em você. Seus pais, seu irmão, sua cunhada, seu filho, e também Paul Wong; todos conhecem a verdade e confiam em você. Não importa
o que a professora de Scotty diga ou faça. Ela não conhece os fatos. Nós dois, sim. E vamos ter controle sobre a situação, você vai ver. Entende o que estou lhe
dizendo?
Ela o olhou e assentiu em silêncio.
- Ótimo - Alex prosseguiu. - Porque é vital que você o faça. Clive Medor está tentando fazer deste caso um precedente na Justiça do Estado do Colorado. Ele vai tentar
humilhar você, destruí-la, espezinhá-la diante do júri; tentará fazer de você a pior das mulheres, para garantir que seu marido fique com a guarda de Scotty.
Alex via que Tessa estremecia diante de suas palavras, mas não havia outra maneira de abrir-lhe os olhos.
- Mas... vai haver um júri? - ela perguntou, surpresa e aflita.
Ele assentiu, grave.
- O juiz será o júri. O trabalho dele é ouvir as testemunhas e decidir com qual dos dois, você ou Grant, Scotty deverá viver. E a Corte sempre favorece o melhor.
O juiz Larkin é quem presidirá este caso. Já apresentei muitos outros a ele. É um homem austero, imparcial. Mas fico feliz por ser esse juiz a presidir nosso caso,
porque, até o presente, todas as suas decisões foram justas, tomadas com muita calma e sabedoria. Na verdade, estou contando com o bom senso dele para conseguir
vencer Medor e suas alegações, não importa quais sejam.
- O advogado de meu marido é brilhante, não?
- É, sim. E perigoso. Na verdade, ele é o melhor em seu campo de ação.
Tessa engoliu em seco.
- Tenho a impressão de que você está me avisando sobre algo horrível...
- E estou, de fato. Acho que você precisa saber o que vai ter de enfrentar.
- Então... fale mais - ela pediu.
- Em primeiro lugar, você e Scotty não estão mais livres para deixar a cidade sem o consentimento da Corte. Após a audiência preliminar, na qual o juiz conversará
com seu filho em particular, você, Grant e o menino terão de passar por uma bateria de testes psicológicos. Devido ao tratamento clínico pelo qual você passou, e
também à acusação de Grant sobre você estar usando drogas, também terá de consultar um psiquiatra indicado pela Corte. Haverá uma avaliação, então, e talvez você
até precise passar por uma terapia de grupo. Todos esses testes não serão fáceis se não estiver preparada, Tessa. E esse é meu trabalho: prepará-la para tudo.
Tessa estava pálida. Alex continuou, impassível:
- Quando os resultados dos testes ficarem prontos, uma data será marcada para o julgamento do caso, e as testemunhas serão ouvidas. Quando terminar, ojuiz dará seu
veredicto. Só então o processo de divórcio será concluído. - Alex percebeu que ela estava cada vez mais tensa. Perguntou, preocupado: - Você está bem?
- Estou com tanto medo...
- Eu sei. Mas lembre-se: você não vai perder Scotty.
- Gostaria de poder acreditar nisso.
- Então, acredite.
Após alguns instantes de silêncio, Tessa murmurou:
- Eu acredito.
Na quietude que se seguiu, com apenas a lâmpada sobre a escrivaninha iluminando o escritório em penumbra, Alex quase podia imaginar-se sozinho na Terra com Tessa,
como se estivessem ambos ligados por um laço mais forte do que qualquer coisa que ele já sentira antes.
Com medo de prolongar aquele instante mágico até os limites de seu autocontrole, ele se levantou.
- Venha. Vou acompanhá-la até seu carro. Nós dois tivemos um longo dia e sei que você quererá estar em casa quando seu filho chegar.


Capítulo 09

Quando Tessa chegou à casa de seus pais, viu o carro de Grant parado diante do
portão. Ele já estava indo embora, o que significava que Scotty devia estar lá dentro com os avós.
Já que não tinha nada a dizer ao marido, Tessa esperava que ele a ignorasse e se fosse.
As palavras duras e verdadeiras de Alex ainda estavam em sua mente. Ele fora bastante sincero, explicando-lhe como deveria agir para ajudá-lo a ganhar aquele caso.
Um perfeito profissional. Parecia óbvio que, para Alex, ela era apenas mais uma cliente angustiada.
Ele era um homem bonito, atraente, bem-sucedido; com certeza não perderia seu tempo dando atenção a todas as clientes amarguradas que procuravam seu ombro para
exorcizar sua dor.
Tessa desligou o motor e saiu do carro batendo a porta. Sentia-se uma tola por ter mostrado a Alex essa parte vulnerável, até mesmo patética, de sua personalidade.
Prometia a si mesma não mais telefonar para ele, a não ser que fosse, de fato, numa situação de emergência.
Estava tão ocupada pensando em Alex que não percebeu que Grant saíra do carro e encaminhava-se para a entrada da casa. Quando ficou diante de Tessa, ele perguntou,
indelicado:
- Onde você estava?
- Tive de sair... - Tessa conseguiu murmurar. Queria perguntar ao marido como fora a visita de Scotty, mas lembrou-se da forma rude como ele respondera da última
vez, e preferiu calar-se.
- Bem, vim para lhe dizer que vou passar algum tempo com minha família - Grant continuou, ainda hostil - e, já que você não quis ficar com nada de nossa casa, coloquei
tudo num galpão. Algumas pessoas estão interessadas em comprar os móveis. E o telefone já foi desligado hoje à tarde.
Tessa estava tão surpresa com as palavras dele que mal conseguia pensar. Scotty não tinha mais um lugar ao qual pudesse chamar de lar.
- Se você tivesse me dito que planejava fazer isso - ela disse, ainda tentando compreender as razões para a atitude de Grant -, eu teria ido até lá para ajudá-lo
a
empacotar tudo.
Na verdade, Tessa pensava que poderia ter ficado na casa. Talvez pudesse pagar um aluguel a Grant, agora que estava trabalhando. Mas não teve coragem de dizer-lhe
isso.
- Não, obrigado - ele agora falava com ironia. - Os homens da igreja, que estavam me ajudando, poderiam ver você indo a todo instante ao banheiro, para vomitar.
Tessa lembrava-se dos conselhos de Alex. Não devia reagir às provocações do marido.
- E as coisas de Scotty? - perguntou, ignorando o sarcasmo de Grant.
- Onde acha que poderiam estar? Na casa de meus pais, é claro!
Tessa respirou fundo. Era, de fato, inútil tentar ser racional com Grant.
- Então, se é só isso, acho melhor nos despedirmos. Está muito frio aqui fora.
Ela devia ter dito a coisa errada de novo, pois suas palavras provocaram outro acesso de raiva no marido.
- Dane-se, Tessa! Pare de dar ordens! Você me causa enjôos, sabia?!
Ela viu-o afastar-se, pisando firme até seu carro, e depois sair fazendo os pneus cantar no asfalto úmido. Lembrava-se de que Grant usara aquelas mesmas palavras
quando, em
sua lua-de-mel, Tessa não concordara em fazer certas coisas na cama, que ele chamava de "diferentes". Grant tornara-se um homem violento e amargo, disposto a ficar
com Scotty apenas para atingi-la.
Tessa cerrou os olhos, pedindo forças a Deus para que todo aquele amargor, aquela raiva não atingissem Scotty.
Entrou em casa, ansiosa por falar com o filho, abraçá-lo e afirmar-lhe, mais uma vez, que tudo estaria bem.
- Tessa? É você? - sua mãe chamou, da cozinha.
- Sim. Onde está Scotty?
- Seu pai está colocando-o para dormir. Antes de ir falar com ele, porém, ligue para Alex. Ele telefonou agora há pouco e achei que, pelo seu tom de voz, o assunto
era
importante. Anotei o número no bloco sobre a mesinha do estúdio.
Tessa não estava entendendo. Falara com Alex havia pouco mais de quarenta minutos. A simples menção do nome dele fizera seu coração bater mais depressa...
Aborrecida consigo mesma por estar reagindo assim, ela dirigiu-se ao estúdio, procurando se acalmar. O que de ruim poderia estar acontecendo agora para fazê-lo ligar?
Procurando pensar de maneira lógica, mas ansiosa por ouvir a voz do advogado outra vez, Tessa discou o número que ele deixara com sua mãe. Suas mãos tremiam. Alex
atendeu ao primeiro toque.
- Alex? Minha mãe disse que você ligou... Aconteceu alguma coisa? Há algo errado?
- Agora, não há mais.
- Como assim?
- Bem, você sabe, as ruas estão escorregadias devido ao mau tempo. Fiquei preocupado porque você saiu de meu escritório quando já estava escuro; achei que poderia
nevar...
Tessa não se importara muito com as condições do clima ao voltar para casa. Estava muito ocupada pensando em Alex para notar qualquer outra coisa. Mas o fato de
ele ter se preocupado com sua segurança deixava-a feliz, emocionada.
- Bem, eu... talvez nem devesse ter ido ao seu escritório para incomodá-lo após o expediente. Não devia sequer ligar quando fico nervosa com meus problemas.
- Não faz mal. O que importa é sua segurança. Houve um acidente grave na auto-estrada, e quando passei por lá fiquei muito preocupado. Houve algumas mortes e, não
sei por quê, mas achei que você poderia estar envolvida. Parei no acostamento e, para piorar as coisas, o motorista de outro carro não me viu e quase me atropelou.
Tessa agora experimentava o mesmo medo que Alex devia ter sentido naquele momento. Imaginá-lo morto, numa estrada, era um pensamento horrível demais para poder suportar.
- Graças a Deus você está bem! - ela sussurrou, quase sem sentir.
- Pensei a mesma coisa quando atendi ao telefone e ouvi sua voz, Tessa. Acho que agora posso ficar tranqüilo. É horrível ter de sair numa noite como esta.
- É verdade. Mas foi bom eu ter ido falar com você. Pude pôr seus conselhos em prática assim que cheguei em casa: meu marido estava aqui. Ele tentou me provocar,
mas agi como você disse.
- Conte-me o que aconteceu.
Ela narrou, em poucas e precisas palavras, seu encontro tumultuado com Grant. Quando falou sobre a venda dos móveis, não pôde evitar as lágrimas, e explicou seu
receio de que essa separação pudesse abalar Scotty mais do que o inevitável, já que até sua casa não existia mais.
- Tessa, o lar de seu filho é o lugar onde você está -Alex tranqüilizou-a.-Nada mais importa para uma criança.
- É. Acho que você está certo...
- Quero falar com seu filho antes da audiência preliminar. Você pode trazê-lo ao meu escritório na próxima sexta-feira, às onze horas? O que vou dizer a ele não
vai demorar muito; você poderá levá-lo à escola depois, sem nenhum problema.
Tessa sentiu um calor agradável percorrer-lhe o corpo. Só teria de esperar um dia e meio para ver Alex outra vez.
- Boa noite, Tessa.
- Boa noite.
Era sempre ele quem colocava um ponto final em suas conversas, ela pensou, recolocando o fone no gancho.
Como seria passar um dia inteiro ao lado de Alex Sommerfield? Uma semana inteira, talvez... Sem despedidas, sem outros problemas. E se tivessem se conhecido em circunstâncias
diferentes? E se fosse ele o homem que a estar na praia, no Havaí, em vez de Paul Wong?
- Você está tão pensativa, querida!
Tessa teve um sobressalto ao notar a presença da mãe.
- Quer conversar? - Vilma prosseguiu, sentando-se junto à filha.
- Sobre o quê?
- Bem, vejamos: quando eu e seu pai saímos hoje à noite, tivemos a impressão de que você queria ficar em casa; mas, quando voltamos, encontramos seu bilhete dizendo
que tinha ido até o escritório de Alex. E ele ligou para cá antes mesmo de você chegar, dizendo que precisava lhe falar, não importava a que hora fosse.
Tessa respirou fundo. Era difícil explicar certas coisas.
- Ele estava preocupado comigo porque houve um acidente, e o clima está tão ruim...
- É verdade. Seu pai também quase se envolveu numa colisão com outros dois automóveis. Mas, graças a Deus, nada aconteceu. Querida, me acharia intrometida se lhe
perguntasse o que aconteceu depois que eu e seu pai saímos?
Tessa pensou bastante antes de falar:
- Minha conversa com a sra. Janke me deixou arrasada. Grant tem falado coisas horríveis a meu respeito, há muito tempo. Eu não quis dizer-lhes isso antes de vocês
saírem para jantar porque não quero atrapalhar mais do que já estou atrapalhando. Liguei para Alex, da escola, mas ele não estava. Então, deixei recado para que
ele retornasse o telefonema. Foi por isso que eu não quis ir jantar com vocês. E, quando falei com Alex, eu estava tão ansiosa e aflita que ele me pediu para que
fosse até seu escritório. Eu precisava tanto falar com ele, mamãe!
- E essa conversa parece ter-lhe feito muito bem.
- Ele me abriu os olhos para muitas coisas. Preparou meu espírito para o que ainda terei de enfrentar nesse divórcio. E me disse que, juntos, poderemos vencer Grant
e seu advogado. Confio plenamente em Alex, mamãe.
- Isso é evidente...
- Ele é maravilhoso! Acho que nem consigo encontrar palavras para descrever como eu o admiro.
Vilma sorriu.
- Então, nem tente. Pelo que pude observar, Alex também acha você incrível.
- Eu também gostaria de pensar assim, mamãe, mas, pelo que pude observar, ele é o tipo de advogado que faz com que toda cliente se sinta importante.
- Querida, acha mesmo que, após um exaustivo dia de trabalho, Alex ainda tem tempo para ligar para todas as suas clientes e recebê-las em seu escritório para confortá-las?
E depois ainda liga para a casa delas para saber se chegaram bem?
- Ora, mamãe... - Tessa ria, nervosa. - Ele é um advogado de renome, e estou em meio a um processo conturbado de divórcio. Mesmo se eu já estivesse livre...
- Isso não parece incomodá-lo muito - Vilma interrompeu. - Aliás, ele me pareceu bastante ansioso para lhe falar quando ligou para cá.
- Eu sei, mas...
- Tessa, seu casamento com Grant fracassou. Foi um erro que durou seis longos anos. Mas isso não deve importar para você também; não perca o amor-próprio, querida!
Você tem o direito de ser amada, de procurar a felicidade com outro homem.
Tessa assentiu. Sua mãe a entendia, como sempre.
- É bem assim que me sinto, mamãe.
- Então, já é hora de livrar-se desse sentimento de culpa. Precisa voltar a viver. Se soubesse como me sinto feliz por você ter ido ao escritório de Alex hoje à
noite...
O que sente por ele é normal, é saudável. Significa que você está querendo refazer sua vida. E já era tempo, não acha? - Vilma tomou as mãos da filha e apertou-as,
procurando transmitir-lhe confiança. Prosseguiu, sorrindo: - Continue seguindo os conselhos de Alex. E mantenha seus olhos e seu coração abertos a essa nova experiência.
Você não poderá saber o que o futuro lhe reserva a menos que se deixe levar por seu destino com
confiança e fé no amanhã.
Tessa abraçou a mãe, agradecida por suas palavras; sentia-se aliviada, livre do peso de uma culpa sem fundamento.

A casa de repouso Vista dos Pinheiros, em Denver, parecia ser de bom nível. Mas, enquanto aguardava para ser atendido, Alex observava os velhinhos em suas cadeiras
de roda, alguns cochilando, outros murmurando frases sem sentido, e dava graças a Deus por outrora ter conseguido pagar uma enfermeira particular para seus avós.
Ele perdera os pais com a idade de dez anos, num acidente de trânsito, e fora criado pelos avós paternos. E todo o sucesso que atingira até o presente momento devia
inteiramente ao esforço e empenho deles.
A única coisa que o bondoso casal lhe pedira em troca fora sua felicidade e o conforto de morrerem em casa; e, enquanto vivesse, Alex jurara arcar com todas as despesas
necessárias para mantê-los em paz e segurança até o fim de seus dias.
Seu avô falecera primeiro, devido a um ataque cardíaco fulminante; sua avó tivera uma forte pneumonia, seis meses depois, e também se fora. Naquela época, Alex ainda
era casado e seus avós tinham sido poupados de presenciar seu divórcio; afinal, para eles, o casamento era a instituição mais estável e sagrada que existia.
- Sr. Sommerfield, já localizamos a sra. Hatfield. Ela acabou de jantar e está assistindo à televisão - informou a enfermeira da secretaria. - Venha por aqui, por
favor.
Alex seguiu a moça pelo largo corredor, passando por muitos outros idosos, alguns dos quais precisavam ser acompanhados por enfermeiros até para caminhar, muito
devagar, pelas dependências da clínica. Alex sentia um nó na garganta; lembrava-se muito bem dos últimos dias de seus avós.
- Olá, Vivian - disse a enfermeira a uma senhora de cabelos brancos, que estava numa das poltronas da sala de tevê. - Eu lhe trouxe uma visita.
- É mesmo? - alegrou-se a velhinha, abrindo um sorriso simpático.
- Olá, sra. Hatfield. Acho que não se lembra de mim. Meu nome é Alex Sommerfield. Há sete anos, sua filha Stephanie me procurou porque queria que eu a representasse
em seu pedido de divórcio.
A senhora olhava-o, procurando se lembrar. Alex sabia que ela não era tão idosa quanto parecia.
- Não me lembro do senhor. - Havia lágrimas nos olhos dela. - Mas ele era tão mau...
Alex percebia que ela se referia ao ex-marido de Stephanie, que costumava bater muito na mulher quando se embriagava.
- Mas ele está bem agora, sra. Hatfield. O divórcio transformou sua vida.
- Eu gostaria que Stephanie tivesse vindo me ver -queixou-se, apoiando a cabeça numa das mãos.
- Sua filha me disse que vem para vê-la todos os domingos.
- Eu quero ir para casa.
- Eu sei.
Stephanie vivia com o filho e trabalhava; não tinha muito tempo disponível para cuidar da mãe doente. Alex sabia de tudo isso, mas não podia deixar de compadecer-se.
Compreendia a necessidade que Vivian sentia de estar em sua própria casa, rodeada por seus entes queridos.
- Sra. Hatfield, eu vim até aqui porque preciso lhe fazer algumas perguntas. Elas são muito importantes para mim. Será que poderia respondê-las?
Ela assentiu. Alex continuou, então:
- Lembra-se de seu psiquiatra? O nome dele era Howard Milhouse.
- Lembro, sim.
- E por que o procurou? O que havia de errado com a senhora?
- Eu não sei...
- Sabe, sim. Pense.
- Eu chorava muito. Ele odiava quando eu chorava.
- Quem odiava?
- Melvin.
- Melvin era o marido de Stephanie.
- É. Mas não é mais.
- Eu sei. E Melvin a levou até o dr. Milhouse?
- Não me lembro.
- Mas alguém a levou até ele.
- Stephanie não queria que eu chorasse mais. E ele ficou ainda mais mau por causa disso.
- E por que você chorava?
- Porque ele continuava batendo na minha menina.
- Sei. Mas Stephanie está bem agora. - Alex repetiu, compreensivo.
A senhora olhou-o com atenção e sorriu.
- Fico feliz por isso - disse, com voz suave.
- Eu também. A senhora chorava muito quando era pequena?
Ela negou com a cabeça. Alex insistiu:
- Quando era jovem, então?
Vivian tornou a negar.
- Quando começou a chorar?
- Quando Melvin jogou minha menina na banheira e ligou a água quente. Ainda posso ouvi-la gritando. -Ela tapou os ouvidos com as mãos.
Alex respirou fundo; Stephanie não lhe contara sobre esse incidente.
- Melvin agora está num lugar onde não pode mais fazer essas coisas horríveis. - Ele procurava tranqüilizar a velhinha mais uma vez. Então, tomou suas mãos trêmulas
e acrescentou: - Obrigado por falar comigo.
- Você vai voltar mais vezes para me ver?
- Vou. - E ele falava a sério.
Felizmente, nessa noite, a temperatura não caíra tanto quanto na anterior. Alex voltou para Colorado Springs sem maiores problemas, e, durante o caminho, repassou
a conversa que tivera com Vivian Hatfield.
Sua linha de trabalho sempre o fazia agir por instinto.
Aquela senhora parecia-lhe muito melhor agora, e ele sabia que podia confiar no que ela lhe dissera. Estava satisfeito com sua ida à casa de repouso. Uma das enfermeiras
garantira-lhe que a única medicação tomada por Vivian no momento era um sedativo leve que a ajudava a dormir melhor. Era interessante que seu médico atual não lhe
ministrasse o mesmo tratamento anti-depressivo que Milhouse usara. Fora o diagnóstico dele, que classificava Vivian como maníaco-depressiva, que a impedira de testemunhar
a favor da filha. Mas houvera muitas outras testemunhas para corroborar as acusações de Stephanie sobre a violência de seu ex-marido.
Então, a depressão de Vivian passara como por encanto assim que ela fora levada para a clínica de repouso...
Alex acariciou o queixo, pensativo. Nem Vivian, nem Tessa tinham demonstrado sintomas da doença até que um incidente traumático as fizera chegar ao dr. Milhouse.
E ele dera o mesmo diagnóstico para ambas. Se estivesse enganado nos dois casos, era possível que tivesse cometido o mesmo erro com outros pacientes.
Burt já fizera uma investigação sobre o médico e constatara que ele era muito respeitado na comunidade psiquiátrica do Estado, estando em vistas de ser eleito outra
vez presidente da Associação Psiquiátrica do Colorado.
O próprio dr. Jenner enviara a filha aos cuidados do dr. Milhouse seguindo o conselho de um colega. Ainda assim, Alex tinha experiência suficiente no campo da lei
para saber que a aparência social de um homem podia esconder uma infinidade de falcatruas. E, por uma
estranha razão que ele mesmo desconhecia, tinha a impressão de que ali havia um mistério a ser desvendado.

Uma hora mais tarde, Alex chegava a seu apartamento. Ligou a secretária eletrônica para ver se havia alguma mensagem gravada. Ao ouvir a voz de Sadie, convidando-o
para outra de suas festas, resolveu mais uma vez seguir seus impulsos e discou o número dela. Enquanto esperava que atendessem, começou a dar-se conta da frustração
que estava sentindo por não haver um recado de Tessa.
Não deveria estar se sentindo tão desapontado. Afinal, logo a veria de novo. Não conseguia compreender o que estava lhe acontecendo. Não podia, não devia sentir-se
assim em relação a ela. Não era ético. Um advogado não deveria nunca se envolver com uma cliente. A não ser que quisesse cometer um suicídio profissional e perder
a causa antes mesmo de levá-la à Corte.
- Alô? - A voz de Sadie afastou-o dos pensamentos.
- Olá, Sadie. É Alex.
- Não posso acreditar que esteja retornando minha chamada! - ela exclamou, surpresa. - Sempre tenho de implorar a Burt para que você me ligue. É verdade o que estão
dizendo? Você anda me escondendo coisas!
- Do que você está falando? - Ele riu, sem graça.
- Mitch Gardner e esposa sentaram-se ao meu lado no jantar do Country Club ontem à noite. Ele me falou sobre a linda moça que viu com você.
Alex cerrou os olhos.
- Que vergonha você não ter me contado! - Sadie continuava. - Mas decidi perdoá-lo se a trouxer para jantar conosco na próxima semana.
- Mitch deveria cuidar de sua própria vida antes de ficar bisbilhotando a dos outros - ele respondeu, áspero.
- Aquela era uma cliente, que, neste exato momento, deve estar lutando por sua própria vida e integridade moral!
Houve um breve instante de silêncio. Depois, Sadie desculpou-se:
- Sinto muito, Alex. Eu não quis ser indiscreta, muito menos ofender você.
Ele afrouxou o nó da gravata com um puxão.
- Eu também não quis parecer grosseiro, Sadie. Desculpe-me. Afinal, só liguei para pedir-lhe um favor e...
- Ah! Até que enfim! Você sabe que eu faço qualquer coisa para ajudá-lo. Diga o que quer.
- Preciso de certas informações um tanto... delicadas.
- Parece que está me pedindo para espionar alguém, ou algo parecido. Eu adoraria! Prossiga.
Alex não pôde evitar o sorriso, apesar da gravidade da situação.
- Sei que você faz uma série de serviços voluntários no Hospital Mountaincrest.
- Sim, duas vezes por semana.
- Fez amizade com alguém do laboratório?
- Claro. Estou nessa atividade há tanto tempo que acho que conheço todos lá.
- Ótimo. Antes de lhe dizer do que preciso, quero lhe garantir que, se conseguir fazer o que estou lhe pedindo, ser-lhe-ei eternamente grato.
Sadie riu.
- Olhe, isso é uma promessa e tanto! Em especial, vindo de você! Alex, algo muito grave deve estar se passando para você me fazer esse pedido.
Ele cerrou os olhos.
- É verdade, Sadie. Vou dizer o que quero que faça.
Alex conversou com ela por mais dez minutos.
Depois, ao resolver ir para a cama, confrontou-se com um problema que o vinha perturbando já fazia algum tempo: era difícil conciliar o sono tendo Tessa Marsden
o tempo todo em seus pensamentos.

Às cinco da manhã, desistindo de tentar dormir, Alex levantou-se e foi para o chuveiro. O trabalho o esperava e, às seis, já estava de volta ao escritório.
Uma hora depois, ao ouvir passos na outra sala, ergueu o olhar dos papéis que estivera lendo e encontrou o rosto surpreso de Burt.
- Eu costumava chegar aqui antes de você, chefe. O que houve?
- Quero que faça algumas ligações, Burt. Primeiro, entre em contato com o obstetra que atendeu Tessa Marsden quando do nascimento de seu filho. Ele trabalha na Clínica
Shady Brook. Depois, quero que fale com o dr. Barnes, da casa de repouso Vista dos Pinheiros, em Denver. Aqui estão os números dos telefones.
- Vou fazer isso agora mesmo.
- A sra. Marsden e seu filho deverão estar aqui às onze horas. - Alex pegou a carteira e tirou vinte dólares, entregando-os ao rapaz. - Logo que chegarem, vá até
o McDonald's e traga alguns lanches para nós.
- Certo. Caso não tenha visto meu bilhete, a audiência do caso Larsen foi adiada. O Conselho da Suprema Corte irá decidir qual será a próxima data.
- Ótimo. Vou ter mais tempo livre hoje à tarde, então.
Assim que Burt saiu, Alex abriu a pasta do caso Penman e trabalhou sem parar até que seu assistente o chamou de novo, pelo interfone.
- Chefe, o dr. Barnes ainda não chegou ao seu consultório, mas costuma retornar as chamadas que recebe depois das duas da tarde. Avisei sua secretária de que se
tratava de um assunto importante, e ela me garantiu que a primeira ligação dele será para cá.
- Bom trabalho, Burt.
- Agora, quanto ao dr. Williams, o obstetra da sra. Marsden: está fora do país há dois anos e só voltará no ano que vem.
Alex franziu as sobrancelhas.
- Onde ele está?
- Na África do Sul.
- Trabalhando em algum hospital?
- Não. De acordo com o filho dele, que está morando em sua casa, ele e a esposa foram para lá como missionários da Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo dos Santos
dos Últimos Dias.
- Interessante... Você pode me conseguir o número dessa igreja?
- Já consegui, chefe. Há uma diferença de fuso horário de nove horas. Isso significa que, agora, são cinco da tarde em Durban. Talvez pudéssemos localizá-lo. Quer
tentar agora ou faço isso depois?
- Agora, Burt! Não há tempo a perder!
- Certo, chefe!

Capítulo 10


Estou sentindo um frio na barriga, mamãe - disse Scotty, no elevador.
Tessa sorriu com doçura para ele. Compreendia a ansiedade do filho. Ela mesma tinha uma sensação diferente, que lhe acelerava o coração e fazia com que arrepios
percorressem seu corpo.
Iria ver Alex em poucos segundos, e isso a agitava.
- É porque este elevador sobe muito depressa - explicou para o menino. Gostaria que também para o seu caso houvesse uma explicação assim tão simples.
- Aonde estamos indo? - Scotty perguntou, quando as portas se abriram, no sexto andar.
- Vamos visitar um amigo. - Ela pegou a mãozinha fria do menino e dirigiu-se ao escritório. Disse, quando chegaram à porta: - Está vendo? Aqui está escrito: dr.
Alex Sommerfield, advogado.
Burt levantou-se assim que os viu entrar.
- Olá, sra. Marsden! Olá, Scotty!
- Como você sabe o meu nome? - o menino estranhou, de imediato.
- Porque sua mãe me disse que você viria hoje - o rapaz explicou, sorrindo.
- Você é Alex?
- Não, Scotty. Eu sou - respondeu a voz baixa e familiar que Tessa conhecia tão bem.
Ao voltar-se, com o coração acelerado, ela encontrou o par de olhos azuis que a fixava, intenso. Por um momento, sentiu-se presa por eles; depois, desviou os seus,
com medo de demonstrar sentimentos demais.
- Scotty, este é o dr. Alex Sommerfield. O homem que está me ajudando - ela apresentou-o ao filho, com voz suave.
- Olá - Scotty cumprimentou, um tanto arredio.
Alex aproximou-se e agachou-se junto ao garoto.
- Como está, Scotty? Sua mãe me falou tanto sobre você, que sinto como se fôssemos amigos há muito tempo. Chame-me de Alex, está bem?
O menino assentiu, e Alex continuou:
- Ótimo. Está com fome?
Scotty olhou para a mãe, perguntando:
- Estamos com fome, mamãe?
Alex riu, levantando-se e dizendo para ela:
- Muito bem, mamãe, acho que já temos uma boa resposta. Que tal entrarmos e comermos alguma coisa?
Foram os três até a sala de reuniões. Os olhos de Scotty se arregalaram enquanto exclamava:
- Essa é a maior mesa que eu já vi!
Alex tornou a rir.
- Bem, nós, homens, precisamos de um lugar bem grande para almoçar, você não acha, Scotty?
- É.
- Então vá escolher uma cadeira para você enquanto ajudo sua mãe.
Tessa sabia que não houvera intenção, mas os dedos dele roçaram seus ombros conforme ajeitava a cadeira em que ela se sentava. Scotty procurou um local entre a mãe
e o advogado.
- Você sabe por que sua mãe o trouxe aqui hoje, Scotty?
- Sim. Ela disse que você ia conversar comigo sobre o tribunal.
- Na verdade, eu pedi a ela que o trouxesse para almoçarmos enquanto você me faz as perguntas.
Scotty sorriu, sentindo-se à vontade, e Tessa alegrou-se por ver que Alex tinha muito tato com o menino.
- Se eu fosse você, teria uma porção de coisas para perguntar - Alex prosseguia.
Após uma certa hesitação, Scotty perguntou:
- O que é tribunal?
- É um lugar onde sua mãe e seu pai vão conseguir seu divórcio. É uma sala, num prédio próximo a este onde estamos. Um homem, que chamamos de "juiz", vai conversar
com seus pais; ele sente muito por eles não estarem felizes e espera que o divórcio seja a melhor solução. Então, ele assina um papel, e pronto!
- O juiz é bravo?
- Não. Ele é alto, sério, e anda com uma bengala, porque machucou uma perna na guerra do Vietnã. Acho que sente dor às vezes, porque sua expressão fica um pouco
mais fechada.
Scotty olhava para Alex com atenção.
- Ele gosta de crianças? - indagou, interessado.
- É claro que sim. Sempre que vejo uma criança saindo da sala dele, ela está com um pirulito na mão.
- Gosto de pirulitos.
- Eu também. Quer perguntar mais alguma coisa?
- E se eu tiver de ir ao banheiro?
- O juiz tem um em seu escritório. E ele só deixa as crianças usarem-no. Nós, os adultos, temos de ir ao banheiro do fim do corredor.
- Papai e mamãe vão estar lá comigo?
- Não. Eles vão esperar do lado de fora da sala.
- Por que eles não podem entrar?
- Porque o juiz acha que as crianças são mais espertas do que os adultos. Ele diz que os pais sempre falam muito, mas que o importante é ouvir o que as crianças
têm a dizer.
- Quando meu pai vai à escola, a sra. Janke me manda ir brincar.
Alex olhou para Tessa e ambos trocaram uma mensagem silenciosa.
- Mas isso não vai acontecer quando você estiver com o juiz - Alex continuou. - Ele vai mandar seus pais irem dar um passeio enquanto conversa com você.
Scotty riu.
- Você é engraçado.
Tessa sentia-se aliviada e feliz. Alex mostrava mais compreensão e bom senso para falar com crianças do que muitos psicólogos.
Com a abertura que dera ao menino, ele facilitava as coisas, e Scotty sentia-se livre para fazer perguntas que Tessa jamais pensou que estivessem em sua cabecinha.
- O MacDonalds chegou! - Burt anunciou, entrando na sala com vários saquinhos de papel com o logotipo da lanchonete.
- Olhe, mamãe! Ele me trouxe um MacLanche Feliz!
- Scotty abriu depressa a caixinha com o sanduíche.
- Obrigada. - Ela se dirigia os dois homens, mas foi para Alex que guardou seu olhar mais doce e agradecido.
Tessa comeu em silêncio, enquanto Alex respondia a mais de uma dúzia de perguntas de Scotty. Pouco depois, quando já terminava suas batatas fritas, o menino voltou
o olhar alegre e brilhante para ela.
- Mamãe, eu tenho de ir à escola hoje? - perguntou, esperando, ansioso, por uma negativa.
- É claro que sim.
- Mas eu queria ficar aqui com Alex.
Tessa foi tomada de surpresa por aquele pedido. Também ela gostaria de ficar mais tempo ali, mas sabia não ser possível.
- Alex é um homem muito ocupado, querido - explicou, acariciando os cabelos do filho. - Ele talvez precise ir até o tribunal para ajudar outras pessoas hoje à tarde.
Scotty voltou-se para Alex.
- Você tem de ir? - indagou, ansioso.
- Acho que sim. Mas lhe digo uma coisa: quando você e sua mãe saírem do tribunal na semana que vem, vou levá-los a uma lanchonete aqui perto chamada Sol's Deli.
Eles fazem a melhor torta de queijo de toda a cidade. Você já comeu torta de queijo?
- Sim. Minha mãe sabe fazer. Eu adoro!
- Isso é verdade? - perguntou a Tessa, em tom insinuante.
Mas foi o menino quem respondeu por ela:
- Venha até a casa da vovó. Mamãe vai fazer uma torta para você.
Tessa sentiu as faces subitamente quentes. Desviou o olhar, confusa.
- É melhor irmos agora, Scotty, ou vai se atrasar para a escola - disse, baixo, querendo livrar-se daquele embaraço o quanto antes. - Coloque seu copo e saquinho
no lixo e agradeça a Alex por tudo.
Enquanto ela se levantava, o menino juntou todas as embalagens vazias. Depois de jogá-las na cesta, foi até Alex.
- Obrigado por me convidar para o almoço.
- Ora, não precisa agradecer. Sabe, sua mãe tem sorte por ter um filho como você. Até a semana que vem.
Acompanhou-os até a outra sala e ajudou Scotty a vestir seu agasalho. Depois, enquanto fazia o mesmo com Tessa, murmurou ao ouvido dela:
- Seu filho é incrível. E ambos sabemos por quê. O juiz também saberá. - Ele apertou-lhe de leve os ombros, depois deixou-a ir.
Quando já estava à porta do elevador com Scotty, Tessa sentiu um estremecimento percorrer-lhe o corpo, como se a impressão das mãos de Alex ainda estivesse em
seus braços. Chegou mesmo a gemer baixinho, sabendo que agora todas as suas noites seriam uma seqüência de voltas na cama vazia, imaginando se aquele fora apenas
um gesto casual dele. Talvez ele também estivesse motivado pelos mesmos sentimentos...
- Mamãe? Você está passando mal de novo?
- Não, meu amor. Estou com frio, só isso.
O menino abraçou sua cintura, numa atitude carinhosa para tentar aquecê-la. Tessa sorriu e abraçou-o também, sabendo, porém, que mentira. Não tinha frio, mas uma
necessidade urgente de ser tocada, abraçada, beijada pelo homem do qual tinham acabado de se despedir.
Alex permaneceu à porta de seu escritório ainda por um bom tempo depois que Tessa e o menino se foram.
Tornava-se cada vez mais difícil despedir-se daquela mulher. E ele sabia que acabara de cometer mais um erro.
Quisera apenas ajudá-la a vestir o casaco. No último instante, porém, não resistira à tentação de tocá-la. Quebrara sua primeira regra de conduta quanto a uma cliente
e temia quebrar outras, com o passar do tempo.
Agora conhecia Scotty: um garotinho adorável que gostaria de ter sempre por perto. O juiz Larkin ficaria encantado com ele.
- Alex?
A voz de Gus, seu outro assistente, o fez despertar dos pensamentos e voltar-se.
- Sim? Conseguiu alguma coisa para mim?
- Na segunda-feira, você me pediu para verificar, no computador, tudo o que pudesse achar sobre Grant Marsden, lembra-se?
Alex assentiu, alerta.
- E...
- Bem, não achei nada. Mas consultei os arquivos e encontrei um, na parte de assuntos de jurisdição estadual.
Alex não estava entendendo. Por que o nome de Grant estaria relacionado a um arquivo estadual?
- Dê uma olhada. - Gus entregou-lhe uma pasta marrom.
Alex notou logo os dois nomes da primeira página: Grant Ellsworth Marsden e Tessa Cosgriff Jenner Marsden.
A data do processo era antiga, de seis anos atrás.
Intrigado, Alex abriu o arquivo: tratava-se de um pedido de divórcio padrão, pedido por Grant, contra a esposa. A alegação era de incompatibilidade de gênios. As
únicas propriedades a serem divididas eram os dois carros e a mobília que cada um trouxera, quando do matrimônio. Brett Wilcox, advogado que trabalhava num pequeno
escritório na cidade, assinara o documento, que era datado de dezesseis de março.
Surpreso e interessado, Alex passou para a segunda página: era outro documento, no qual Grant desistia do processo aberto na página anterior. A data deste era vinte
e quatro de abril, cinco semanas após. Por alguma razão desconhecida, ele mudara de idéia pouco depois de pedir o divórcio.
Não havia cópias das folhas. Isso significava que Tessa nunca recebera papéis iguais àqueles. Mas Grant devia ter lhe falado a respeito. Então, por que ela não contara
toda a verdade?
Alex passou a mão pelos cabelos. Não estava gostando daquilo. Talvez Tessa tivesse omitido tal informação por medo de prejudicar o caso.
Ele tinha certeza de que Medor já sabia dos tais documentos e os usaria no processo. Era mais uma arma de que não abriria mão para vencer mais esta batalha contra
o Alex, que estava possesso. Odiava quando os clientes lhe escondiam informações valiosas.
- Alex? - chamou Gus, preocupado. - Você está pálido. O prejudica o caso?
Ele respirou fundo antes de responder:
- Depende. Mas vou saber ao certo até o final do dia.
- Depois, voltando-se para o colega, deu-lhe tapinhas animadores no ombro e acrescentou: - Muitas coisas importantes aparecem nos arquivos. Você sabe trabalhar
muito bem com eles. Obrigado e parabéns! Você vai longe, se continuar assim.
- Se eu for, Alex, terei de agradecer apenas a você.
- Como assim?
- Porque, em primeiro lugar, não fui eu quem pensou em consultar o computador.
- Não importa. Você chegou aonde eu queria, e isso é crucial para este caso. Obrigado.
Cinco minutos depois, Alex já estava em seu carro; antes de falar com Tessa, procuraria o dr. Jenner. O que precisava fazer não podia esperar.

O ensaio para o concerto do coral atrasara. Tessa estava aflita porque sabia que Scotty ficaria triste ao sair da aula e não encontrá-la à porta da escola, esperando
por ele.
Quando, por fim, viu-se livre para deixar o serviço, ela desceu correndo as escadas do colégio, indo até seu automóvel.
Ao longe, viu um homem alto, no estacionamento, ao lado de um Mercedes preto, ao lado de seu carro. Ele lhe pareceu ser Alex, mas Tessa não ousou animar-se tanto
assim. Precisava aproximar-se mais para ter certeza.
Seu coração disparou ao constatar que, de fato, era ele.
- Alex! - exclamou, correndo em sua direção.
Por que ele estaria ali? Parecia tão... diferente. Algo teria acontecido a Scotty para que Alex estivesse assim tão sério?
- Scotty está bem - ele disse, como se tivesse lido seus pensamentos. - Sua mãe foi buscá-lo na escola.
Apesar do alívio pelas palavras dele, Tessa continuava tensa. Alex não parecia ser o mesmo homem afável, quase carinhoso, daquela manhã. Sua expressão era fria,
severa. Ele perguntou, sem rodeios:
- Você conhece o restaurante Hermitage?
Tessa compreendeu que algo, de fato, estava errado.
- Conheço.
Sabia onde ficava o local que ele mencionara, um pequeno restaurante francês, muito aconchegante, um pouco afastado do centro. Era um lugar ideal para quem estivesse
à procura de privacidade.
- Sigo você até lá, então.
Sempre cavalheiro, ele abriu a porta do automóvel para Tessa e fechou-a em seguida, indo depois para seu próprio carro.
Os vinte minutos seguintes foram de pura agonia para ela. O homem que vinha no Mercedes, logo atrás, parecia-lhe um estranho.
Pensara conhecê-lo bem. Achara que compreendia o modo de pensar e agir de Alex. No entanto, uma estranha e incômoda sensação tomou-a, como se já tivesse vivido
uma situação desagradável assim. Grant também se transformara num estranho para ela...
Seria possível conhecer uma alguém por completo? Ou ela definitivamente não sabia analisar o caráter das pessoas?
Suas amigas não pareciam ser assim. Sandra, Lúcia, Jennifer, todas estavam bem casadas. Seus pais também eram um grande exemplo de união feliz. Winn e Rae também.
Talvez houvesse algo de errado com ela. Por motivos que desconhecia, não parecia destinada à felicidade. Talvez algum dos rapazes que namorara antes de Grant pudesse
tê-la feito feliz, mas nunca chegara a se apaixonar de verdade por nenhum deles.
Quanto a Grant... Sua atração por ele terminara na lua-de-mel. Seu marido fora capaz de destruir toda a paixão que havia dentro dela.
Bem, talvez apenas a paixão que deveria sentir por ele, porque agora, quando pensava em Alex, Tessa sentia-se arder.
Essas sensações eróticas, mais a admiração e o respeito que tinha pelo advogado, eram muito diferentes de tudo o que já sentira na vida.
Sua imaginação teria sido fantasiosa demais outra vez? Teria transformado Alex num herói, vendo nele qualidades que ele não tinha?
Cada vez mais angustiada, Tessa tomou a estreita saída lateral que levava ao estacionamento do Hermitage.
O Mercedes mantinha-se logo atrás. Havia apenas mais dois automóveis estacionados no pátio calçado de pedras.
Alex foi depressa abrir a porta do carro para Tessa. Sem dizer uma palavra, ele tocou-lhe o cotovelo, caminhando com ela para dentro da pequena construção que se
assemelhava a um moinho francês.
Sentaram-se a uma das mesas dos fundos. Tessa procurava manter-se distante. Na verdade, não sabia o que esperar dele.
Alex sentou-se à sua frente e perguntou:
- O que vai beber?
- Nada. - Ela começava a sentir o estômago diferente, na preparação de uma náusea, talvez causada pelo nervosismo.
A expressão severa pareceu se acentuar no rosto de Alex antes de pedir café ao garçom que se aproximou.
Assim que a caneca fumegante foi colocada sobre a mesa, diante dele, Alex inclinou-se para a frente e encarou Tessa, inflexível.
- Quero saber agora se escondeu informações importantes de mim; e se fez isso de propósito, porque não vou representar uma cliente que mentiu ou omitiu fatos vitais
para o caso que estou tentando resolver da melhor forma possível! E saiba que já falei com seu pai sobre isso antes de ir encontrá-la na escola.
Tessa não sabia o que teria de enfrentar, mas aquelas palavras pareceram tirar-lhe o chão de baixo de seus pés.
Não imaginara que as mentiras de Grant a seu respeito pudessem atingir Alex; pelo menos não depois de tudo o que já tinham conversado.
Como pudera enganar-se tanto? Alex parecia estar agindo como Milo Pett e Roger Thorn: ele pesara os prós e os contras e decidira que não poderia vencer naquele processo.
E já falara com seu pai!
Tessa se desesperava. Iria perder Scotty, com certeza.
O juiz daria a custódia a Grant, e ela perderia a única coisa preciosa que tinha na vida. O juiz, um completo estranho, decidiria sobre sua vida, sua felicidade,
e afastaria seu filho do carinho de seus braços. Tessa sentia que não seria capaz de suportar tal tormento.
- Com licença. - Ela correu para o toalete, totalmente vencida pelas náuseas.
Após vomitar, apoiou-se, trêmula, à pia, respirando com dificuldade.
- Tessa? - Alex viera logo atrás, sem se importar com o fato de estar entrando num local exclusivo para mulheres.
Ela se voltou; tinha os olhos marejados.
- Talvez eu seja o monstro que meu marido diz que sou - desabafou, sem agüentar mais as pressões a que vinha sendo submetida. - Mas não uso drogas, se é o que está
pensando! Não estou grávida, embora minha cunhada esteja apregoando aos quatro ventos que vou ter um filho de Paul Wong! Agora já não sei mais o que Scotty vai dizer
ao juiz! Afinal, quem quer uma mãe doente?!
Ela baixou a cabeça, olhando para o chão ladrilhado.
Não conseguia encarar Alex. Pouco depois, recomeçou:
- Acho que ele quer ir morar com Grant. Nada mais importa para mim, então. Já perdi meu filho, não há mais nada que eu possa dizer ou fazer a respeito. Sinto muito
por ter tomado seu tempo. Pode enviar a conta para a casa de meus pais. - Ela ergueu a cabeça e olhou-se no espelho.
- Meu pobre pai! Que cruz eu sou para ele!
- Pare com isso, Tessa!
- Olhe, pode voltar para suas clientes sadias, dr. Sommerfield!
- Não vou fazer isso enquanto você não me responder algumas perguntas!
Alex tomou-a pelo braço, fazendo-a encará-lo. Tessa tentou se libertar, mas ele pressionou-lhe a cabeça contra seu ombro e apertou-a com força junto a si, tentando
acalmá-la. Quando Tessa parou de se debater, foi tomada por uma violenta crise de choro.
Segundos depois, ela estava um pouco mais calma, embora chorasse ainda. Alex perguntou, então, ainda abraçando-a:
- Grant lhe pediu o divórcio três meses depois de seu casamento?
- O quê?! É lógico que não! - Tessa ergueu a cabeça para encará-lo. - A última coisa que ele faria era pedir o divórcio! Era orgulhoso demais para aceitar essa idéia.
Por que está me perguntando isso agora?
Alex pareceu pensar por instantes. Depois disse:
- Jura por Deus que está me dizendo a verdade?
- É claro, juro! Eu não mentiria, Alex. Muito menos diante de Deus. Ele é o único amigo que tenho.
- Não, não é o único.


Capítulo 11

- Não entendo o que está querendo dizer. - Tessa afastou-se dele.
Estava com medo e também muito magoada para compreender qualquer coisa.
- Tessa, precisamos conversar. Eu... vou voltar para a mesa e esperar por você lá, está bem?
Alex saiu dali, deixando-a diante do espelho, encarando sua intensa palidez no enorme espelho em cima da pia.
Ela ainda não entendia bem o que lhe estava acontecendo. Tudo parecia fazer parte de um sonho, no qual não tinha controle das situações ao seu redor.
Alex tinha, de fato, entrado no banheiro feminino atrás dela? E a abraçara enquanto ela se debatia, até conseguir a resposta da qual precisava, sem se importar com
o fato de alguém poder surpreendê-los ali?
Ela não tinha idéia de como encarar tal atitude.
Não compreendia o que Alex acabara de lhe dizer.
Não sabia quais eram as dúvidas dele a seu respeito.
Estava perplexa. Se outra mulher não tivesse entrado no banheiro naquele exato momento, Tessa não imaginava quanto tempo ainda permaneceria ali, olhando-se,
sem ação.
Resolveu reagir, melhorar um pouco seu aspecto.
Procurou a escova de dentes e a pasta na bolsa, escovou-os, penteou-se, passou batom. A aparência melhorou muito, mas ela sabia que nada poderia alterar o estrago
que sofrera.
Quando voltou para o salão do restaurante, viu Alex afastar-se do balcão do bar e voltar para a mesa. Ele lhe trazia um copo com água tônica.
- Tome. Talvez ajude a acalmar seu estômago. - Pôs a bebida diante dela, na mesa.
Mais uma vez estavam frente a frente, mas Tessa não conseguia encará-lo. Tomou um gole pequeno, depois outro.
- Quando você saiu do meu escritório hoje - Alex começou, pouco depois -, Gus, meu assistente, me passou um documento legal que ele encontrou enquanto pesquisava
a vida de seu marido para mim. Tratava-se de um pedido de divórcio que Grant fez, três meses após seu casamento.
Tessa olhava-o, incrédula.
- O quê?!
Ele assentiu, grave.
- Essa petição nunca foi formalizada, porém. Um mês depois, Grant a anulou.
- Você deve ter se enganado. Ele...
- Não me enganei, Tessa.
Ela levou os dedos às têmporas. Sua cabeça começava a doer.
- Ele foi até um advogado para pedir o divórcio? Mas... com base em quê?
- Incompatibilidade de gênios.
Tessa riu, irônica.
- Não posso acreditar. Quero dizer, eu acredito, mas... não consigo... Desculpe-me. Acho que não estou sendo coerente.
- Está sendo, sim, Tessa. O nome Brett Wilcox lhe diz alguma coisa?
Ela piscou várias vezes. Lembrava-se, sim. Assentiu, então, e explicou:
- É o irmão mais velho de Lyle. Lyle e Grant foram grandes amigos durante o ginásio e a faculdade.
- Parece que seu marido procurou por Brett para aconselhar-se quanto ao divórcio. Foi ele o advogado que assinou os papéis.
Tessa colocou o copo sobre a mesa com força.
- Grant procurou por Lyle para falar sobre mim?! -indagou, indignada. - Mas ele não me disse nada! Eu teria procurado outro advogado também e daria o divórcio a
ele sem contestar! Por que nunca me disse nada?
- Tessa, Clive Medor vai usar isso para tentar provar que você causou problemas a seu marido antes de engravidar. Tentará mostrar que você não tinha equilíbrio para
manter um casamento porque durante toda a sua vida foi maníaco-depressiva. E vai querer que todos a vejam como uma mãe incapaz também.
Tessa olhava-o, mas parecia ter os pensamentos distantes. Até que disse:
- Entendo por que você veio atrás de mim. Achou que eu tinha ocultado essa informação de propósito. E isso poderia fazer com que perdesse o caso, não é? Alex, você
tem de acreditar em mim: eu jamais faria isso!
- Agora eu sei. Acha que eu não quis acreditar em você? Por que pensa que procurei seu pai primeiro? Ele ficou muito surpreso também, mas achou que você, talvez,
tivesse ocultado esse fato dele e de sua mãe porque achava que seria uma situação muito humilhante.
- É. Talvez eu ocultasse, mesmo, se soubesse de tudo. Teria sido difícil demais admitir que meu marido estava pedindo o divórcio apenas três meses depois de termos
nos casado. Mas acho que, se Grant tivesse falado comigo, eu teria aceitado a separação e contaria tudo aos meus pais.
- Ninguém gosta de admitir o fracasso de um casamento, Tessa.
Ela compreendia os motivos de Alex para falar assim.
Também ele passara pela experiência dolorosa de uma separação.
- Sei disso, Alex. Mas eu jamais iria contra Grant.
Bem no fundo, sabia que não queria ficar com ele. Isso é um novo pesadelo para mim. Não achei que as coisas pudessem piorar tanto, mas estava enganada. E acho que...
vou entender se você não quiser mais me representar.
- Não diga bobagens! Agora que sei da existência desse documento, vou usá-lo contra seu marido. Tessa, só perdi dois dos casos em que tive de confrontar Medor; e,
em ambos, minhas clientes mentiram para mim sobre um fato crucial. E ele jamais me deixou esquecer disso.
- Alex inclinou-se para a frente e passou a falar num tom cúmplice: - Vou lhe contar uma coisa, embora não devesse: creio que Medor deve ter algum problema com as
mulheres; como se quisesse se vingar de todas elas. Ele parece ter prazer em me dizer que você não tem chances. Para falar claro, acho que o homem é doente.
Tessa sentiu um arrepio.
- Sinto o mesmo em relação ao dr. Milhouse - revelou, num murmúrio.
Alex assentiu.
- Desculpe-me por ter agido de modo tão duro com você, Tessa, mas este caso é muito importante para mim. Não vou permitir que destruam sua vida nem a de seu filho.
Tessa sorriu. Afinal, não se enganara quanto a Alex; ele era, de fato, tudo o que imaginara, e muito, muito mais.

Quando a acompanhava de volta ao carro, ele disse:
- Ficarei fora durante três ou quatro dias, mas estarei de volta para a audiência preliminar na próxima quinta-feira. Se precisar de mim, ligue para Burt. Ele saberá
onde me encontrar.
- Você vai sair da cidade? - Tessa tentava disfarçar sua decepção.
- Vou.
Ela quis perguntar se a viagem seria de negócios ou lazer, mas não se atreveu. Também não teve coragem de pedir-lhe que telefonasse a qualquer hora do dia ou da
noite. Preferiu entrar depressa em seu carro e ligar o motor antes de dizer qualquer coisa da qual pudesse se arrepender mais tarde. No entanto, era tão difícil
despedir-se de Alex Sommerfield...

Quando Alex saiu do saguão do aeroporto, viu logo o carro amarelo de Sadie esperando por ele no estacionamento. Ele abriu caminho por entre a multidão que ia e vinha,
apressada, e entrou no automóvel, ao lado da amiga.
- Bem-vindo ao lar, Alex! Como está a África do Sul?
- Ainda ao sul, Sadie. Obrigado por vir me buscar.
- Ora, não por isso. Fez boa viagem?
- Boa? - ele repetiu, esfregando os olhos cansados.
Quanto a conseguir o depoimento do médico, sim, a viagem fora proveitosa. Mas estava exausto demais e sua única resposta foi um sonoro: - Não!
- Coitadinho!
- Ora, não ironize, Sadie. Estou cansado de verdade.
Diga-me o que descobriu. Quando Burt me ligou, em Durban, para contar as novidades, fiquei louco para voltar o quanto antes.
- Sabe, eu me diverti tanto fazendo o que você me pediu, que acho que vou ser sua auxiliar sempre daqui para a frente. Não oficialmente, é claro. Ralph não gostaria
nada de saber até onde cheguei para poder ajudar você. Talvez eu tenha sido detetive particular em minha vida passada...
Sadie falava em tom de brincadeira, mas Alex tinha a sensação de que ela havia se arriscado para fazer o que ele lhe pedira.
- Você é uma ótima amiga. Eu nunca deveria tê-la envolvido neste caso.
- Ora, Alex, relaxe! Não fiz nada de errado. Apenas consultei o computador do laboratório. Estou acostumada a usá-lo em meu trabalho como voluntária.
- Está certo. Então diga logo o que encontrou.
Sadie sorriu, com orgulho de si mesma.
- Consegui, meu caro. Está tudo no banco de trás.
- E só agora você me diz?!
Alex inclinou-se sobre o banco, ansioso, e afastou seu casaco, que cobrira a pasta preta que ali estava. Abriu-a então, e passou a ler os papéis, com uma rapidez
incrível.
Quando Sadie estacionou o automóvel diante do prédio onde Alex morava, ele já memorizara todas as informações necessárias e traçara sua estratégia de ação.
- Sadie, minha querida, você merece uma medalha de honra ao mérito! - disse ele, olhando-a de soslaio. Então voltou-se e abraçou-a, sorrindo, para acrescentar:
- Você conseguiu um verdadeiro milagre! Vou pensar num modo adequado de agradecer-lhe.
Mesmo enquanto falava, Alex raciocinava rápido sobre tudo o que acabara de ler. Gostaria de poder duplicar a si próprio para poder fazer várias coisas ao mesmo tempo.
Precisava agir depressa, antes que o caso de Tessa fosse levado ao tribunal, dentro de dois meses.
Quando saiu do carro, ouviu Sadie cobrá-lo:
- Você me disse que seria grato pelo resto de sua vida, lembra-se? - Ela ria. - Mas acho que não vou cobrar se me apresentar a ela.
Alex franziu a testa. Não estava compreendendo aonde Sadie queria chegar.
- Do que você está falando?
- Você é um homem muito fechado, Alex, mas nos conhecemos há muito tempo e posso dizer que o conheço melhor do que imagina. Seja quem for essa mulher, acho que conseguiu
chegar aonde nenhuma outra jamais foi, nem mesmo Betsy.
- É, mesmo?
Sadie assentiu, ainda rindo.
- Diga-me por que não enviou Gus ou Burt à África do Sul para fazer o serviço para você. O Alex que conheço não costuma adiar todos os outros casos por um.
- Porque não ouso arriscar nada ligado à vida e à felicidade de Tessa.
- Se você pudesse ver seus olhos... Sabe o que se diz: eles são o reflexo da alma. Bem, acho que já vou andando. Adeus, Alex.
Ele ainda acenou, vendo o carro se afastar pela rua movimentada. Depois, correu para dentro do prédio. Morava lá desde que se divorciara, havia dois anos, mas não
sentia que aquele apartamento fosse seu lar.
Para Alex, lar era sinônimo de amor, e não havia uma mulher em sua vida desde que seu casamento com Betsy acabara. Surpreendeu-se pensando que, talvez, Tessa Marsden
pudesse ser a pessoa com quem queria compartilhar sua vida.
Desejava falar com ela, vê-la, ter qualquer tipo de contato, enfim. Por isso, logo ao entrar em casa, ligou a secretária eletrônica, à espera das mensagens. Houvera
inúmeras ligações enquanto estivera fora, mas nenhuma de Tessa.
O dia seguinte seria quarta-feira. Na quinta, haveria a audiência preliminar, uma formalidade que duraria, no máximo, trinta minutos. Depois dela, Alex contava com
a memória de Scotty para lembrar-se do que lhe prometera: o pequeno passeio até a lanchonete Sol's Deli, local de encontro de vários advogados e seus clientes.
Assim, ninguém poderia questioná-lo sobre ter estado com Tessa e seu filho num local público.

- Obrigada por nos trazer ao tribunal - Tessa agradeceu ao irmão, que estava ao volante de seu Chevrolet azul. - Eu ligo para você quando tudo acabar.
Winn abraçou-a, carinhoso, dizendo:
- Vamos estar todos em casa, esperando, ansiosos.
Tem certeza de que não quer que eu vá com você para dar-lhe apoio moral?
- Tenho, sim. Alex disse que seria melhor se eu viesse só com Scotty e me apresentasse como uma mulher e mãe confiável.
- Pois acho que você conseguiu seu objetivo. - Ele olhou-a de cima a baixo. - Sempre foi linda, mas hoje parece estar radiante, sabia? Rae também notou. Quando Grant
a vir, vai ficar surpreso com a mudança. E acho que ele vai pensar duas vezes no tormento a que está submetendo você e Scotty.
- Mamãe, olhe! É Alex!
O coração de Tessa disparou ao ouvir as palavras do filho. Voltou-se mais uma vez para o irmão e despediu-se:
- Eu preciso ir. Obrigada por tudo, Winn. Eu amo você. - Tessa pressionou o rosto contra o dele antes de sair do carro.
Scotty não esperou pela mãe. Assim que o carro de Winn se afastou, o menino soltou a mão dela e correu pelas escadarias do edifício. Tessa apressou-se em segui-lo.
Scotty queria ver Alex de novo. Falara o tempo todo sobre ele com seus avós, desde que o conhecera na última sexta-feira. Estava completamente impressionado por
Alex.
Tessa também. .A única diferença entre ela e o filho era que não se atrevia a fazer comentários sobre Alex com seus pais. Agora, após uma espera que lhe parecera
interminável, lá estava ele, em frente às portas da sala de audiências, maior e mais significativo do que a própria vida!
Tessa aproximou-se, sentindo o coração mais acelerado a cada passo. Admirava o terno bem talhado que Alex vestia, seu porte firme, elegante. E, quando encontrou
aqueles olhos azuis, mais intensos do que nunca, achou que aquele momento poderia durar para sempre.
- Você está perfeita - foram as únicas palavras dele.
Sua voz era baixa e rouca.
Scotty buscou a mão da mãe e perguntou:
- Nós vamos ver o juiz agora, mamãe?
- Sim, querido.
Ela ainda tentava se recuperar do cumprimento que recebera de Alex. Estava encantada e não se importava se aquilo fora apenas um elogio delicado de advogado para
cliente. Esperava, de todo coração, que houvesse mais significado nas palavras dele do que, a princípio, se pudesse supor.
- Tessa - ele murmurou ao seu ouvido, sem que o menino percebesse -, ignore o que houver quando entrar na sala de audiência. Vamos. Eu lhe mostrarei onde deve se
sentar.
A náusea, velha conhecida sua, voltou a perturbá-la conforme se encaminhava para as enormes portas de carvalho. Scotty estava entre ambos quando entraram, passando
pela verificação da segurança.
Tessa agradeceu a Deus por Alex tê-la avisado. Assim que entrou, viu as várias pessoas que se juntavam no lado da sala que seria ocupado por Grant. Lá estavam a
avó dele, seus pais, sua irmã e o marido, duas tias, um tio e três primos. Pessoas que costumavam ser amigas de Tessa e que agora estavam contra ela.
- Olá, papai! - Scotty acenou para Grant, que se levantou, aproximando-se.
- Olá, companheiro!
Tessa ouviu-o, mas não parou de andar, continuando a seguir Alex. Foram até a parte da frente da sala e sentaram-se.
- Mamãe, posso me sentar com o papai um pouquinho? - Scotty pediu, meigo.
Tessa olhou depressa para Alex, quase em pânico. Mas ele assentiu.
- É claro, querido - respondeu para o filho. - Pode se sentar onde quiser.
- Obrigado! - Ele saiu correndo em direção ao pai.
- Sei como se sente, Tessa - Alex falou, em voz baixa. - Mas lembre-se: você conseguiu vencer os medicamentos pesados que a escravizavam. Vai conseguir vencer esta
situação também. Tudo vai terminar antes mesmo que você se dê conta.
As palavras de conforto dele fizeram-na relaxar um pouco.
Um oficial de polícia e um funcionário do tribunal entraram na sala; pouco depois, uma voz anunciou para que todos se levantassem, pois o juiz Larkin estava entrando.
Tessa sabia que Scotty estaria prestando atenção à bengala que ele usava.
De fato, o juiz, alto, de expressão séria mas serena, entrou apoiando-se numa bengala.
Quando todos já estavam novamente sentados, Alex e Clive Medor dirigiram-se ao magistrado. Tessa observava o advogado sagaz, o qual, apesar da baixa estatura, aparentava
uma força e uma auto-suficiência notáveis.
Aquele era o Pequeno Hitler, como Alex dissera. Sem o bigode que usava, ele talvez não se parecesse tanto com o terrível ditador. No entanto, não eram suas características
físicas que contavam ali, mas o modo como agia.
Tessa sentia vontade de voltar-se e ver onde Scotty estava, e o que fazia. Alex lhe dissera para ignorar a família de Grant.
E ele tinha razão. Encher a sala com parentes hostis era outra tática habilidosa de Clive Medor para intimidá-la. E ela não estava disposta a se deixar intimidar.
Após um leve assentimento do juiz, Alex voltou a seu lugar. Tessa o viu retirar uma pasta de sua valise e colocá-la sobre a mesa à sua frente.
O advogado de Grant, então, passou a falar, abrindo a audiência com um discurso minucioso sobre a infelicidade de seu cliente no casamento, seu pedido de divórcio,
divisão de bens, guarda do filho e pensão alimentícia.
Alex a alertara, por isso Tessa sabia o que esperar. No entanto, era terrível ser descrita como uma mulher fria e insensível, cujo egoísmo matara aos poucos os ternos
e sinceros sentimentos do marido.
Clive Medor prosseguia:
- Após o nascimento de seu filho, Scotty, a depressão dessa senhora chegou a um ponto tal que obrigou seu marido a evitar, até mesmo, contatos sexuais.
Tessa estremeceu. Nada era particular numa audiência daquele tipo... A voz de Medor continuava atingindo seus ouvidos:
- Exames médicos constataram que ela sofria de um tipo de desordem cerebral que se tornou cada vez mais intensa após o parto. Essa senhora tem sido mantida sob medicação
constante nos últimos quatro anos. Mesmo assim, meu cliente continuou alimentando-a, vestindo-a, calçando-a e dando-lhe proteção e apoio, suporte moral indispensável
a uma pessoa doente dos nervos. Quando a sra. Marsden quis viajar para o Havaí, em férias, meu cliente concordou de pronto, na esperança de que essa breve separação
fosse benéfica para seu casamento em crise. - Medor fez uma pausa dramática. - Mas essa
mulher retornou a sua casa e logo arranjou um modo de entrar com uma ação de divórcio, sem ao menos ter discutido com o marido suas intenções, ou os motivos que
a levaram a tê-las. Meu cliente tem provas de que sua esposa manteve um caso amoroso com um homem que conheceu no Havaí, de nome Paul Wong, proprietário do hotel
onde ela se hospedou com seu filho. Como será provado, através do testemunho do psiquiatra que atendeu a esposa de meu cliente, ela agora está fazendo uso de drogas
ilegais, tais como cocaína ou anfetaminas, que costuma utilizar junto com a medicação pesada prescrita
por este mesmo profissional.
Tessa engoliu em seco. Medor ia em frente, sem piedade:
- Meu cliente tem fortes razões para acreditar que o sr. Paul Wong vem fornecendo as drogas que a sra. Marsden está usando. E, desde seu retorno do Havaí, ele tem
tentado entrar em contato com ela por várias vezes. Meu cliente está muito preocupado quanto à segurança de seu filho, já que sua esposa não mais compareceu ao consultório
de seu psiquiatra, além da ligação que vem mantendo com o sr. Wong, numa relação que, sem sombra de dúvidas, poderíamos chamar de adúltera.
Alex a avisara de que haveria acusação de adultério, além de tudo o mais.
- O psiquiatra a que me referi - prosseguia Clive Medor - insiste no fato de que, sem medicação e controle apropriados, o poder de julgamento e discernimento da
sra. Marsden está bastante comprometido. Não sendo mais seu psiquiatra, ele teme por sua vida, bem como por sua atuação enquanto mãe. Mais ainda: esse profissional
renomado afirma que, se esta mulher conseguir a guarda de seu filho, haverá riscos iminentes quanto à segurança do menino. Meu cliente possui um lar seguro com seus
pais. Ele até preparou um quarto para receber ser filho, Scotty, para garantir-lhe total conforto e bem-estar. Seus pais, que são, ambos, aposentados, tomarão conta
do garoto enquanto ele trabalha em seu próprio negócio. Os avós, bem como toda a família, têm uma profunda ligação com o menino e estão aqui presentes para ratificar
tal afirmação, bem como para levar a criança para casa, dando-lhe apoio espiritual, financeiro, físico e emocional.
- Não... - Tessa sussurrou, cerrando os olhos.
- Não ouse desmaiar do meu lado! - Alex disse-lhe, entre os dentes. - Ainda não tive minha oportunidade de falar.
Tessa aprumou-se na cadeira e respirou fundo; se Alex pretendia não falhar com ela, também não o decepcionaria. Continuaria ouvindo o Pequeno Hitler e seu discurso
difamatório:
- Assim sendo, meritíssimo, meu cliente comparece hoje, diante desta Corte, para pedir a guarda temporária imediata de seu filho, Scotty, guarda esta que se estenderá
pelo período precedente ao julgamento do processo do divórcio, até a decisão final da Suprema Corte. Passarei, agora, a apresentar as evidências dos fatos que acabei
de narrar, para avaliação desta Corte.
Tessa tinha vontade de gritar. O testemunho do dr. Milhouse era a peça-chave que influenciaria o parecer da Corte, e parecia óbvio que Grant sairia dali levando
Scotty consigo.
Agora Tessa compreendia por que a família Marsden comparecera em peso ao tribunal. Aliás, eles todos adoravam uma desculpa para fazer de tudo uma reunião sócio-familiar.
Era provável que tivessem preparado uma enorme festa para comemorar a vitória de Grant. Até o pastor Carr estaria presente a ela, com certeza.
A principal preocupação de Tessa, no momento, era para com Scotty. Seu filhinho nada sabia sobre o que seria discutido ali. E era o destino dele que estava em jogo
em todo o processo.
Ela ergueu os olhos para o juiz. Fosse o que fosse que estivesse pensando sobre Tessa, o rosto dele nada revelava. No entanto, Alex garantira que aquele homem costumava
ser sábio em suas decisões.
Agora, tudo o que Tessa podia fazer era rezar. Não perdera sua fé em Deus e sua confiança em Alex, mas não tinha como controlar as fortes emoções que a invadiam.
Começou a tremer e, mesmo tentando se controlar, sentia que, a qualquer minuto, poderia sucumbir ali mesmo.
- O representante da sra. Tessa Marsden queira, por gentileza, apresentar seu parecer agora - solicitou o meirinho.
Não havia comparação possível entre "o pequeno Hitler" e Alex Sommerfield. A presença de Alex era forte, seu jeito carismático chamava e prendia a atenção de todos.
E havia uma dignidade, uma segurança tão grandes em sua atitude, que era como se uma aura especial o acompanhasse, dando-lhe vigor e experiência suficientes para
combater e vencer seu oponente.
- Meritíssimo - ele começou, na voz calma e profunda de sempre -, minha cliente, Tessa Marsden, está hoje diante desta Corte pleiteando o divórcio de seu marido,
Grant Marsden, com base na incompatibilidade de gênios que há entre o casal. Ela já recusou seu direito à pensão alimentícia, bem como à casa que seu marido lutou
tanto
para conseguir comprar e manter. Tudo o que ela requer é uma ajuda financeira justa para auxiliar na criação e educação de seu filho, Scotty Marsden, o único bem
que lhe ficou desse casamento. Ela e o menino mudaram-se, há pouco tempo, para um apartamento, e minha cliente tem respondido por todas as necessidades físicas,
financeiras e emocionais da criança.
Tessa sentia-se relaxar aos poucos, enquanto Alex prosseguia:
- Minha cliente é formada em música, em nível superior, e, no momento, está trabalhando à tarde num colégio desta cidade, como auxiliar de ensino do departamento
de música. Seu trabalho coincide com o período escolar de seu filho e, assim sendo, ela pode levá-lo e pegá-lo na escola todos os dias. No próximo verão, há fortes
possibilidades de que sua jornada de serviço se estenda ao período matutino, o que também coincidirá com as horas em que seu filho estará freqüentando a escola regular,
na primeira série do primeiro grau. Minha cliente declara que, após o nascimento de seu filho, ela passou por um período pós-parto bastante difícil, sofrendo a depressão
muito comum a mulheres que atravessam essa fase de suas vidas. Essa depressão, porém, foi mal diagnosticada como sendo sintoma de uma disfunção cerebral, e pretendemos
provar, aqui, durante o julgamento,
a interpretação errada que o psiquiatra de minha cliente deu a seus problemas emocionais. A sra. Marsden foi convidada, por seu irmão e cunhada, para uma viagem
ao Havaí e, durante os dias em que estiveram lá, os quatro: o casal, minha cliente e o filho, vieram a conhecer o sr. Paul Wong, um homem de quase setenta anos,
que apegou-se muito a Scott Marsden. O sr. Wong veio a saber do problema de saúde que minha cliente acreditava
ter e, como não confia na medicina ocidental, desafiou a sra. Marsden a deixar de tomar a medicação prescrita por seu analista, descobrindo, assim, se, de fato,
tinha necessidade dela. Voltou do Havaí disposta a livrar-se de medicamentos tão fortes. Nessa época, ela já tinha consciência de que tais remédios, tomados durante
tantos anos, haviam, na verdade, afetado ainda mais seu casamento já em crise. Assim sendo, a sra. Marsden submeteu-se aos cuidados de seu pai, o dr. Richard Jenner,
preferindo manter sua experiência em segredo até saber se poderia mesmo ver-se livre dos remédios e viver uma vida normal.
Uma perturbação do outro lado da sala chamou a atenção de Tessa. Muitas vozes alteradas, inclusive a de Grant, protestavam, até que Clive Medor se levantou para
dizer:
- Objeção, meritíssimo! O advogado da sra. Marsden está se baseando apenas na palavra de sua cliente e na do pai da mesma, sem apresentar provas que confirmem tais
declarações!
O juiz voltou-se para Alex, indagando apenas:
- Dr. Sommerfield, o que tem a dizer?
- Meritíssimo, estou apenas seguindo a linha de trabalho de meu estimado colega; irei fornecer todas as evidências necessárias ao final de meu discurso inicial.
Se o Conselho da Suprema Corte desejar uma interrupção de meu trabalho neste momento, para fazer a verificação de provas, estou plenamente de acordo.
Tessa estava angustiada ainda; talvez a Corte não deixasse Alex prosseguir com sua exposição. Além disso, outro pensamento a perturbava: o dr. Milhouse a traíra
durante quatro anos, passando a Grant todas as informações que agora eram alegadas contra ela naquele tribunal.
O juiz voltou-se para Clive Medor após a resposta de Alex.
- Dr. Medor... - instigou, esperando a palavra do advogado.
- Não consigo imaginar quais seriam as provas em contrário que meu colega deseja apresentar para apoiar esse... conto de fadas que está tentando nos relatar. Mas,
para que a Corte não perca seu valioso tempo, eu gostaria muito de ver tais evidências agora.
- Dr. Medor, devo adverti-lo de que sua insistência já está fazendo a Corte perder seu tempo - o juizavisou, calmo.
- Minha intenção não foi essa, meritíssimo. Peço desculpas.
Tessa jamais vira alguém se desculpar com tamanha arrogância. Com as evidências fornecidas pelo psiquiatra, Grant e seu advogado deviam estar se sentindo muito
seguros. O dr. Milhouse era um médico bastante famoso e respeitado no Colorado.
Ela respirou fundo. Talvez fosse melhor se Alex não tivesse aceito seu caso; ele estava arriscando sua ótima reputação numa batalha judicial que já parecia estar
ganha por seu oponente.
- Senhores advogados, queiram se aproximar - chamou o juiz Larkin.
Tessa viu então que Alex sorria muito de leve enquanto reunia alguns papéis, levando-os até o juiz. Foi só aí que ela compreendeu: Alex estava adorando aquele desafio.
Aquilo era o que mais gostava de fazer. E, se ele não pudesse ajudá-la, ninguém mais poderia, porque Alex Sommerfield era muito, muito bom em sua profissão. E, para
Tessa, não havia ninguém no mundo como ele. Admirava-o, respeitava-o, amava-o.
No entanto, havia alguém naquela sala que o odiava na mesma intensidade: Clive Medor. Tessa podia sentir sua hostilidade, ouvi-la nos argumentos que ele apresentava
ao examinar as evidências que Alex estava mostrando ao juiz. E esse exame pareceu durar uma eternidade, fazendo com que Tessa temesse pelo sucesso de seu advogado.
A tensão voltou. Não podia perder Scotty!
- Dr. Sommerfield, queira prosseguir. - O juiz colocava um ponto final na pequena conferência.
Tessa notou, temerosa, que o jeito arrogante de Medor se intensificou ao ver-se derrotado naquela pequena batalha. Ele voltou a seu lugar e segredou algo ao ouvido
de Grant.
- Obrigado, meritíssimo - Alex agradeceu, continuando com sua exposição dos fatos: - Como eu dizia, o dr. Jenner, pai de minha cliente, colocou-a numa clínica,
em Vail, Colorado, onde ela foi mantida em constante observação por quarenta e oito horas. Após esse tempo, como seu quadro clínico não apresentasse nenhuma complicação,
a sra. Marsden foi liberada e levada para a casa de campo da família, um chalé nas montanhas próximas a Vail. Na semana que se seguiu, minha cliente recebeu o tratamento
carinhoso de seus pais. Em duas semanas ela já não apresentava sintoma nenhum derivado de sua abstinência aos medicamentos. Desde então, ela não tem apresentado
nenhum sinal de depressão, nem tem tomado remédio de espécie alguma. Seguindo um conselho meu, o dr. Jenner ligou para o dr. Milhouse, agradecendo por sua ajuda
e dando-lhe as boas novas
sobre o estado de saúde de sua filha. Ele também avisou ao psiquiatra em questão que Tessa Marsden não mais continuaria seu tratamento, uma vez que se encontrava
totalmente recuperada.
Agora, a voz de Alex parecia mais forte e límpida do que nunca. Sem vacilar por um só segundo, ele foi em frente em seu discurso:
- Durante os últimos cinco anos minha cliente tem sido uma mãe dedicada, e tem se mantido em casa a maior parte do tempo para acompanhar o crescimento do filho.
Apesar de seu problema clínico, ela manteve sua casa sempre em ordem, terminou seus estudos na faculdade, conseguiu um serviço na igreja que freqüentava e agora
está trabalhando numa escola local. Seu filho, Scotty, é, ainda, muito pequeno e poderia ser prejudicado, caso fosse obrigado a afastar-se da mãe. O marido de minha
cliente não foi impedido de ver seu filho; muito pelo contrário, tem visitado o menino com regularidade, e a sra. Marsden confirma que ele é e sempre foi um excelente
pai. Assim sendo, está disposta a aceitar um acordo plausível para estabelecer dia e hora para as visitas que ele, porventura, queira fazer ao filho. Nestas bases,
minha cliente requer o divórcio perante esta Corte, pedindo à mesma a custódia permanente de seu filho.
Nesse instante, houve um pandemônio do outro lado da sala. O juiz bateu seu martelo, exigindo silêncio.
- Se houver outra manifestação desse tipo - disse, solene -, terei de mandar evacuar a sala. - E, então, voltou-se para Alex e acrescentou: - Dr. Sommerfield, a
Corte pede para ver a criança, Scotty Marsden, em particular. Esta sessão estará suspensa por dez minutos.
- O juiz levantou-se e saiu por uma porta lateral.
Alex voltou-se para Tessa, com expressão serena. Estaria assim tão certo de que venceriam a causa? O coração dela batia freneticamente.
- Quer ir ao toalete, Tessa? - ele indagou, com sua voz aveludada.
- Não.
- Está bem. Então permaneça aqui e não fale com ninguém. Vou buscar Scotty.
Paralisada pelo medo, ela viu Alex aproximar-se de Grant e pedir para que Scotty o acompanhasse. Para alívio seu, ela viu o filho sair, alegre, do colo do pai e
segurar com segurança a mão que Alex lhe oferecia.
Foram, os dois, até a porta por onde o juiz desaparecera. Pouco antes de entrar, Scotty voltou-se e acenou para a mãe com a mãozinha livre.
Aquele gesto a comoveu até as lágrimas. Baixou a cabeça, sem poder se conter mais e, chorando, começou a rezar.
Poucos minutos depois, uma mão grande tocou-lhe o ombro, com delicadeza e força ao mesmo tempo. Era Alex, que retornava.
- Você vai adorar o que vou lhe dizer - ele começou, com um sorriso calmo. Depois, sentando-se junto dela, continuou: - Logo que apresentei Scotty ao juiz, ele disse
a Larkin que o achava muito corajoso por ter estado na guerra do "Vitiã", e perguntou se sua perna ainda doía muito.
Tessa mordeu o lábio.
- Não acredito...
- Eu juro!
- Oh, Alex, estou com tanto medo. Agora sabemos por que Grant foi até o chalé naquela noite. O dr. Milhouse vinha dizendo a ele...
- Não fale nada agora - ele a interrompeu. - O apreço inocente que Scotty mostrou pelo juiz com certeza fez mais por este caso do que todo o jargão legal que existe.
Não importa o que Medor disse; Larkin notou logo que Scotty é uma criança equilibrada e doce, e tem estado sob seus cuidados até agora. Acha que ele colocaria em
risco o estado emocional do menino alterando uma situação que está funcionando tão bem?
Ela sorriu, agarrando-se àquele fio de esperança com todas as suas forças.
- Aguarde, Tessa - Alex aconselhou, com carinho.
- E tenha fé. Fique aqui. Vou buscar um copo d'água para você. - Ele já se levantava, mas voltou-se, como se tivesse se lembrado de algo. - Ah! E não chore mais.


Capítulo 12


Todos tinham deixado a sala, menos Tessa.
Mesmo se Alex não a tivesse aconselhado a ficar ali, ela não teria condições de mover-se. Scotty ainda estava com o juiz, e Tessa queria estar presente quando ele
voltasse.
- Você não vai sair ganhando desta vez - disse uma voz rude, carregada de rancor. Uma voz que Tessa conhecia muito bem.
Grant voltava para a sala e se aproximava. Ela não ergueu os olhos para vê-lo, mas respondeu:
- Já não nos ferimos bastante? Agora, está tudo nas mãos do juiz.
- Você não sabe o que é ser ferido - ele prosseguia, com a mesma raiva de sempre. - Mas vai saber, quando Scotty for para casa comigo hoje. Mal posso esperar para
ver a expressão de seu rosto quando o juiz der seu veredicto a meu favor! Não pode imaginar o prazer que vou sentir ao ouvi-la implorar para poder ficar alguns minutos
com Scotty! Você vai ser a primeira Jenner a ter de se curvar!
- E você se sentirá o último dos Marsden quando eu pedir a esta Corte que o exclua de todos os procedimentos legais até o final do processo, por ter aborrecido minha
cliente! - A voz de Alex era firme na ameaça.
Tessa sentiu todos os seus nervos relaxarem. Sabia que não poderia agüentar por muito mais tempo as provocações do marido.
- A Corte não está em sessão e isso não é da sua conta, dr. Todo-Poderoso! - respondeu Grant, com ironia.
Tessa baixou a cabeça. Jamais ouvira-o falar daquele modo, nem mesmo naquela noite horrível, no chalé.
- Se disser mais uma palavra, posso conseguir um mandado por provocação agora mesmo! - Alex não alterou o tom de voz, mas sua ameaça era forte o suficiente para
fazer Grant pensar melhor e recuar.
Além disso, as pessoas começavam a retornar ao tribunal e ele não teve alternativa a não ser ficar calado e voltar para seu lugar.
Alex sentou-se ao lado de Tessa e entregou-lhe o copo com água.
- Beba tudo - aconselhou, mas ela nem precisaria tê-lo ouvido para obedecer. O medo deixara sua garganta seca.
- Obrigada. Pela água e pela proteção.
Ele a fixava com os olhos intensos, brilhantes, cheios de significados. Parecia compreender seus pensamentos, seus temores, suas necessidades.
- Todos de pé! - anunciou o meirinho, mais uma vez. - A Corte prossegue a sessão presidida pelo meritíssimo juiz Rutherford T. Larkin.
Tessa voltou o olhar para a porta onde o magistrado retornava, esperando ver Scotty com ele. Mas o menino não apareceu.
- Alex, onde está meu filho? - Tessa perguntou de imediato.
- Na certa tentando decidir qual sabor de pirulito vai escolher.
Ela respirou aliviada. O que faria sem a presença de Alex?
O juiz sentou-se e colocou os óculos. Inclinou-se para a frente e encarou os presentes, com serenidade.
- Na ação de divórcio proposta perante esta Corte, é dever da mesma analisar se as evidências apresentadas servirão para suprir os interesses da criança em questão
e se esta deverá ficar sob custódia temporária ou permanente de seu pai, que se coloca, neste processo, como reclamante.
Tessa sentia o coração disparar. Talvez o juiz fosse dar a guarda de Scotty a Grant e por isso o menino não o acompanhara de volta à sala de audiências. Ela continuava
ouvindo o magistrado, procurando compreender o sentido de cada palavra:
- Após ponderar sobre o que foi registrado nesta audiência, e depois de entrevista particular com a criança, esta Corte decidiu que não há evidências substanciais,
nem conclusivas, de quaisquer das partes e, assim, fica determinado que se proceda a uma reavaliação de custódia, que será efetuada pelo Conselho Superior da Corte.
Para que se possa proceder com ponderabilidade suficiente, pede-se que tanto o reclamante quanto sua atual esposa passem por avaliações psicológicas. A sra. Marsden
também deverá se submeter a um exame psiquiátrico realizado por um profissional indicado por esta Corte.
Este caso será levado a julgamento no próximo dia oito de abril, quando todos os registros já deverão ter sido feitos e apresentados como documentação. - Ele parou
por instantes, depois prosseguiu, com a mesma calma e autoridade de antes: - Quanto à custódia temporária da criança, a Corte observa que o menino viveu até o presente
momento em companhia da mãe e que não lhe adveio nenhum problema específico relacionado a tal convivência. Assim sendo, a Corte afirma que retirar a criança de seu
presente lar poderia acarretar danos psicológicos à mesma; portanto, é decisão irrefutável desta Corte que o menor Scotty Marsden permaneça com sua mãe até a data
do julgamento conclusivo deste caso.
Tessa mal podia acreditar. Tivera tanto medo de ouvir o contrário que quase não suportava a imensa felicidade que sentia no momento.
Alex devia estar aliviado também, porque procurou a mão dela e apertou-a com força durante alguns segundos.
- Eu lhe disse que o juiz era muito ponderado - ele segredou em seu ouvido.
Alguém na família de Grant soltou um grito angustiado.
Tessa reconheceu a voz de sua sogra. Era bom que Scotty não estivesse ali para ouvi-la.
O juiz bateu uma única vez seu martelo e disse ao meirinho:
- Acompanhe-a até lá fora. - Depois, voltando o olhar severo para Clive Medor, acrescentou: - Doutor, faça o que puder para eliminar tal reação, ou terei de acusá-lo
de complacência.
- Certamente, meritíssimo. - O Pequeno Hitler não mostrava um único traço de derrota no rosto indiferente.
Pelo canto dos olhos, Tessa percebeu que seu sogro ajudava a esposa a recompor-se. Saíram ambos da sala, seguidos pelo oficial ali presente.
Tessa conhecia a mãe de Grant. Ela devia ter passado semanas preparando tudo para Scotty. Grant era seu filho preferido, e ela adorava o neto.
O afastamento a que se vira forçada em relação à família de Grant era outro problema para Tessa. Gostava deles. E sabia que Scotty também gostava.
O juiz continuou:
- As visitas deverão continuar, sem restrições; tanto o reclamante quanto sua esposa evitarão qualquer tipo de discussão ou ofensas perante seu filho, e deverão
colaborar
da melhor maneira possível para criar condições ideais de relacionamento da criança com ambos. O advogado da sra. Marsden trará agora a criança de volta a esta sala.
A Corte
está suspensa a partir deste momento.
O som das batidas do martelo colocou um fim à audiência.
Em silêncio, Alex saiu pouco depois do juiz, voltando, com Scotty.
Assim que viu o filho, Tessa levantou-se e foi correndo abraçá-lo. Scotty tinha a boca cheia de doces.
- O juiz é bonzinho - disse, apertando o pescoço da mãe com os bracinhos finos. - Ele me mostrou sua cicatriz.
Tessa estava tão emocionada que não conseguia falar. Alex, entendendo as emoções dela, como sempre, voltou-se para o menino e disse:
- Seu pai e seus avós estão no corredor, esperando para ver você. O que quer fazer? Ir para a casa deles e pedir para o papai trazê-lo à noite?
Mesmo não desejando afastar-se do filho, Tessa percebia a sabedoria de Alex ao dar tal sugestão ao menino.
O sentimento de humanidade dele fazia com que ela o amasse ainda mais.
Scotty começou a assentir, mas parou logo.
- Nós não podemos ir àquela lanchonete de que você falou outro dia? - sugeriu, os grandes olhos inocentes voltados para o advogado.
- Puxa! Eu estava mesmo esperando que você dissesse isso, rapaz! Estou morrendo de fome!
- Eu também. E você, mamãe? Está com fome?
- Muita!
- Então, está combinado - Alex murmurou, olhando para Tessa.
E ela sabia que tudo o que sentia por ele deveria estar estampado em seus olhos. Dessa vez, não procurou desviá-los.
Alex conseguira o impossível: garantira-lhe mais dois meses com a custódia de seu filho, algo que nenhum outro advogado teria conseguido. Mas Alex fora além: acreditara
nela, e nada poderia pagar tal demonstração de confiança. Com voz trêmula, Tessa perguntou:
- Como posso lhe agradecer?
- Comece juntando-se a mim e a Scotty para devorar a torta de queijo que já mencionei.
Ela sorriu. Baixou o rosto para o filho e pediu-lhe, com carinho:
- Querido, procure seu pai e diga-lhe que o tio Winn vai levar você à casa da vovó Marsden depois que nós almoçarmos. Diga-lhe também que você pode dormir lá, se
quiser. E irei buscá-lo amanhã.
- E não posso dormir com você?
- É claro que pode, meu amor. O papai o levará para casa mais tarde, então. Vá dizer a ele. Eu o espero aqui.
- Vou ajudar Scotty a encontrá-los - Alex se ofereceu.
- Depois, assim que vocês dois estiverem prontos para ir, encontrem-me nos primeiros degraus do lado de fora do tribunal. Podemos ir a pé até a lanchonete.

Enquanto esperava, Alex pegou seu telefone celular e ligou para o escritório.
- Olá, Burt. Foi tudo como eu esperava. Agora estou indo a uma pequena comemoração. Ligue para a lanchonete Sol's Deli e chame Hannah. Diga-lhe que vou lhe dar uma
boa gorjeta se separar uma mesa nos fundos, para três pessoas. - Ele ditou o pedido que queria do cardápio, acrescentando: - Devo estar de volta ao escritório às
duas em ponto.
Após desligar, tirou do bolso o pequeno livro de endereços que sempre levava consigo. Já era hora de ligar para os Jenner e colocá-los a par da situação, para que
ficassem mais tranqüilos. Aproveitaria, também, para pedir que Winn viesse buscar Tessa e o menino dentro de quarenta minutos, na Sol's Deli.
- Ele irá, sim. Obrigada por tudo - disse a sra. Jenner, chorando de emoção e alegria pelas notícias que Alex acabara de lhe dar. - Você não sabe o que isso significa
para nós.
Pela primeira vez em sua carreira, Alex sabia, sim.
Tessa Marsden tornara-se a pessoa mais importante de sua vida.
- Tessa contará os detalhes a vocês quando chegar em casa - ele disse, antes de desligar. Ficou olhando a distância, procurando vê-la chegar com o menino. Seus pensamentos
começaram a voar, imaginando a força que morava naquele corpo frágil, de contornos perfeitos.
Ela passara por uma situação difícil, mas o pior ainda estava por vir. E não a deixaria sozinha quando os momentos cruciais chegassem. Enfrentaria tudo junto de
Tessa, não importavam os riscos que poderia correr. E, fosse qual fosse o resultado final, Alex tinha certeza de que aquela era a mulher de sua vida. E pensar que
houvera um tempo em que achara absurda a idéia de encontrar alguém que pudesse amar de verdade...
Um dia, ele ainda estaria diante de Tessa Marsden, livre para dizer-lhe o que sentia; o que, no momento, ainda precisava esconder.
- Belo trabalho, doutor - cumprimentou Clive Medor, sorrindo de modo enigmático. - Devo admitir que seu comportamento, hoje, foi um tanto... clássico, mas nós dois
sabemos que usou todos os truques de sua maleta mágica, certo? Da próxima vez em que nos enfrentarmos, terá de preparar muitas outras surpresinhas, não?
A ironia do Pequeno Hitler era insuportável, mas Alex não se abalou.
- Você mesmo já respondeu a sua pergunta, Medor. Tenha um bom dia.
Clive insistiu, fazendo Alex voltar-se:
- Você foi um tanto rude com meu cliente, hoje, durante o recesso.
- Porque ele foi rude com a minha cliente. Só fiz o meu serviço.
- Você não vale nada, Sommerfield.
- Não me lembro de ter pedido sua opinião, Medor.
- Nós dois sabemos que ela é uma mulher insensível, que recusou o marido na noite de núpcias e só o deixou usar seu corpo uma ou duas vezes por ano, por obrigação!
Medor estava tão transtornado por ter perdido a batalha daquele dia, que esqueceu-se de ser cuidadoso quanto ao que falava. E essa falta de cuidado deixou claro
para Alex algo do qual já suspeitava: a noite de núpcias de Tessa fora um desastre. Ela fizera uma leve alusão ao fato, nada mais. Talvez, algum dia, pudesse se
abrir e contar tudo a Alex.
Em todo caso, Medor acabara de dar a explicação do motivo que levara Grant a pedir o divórcio, seis anos atrás. Parecia óbvio que sua frustração sexual o impelira,
mas, no último instante, arrependera-se do que tencionava fazer.
Alex suspeitava que Grant Marsden via sua mulher como um troféu e preferia permanecer com ela vivendo um mau casamento do que admitir que não conseguia satisfazê-la.
Era por isso que jamais falara a Tessa sobre o pedido de divórcio. Se ela tivesse sabido, com certeza o teria abandonado, e Grant não suportaria tamanha humilhação.
Alex sorriu, satisfeito. A falta de cuidados de Medor iria custar-lhe caro no tribunal.
- Alex! - Scotty chamou, aparecendo entre as enormes portas do edifício.
- Ora, ora... - comentou Medor, sarcástico. - Então, ele já o chama pelo primeiro nome... Estão bastante íntimos, eu diria.
- Até o julgamento, Medor. - Alex afastou-se em direção ao menino, perguntando-lhe: - Onde está a mamãe? - Ele temia que Grant a estivesse importunando de novo.
- Vem vindo.
Preocupado, achando que talvez Tessa estivesse passando mal devido ao nervosismo por que passara, Alex tomou a mão de Scotty, dizendo:
- Venha, vamos buscá-la.
Mas, ao subir o primeiro degrau, ele a viu pelos vidros da porta. O efeito que Tessa tinha sobre seus sentidos era incrível. Ela apressou-se, sorrindo e explicando:
- Não saí antes porque vi o advogado de Grant falando com você. Achei melhor esperar até que ele se fosse.
- Estávamos esclarecendo alguns pontos de nossa batalha - ele brincou. - Vamos?
Os três encaminharam-se para a esquina, aproveitando o clima menos frio que contrastava com o dos dias anteriores. Scotty ia falando sem parar, e Alex observava
o jeito elegante, delicado de Tessa enquanto andavam. Ela o olhava com freqüência e sorria; seus olhos irradiavam uma alegria nova, inesperada. Tinha seu filho junto
a si, e Alex sabia que Tessa procurava agradecer-lhe de todas as maneiras possíveis pela felicidade que estava sentindo.
Uma parte dele, porém, encarava aqueles sorrisos como uma mensagem além da alegria e da gratidão.
Assim que chegaram à lanchonete, Hannah veio recebê-los com amabilidade.
- Por aqui, doutor - sugeriu, apontando o caminho até os fundos do lugar.
- Obrigado. Você é um anjo - Alex sussurrou e recebeu uma piscadela cúmplice como resposta.
- O cardápio de hoje é cachorro-quente, chocolate e torta de queijo. O que acha? - a garçonete falava com Scotty.
- Oba! - O rostinho dele se iluminou.
- E, para os adultos - ela prosseguiu, olhando para Tessa e depois para Alex -, espinafre com ovos!
Scotty fez uma careta.
- Eu odeio espinafre! Você também, não é, mamãe?
- Com ovos, sim. - Tessa concordou, entrando na brincadeira.
Quando Hannah se afastou, sorrindo, Alex recostou-se à cadeira, sentindo-se em paz com o mundo. A audiência ocorrera como planejara, e todos os que queria bem estavam
sentados ali, naquela mesa, com ele.
Scotty fez alguns comentários sobre coisas que Alex nunca notara na lanchonete, como o uniforme de Hannah, por exemplo, e o formato do piso. Era um garoto alegre,
gracioso, cativante.
Grant Marsden era um homem de sorte por tê-lo como filho, mas o comentário acidental de Medor deixara claro que o marido de Tessa tivera motivos muito menos nobres
para querer ficar com o menino do que o amor incondicional de um pai devotado.
- Liguei para seus pais - Alex comentou, enquanto Hannah trazia o lanche.
- Eu sei. Também liguei para eles. Obrigada por ter se preocupado.
- Já que pedi-lhes que não estivessem no tribunal, era o mínimo que eu podia fazer.
- Fico feliz por eles não terem estado.
- Não havia necessidade - Alex falava, enquanto saboreava seu lanche. Pouco depois, já estava na sobremesa. E continuava a falar: - Você precisará do apoio de sua
família no dia do julgamento.
- Mamãe, nós já estamos divorciados? - Scotty lambia o creme que ficara no seu garfo, após comer a torta de queijo.
- Não, querido. Só estaremos daqui a dois meses -Tessa respondeu sorrindo.
- Scotty - Alex tateou o bolso e tirou uma moeda -, há uma máquina de chicletes junto ao caixa. Vá pegar alguns.
O menino pegou a moeda e saiu correndo, gritando:
- Oba! Obrigado!
Tessa empalideceu.
- Por que você o tirou daqui? Há algo que queira me dizer? Algum problema relacionado ao que Clive Medor estava lhe dizendo à porta do tribunal?
Alex sorriu e afastou o prato de torta que tinha à sua frente.
- Esqueça Medor. Tessa, é possível que você esteja divorciada em dois meses, mas não quero que conte com isso.
- Por quê?
- Os juizes são estranhos, às vezes. Sua noção de tempo costuma não ser muito semelhante à nossa.
- Então... acha que poderá demorar? - Uma sombra nova aparecia no olhar dela.
- O que estou lhe dizendo é que não deve contar com uma determinada data.
- E quanto tempo mais poderia levar?
Alex já esperava pela pergunta. E a resposta, que sabia iria aborrecer Tessa, veio logo:
- Mais do que imagina.
- Isso não é resposta! - ela protestou, visivelmente irritada.
- É a única que tenho, mas Scotty não precisa saber disso agora.
Tessa assentiu, em silêncio. Sua alegria se esvaíra por completo. Levantou-se, murmurando:
- Obrigada por tudo. Se não fosse por você, Scotty não estaria comigo agora. Não quero nem imaginar o que seria de minha vida sem você. Sem sua ajuda, eu quero dizer.
A comida estava deliciosa, mas preciso ir agora. Acho que Winn já deve estar lá fora me esperando.
Alex ergueu-se também.
- Vou acompanhar você e Scotty até o carro.
- Não, não é necessário. - Tessa afastou-se, sem dar chance a Alex para dizer mais nada.
Ele esperava que aquela reação repentina, rápida, significasse que, para Tessa, uma longa separação fosse tão ruim quanto era para ele próprio.
Fossem quais fossem os problemas e as dúvidas de cada um, aquele era apenas o começo.


Capítulo 13

Há alguma chance de Tessa ganhar a causa? - Grant perguntou, ansioso.
Clive Medor ia entrar em seu Porsche, na garagem do tribunal, e parou para encará-lo.
- Sua mulher não tem sequer uma chance em um milhão - respondeu, seguro de si.
- Você tinha dito a mesma coisa antes de virmos para esta audiência!
- Sei que você e sua família estão desapontados, mas hoje perdemos apenas uma pequena batalha. E isso não foi por culpa de ninguém. Até mesmo o dr. Milhouse desconhecia
esse tratamento que Tessa fez para deixar os medicamentos pesados. Foi tudo uma brincadeira de mau gosto comandada pelo advogado dela.
- Você acha que o psiquiatra indicado pela Corte vai dar um diagnóstico que nos ajude?
- Grant, entenda bem uma coisa: Milhouse é presidente da Associação Psiquiátrica do Colorado e vai ser reeleito em dois meses, com certeza. É um médico muito respeitado
e acompanhou o caso de sua mulher durante anos. Não se esqueça de que o próprio pai dela, que também é um excelente médico, indicou-a para o tratamento com Milhouse.
E vamos usar esse psiquiatra como nossa testemunha principal.
- Eu sei.
- Escute, eu não teria aceito este caso se não tivesse certeza de que iria vencê-lo. Seu único trabalho é passar pela avaliação psicológica e sair dela como a mais
saudável e confiável criatura na face da Terra.
- Eu não temo quanto a isso...
- Então, do que está reclamando, rapaz? - Clive interrompeu-o, aborrecido pela falta de confiança que seu cliente demonstrava. - As testemunhas que escolhemos não
profissionais respeitados, idôneos; e vão fazer picadinho de sua mulher.
Medor sabia o que estava falando. Confiava, em especial, no testemunho de Lew Orton, assistente social que trabalhava nos serviços especiais do Conselho da Suprema
Corte.
E pretendia acabar com Tessa Marsden no tribunal, diante de todos, principalmente de Alex Sommerfield.
- Mas, e se ela, de fato, estiver livre dos medicamentos? - Grant continuava a insistir.
- Então o juiz terá de adiar o caso para ter certeza de que ela não voltará a entrar em depressão. Sua mulher não terá saída, Grant. Enquanto o caso estiver em suspenso,
ela terá de sobreviver às sessões de terapia em grupo que estou preparando. Você já esteve presente a uma?
- Não. Nunca.
- Pois é como andar num campo minado. Tessa vai quebrar antes mesmo de chegar à metade do caminho.
Grant riu, irônico.
- Gostaria de ver isso acontecer pelo menos uma vez - murmurou, cheio de raiva.
- Eu sei. Tenha paciência. Se você acha que ela tem algum distúrbio mental agora, mal vai reconhecê-la quando o julgamento chegar. Alguém terá até de ajudá-la a
se levantar quando o juiz entrar na sala.
Clive ansiava por esse dia. Nem mesmo Sommerfield iria querer aquela mulher, então.

- Bem, Tessa, obrigada por se juntar a nós hoje -disse Lew Orton.
Ela olhou para as outras seis pessoas que se encontravam na sala de terapia em grupo. Todos a fixavam também, enquanto se aproximava e tomava assento em meio aos
demais.
Na primeira sessão, três semanas atrás, o assistente social se fizera parecer seu amigo. Quando ela caíra em prantos devido ao medo horrível de perder Scotty, Orton
dissera que entendia muito bem a situação. E Tessa se deixara enganar por sua atitude gentil e simpática.
No entanto, nas três sessões seguintes, Lew Orton parecera ter se transformado numa outra pessoa. Fazia perguntas, olhava-a e estudava-a como um abutre observando
a presa moribunda.
Não fosse por Winn e Rae, que tinham aparecido no apartamento, ajudando-a a recompor sua autoconfiança, ela não teria conseguido estar presente a essa última sessão.
Os serviços especiais da Suprema Corte ocupavam uma casa enorme do outro lado da rua onde ficava o consultório do dr. Milhouse. Era um lugar horrível, de construção
velha, sem tapetes ou carpetes, sem cortinas, com mobília antiga, riscada, escura. A atmosfera geral era deprimente. Scotty já lhe dissera como o prédio era feio
quando
viera, antes, para fazer os testes pedidos pela Corte.
O que acontecia ali dentro era tão terrível, que Tessa não podia acreditar que fosse aprovado pelo tribunal.
Ela quisera ligar para Alex muitas e muitas vezes, para contar-lhe sobre o tratamento cruel e até grosseiro de Orton, mas não ousou fazê-lo.
Precisava provar que era sadia para enfrentar a maneira abusiva com que aquele homem a tratava. Algo, em seu íntimo, parecia avisá-la de que o julgamento também
seria assim.
Houve dias em que achou que não suportaria tudo aquilo. Como quando era visitada, tarde da noite, pelo assistente social. Nesses momentos, Tessa tinha vontade gritar
por Alex; precisava do otimismo, da segurança, da gentileza dele. Três semanas sem vê-lo, sem falar com ele foram suficientes para provar que o que sentia por ele
era muito forte e duradouro. Estava, de fato, apaixonada por Alex Sommerfield.
Naquele dia, durante o almoço na lanchonete, tudo ficara claro para Tessa. Estivera tão perto de revelar seus verdadeiros sentimentos por ele que saíra apressada,
quase em pânico, prometendo-se não mais vê-lo até o dia do julgamento.
Alex não lhe respondera de modo concreto sobre o tempo necessário para obter o divórcio, por isso perguntara a mesma coisa a uma outra professora do colégio, cujo
marido era advogado. E ficara assustada ao saber que conseguir um divórcio podia levar mais tempo do que pensara: talvez até mais de dois anos, dependendo do caso.
Tessa não compreendia o motivo de uma demora tão grande. E depois do julgamento, que seria dali a duas semanas, ela não mais teria desculpa nenhuma para ver Alex
ou falar com ele.
E se tivesse se enganado? E se não fosse desejo aquele brilho estranho que, às vezes, percebia nos olhos azuis?
E se Alex apenas tivesse se preocupado e se interessado por ela com a mesma intensidade com que cuidava de outras clientes? Ele as confortaria da mesma forma? E
faria com que se sentissem seguras, protegidas, queridas?
- Tessa? - a voz de Lew Orton, insidiosa como sempre, a trouxe de volta à realidade. - Eu lhe fiz uma pergunta.
- Desculpe-me. Não ouvi.
- Você faz muito isso - afirmou um dos homens do grupo.
- Como assim? - ela estranhou.
- Eu concordo - outro homem emendou, rápido. -Ela está sempre alheia. Como se não tolerasse nenhum de nós.
- Isso é muito comum nas pessoas ricas - acrescentou uma mulher cheia de tiques nervosos, que sempre ficava mais distante dos outros.
- Rica? - Tessa perguntou, despreparada para receber tanta hostilidade repentina.
- Todos sabemos que seu pai é médico - insistiu a mulher.
- E médicos ganham muito bem - um dos homens voltou a dizer.
Ninguém se dera ao trabalho de explicar a Tessa o que aquelas outras pessoas estavam fazendo nas sessões.
Ela não sabia se eram pacientes regulares de Orton ou se passavam também por uma verificação psicológica por ordem da Corte. No entanto, parecia óbvio que todos
ali a consideravam incapaz de ser uma boa mãe. Seria difícil suportar por muito mais tempo aquela tortura.
Lew Orton recostou-se em sua cadeira de couro preto e indagou:
- Queremos ouvi-la falar sobre a visita que seu filho fez ao pai neste final de semana.
- Seu filhinho chorou de novo ao telefone porque queria voltar para casa? - Agora quem perguntava era uma mulher morena, de cabelos muito curtos, sentada à sua esquerda,
que parecia sempre sentir um prazer especial em magoá-la.
- Estamos esperando sua resposta - Orton insistiu, sério.
Se ela se recusasse a cooperar, ele colocaria isso no relatório que faria à Corte. Se mentisse, Grant saberia. E, se dissesse a verdade, todos ali a comeriam viva.
Respirou fundo antes de admitir:
- É. Ele ligou para mim, sim.
- Por quê? O que você diz ao menino que o faz correr para o telefone assim que chega à casa do pai? Afinal, Scotty é filho dele também!
- Eu sei disso - Tessa concordou, para não provocar mais tumulto.
- E o que seu filho queria dessa vez? - insistiam.
- Apenas falar comigo.
- Mas ele fica com você quase o tempo todo! Você é uma egoísta! - um dos homens falou, com expressão ameaçadora no olhar. - Se fosse minha mulher, eu lhe ensinaria
algumas coisas!
- Olhe como fala, Dave! - Orton advertiu, mas Tessa poderia jurar que ele estava gostando da situação.
Ela se sentia tão assustada e repugnada, que quase não agüentava mais continuar ali.
Os outros riam, e um deles falou a Dave:
- É por isso que você está aqui, seu idiota.
- Você a perturbou de novo depois que saiu da prisão? - uma das mulheres perguntou, com os olhos esbugalhados.
- Ainda não terminamos nosso assunto com Tessa -Orton interrompeu. Depois, voltando-se para ela, prosseguiu: - A que horas seu marido trouxe Scotty de volta?
Tessa baixou a cabeça.
- Ele não trouxe. Ficou com ele mais uma noite.
- Oh!... - Todos fingiram espanto e piedade.
- Ele quebrou as leis da visitação, Lew - outro dos homens vociferou, irônico. - Puxa! Que catástrofe! O que a mamãe vai fazer sozinha, então?
Lew Orton ignorou-o. Continuou falando com Tessa:
- Como você reagiu a isso?
- Liguei para Grant para saber se havia algo errado. Deviam ser, mais ou menos, onze da noite.
- Achou que havia algo errado por ele estar com o próprio filho?! - outra pessoa do grupo argumentou, mas Tessa não olhou para ver quem era; continuou apenas ouvindo:
- Achou estranho que o pai de seu filho quisesse ficar com ele mais um pouco?!
Tessa mordeu o lábio para não gritar. Respondeu, procurando manter a calma:
- Não. Grant é um bom pai. Mas não foi fácil para Scotty acostumar-se à visitação, e ele queria estar em casa, comigo, no domingo à noite. Fiquei preocupada por
isso.
- Se você fosse minha mulher... - começou Dave de novo, mas outro do grupo o interrompeu.
- Cale a boca! Não estamos falando de você! Estamos falando sobre esta aqui! - O homem voltou-se para Tessa e acrescentou, irado: - Você é o tipo de mãe que transforma
os filhos em homossexuais! Se ele crescer junto de você, vai ser um, com certeza!
- Como ousa dizer tal coisa?! - Tessa protestou, não suportando mais.
Um dos homens levantou-se e fez uma enorme mesura à sua frente, ironizando:
- Oh, perdoe-nos, madame!
Todos riram, e Tessa levantou-se, dando as costas ao grupo.
- Com licença - disse, na intenção de se retirar.
- Aonde você vai, Tessa? - Orton perguntou, sem perder a calma.
- Vou ao toalete.
- Sally, vá com ela - o assistente social pediu à mulher que fora sempre hostil para com Tessa. - Deixem suas bolsas aqui.
Tessa obedeceu e correu para o banheiro. Mal chegou lá, teve a primeira náusea.
Como não comera nada durante a manhã, não vomitou, mas ficou ali parada, tremendo, esperando o estômago se acalmar. Depois, enxugou o rosto, enquanto a outra mulher
aguardava, recostada à parede.
- Espero que você seja rica como Lew diz que é. Vai precisar do melhor advogado do país.
- Eu tenho o melhor advogado do país - Tessa rebateu, de pronto.
- Você não deveria saber, mas estamos judiando de você de propósito. E se disser a Lew que eu lhe contei, vou negar, entendeu? Agora, é melhor voltarmos antes que
ele suspeite de algo.
Após aquelas cinco angustiantes semanas, alguém, afinal, tivera a coragem de contar-lhe o que estava, de fato, se passando.
Tessa agarrou o braço da outra. Estava pálida ao dizer:
- Obrigada...
- Para falar a verdade, acho que seu marido é quem devia ficar com o menino - a mulher falava como se não tivesse sentimentos. - As crianças dão muito trabalho.
Você é bonita, deve aproveitar a vida! Mas... o que houve hoje lá dentro não está certo, não é? Sabe, eu
trabalho na Galeria Applewood. Ligue para mim às vezes, está bem?
Tessa assentiu em silêncio e seguiu a mulher de volta à sala. Era mesmo estranho conversar com pessoas perturbadas.
Logo que entraram, Orton as esperava. Ele estendeu a bolsa para Tessa, dizendo:
- Tome. A sessão de hoje acabou, mas quero vê-la em meu consultório.
Tessa arrepiou-se ao pensar que teria de passar mais alguns minutos junto daquele homem abominável. Mas não tinha alternativa. Seguiu-o até sua sala, em silêncio.
Assim que se sentaram, ele começou:
- Você tem resistido a nós durante todas as sessões, e sua saída repentina, há pouco, é um fato a ser observado. Quando não consegue encarar algo de que não gosta,
você tenta intimidar. E devo admitir que faz isso muito bem. É uma técnica de controle que poderia paralisar uma criança. - Ele prosseguia, sem dar chance a Tessa
para expressar seu espanto. - Quando a intimidação não funciona, você foge porque fica descontrolada
e não quer que ninguém a veja assim. Estou recomendando à Corte que nossas sessões prossigam ainda por algum tempo antes que eu faça meu relatório final. Também
vou lhe receitar alguns remédios para...
- Não! - Tessa gritou, levantando-se e encaminhando-se para a porta. - A Corte determinou cinco semanas de terapia e eu as cumpri! Quanto aos remédios, jamais vou
tomá-los de novo! Pode anotar isso no seu relatório, se quiser!

- Chefe? - Burt chamou, pelo interfone. - A sra. Jenner está aqui, mas não marcou hora...
- Os Jenner podem me interromper a qualquer momento. Mande-a entrar.
- Mas o senhor tem de fazer uma ligação dentro de cinco minutos.
- Está certo. - Alex soltou o botão do interfone e foi até a porta para receber Vilma Jenner.
Havia três semanas não via, nem falava com Tessa, e isso lhe tirara a paz de espírito. Era ótimo poder receber a mãe dela e saber sobre qualquer novidade.
- Entre, sra. Jenner - convidou, dando passagem à elegante senhora. E notou o olhar triste, a expressão abatida no rosto dela.
- Obrigada, Alex. Espero não estar atrapalhando.
- Ora, nem pense nisso. Como está Tessa?
- Nada bem. E por isso que estou aqui. Ela está trabalhando e não sabe que vim. Se soubesse, não teria permitido.
Alex não gostava do que estava ouvindo. Um pressentimento estranho o tomava.
- Sente-se e conte-me o que está acontecendo - disse, oferecendo a cadeira à sua frente.
- Tessa foi à última sessão de terapia hoje. O que acontece naquele lugar é criminoso, Alex! Mas ela não quis dizer nada a você porque tem tentado ser corajosa.
Também tinha medo de que, se falasse, houvesse algum tipo de retaliação no tribunal. No entanto, depois do que Tessa contou sobre a sessão desta manhã, meu marido
e eu achamos que devemos abrir um processo contra os serviços especiais da Suprema Corte e também contra o assistente social Lew Orton, por comportamento inadequado
a sua função.
Alex respirou fundo. Tentara avisar Tessa.
- Quero que me diga tudo, com detalhes. - Acionando o interfone, acrescentou: - Mas deixe-me primeiro pedir a meu auxiliar para adiar um telefonema.
Depois de dar as instruções a Burt, Alex pegou uma caneta e um bloco de papel e voltou toda sua atenção à mãe de Tessa.
- Pode falar, sra. Jenner.
Alex ouvia e, às vezes, anotava pontos importantes.
Vilma possuía a voz muito parecida com a da filha e ele tinha a impressão de que, se fechasse os olhos, poderia ouvir Tessa falando. Ela relatava os detalhes das
sessões
de terapia e com freqüência usava expressões que a filha mesma usaria.
Alex achou que nada daquilo seria novidade, mas, a cada nova frase de Vilma, sentia sua raiva crescer até o limite do insuportável.
- E não é só isso, Alex - ela finalizou. - Antes de Tessa sair do escritório de Orton, hoje, ele lhe disse que indicaria nova série de sessões. Também quis receitar
remédios para controlá-la.
- Tem razão. Orton usou de sua autoridade de modo abusivo, e há um modo legal de lidar com ele. Mas vamos discutir isso depois.
Lew Orton era um verdadeiro discípulo de Clive Medor. Parecia hostilizar as mulheres em geral, e ambos deviam estar agindo juntos naquele caso.
- Não se preocupe com sua filha - Alex prosseguiu, avaliando as possibilidades para desfazer a rede que se formava em torno de Tessa. - Quando voltar para casa,
diga a Tessa que ela já fez o que a Corte estipulou e que não precisa mais ver Lew Orton.
- Graças a Deus! Ela já não estava suportando mais. E nem nós, devo confessar.
- Sra. Jenner, se alguém, dizendo-se funcionário dos serviços especiais, aparecer em sua casa ou no apartamento de Tessa, nem abra a porta. Se algum desconhecido
telefonar, desligue. E traga toda a correspondência para mim.
- Certo. Obrigada, Alex. Sinto-me muito melhor agora. - Vilma se levantou, na intenção de retirar-se, e Alex fez o mesmo.
- Tessa devia ter me procurado assim que percebeu que a estavam provocando, mas sei por que ela não o fez. Está tentando provar ao mundo todo que é forte e capaz
de vencer sozinha.
- Minha filha é forte e capaz, Alex; e muito mais corajosa do que eu jamais seria. No entanto, quando penso pelo que ela está passando, e o que ainda terá de enfrentar,
fico imaginando como é possível sobreviver a tanto sofrimento.
Sem dar-se conta, Alex passou um braço confortador sobre os ombros de Vilma.
- Tessa está lutando por Scotty da mesma forma como a senhora está lutando por ela. Sempre ouvi dizer que, quando uma mãe defende seus filhos, ela adquire poderes
incríveis, e agora vejo que isso é verdade. Tessa vai sair dessa situação, eu lhe garanto, inteira e feliz.
- Quando o ouço falando assim, sinto minha confiança renascer. - Vilma abraçou-o, depois afastou-se e enxugou os olhos úmidos. - Quero estar em casa antes de Tessa
chegar. Obrigada por ter me recebido, Alex.
- Foi um prazer. - Ele a acompanhou até a recepção.
- Sra. Jenner, por favor, diga para Tessa me ligar, seja qual for o motivo ou a hora. Não quero que demonstre tanta coragem assim para mim. Preciso saber como está
ela.
- Tessa e Scotty virão a minha casa esta noite. Vou dar o seu recado. Até logo.
Assim que Vilma se foi, Alex chamou Burt e perguntou:
- O que você fez com aquele telefonema?
- Eu o adiei para amanhã, no mesmo horário.
- Ótimo. Há uma pilha de papéis para serem datilografados em minha mesa. Pode pegá-los assim que terminar o que está fazendo.
- Certo. Mais alguma coisa?
- Sim. Vou sair para o fórum daqui a pouco. Se Tessa Marsden ligar, entre em contato comigo pelo telefone celular.
- Boa sorte amanhã, chefe!
- Obrigado, Burt. Lembre-me de dar-lhe mais algumas entradas para o próximo jogo de basquete.
Burt sorriu, animado com a promessa.


Às cinco e meia, após uma retumbante vitória no caso Penman, Alex apertou a mão de seu oponente e saiu do tribunal. Era costume seu ficar conversando com os colegas
sobre a decisão do juiz, mas, nessa noite, queria sair dali o quanto antes. O que ocorrera com
Tessa no consultório de Orton ainda estava em sua mente e agitava-a.
Queria chegar logo a seu apartamento e saber se a gorjeta que dera surtira bons resultados nos jornais.
Não agüentou esperar até chegar em casa, porém.
Comprou um jornal na primeira esquina e, antes mesmo de chegar a seu carro, já encontrara o artigo que estava procurando. A manchete dizia: "Eminente psiquiatra
res-
ponderá a acusações".
Ele passou os olhos pelo texto, para ter certeza de que o repórter, Jerry Rideout, usara a evidência que Alex lhe mostrara para dar veracidade a seu artigo.
Tudo o que Alex precisara fazer fora fornecer ao repórter uma lista de números de telefone. Jerry Rideout tinha fama de ser ir fundo no que vasculhava e, dessa vez,
com a faca e o queijo na mão, só tivera o trabalho de escrever e acabar com a reputação intacta de Milhouse.
Ele agira como um polvo envolvendo a presa, e seus tentáculos destilaram veneno em todas as direções: no Departamento de Distribuição Farmacêutica, na Associação
de Medicina do Estado do Colorado, na Associação Psiquiátrica Estadual, na Administração do Hospital Mountaincrest, e numa série de outras entidades.
Rideout fizera uma verificação minuciosa da vida e do trabalho do dr. Milhouse: onde ele fizera o curso de medicina, onde fizera seus dois anos de residência hospitalar.
De acordo com o artigo, ninguém nos altos escalões médicos quisera comentar os fatos. O presidente da Associação Psiquiátrica do Colorado não retornara nenhum dos
telefonemas do jornalista.

Milhouse, bem como toda a comunidade psiquiátrica, devia estar tremendo nas bases. E Medor devia estar tendo um ataque cardíaco no momento.
Alex jamais se imaginara capaz de usar um golpe baixo, mas as coisas que Milhouse fizera a centenas de mulheres eram um crime. O sofrimento que impusera a Tessa,
o impacto horrível que causara ao marido e ao filho dela, os danos irreparáveis a seu casamento, o sofrimento das famílias, tudo tinha de vir à tona e receber a
devida punição.
Antes de ir para casa, Alex sabia que precisava agradecer a uma pessoa em especial. Parou diante de uma floricultura e comprou rosas amarelas, para comemorar o sol
que ela ajudara a espalhar sobre as vidas de muitas pessoas. Pensando melhor, pediu para que acrescentassem rosas vermelhas ao ramalhete, pela coragem de fazer o
que Sadie fizera. Alex jamais se esqueceria...

Winn chegou, chamando por todos: pelos pais, por Tessa, por Scotty.
- Aqui, querido! - sua mãe respondeu, do estúdio.
- Mamãe, não diga nada a ele sobre o que me aconteceu hoje de manhã - Tessa pediu, ansiosa, segurando a mão de Vilma com dedos frios.
- Eu nem sonharia em fazê-lo. Winn sairia daqui como um louco, e iria direto para o prédio dos serviços especiais para estrangular aquele homem detestável!
Tessa não queria que ninguém mais soubesse do que se passara. Já bastava sua mãe ter ido ao escritório de Alex e contado tudo a ele. Agora, já recuperada do choque
inicial pela atitude de Vilma, que reprovara a princípio, sentia-se mais segura por saber que Alex a
protegeria de Orton. Além disso, estava feliz e emocionada por saber que o advogado lhe pedira para ligar quando fosse necessário.
Winn entrou no estúdio, apressado, perguntando:
- Onde está papai?
- Foi dar uma volta com Scotty - Vilma respondeu, sem entender o entusiasmo do filho. - Por quê?
- Já leram os jornais desta tarde?
Tessa negou com a cabeça. Winn prosseguia, eufórico:
- Vocês não vão acreditar no que vão ouvir! - Esticou o jornal diante de ambas. Um sorriso triunfante brincava em seus lábios. - As duas vão adorar o que está escrito
aqui!
- Leia logo, então - instigou Vilma.
Tessa não conseguiu deixar de rir, apesar da apreensão antecipada que sentia. Tantas coisas ruins tinham lhe acontecido nos últimos tempos, que tudo parecia ser
uma
nova bomba prestes a cair sobre sua cabeça. Mas a alegria de Winn, sua queda para a dramaticidade, tornavam-no atraente, juvenil, adorável.
- Ouçam! "O dr. Howard Milhouse, eminente psiquiatra do Estado, e presidente eleito da Associação Psiquiátrica do Colorado, foi acusado de dar diagnósticos errados
a mais de noventa por cento de suas pacientes, as quais rotulou de maníaco-depressivas, quando, na verdade, sofriam apenas de alguma leve disfunção cerebral ou,
até mesmo, nem isso. Uma profunda investigação sobre a vida pregressa do referido médico revelou que o dr. Milhouse tem receitado medicação pesada indiscriminadamente
a suas pacientes, medicação esta que tem causado dependência psíquica por ter extrapolado, e muito, a do-
sagem que seria necessária."
Tessa levantou-se devagar, os lábios entreabertos, numa expressão incrédula. Winn olhou-a, sorriu mais e prosseguiu:
- "Relatórios de pacientes do Hospital Moutaincrest, de até três anos atrás, revelam haver mais mulheres que passaram pelas mãos do dr. Milhouse e que se encontram
hoje nessa clínica. Os funcionários do hospital, ao serem indagados sobre tais fatos, recusaram-se a dar entrevistas. A Associação Psiquiátrica do Colorado também
não quis comentar os fatos, até que estes tenham sido investigados. Acusações formais contra o psiquiatra serão feitas em breve, O dr. Lawrence Early, famoso psiquiatra
do Estado de Delaware, afirma: distúrbios psicológicos semelhantes aos sofridos por essas mulheres
afetam, em média, dez por cento dos pacientes que sofrem de depressão. Qualquer taxa superior a vinte por cento está fora dos padrões de possibilidade, sendo considerada,
de fato, improvável."
- Mal posso acreditar - Tessa murmurou, enquanto Winn soltava o jornal e abraçava-a pela cintura.
Vilma pegou o noticiário, que caíra sobre o sofá, e continuava lendo em voz alta:
- "O dr. Milhouse não tem atendido ao telefone e não pôde ser encontrado..."
- Mamãe, chegamos! - gritou Scotty, do hall.
Logo que ele e o avô entraram no estúdio, Vilma foi ao encontro do marido, dizendo:
- Richard, querido, temos ótimas notícias!
O dr. Jenner leu o artigo com atenção. Quando ergueu os olhos para a esposa e os filhos, estava pálido. Havia lágrimas em seus olhos avermelhados.
- Tessa, fui eu quem recomendou você a esse canalha...
Ela foi até o pai e abraçou-o com carinho.
- Não foi sua culpa, papai. Por favor, não se sinta assim.
- Por que o vovô está chorando, mamãe? - Scotty perguntou, preocupado.
Vilma abaixou-se junto do garotinho para explicar:
- É que recebemos notícias muito boas, e o vovô ficou emocionado, meu amor. Que tal nós dois irmos até a cozinha e prepararmos uma panela cheia de pipocas para todos
Vamos comemorar!
- Oba!
Percebendo o pai mais calmo, Tessa afastou-se um pouco e olhou-o. Sorriu e disse, tranqüila:
- Se você e Winn me derem licença por um minuto, há algo que preciso fazer.
Ela já se afastava em direção à porta quando o dr. Jenner falou, como se adivinhasse suas intenções:
- Quando falar com Alex, diga-lhe o quanto estou agradecido por ele ter tido a coragem de aceitar seu caso diante de possibilidades tão remotas. Para mim, esse advogado
é um herói.
Tessa assentiu, e Winn acrescentou às palavras do pai:
- Diga-lhe que penso da mesma forma.
Tessa subiu as escadas correndo. Queria falar com Alex usando o telefone do quarto, onde teria maior privacidade.
Assim que fechou a porta, o telefone tocou. Só podia ser ele. Atendeu depressa e, sem pensar, chamou pelo nome dele.
A voz do outro lado da linha fez suas pernas cambalearem:
- Meu advogado tinha razão! Você e esse seu advogado têm um caso!
Era Grant. E, para Tessa, ouvir sua voz amarga era como ser sugada por um vácuo sem fim.
- Não pense que o que saiu no jornal sobre o dr. Milhouse muda alguma coisa em nossa situação! - ele continuava, alterado. -Você não tem condições de criar Scotty.
Nós dois sabemos que isso foi um golpe sujo do seu advogado! Você nunca vai sair dessa, Tessa! Seu pai não pode comprar mais nada para você de agora em diante!
- Grant, por que está sendo tão hostil? Onde está sua humanidade? O fato de eu ter sido tratada de modo errado por esse médico não lhe diz nada?! Vivemos num inferno
durante quatro anos por causa dele!
- Inferno?! Inferno foi nossa lua-de-mel! Nosso casamento começou a acabar ali! Mas você vai me pagar bem caro quando a Corte me entregar o menino e colocar você
num sanatório!
- Eu não vou para sanatório nenhum! - Tessa explodiu. - E muito menos ficarei sem meu filho! - Ela desligou, sem dar chance a Grant de responder.
Precisava, mais do que nunca, falar com Alex, mas, ao ligar, foi a secretária eletrônica que atendeu. Sentiu-se furiosa por não encontrá-lo em casa. Furiosa e cheia
de ciúme.
Estivera tão preocupada com seus próprios problemas, que se esquecera de imaginar que Alex era um homem normal, que talvez tivesse alguém.
Ficou ali, pensando e sofrendo por algum tempo. Repassava tudo em sua mente: os crimes do dr. Milhouse, a hostilidade de Grant, a personahdade marcante de Alex.
Como pudera deixar-se envolver tanto assim por ele?
- Tessa? - sua mãe a chamava, da porta.
- Sim?
- Há alguém aqui que quer vê-la, querida.


Capítulo 14


Alex ficara na casa de Sadie mais tempo do que planejara. Ligara para seu apartamento e encontrara a mensagem de Tessa; por isso decidira-se a ir direto para a casa
dos Jenner.
Logo que chegou, Tessa foi recebê-lo. Ao vê-lo, ela hesitou por segundos, encontrando o olhar de Alex fixo no seu. Estava surpresa e feliz por vê-lo ali.
Alex sentia uma pressão sufocante no peito. Se não houvesse outras pessoas na casa, teria corrido até ela e perdido totalmente o controle, num beijo ardente, apaixonado.
- Alex! Não sabia que estava vindo para cá... - Ela falava com a mesma dificuldade com que ele respirava.
- Nem eu. Estava no carro quando resolvi verificar os recados na secretária e ouvi o seu. Acabei me decidindo a passar por aqui primeiro, antes de ir para casa.
Achei que tivesse visto a notícia sobre Milhouse e quisesse falar algo a respeito.
ouve uma pequena pausa, até que Tessa assentiu, sorrindo. Alex já não pensava no caso, nem se preocupava com a barreira intransponível que não lhes permitia agir
como duas pessoas apaixonadas. Porque estavam, de fato, apaixonados. Ele sentia-se atingido, acariciado pelo olhar de Tessa, e sabia que não podia dar vazão ao que
sentia.
Isso era uma verdadeira tortura. E devia estar sendo assim para ela também.
- Aquele artigo foi um milagre.
- É. E não podia ter vindo num momento melhor.
- Vai ajudar no meu caso, não vai?
Alex a observava com atenção, fascinado. Estava a centímetros de distância daquela pele suave, daqueles olhos lindos, daquela boca macia, palpitante...
- Bem, mal é que não Vai fazer - sussurrou, tomado pela vontade de beijar Tessa ali mesmo.
Mas o que ela disse a seguir o fez acordar do devaneio e sentir o coração endurecer:
- Grant ligou há pouco. Ele insinuou que papai talvez tivesse pago por aquela notícia. E me avisou de que ela não vai adiantar em nada, porque ainda assim serei
declarada incapaz de criar Scotty.
- Isso não me surpreende. Seria preciso que Grant fosse um homem maduro para aceitar o fato de que já perdeu a custódia do filho.
Alex sabia que, se Medor ainda não tivesse sofrido um enfarte, estaria em vias de tê-lo agora. Sua tese baseava-se, toda, no testemunho do psiquiatra. Com a reputação
de Milhouse posta em dúvida, ele teria de traçar uma outra estratégia para tentar ganhar o caso. E não havia muito tempo.
Era com isso que Alex contava. Essa revelação terrível sobre Milhouse, tão próxima à data do julgamento, faria Medor sair de órbita. Ficaria tenso, preocupado, precipitado;
e cometeria erros...
E Alex estaria preparado para enfrentá-lo.
- Tessa, Scotty irá visitar o pai no próximo final de semana?
- Não. - Ela parecia surpresa pela repentina mudança de assunto.
- Então, você não tem mais nada a fazer até o julgamento. Se quer um conselho, saia com o menino por alguns dias; só vocês dois. O chalé de seus pais, nas montanhas,
seria um local ideal para que você aproveitasse esses dias com seu filho. Esqueça todas as preocupações e relaxe. Há ainda muita neve por lá. Divirta-se, vá esquiar,
fazer bonecos de neve.
Alex a aconselhava, desejando ardentemente poder acompanhá-la.
- Tessa, você vai ficar conversando com Alex no hall a noite toda? - Vilma chamou, do estúdio. - Também estamos ansiosos para falar com ele!
Tessa corou, sem saber como agir. E aquela reação, sobre a qual Alex já ouvira falar, mas nunca presenciara, nem provocara, disse-lhe tudo. Um dia, não precisaria
mais ficar apenas olhando para ela. Então, a tomaria nos braços, faria com que esquecesse aquele rubor e mostraria a Tessa que tinham sido feitos um para o outro.

Dessa vez, quando Tessa entrou no tribunal, seus pais e seu irmão estavam com ela. Rae ficara em casa, tomando conta de Scotty. Estava grávida de cinco meses e adorava
cuidar do sobrinho.
Se o juiz quisesse falar com o menino mais uma vez, ela o traria.
-Você está linda, meu amor. Nunca tive tanto orgulho em ser seu pai - o dr. Jenner sussurrou para a filha enquanto se encaminhavam para os primeiros bancos, ignorando
a família Marsden, que já chegara.
- Obrigada, papai. Estou com tanto medo!
- Apóie-se em mim.
- É o que faço sempre, não?
- Pois não pare de fazê-lo. - Sorriu, confiante. -Sabe, sinto pena das pessoas que não têm um advogado como o seu.
- Eu me sinto assim desde o primeiro dia em que fomos ao escritório dele.
Alex estava conversando com o escrivão da Corte, nesse momento. Tessa não pôde evitar olhá-lo com admiração.
Seus cabelos escuros, emoldurando a testa alta, e o perfil bem contornado do rosto, combinavam com o corpo de ombros largos, peito forte e pernas longas. Era um
belo homem, de fato. E inteligente, honesto, gentil. Tessa suspirou, encantada.
Foi nesse instante que ele se voltou, para vê-la, talvez sentindo a força do olhar dela. Não tinham se encontrado desde a noite em que ele fora à casa dos pais de
Tessa.
E esse tempo parecera uma eternidade.
O olhar calmo e intenso de Alex trazia uma mensagem, que Tessa captou de imediato: tudo iria dar certo. Ela conseguira chegar até ali; não havia mais o que temer.
Precisava, apenas, continuar seguindo em frente. Da primeira vez em que vira Alex Sommerfield, ele dissera que Tessa não iria perder seu filho. E ela confiara em
sua palavra, e agora, mais do que nunca.

O meirinho tomou sua posição e anunciou a entrada do juiz:
- Todos de pé! A Corte do terceiro distrito de El Paso, Colorado Springs, Estado do Colorado, está agora abrindo sua sessão. O meritíssimo juiz Rutherford T. Larkin
a
preside. Podem sentar-se.
O juiz entrou na sala, mancando, apoiando-se em sua bengala. Para Tessa, era como se aquela audiência preliminar estivesse acontecendo outra vez. Havia apenas uma
coisa diferente: em vez de Clive Medor dizer à corte como Tessa fora cruel com seu cliente, era Grant quem subia ao banco das testemunhas, jurando sobre a Bíblia
falar somente a verdade.
Ele comparecera muito bem vestido ao julgamento e parecia estar à vontade. Grant sempre se vestira bem. Certas coisas não haviam mudado nele. A raiva que demonstrava
contra Tessa, porém, parecia estar cada vez maior.
Medor adiantou-se e, após as perguntas preliminares, foi direto ao assunto:
- Sr. Marsden, por favor, diga à Corte, usando suas próprias palavras, como era sua vida com sua esposa.
- Como se eu fosse uma criança que tivesse esperado durante muito tempo, economizando dinheiro para comprar um brinquedo que queria muito e, quando o consegui e
o levei para casa, não pude tocá-lo, mas apenas olhá-lo, porque estava quebrado.
- Está querendo dizer que a sra. Marsden não era uma esposa para o senhor, no sentido conjugal da palavra?
Tessa sentiu a mão de sua mãe procurar a sua e apertá-la com força.
- Não - Grant respondeu. - Não é isso o que estou dizendo. Ela cumpria seus deveres matrimoniais.
- Então, quer dizer que ela cedia a seu amor sem partilhar do ato sexual?
- Sim e não. Ela estava sempre... de mau humor.
Tessa piscou várias vezes, nervosa.
- E o senhor falou com ela a respeito disso? - Medor prosseguia.
- Sim, mas ela insistia em que não havia nada errado.
Tessa é muito ligada a sua família. Nossa lua-de-mel no chalé que eles possuem, nas montanhas de Vail, não foi o que eu esperava porque, como pensei na época, ela
sentia falta dos pais. Tessa parecia deprimida. Achei que, quando voltássemos a nosso apartamento, ela voltaria a ser como era antes, porque estaria mais perto da
família.
Mas não foi assim, - Em outras palavras: sua esposa continuou a sentir-se deprimida.
- Sim. Sabe, é impossível conversar com uma mulher como Tessa. Ela não argumenta; apenas chora muito quando acha que não a entendo. Quando tento me aproximar, ser
compreensivo, ela fica apenas me olhando, sem dizer nada. Sei que a depressão faz isso com as pessoas.
Tessa meneou a cabeça. Grant era um mestre em misturar verdades e mentiras. O pior era que ele parecia acreditar no que estava dizendo.
- Sr. Marsden, está nos dizendo que sua esposa continuou nesse estado após sua lua-de-mel?
- Sim. E comecei a notar mudanças em seu humor, embora elas não me parecessem preocupantes naquela época. Tessa continuava deprimida, mesmo tendo os pais e o irmão
por perto. Algumas vezes, quando eu sugeria que fosse visitá-los, ela se negava e preferia ficar em casa. Em outras, ficava tão excitada com a idéia, que eu mal
conseguia controlá-la. Mas sua felicidade nunca durava muito tempo. Os pais dela deviam saber sobre essa
depressão, mas ninguém nunca se importou em me avisar sobre a gravidade do caso.
Tessa engoliu em seco. Grant estava sendo tão convincente, que até Alex poderia começar a acreditar nele.
- O senhor sugeriu que ela procurasse ajuda profissional?
- Tessa não aceitaria tal idéia, e eu jamais tocaria nesse assunto com o dr. Jenner. Ele é um médico famoso, honrado. E eu era apenas um garoto recém-saído da faculdade,
sem dinheiro, sem tradição. O que eu poderia saber que ele já não tivesse notado? Apenas uma vez insinuei que Tessa deveria tomar algo para combater sua depressão.
Mas ele me ignorou e me pediu para sair de sua casa.
Nesse instante, o dr. Jenner tocou a mão livre de Tessa, apertando-a na sua.
- A verdade é que, após duas semanas de casamento, eu compreendi que Tessa era doente. Muito doente.
- O senhor procurou ajuda de alguma outra pessoa? Um conselheiro matrimonial, por exemplo?
- O pastor que nos casou costuma aconselhar casais, mas não falei com ele sobre a situação de Tessa até que ela teve um colapso nervoso.
- Se a Corte me permite, meritíssimo - Medor interrompeu-o, voltando-se para o juiz - tenho aqui um documento assinado pelo pastor Lowell Carr, comprovando o fato
de que meu cliente é um assíduo freqüentador de sua igreja, e que nunca discutiu seus problemas
conjugais até sua esposa ser considerada maníaco-depressiva pelo psiquiatra com o qual estava se consultando. O pastor garante, também, nesse documento, que o sr.
Grant Marsden apenas procurou por seus conselhos quando já não suportava mais ver o estado em que sua esposa se encontrava. Além disso, o pastor Carr afirma que
a sra. Marsden, bem como sua mãe, mostraram-se intransigentes quando tentou aconselhá-las, há dois meses.
Tessa olhou para Vilma e ambas apertaram-se as mãos mais uma vez.
Medor prosseguia:
- O senhor, alguma vez, chegou a pensar em divorciar-se, sr. Marsden?
Grant negou com a cabeça, depois acrescentou:
- Não. Eu era marido dela e achei que poderia ajudá-la. Mas esse meu sonho se foi quando o psiquiatra a diagnosticou como maníaco-depressiva e a colocou sob medicação
pesada pelo resto da vida.
Tessa cerrou os olhos, agradecida a Deus por Alex saber sobre aquele outro pedido de divórcio de Grant. E aquela última pergunta de Clive Medor mostrava, com clareza,
que ele próprio desconhecia esse fato.
- Meritíssimo, vou adiar a apresentação de evidências médicas sobre este fato até que nossas testemunhas, dr. Howard Milhouse, dr. Robert Haight e sr. Lew Orton
cheguem ao tribunal para depor.
Tessa sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. Olhou para Alex, em busca de apoio, e os olhos azuis dele enviaram-lhe um discreto sinal para que aguardasse com
calma.
- Muito bem, dr. Medor - o juiz concordou. - Pode prosseguir.
O sorriso de satisfação de Medor fazia Tessa sentir o estômago revirar. Ele continuava seu interrogatório com Grant:
- E como sua esposa tem se comportado desde o nascimento de seu filho, sr. Marsden?
- Bem, ela não tem chorado muito porque está quase sempre sedada. Mas age como um autômato. Eu me refiro, em especial, às emoções, e não seu estado mental. Acho
que meu filho, Scotty, não tem recebido da mãe o carinho e a atenção que toda criança merece.
- É por esse motivo que o senhor está pedindo a guarda de seu filho?
- Esse é um dos motivos.
- O senhor poderia nos dizer quais são os outros, por favor?
- Tessa não possui bom senso algum e tenho medo de que, algum dia, ela possa colocar a vida de Scotty em risco.
- O senhor poderia nos dar um exemplo dessa falta de bom senso a que se referiu?
- Após os feriados de Natal, ela o levou para o Havaí, para passar uma semana. Foi a primeira vez que se afastou de mim com o menino e... bem, ela encontrou um sujeito
por lá. Quando voltou para casa, estava eufórica, muito diferente de seu normal, como se estivesse usando drogas. Logo após voltar da viagem, cismou de ir até o
chalé de seus pais, em Vail; eles a acompanharam. E Tessa não vacilou em tirar o menino da escola de novo para fazer essa viagem. Meu filho já estava atrasado em
relação às outras crianças por causa da viagem ao Havaí.
- Meritíssimo, ofereço à avaliação da Corte um relatório assinado pela professora de Scotty Marsden, sra. Janke, no qual ela atesta o fato de o menino estar atrasado
em relação à classe em algumas matérias. Além disso, ela também afirma que o garoto está cada vez mais alheio às aulas e que, devido a sua doença, a sra. Marsden
tem estado ausente da maioria das entrevistas pedidas pela escola para comentar o acompanhamento
escolar do menino.
Tessa entreabriu os lábios, chocada por aquelas mentiras deslavadas.
O juiz assentiu e pediu a Grant que continuasse seu depoimento. Ele assim o fez:
- Quando fui até Vail, procurando surpreender Tessa com uma noite romântica, onde poderíamos nos entender e tentar melhorar nossa vida conjugal, não a encontrei
no chalé. Quando voltou, às onze horas da noite, foi direto para a cama. Mais ou menos às quatro da manhã, acordei, ouvindo-a vomitar no banheiro. Ela apresentava
todos os sintomas de um drogado, mas seu pai me pediu para que saísse dali e a deixasse em paz. E tudo isso se passou diante de meu filho! - Grant olhou com raiva
para a família Jenner, antes de prosseguir: - Uma semana se passou e, nesse meio-tempo, Tessa se mudou para a casa
dos pais e eu já não era mais bem-vindo lá. Não me deixavam ver meu filho, e Tessa logo me apresentou os papéis do divórcio, o qual ela nunca discutiu comigo. Eu
mal podia acreditar no que estava acontecendo porque jamais pensei em me separar de Tessa. Nossa religião não permite tal coisa. Bem, logo em seguida, recebi um
pacote em minha casa, pelo correio. Ele vinha do Havaí. Dentro, havia um bilhete assinado pelo tal homem que Tessa conheceu durante a viagem. Pelo que ele dizia,
presumi que estavam tendo um caso. Mais uma vez, tudo se passara diante de meu filho.
Medor ergueu a mão para o juiz, mostrando-lhe o bilhete.
- Com sua permissão, meritíssimo, estou incluindo o referido bilhete na lista de provas. Está escrito com a caligrafia do sr. Paul Wong e diz: "Relembrando os dias
maravilhosos que me trouxeram muita felicidade. Com carinho, Paul Wong".
Tessa mordeu o lábio. Não conhecia o teor daquele bilhete. Pelo que acabara de ouvir, não poderia culpar ninguém por acreditar que havia, de fato, um romance entre
ela e Paul.
Medor sorriu, satisfeito mais uma vez, e fez nova pergunta:
- Sua mulher tornou a manter contato com esse homem?
- Ele deixou um recado em nossa secretária eletrônica, pedindo que ela retornasse sua ligação. Além disso, nada mais sei sobre qualquer meio que tenham encontrado
para se verem. Tessa poderia também ter se envolvido com qualquer outro homem, aqui mesmo em Colorado Springs. Agora tenho motivos para acreditar em qualquer coisa
desse tipo. Todos podem ver que ela tem tudo para atrair o homem que quiser. É com isso que me preocupo agora. Scotty é tão pequeno e indefeso! Se ficar com Tessa,
vai ser deixado de lado enquanto ela estiver atrás de novas aventuras. A falta de carinho e atenção que demonstra para com meu filho é impressionante. Eu jamais
ficaria em paz sabendo que ele estaria sob os cuidados dela. -A voz de Grant pareceu fraquejar nesse instante. - Eu amo meu menino. Ele é tudo o que tenho. Foi Scotty
quem tornou minha vida suportável, nas circunstâncias horríveis a que me submeti em meu casamento. Passei todos os momentos que pude com ele, enquanto não estava
trabalhando. Acompanhei suas atividades escolares, levei-o à igreja...
Havia lágrimas rolando pelo rosto de Grant.
- Sempre o sustentei e vou continuar sustentando -ele continuou, após se esforçar para se recompor. - Tenho uma casa, a qual estou alugando no momento. Enquanto
isso, moro com meus pais, que me ajudarão a cuidar de Scotty quando eu não puder estar presente.
Tessa terá seus dias de visitação, mas imploro a esta Corte que me entregue a custódia de meu filho.
- Obrigado, sr. Marsden - Medor agradeceu, dando seu interrogatório por completo.
O juiz voltou-se para Alex e perguntou:
- Gostaria de fazer alguma pergunta ao depoente, sr. Sommerfield?
- Agora não, meritíssimo. Antes, eu gostaria de chamar minha cliente para depor.
- Como queira. A Corte chama Tessa Marsden para prestar depoimento.
Tessa levantou-se, tensa, sentindo as mãos de seus pais apertando mais uma vez as suas, numa demonstração de apoio e carinho. Ela achara que Alex interrogaria Grant
primeiro. Trêmula, dirigiu-se ao banco das testemunhas e, respirando fundo, sentou-se.
Alex lançou-lhe um olhar encorajador que apenas ela própria compreendeu e aproximou-se, dizendo:
- Sra. Marsden, a senhora acabou de ouvir o depoimento de seu marido descrevendo como era seu casamento. Gostaria de mudar ou acrescentar algo ao que ele disse?
Ela pensou um pouco antes de responder:
- Bem, desde o Natal, eu e Grant não estamos mais juntos. Antes disso, vivemos seis a os e meio como marido e mulher. Mas acho que nunca conheci o homem que meu
marido poderia ser se tivesse conhecido a mulher certa. Quanto ao fato de ele me conhecer, acredito que, hoje, está mais distante disso do que jamais esteve. Fomos
sempre dois estranhos tentando ser amigos e, até, amantes. Mas nosso casamento nunca deu certo; foi um erro desde o começo e acho que isso não foi culpa de nenhum
de nós. Na minha opinião, quando eu e Grant nos conhecemos, ficamos dominados por uma atração física muito forte e pensamos que isso seria motivo suficiente para
nos casarmos. Nós nos deixamos levar por uma maré de entusiasmo muito comum aos jovens e nos casamos precipitadamente.
Tessa baixou os olhos para as mãos, que contorcia sobre o colo. Prosseguiu, então:
- Acredito que Grant me visse como uma mulher muito bonita que tivera muitas experiências com outros homens antes de conhecê-lo. A verdade é que ele foi o segundo
homem que eu já beijara na vida. Fui criada seguindo valores que me ensinavam uma certa postura, um certo recato. Eu jamais dormiria com um homem se não estivesse
casada com ele. Acho que fui uma das noivas mais ingênuas de minha época. Agora percebo a decepção que Grant deve ter sentido por isso. Naquele tempo, porém, eu
apenas me via como um fracasso como esposa; nada que fizesse parecia agradá-lo. Se eu parecia estar
deprimida, era porque via que nosso casamento nos tornava infelizes. Eu nem sequer admitia para quem quer que fosse que estávamos tendo problemas. Continuei freqüentando
a faculdade, depois pedi um emprego no coral da igreja, porque sempre adorei música. Quando descobri que estava grávida, fiquei exultante.
Tessa sorriu, lembrando-se daqueles momentos.
- Tive os enjôos comuns pela manhã e me cansava com facilidade, mas, quando Scotty nasceu, achei que todo o sofrimento valera a pena. Quando o trouxemos para casa,
de volta do hospital, tive problemas de amamentação, mas eu queria amamentá-lo porque sabia que isso é o melhor para a criança. Quando meu leite secou, fiquei tão
frustrada que me senti um fracasso mais uma vez. Foi por isso que comecei a chorar muito. Meu obstetra disse que eu estava sofrendo de depressão pós-parto, mas que
isso seria temporário. Resolvi falar com meu pai e ele disse que ouvira falar de um psiquiatra, o dr. Milhouse, que costumava tratar de várias mulheres com o mesmo
tipo de problema. Então, resolvi consultá-lo. Fiquei surpresa quando ele resolveu me internar num hospital, dizendo que eu sofria de um distúrbio cerebral grave.
Ele prescreveu Litium e Valium, e esses remédios mudaram minha vida. Grant disse a verdade: eu me transformei num autômato. Odiava me sentir daquele modo, mas não
tinha alternativa, já que o médico dissera que eu precisaria daqueles medicamentos pelo resto de minha vida. Então, continuei vivendo como podia; terminei meu curso
na faculdade, me formei...
Tessa tornou a sorrir com doçura.
- Scotty era a única alegria de minha vida. Quando meu irmão Winn me convidou para acompanhá-lo em uma viagem ao Havaí, achei que seria ótimo para meu filho conhecer
um lugar diferente e divertir-se na praia. Quanto a Grant, imaginei que meu afastamento até lhe faria bem. Conheci Paul Wong no Havaí. Ele é o dono do hotel onde
nos hospedamos. Paul não acredita na medicina ocidental e sugeriu que deixasse toda e qualquer medicação porque eu, provavelmente, não necessitava dela. Essa afirmação
mudou minha vida.
Tessa sentiu um nó na garganta e tossiu.
- Eu poderia beber um pouco d'água? - pediu, sendo atendida pelo meirinho. - Fiquei pensando no que Paul sugerira. Após voltar do Havaí, fui ao consultório do dr.
Milhouse mais uma vez, mas não lhe contei o que pretendia fazer porque não queria ofendê-lo. Disse a ele, porém, que, durante a viagem, eu compreendera que meu casamento
chegara ao fim. Perguntei-lhe se poderia me aconselhar para que eu pudesse tocar no assunto sem
magoar Grant, mas ele me disse para não falar em divórcio com meu marido até que ele próprio conversasse com ele. Então, marcou nova consulta e eu fui embora.
No entanto, em vez de tomar os remédios que ele prescreveu, fui direto ao consultório de meu pai e contei-lhe o que decidira fazer.
Tessa tomou mais um gole d'água. Alex assentia, encorajando-a a continuar seu relato. Ela falou sobre o tratamento que recebeu no hospital de Vail, sobre os momentos
terríveis pelos quais passou em sua recuperação, sobre a visita de Grant ao chalé e a discussão que tiveram lá.
- Grant sabia tanto quanto eu que nosso casamento terminara - dizia. - Por isso procurei um advogado. Não queria mais continuar vivendo aquela situação insustentável.
Após alguns segundos de silêncio, Tessa ergueu bem o queixo e disse, com firmeza:
- Há algo que devo afirmar: Grant sempre foi um bom pai, e Scotty o> ama muito. Não quero que isso mude e, se eu conseguir a guarda de meu filho, farei tudo o que
puder para que ambos mantenham o melhor relacionamento possível.
- Sra. Marsden - Alex disse -, poderia, por obséquio, falar à Corte sobre sua situação atual?
- Eu e Scotty estamos morando num apartamento que aluguei. Há três dias, assinei um contrato com o departamento musical do Colégio Liberdade, onde serei professora
de música do primeiro e segundo graus, com salário inicial de três mil dólares. Até as aulas começarem, no semestre que vem, estarei trabalhando como professora
auxiliar nessa mesma escola. Eu... não posso me imaginar incapaz de cuidar de meu filho. Sempre fiz isso com o maior desvelo desde o dia em que ele nasceu.
Havia um brilho de satisfação no azul dos olhos de Alex.
- Obrigado, sra. Marsden - ele agradeceu, afastando-se de volta a seu lugar.
- Sr. Medor - chamou o juiz -, gostaria de inquirir a testemunha?
Clive Medor negou com a cabeça, dizendo apenas:
- Sem perguntas, meritíssimo.
- Sr. Summerfield? - O juiz indicava que era a vez de Alex chamar uma testemunha.
- Eu gostaria de chamar o sr. Marsden, meritíssimo.
- Sra. Marsden, pode voltar ao seu lugar - o juiz permitiu.
Tessa obedeceu, enquanto Grant tomava assento.
- O senhor já depôs; ainda está sob juramento. - Alex observou. - O senhor declarou que jamais teve a intenção de se divorciar de sua esposa.
- Correto.
- Então, poderia explicar à Corte a razão deste documento? - Alex voltou-se para o juiz, com uma pasta na mão. - Meritíssimo, tenho comigo a cópia de um pedido de
divórcio requerido pelo sr. Marsden três meses após seu casamento.
- Protesto! - Clive Medor levantou-se de pronto.
- A Corte examinará a evidência - afirmou o juiz - Os dois advogados queiram, por gentileza, se aproximar.
Alex obedeceu, oferecendo a pasta ao magistrado. Tessa poderia jurar, pelo modo como Medor olhou para Grant, que o advogado estava furioso.
Após examinar os papéis, o juiz Larkin pronunciou-se, voltando-se para Grant:
- Protesto negado. Responda à pergunta, sr. Marsden.
- Esqueci dessa petição, meritíssimo - Grant falava baixo. - Mas agora me lembro que um amigo sugeriu que eu me divorciasse logo que possível. No entanto, não fui
capaz de ir até o fim.
- Lembra-se do que alegou no pedido de divórcio, sr. Marsden? - Alex prosseguia. - Se não se lembra, posso ajudá-lo.
- Eu... não me recordo de tudo...
- O senhor alegou incompatibilidade de gênios. Nada foi dito sobre a doença de sua esposa. Não há menção alguma sobre a depressão, a falta de bom senso, os acessos
de choro, as mudanças de humor, a apatia... Posso sugerir que o motivo real para este pedido de divórcio fosse o fato de o senhor ter percebido, como sua esposa,
que seu casamento fora um erro? É um motivo bastante comum em muitos casos de divórcio.
- Protesto! O sr. Sommerfield está conduzindo a testemunha.
- Protesto aceito.
Após as palavras do juiz, Alex pensou por segundos antes de fazer nova pergunta. Não se deixava abater.
- O senhor chegou a falar com sua esposa sobre o pedido de divórcio que fizera, embora nunca o tenha levado a efeito?
Tessa podia sentir a frustração de Grant.
- Não - ele respondeu, aborrecido.
- Quando ela lhe disse, no chalé, que jamais usara cocaína ou qualquer outro tipo de droga ilegal, por que não acreditou?
- Porque eu percebi que ela estava usando drogas.
- E como percebeu?
- Porque já vi pessoas que usam.
- Ela lhe disse que a comida não lhe fizera bem. Não poderia estar dizendo a verdade? Os sintomas, afinal, eram os mesmos.
- Acho que sim.
- Mas o senhor preferiu acreditar que era o efeito das drogas. Por que fez isso quando sabia que sua esposa tomava remédios fortíssimos?
- Porque o doutor...
- Protesto! - Medor interrompeu, não deixando seu cliente terminar o que ia dizer. - Essa linha de interrogatório é irrelevante, porque a Corte sabe que a sra. Marsden
mentia para o marido. Ela lhe disse que passava mal devido ao que comera quando, na verdade, estava sob tratamento para se livrar da medicação pesada.
- Protesto negado, sr. Medor. Prossiga, sr. Marsden.
Alex estava diante de Grant, as pernas um tanto afastadas, os braços cruzados sobre o peito.
- Deixe-me ajudá-lo a se recordar - sugeriu. - O senhor dizia: "Porque o doutor..."
Grant baixou a cabeça.
- Porque o psiquiatra que tratava de Tessa tinha insinuado que ela talvez estivesse usando drogas.
- Qual psiquiatra?
- O dr. Milhouse.
- E foi ele quem disse que sua esposa talvez estivesse usando cocaína ou qualquer outra droga ilegal?
- Sim.
- Portanto, devemos entender que tal idéia não se originou de sua cabeça, sr. Marsden?
- Correto.
- E quando o dr. Milhouse sugeriu tal coisa?
- Depois que Tessa voltou do Havaí. Ela estava muito eufórica.
- O senhor não ficaria eufórico se pensasse que podia não ser um maníaco-depressivo? Que poderia, afinal, ver-se livre dos remédios que o vinham escravizando havia
anos e viver uma vida normal?
- Protesto! - Medor interrompeu mais uma vez. - O colega está fazendo conjecturas inúteis!
- Protesto aceito, sr. Medor. Sr. Sommerfield, reserve seus comentários para os fatos importantes do caso.
- Pois não, meritíssimo. Já não tenho mais perguntas.
O juiz voltou-se para Grant.
- Pode voltar ao seu lugar, sr. Marsden - disse, e depois, voltando-se para Medor, ordenou: - Pode chamar sua primeira testemunha, sr. Medor.
- Eu chamo o dr. Robert Haight, meritíssimo.
Tessa observou o psiquiatra enquanto este subia ao banco das testemunhas e prestava juramento. Medor tinha uma expressão estranha no rosto.
- Por que todos esses médicos malucos usam barba?
- Winn segredou ao ouvido da irmã.
Ela sorriu, pois se perguntara a mesma coisa.
Medor pediu que o psiquiatra desse suas impressões sobre a sra. Marsden.
- Após ter observado o caso com atenção, é meu dever salientar que não encontrei nenhum vestígio de disfunção cerebral na sra. Marsden - foi a opinião do médico.
- Graças a Deus! - murmuraram os pais de Tessa ao mesmo tempo.
Medor respirou fundo; não era aquilo o que esperava.
- Sem mais perguntas, meritíssimo - disse, dando as costas ao psiquiatra.
O juiz fez um sinal para Alex, que nem se levantou, dizendo:
- Sem perguntas, meritíssimo.
- Então, chame sua próxima testemunha, sr. Medor.
O advogado, de cenho franzido, chamou Lew Orton para depor.


Capítulo 15

- Está quase no fim, querida - o dr. Jenner sussurrou para a filha.
- Eu sei. - Tessa respondeu, apertando-lhe a mão.
Clive Medor aproximava-se do depoente, com ar de triunfo.
- Sr. Orton, queira, por favor, dizer à Corte quais foram suas conclusões sobre os Marsden.
- Trabalhei com a família Marsden durante cinco semanas e, em minha opinião, tanto o marido quanto a esposa têm problemas, os quais têm contribuído, e muito, para
a insegurança do filho, Scotty. No entanto, acredito que o pai ainda é o melhor dos dois, tanto no nível emocional quanto no mental. Ele também é o mais preocupado
com o bem-estar do garoto. Por isso recomendo que a custódia da referida criança seja entregue
de imediato ao pai, Grant Marsden.
Medor voltou-se para a audiência com seu sorriso prepotente, dizendo:
- Sem mais perguntas.
Quando o juiz chamou Alex para interrogar o assistente social, ele logo se levantou e veio até o banco dos depoentes.
- Eu tenho várias perguntas, meritíssimo. Para começar: sr. Orton, após a última sessão de terapia em grupo que o senhor dirigiu, minha cliente foi chamada a sua
sala, correto?
- Perfeito.
- E poderia dizer à Corte o que falou à sra. Marsden?
- Sugeri nova série de sessões.
- Por quê?
- Porque ela desafia a autoridade e foge de perguntas que não quer responder. Essa é uma típica forma de intimidação, que tem efeitos maléficos sobre as crianças.
E eu precisava avaliar o comportamento de Tessa Marsden em relação a seu filho.
- Certo. O que mais disse a ela, sr. Orton?
- Nada mais.
- O senhor não lhe disse que a colocaria sob medicação pesada para controlá-la?
- Não sou médico e, portanto, não poderia receitar-lhe remédio nenhum.
- Pois bem, vou reformular minha pergunta: disse a minha cliente que poderia fazer com que algum médico a colocasse sob medicação pesada?
- Eu talvez possa ter sugerido algo desse tipo para que ela compreendesse como seu estado era sério...
- O senhor costuma praticar a intimidação com seus pacientes, sr. Orton?
- Protesto! - Medor levantou-se mais uma vez, mas sentou-se de novo ao ouvir o juiz:
- Protesto negado. Responda à pergunta, sr. Orton!
O homem coçou a barba, hesitante. Depois resolveu falar:
- Quando a sra. Marsden entra em algum lugar, é como se um vulcão entrasse em erupção. Todos param para olhá-la. Ela aprendeu a manipular as pessoas desse modo,
usando a impressão que causa. É uma mulher que não aceita regras!
- Foi por isso que pediu às outras pessoas do grupo de terapia para tratarem-na mal?
- Meritíssimo, protesto mais uma vez! - Medor interveio, exaltado. - O colega está denegrindo a integridade de uma testemunha especializada!
Alex aproximou-se de sua mesa, pegou algumas folhas e voltou para perto do juiz entregando-as a ele.
- Este é um documento assinado por uma das pessoas que participaram da terapia levada a efeito pelo sr. Lew Orton, e da qual a sra. Marsden fazia parte. Essa pessoa
afirma que o sr. Orton pediu ao grupo para, textualmente, "pressionar a mulher de todas as formas possíveis".
Mesmo distante, Tessa pôde ver o juiz olhar para Orton com reprovação, enquanto dizia, sério:
- Protesto negado, sr. Medor.
Alex assentiu e voltou a seu lugar, murmurando apenas:
- Sem mais perguntas, meritíssimo.
- Pode voltar a seu lugar, sr. Orton. - O juiz Larkin continuava muito sério. Olhou para Clive Medor e acrescentou: - O senhor pode chamar sua última testemunha.
- É o dr. Howard Milhouse, meritíssimo. Ele deve estar lá fora, no saguão.
Aquele era o momento de glória de Medor. Tessa estremeceu. Mesmo se o psiquiatra tivesse sido citado devido às denúncias do jornal, nada tinha sido provado a seu
respeito ainda. No sistema judicial americano, uma pessoa é considerada inocente até que se prove o contrário. Portanto, o testemunho dele naquele caso era válido.
Vilma passou o braço sobre os ombros da filha e sussurrou:
- Vai dar tudo certo, querida.
- Estou apavorada, mamãe... - Tessa olhou para Alex. Dessa vez, ele não lhe fez nenhum sinal. Sua expressão era séria, rígida, quase glacial. Ele lutara tanto por
aquela causa! Se perdesse, no último momento, Tessa sofreria pelo resto de sua vida, não só por ter perdido a custódia de seu filho, mas pela derrota de Alex.
Ela cerrou os olhos, começando a rezar. Pedia por si mesma, por seu filho, por Alex. Por todos que a amavam.
Houve um burburinho na sala, o que a fez voltar a cabeça. Milhouse estaria entrando?
- Ele está vindo, papai? - perguntou, temerosa.
- Não...
O juiz impacientava-se:
- Sr. Medor, onde está sua testemunha?
- Virá a qualquer momento, meritíssimo.
- A Corte não tem tempo a perder, sr. Medor! Já passa da hora do almoço. Temos a opinião do dr. Milhouse por escrito e pretendo encerrar este caso o quanto antes.
Se não há outras testemunhas a serem ouvidas, acho melhor partirmos para as observações finais de ambos os advogados.
- Mas, meritíssimo, ele vai...
- Sr. Medor, estaria desafiando a Corte?
- Não, mas...
- Ótimo. Então faça suas considerações finais.
Medor assentiu, aceitando a autoridade que não podia contestar, e adiantou-se, voltando-se para a audiência:
- As evidências apresentadas neste caso falam por si mesmas. O funcionário dos serviços especiais da Suprema Corte, sr. Lew Orton, recomendou que a custódia do menor
Scotty Marsden seja dada a seu pai, Grant Marsden, em caráter definitivo. O psiquiatra que tratou de sua esposa durante quatro anos atestou que ela sofria de um
problema cerebral sério que a tornou maníaco-depressiva para o resto da vida. O referido médico também garantiu que tal doença poderia colocar em risco a segurança
de seu filho. Conceder a guarda dessa criança à mãe seria, portanto, um desatino. Sendo assim, meu
cliente, Grant Marsden, requer, perante esta Corte, a custódia permanente de seu filho. Obrigado, meritíssimo.
Tessa cerrou os olhos, murmurando para a mãe:
- Oh, meu Deus, acho que não vou agüentar...
- Vai, sim, meu amor. Vamos ouvir o que Alex tem a dizer.
Alex tomou o lugar do colega, para apresentar seu discurso final:
- Meritíssimo, este é um caso de divórcio puro e simples. Não há evidências suficientes para atestar o fato de que o menor, Scotty Marsden, tenha sofrido algum tipo
de dano enquanto esteve com sua mãe. Talvez ele esteja um pouco atrasado em algumas matérias da escola, mas toda criança que sai de férias negligencia um pouco
os estudos. Além disso, atualmente, neste país, as crianças saem de férias com seus pais em qualquer época do ano porque os afazeres dos adultos é que regulam os
momentos em que se pode deixar o trabalho um pouco de lado. O sr. Orton afirmou que os problemas de ambos os pais, no caso Marsden, contribuíram para a insegurança
de seu filho. Eu gostaria de conhecer uma criança, só uma, que não se sentisse insegura quando os pais estão à beira de uma separação.
Alex parou por instantes, permitindo à Corte pensar no que acabara de dizer. Depois prosseguiu:
- O dr. Haight testemunhou que minha cliente não mostra sinal nenhum de distúrbio cerebral. Além disso, estou acrescentando, como evidência final, um documento assinado
pelo obstetra que atendeu a sra. Marsden, e que está, no momento, vivendo na África do Sul. - Alex retirou uma folha de papel de dentro de uma pasta, sobre sua mesa,
e leu: - "Em nenhum momento diagnostiquei sinal de depressão na sra. Tessa Marsden. Apenas quando sua incapacidade de amamentar levou-a a ficar muito frustrada em
virtude das alterações hormonais pelas quais passava, sugeri que talvez estivesse sofrendo do que se costuma chamar de depressão pós-parto. Eu disse a ela que tal
situação desapareceria em algumas semanas, mas que, se continuasse por mais tempo, deveria consultar um profissional que pudesse orientá-la melhor quanto ao problema".
Alex entregou o documento ao juiz e continuou suas considerações finais:
- O sr. Marsden quis se divorciar de minha cliente apenas três meses depois de seu casamento, alegando incompatibilidade de gênios, nada mais. Os documentos do hospital
em Vail, que foram apresentados e aceitos na audiência preliminar deste caso, provam que a sra. Marsden foi internada ali com o único propósito de receber monitoramento
cardíaco, já que estava passando por um processo de desintoxicação. Minha cliente conseguiu libertar-se da medicação forte que tomou por quatro anos e pretende continuar
assim pelo resto de sua vida. Ela foi obrigada a suportar um tratamento abusivo por parte do assistente social indicado pela Corte, o qual procurou pressioná-la
e, até, amedrontá-la com a ameaça de voltar a submetê-la às drogas que tomara.
Alex parou mais uma vez, deixando que todos os presentes sentissem o peso da acusação que acabava de fazer.
Depois, olhando para Clive Medor, foi em frente:
- A única testemunha que esteve com minha cliente com regularidade por quatro anos, o dr. Howard Milhouse, não compareceu a este tribunal para depor. Acredito, meritíssimo,
que o motivo de sua ausência sejam as acusações que recebeu por negligência médica
e abuso na prática da medicina. Ele não virá, com certeza, nem a este tribunal, nem a nenhum outro por algum tempo.
Houve um comentário generalizado na sala, que só parou com as batidas do martelo do juiz Larkin.
Depois, com um breve sinal, o magistrado incitou Alex a prosseguir:
- Posso afirmar isso com certeza, meritíssimo, pois recebi informações de fonte segura: a mãe do dr. Milhouse, sra. Lucille Milhouse, que foi internada num sanatório
pelo próprio filho. Essa senhora me garantiu que ele deixou o Estado do Colorado por tempo indeterminado, não revelando seu destino nem mesmo a ela. Eu gostaria
ainda de salientar que quarenta e quatro outras mulheres foram diagnosticadas pelo dr. Milhouse como portadoras do mesmo tipo de distúrbio cerebral que ele atribuiu
à minha cliente. Na verdade, nenhuma delas apresenta, de fato, tal anomalia. E nós todos aqui conhecemos uma mulher que não possui tal doença. Ela está ali, sentada
bem diante desta Corte. - Alex parou mais uma vez e olhou em direção a Tessa. Continuou, encarando-a com admiração e respeito: - Mesmo durante quatro anos de um
verdadeiro inferno devido a um diagnóstico errado, a sra. Marsden conseguiu criar um filho maravilhoso e suportar situações difíceis e constrangedoras como fofocas,
insinuações, maledicência, e tudo isso vindo, inclusive, de pessoas que amava e respeitava, amigos íntimos, parentes, conhecidos, que não sabiam da verdade dos fatos.
Esta mulher, senhores, é temente a Deus, é inteligente, bonita, saudável e trabalhadora. E requer a guarda de seu filho, sabendo que fará todo o possível para garantir
que tanto o menino quanto o pai dele possam desfrutar de bons momentos juntos quando for estipulada a visitação. Na verdade, ela já vem fazendo isso há muito tempo,
desde que resolveu não mais viver sob o
mesmo teto que seu marido. Quanto à criança em questão, Scotty é uma criaturinha meiga e agradável, cheia de vida e alegria, que poderá viver seguro e feliz quando
este caso estiver encerrado e todos puderem seguir com suas vidas em paz. Obrigado, meritíssimo, nada mais tenho a acrescentar.
Winn e o dr. Jenner murmuraram um animado "Isso mesmo!" assim que Alex terminou de falar.
Tessa percebeu que o juiz ouviu-os, embora não fizesse nenhuma reprimenda a seu comportamento. Ele apenas tirou os óculos e disse:
- Não sei quanto a todos aqui presentes, mas eu estou com fome. Os fatos já foram apresentados e eu os analisarei com cuidado e bom senso. Ambos os advogados serão
avisados tão logo eu dê meu veredicto por escrito, dentro de algum tempo. Até lá, a sra. Marsden deverá continuar com a custódia temporária de seu filho. A propósito,
ele é, de fato, uma criança adorável. A Corte está suspensa. - Bateu seu martelo e saiu da sala.
O julgamento terminara. Tessa permanecia sentada, incrédula, tentando acreditar que ainda tinha a custódia de Scotty. Sua família juntava-se em torno de Alex, cumprimentando-o,
abraçando-o com efusividade. Eles também o amavam, com certeza.
Aliviada, Tessa levantou-se devagar, mas teve de sentar-se de novo; suas pernas não pareciam fortes o suficiente para sustentá-la. De repente, Alex estava ao seu
lado, oferecendo-lhe um copo d'água. Ela bebeu, em silêncio.
- Obrigada - murmurou. - Você fez tanto por mim! Seja qual for a decisão do juiz, eu jamais me esquecerei do modo como me defendeu.
- Foi um prazer, Tessa. - A voz dele parecia ressoar por todo o corpo dela. - Até que o veredicto saia, lembre-se de que o juiz Larkin estava falando com você, só
com você, quando disse que seu filho é uma criança adorável. Guarde bem isso.
Ela sentia-se renovada, leve, tranqüila.
- Você disse que a decisão dele pode demorar um pouco. Estou conformada com isso e me sinto tão feliz por ter Scotty comigo por mais algum tempo, que nem posso reclamar
de nada.
- Você é uma mulher rara, Tessa Marsden - Alex falava do fundo de sua alma. - Sinto-me honrado por tê-la conhecido.
Ele estava se despedindo. Tessa compreendeu isso de imediato, embora não quisesse aceitar o fato. Um grande vazio parecia se abrir diante dela. Como poderia suportar
a vida sem Alex?
- Sou... sou eu que me sinto honrada. Só alguém iluminado, maravilhoso, íntegro, poderia ter feito o que você fez hoje aqui, por mim. Não há ninguém como você. Eu
lhe desejo boa sorte. - Ela se forçava a deixá-lo ir, a vê-lo desaparecer de sua vida.
A expressão de Alex tornou-se mais séria ao dizer:
- Assim que eu souber o veredicto, eu a avisarei.
Ela assentiu. Alex acrescentou ainda:
- Estou atrasado para uma reunião com um cliente.
- Então, é melhor se apressar. Sei muito bem o que é precisar de você. Não deixe seu cliente esperando mais do que o necessário.
Tessa viu-o afastar-se pelo corredor entre os bancos e sentiu-se morrer um pouco.

- Oh, Rae, Amy é tão bonitinha! Sei que você e Winn esperaram bastante para ter seu primeiro filho, mas valeu a pena! - Tessa admirava a sobrinha, que nascera havia
dois dias, e encantava-se com suas feições rosadas e a boquinha miúda, de contornos perfeitos.
- Acho que ela se parece com você e com Winn -observou sua cunhada, acariciando a cabeça da filhinha.
- Não, não. Ela tem sua pele clara, seus cabelos loiros, Rae. E tão bom segurar um filho nos braços, não? É a melhor sensação do mundo. Eu adorava segurar Scotty,
embalá-lo, cantar para fazê-lo dormir... O tempo passou depressa... - Tessa suspirou, pensando no filho. - Ele já está bem crescido. Sabe, Scotty adora ser o garoto
mais alto da classe.
Rae sorriu.
- E está gostando da nova professora?
- Muito! Ela é muito animada, muito simpática. O completo oposto da sra. Janke.
- E você? Como está indo na escola?
- Muito bem. Há crianças com vozes muito boas neste semestre. E algumas têm verdadeiro talento para o canto. Estou pensando em montar uma opereta no colégio, logo
depois do dia de Ação de Graças.
- Qual?
- A Canção da Noruega.
- Puxa! Essa é, mesmo, muito bonita!
- Eu também gosto.
- É um projeto ambicioso, Tessa. Vai ter de fazer ensaios após as aulas.
- É disso que preciso, Rae: muito trabalho.
- Acho que precisa é começar a sair com alguém. Sua vida está muito vazia.
Tessa negou com a cabeça.
- Ainda sou casada - argumentou.
- Ora, pelo amor de Deus! Ouvi dizer que Grant já tem uma namorada. O julgamento foi há tanto tempo, Tessa!
Ela sabia, com precisão, a data em que o julgamento se dera: fazia quase cinco meses. Não se esquecia porque aquela data marcara a última vez em que vira Alex, no
tribunal. Nada mais soubera sobre ele desde então. Não recebera sequer um telefonema do homem
por quem se apaixonara. Era como se Alex tivesse sumido da face da Terra. E o divórcio ainda não fora concedido pela Corte.
- Não pretendo fazer nada que coloque em risco a guarda de Scotty - Tessa afirmou à cunhada, com determinação.
Era noite de sexta-feira. Grant levara Scotty porque aquele era o final de semana em que ficaria com o filho.
Tessa se despedira do menino pouco antes de ir à maternidade para visitar a sobrinha recém-nascida.
Os dias em que tinha de ficar sem o filho eram os piores. Tessa sentia-se perdida, sem objetivos, sem vontade para fazer as mínimas coisas. Nesses dias, tinha muito
tempo livre para pensar; e eram os pensamentos que a deixavam abatida, desanimada. Talvez nessa sexta-feira resolvesse ir até o chalé após sair do hospital.
- Tessa, acho que Grant não se importaria se você encontrasse alguém. Ele sabe que seria normal... - Rae sabia que a cunhada precisava de amor em sua vida.
- Não, Rae. Ele usa Scotty como seu informante. Qualquer movimento errado que eu faça, o juiz ficará logo sabendo.
- Meu Deus! Que situação!
- Agora você tem uma filhinha e logo vai notar que sua vida se tornou um livro aberto porque uma criança vê tudo, percebe e conta coisas sem, ao menos, saber o que
está fazendo.
- Mas Grant não tem o direito de manter você amarrada dessa maneira!
- Já é um hábito. Ontem recebi um bilhete da mãe dele. Dizia que estava tentando me perdoar por ter arruinado a vida de seu filho.
- E o que você fez? Queimou-o?
Tessa sorriu, com amargor.
- Queimei, sim.
- Ótimo, cunhada. Sabe, para falar a verdade, não sei como você suportou tudo isso. Winn a chama de Supermulher às vezes.
- Talvez eu devesse ter, de fato, alguns poderes mágicos. Pegaria Scotty e voaria com ele para o Havaí, onde pudéssemos ficar bem longe dos olhos da lei.
- Olhe, acho que eu, Amy e Winn iríamos com vocês!
- Rae deixou escapar um bocejo.
Ela parecia feliz, mas também cansada. O sedativo que a enfermeira lhe dera estava começando a fazer efeito. Tessa despediu-se da cunhada e beijou o bebê.
Ficou olhando-as por instantes, lembrando-se dos momentos felizes que se seguiram ao nascimento de Scotty. No entanto, tudo o mais na sua vida fora um pesadelo.
E ainda era, porque não tinha nenhuma garantia de que algo iria mudar. A qualquer momento, seu filho poderia ser tirado de sua companhia. Procurava evitar tal idéia,
mas era uma realidade da qual não poderia fugir.
Rae adormecera, vencida pela medicação. Tessa saiu do quarto em silêncio e foi para o estacionamento do hospital. Entrou no carro e começou a dirigir sem destino.
Tomou a via expressa e percebeu logo o erro que cometera, pois viu-se logo presa no congestionamento de fim de tarde. Levaria mais de cinqüenta minutos para cruzar
a cidade e tomar o acesso para as montanhas.
Permaneceu em meio ao emaranhado de carros até que avistou a primeira saída lateral e não hesitou em tomá-la, seguindo um impulso estranho que a fez girar até o
acesso para o centro. Chegou a um certo edifício e estacionou num pátio logo em frente. A conversa que
tivera com Rae reacendera antigas chamas em seu coração. Ficou ali, parada, durante alguns minutos, observando a fachada envidraçada do prédio. Foi quando lhe ocorreu
que Alex talvez tivesse seu carro estacionado na garagem subterrânea, e, portanto, não sairia do edifício pela porta principal.
Tessa olhou para as janelas do sexto andar. Talvez ele ainda estivesse lá. Será que ficaria aborrecido se ela subisse para vê-lo sem ter um motivo lógico para isso?
Ela não sabia se poderia perturbá-lo àquela hora do dia, quando Alex costumava retornar chamadas telefônicas a clientes angustiados que precisavam de seus conselhos.
Fora assim com ela também, afinal.
Ele ficaria satisfeito em vê-la? Estaria com saudade também?
As perguntas passavam por sua mente, amontoando-se, quase deixando-a louca. No entanto, estivera afastada de Alex por tantos meses! Não queria apenas ir embora
e continuar sofrendo. Então, sem poder suportar mais a tensão, Tessa resolveu sair do carro e entrar no prédio. Sua boca estava seca ao chamar o elevador. Subiu
até o sexto andar, sentindo o coração bater cada vez mais forte.
Suas mãos estava geladas e úmidas quando parou em frente à porta do escritório dele. Após mais alguns segundos de hesitação, tocou a maçaneta, mas a porta não se
abriu.
- Droga! - murmurou, desapontada.
Já se voltava para ir embora quando uma nova idéia lhe ocorreu: Burt e os outros funcionários deviam ter saído, mas Alex talvez estivesse trabalhando em sua sala,
sozinho.
Reunindo toda a coragem que pôde encontrar, voltou e bateu à pesada porta de carvalho por várias vezes.
Não houve resposta. Mais frustrada do que antes, tornou a bater, num último lampejo de esperança.
Silêncio. Talvez Alex nem estivesse na cidade; talvez tivesse tirado férias, ou viajado a negócios.
Tessa sabia que não deveria ter indo até lá. Isso só fizera aquele aperto dolorido em seu peito sufocá-la ainda mais.
Voltou aos elevadores e apertou o botão. Foi então que ouviu seu nome, pronunciado por uma voz masculina baixa, porém vibrante, da qual ela não conseguira se esquecer.
Virou-se para ver Alex junto a uma outra porta, à esquerda da entrada principal do escritório.
- Oh, meu Deus, é você mesma! - ele exclamou no mesmo tom acariciante.
- Alex! - Tessa sussurrou, surpresa e encantada, indo em direção ao advogado.
Ele estava ótimo. Mais bonito do que Tessa podia se lembrar. Não usava um de seus ternos elegantes e bem talhados, e sim uma camisa esporte. Mesmo assim, estava
incrivelmente atraente...
Tessa desejou ter se vestido melhor para ir até ali, mas agora já era tarde. A calça de brim e o leve suéter teriam de fazê-la bonita o suficiente para agradar os
olhos
de Alex.
- Eu... sei que ainda não tem nenhuma novidade para mim... - Tessa começou, hesitante. - Na verdade, eu... nem sei por que vim. Estou me sentindo uma idiota.
Alex não conseguia desviar o olhar daquela boca suave, rosada.
- Passei por seu apartamento várias vezes... - murmurou - apenas... para poder vê-la, mas...
- Por que não tocou a campainha?
- Você sabe o motivo.
Tessa assentiu.
- Por causa de Scotty.
Tomando-a de surpresa, Alex puxou-a pela porta, que fechou com o pé. Estavam numa cozinha diminuta, e ele a fez recostar-se à geladeira, prendendo-a ali com seu
próprio corpo.
- Não. Por causa disto - sussurrou, antes de beijá-la com paixão.
Tessa abraçou-se a ele, aceitando-o com o mesmo ardor, no desejo que vinha crescendo entre ambos desde que se tinham visto pela primeira vez.
- Tessa... - Alex murmurava entre os beijos com que cobria o rosto e o pescoço dela. - Eu quero você há tanto tempo! E sabia que isso aconteceria se ficássemos sozinhos
de novo.
Tessa amoldava o corpo ao dele, querendo senti-lo melhor e preencher o vazio que vivera até aquele momento.
- Eu não agüentava mais ficar longe de você - confessou, junto aos lábios dele, convidando-o a mais um beijo apaixonado.
- Tessa, precisamos parar por aqui - Alex gemeu, pouco depois, sabendo que aquele encontro era uma loucura, mas precisando de forças para controlar-se.
- Por quê? Nós nos queremos tanto! - Ela o desejava na mesma intensidade, e já não se importava se seu raciocínio era lógico ou não. Procurou mais uma vez a boca
de Alex, que não lhe negou o prazer de mais um beijo ardente.
- Tessa, você não tem idéia do que está fazendo comigo. Por favor, me ajude a parar, ou vamos colocar em risco tudo o que conseguimos até aqui.
Algo pareceu clarear na mente dela. Sabia que, ao se afastar de Alex, ele não tentaria abraçá-la de novo. Era honrado demais para isso. E, assim que saísse dos braços
dele, Tessa voltaria a sua vida deserta, na qual não havia garantia nenhuma sobre o dia em que seu divórcio, por fim, seria concedido.
Aos olhos de Deus, ela ainda era a esposa de Grant, e seus princípios falavam mais alto do que seus instintos.
Juntando toda a força de que era capaz, afastou-se de mais um beijo devastador e deu alguns passos atrás, respirando com dificuldade.
Cerrando os dentes, Alex esticou o braço e tomou-lhe a mão.
- Não venha ao escritório de novo, ou não serei responsável por meus atos.
Tessa engoliu em seco.
- Eu... vou me manter afastada.
- Oh, meu Deus, não olhe assim para mim!
Ela estremeceu e baixou a cabeça, sussurrando:
- Sinto muito.
Alex procurava ser racional ao explicar:
- Tessa, Medor desconfia que haja algo entre nós.
- Eu sei. Grant já me acusou da mesma coisa. Isso é tão irônico! Afinal, ele está se encontrando com outra mulher...
Relutante, Alex soltou-lhe a mão ao afirmar:
- Não importa o que ele faça. Eu e você precisamos evitar que qualquer coisa pessoal transpareça entre nós.
O juiz está demorando a dar sua decisão não porque seja sádico ou algo parecido, mas porque está deixando o tempo passar para ver como a própria vida resolve a situação
dia após dia. Ele quer ter certeza de que a visitação tem ocorrido de modo agradável para Scotty, e se você conseguiu, de fato, superar sua depressão. Ele precisa
saber se você está, mesmo, equilibrada, calma, apta a ficar com o menino.
- Eu entendo. Mas é tão difícil...
Alex assentiu.
- Eu sei. Mas o juiz está observando você e Grant para ver como estão conduzindo suas vidas. Scotty é sua principal preocupação. O juiz Larkin é muito ponderado,
eu já lhe disse. E uma decisão tomada, depois de tanto tempo de avaliação, só pode ser justa.
- Se Grant perder, você acha que ele vai recorrer da sentença?
- Acredito que não. Acho que o motivo de Grant para tentar ganhar a guarda de Scotty estava baseado na vontade que tinha de ferir você. Afinal, você frustrou o que
ele chamava de felicidade. Não creio que seu marido queira, de fato, criar o menino. Quando o veredicto for dado pelo juiz, Grant deverá ter perdido o interesse
pelo caso. Os meses estão passando, Tessa. Seu marido já está se acostumando com a situação e cedendo à força da realidade. O tempo é que irá decidir quem ficará
com a guarda de Scotty, você vai ver. Mas eu apostaria minha vida como a decisão do juiz vai favorecê-la. Portanto, não serei eu a colocar em risco essa decisão.
Ele queria dizer que não a veria mais até saber do veredicto. Tessa jamais imaginou que Alex pudesse ser tão desprendido, tão preocupado com a felicidade dela e
de Scotty. Amava-o agora mais do que nunca.
- A espera vai ser difícil, mas entendo o que você me disse. - Ela pareceu hesitar um pouco antes de concluir:
- Se... estes poucos minutos forem tudo que eu puder ter de você, então agradeço a Deus por tê-los vivido.
Sem ousar esperar pela resposta dele, Tessa saiu dali e correu escada abaixo. Não quis esperar pelo elevador.
Se não se afastasse depressa de Alex, talvez não tivesse mais coragem de deixá-lo. Nunca mais.
Quando tornou a entrar em seu carro, ela permaneceu ali, sentada, por muito tempo, procurando controlar as emoções, e um novo medo que começava a brotar em seu peito:
quando o juiz, finalmente, desse seu parecer, muitas coisas poderiam já ter acontecido. Alex talvez já tivesse encontrado uma outra mulher, ou até ter se casado
com ela. Tessa tremia ao imaginar tal possibilidade, mas a realidade era amarga e precisava enfrentá-la com coragem.

Graças a Deus, ela ainda tinha Scotty. Ele era a razão de sua vida. Contudo, Tessa não podia perder a esperança de que, um dia, Alex Sommerfield também viesse a
fazer parte dela. Até lá, Tessa iria apenas concentrar seu carinho e sua atenção em seu filho, para fazê-lo crescer do modo mais feliz possível.

Capítulo 16

O céu não poderia estar mais azul do que naquele ensolarado dia de junho. O mundo parecia renovado, maravilhoso, mas Alex não sentia nenhuma alegria em especial.
Voltava de Pueblo, onde fora colher o depoimento de uma testemunha em um novo e intrincado caso.
Era tarde de sexta-feira e ele não via a hora de chegar a seu escritório e terminar alguns assuntos que deixara pendentes. Depois, pegaria seu saco de dormir e iria
até sua casa nova. Afinal, poderia passar o fim de semana lá e gozar um pouco de tranqüilidade.
Winn Ienner não era apenas um excelente arquiteto; tornara-se um amigo muito querido. O irmão de Tessa o ajudara a suportar aqueles meses de agonia com a compreensão
e o entusiasmo que só os verdadeiros amigos sabem oferecer.
Já se haviam passado nove longos meses desde que ela fora até seu escritório, após o expediente, para acender um fogo que ameaçava queimá-lo vivo; o fogo de uma
paixão abrasadora, quase insuportável.
Havia dois meses, Alex defendera outra cliente perante o juiz Larkin. Tivera de se conter muito para não indagar ao magistrado quando ele pretendia dar seu veredicto
sobre o caso Marsden.
Alex dissera a Tessa que havia razões muito boas para que Larkin demorasse a se pronunciar. Ela tinha de ser paciente com esse juiz; aquele era o jeito como ele
costumava agir. No entanto, Alex estava achando impossível seguir seu próprio conselho. Já se surpreendera a ponto de largar todos os outros casos que defendia nas
mãos do sócio que arrumara e deixar o país até que o caso Marsden fosse resolvido.
Uma hora depois, já no elevador que o levava a seu escritório, os pensamentos ainda eram os mesmos: Tessa, Tessa, Tessa...
Assim que abriu a porta, Burt cumprimentou-o, alegre:
- Chefe, que bom que chegou!
Alex estranhou a presença do rapaz.
- O que houve? Eu lhe disse que podia sair mais cedo hoje.
Nesse momento, o assistente de Alex apareceu à porta da pequena cozinha, balançando um envelope no ar.
Seu sorriso era de pura satisfação ao dizer:
- Isto acabou de chegar do gabinete do juiz Larkin.
Alex engoliu em seco e pegou o envelope, afoito.

Tessa ficou olhando por trás das cortinas, vendo o carro de Grant se afastar. Ele levava o menino para mais um fim de semana. Era sempre difícil para Tessa ver o
filho partir, e nesse momento tudo parecia ainda pior, já que fora o último dia de aula para ambos.
Sabendo como seria difícil ficar sozinha aquela noite, ela tentara combinar um programa com algumas colegas de serviço; talvez uma ida a um cinema, ou um jantar,
mas desistira na última hora. Não estava disposta a se divertir, já que o filhinho estaria longe.
Quando o telefone tocou, ela atendeu, achando que poderia ser uma das amigas, numa última tentativa de convencê-la a sair. Para sua surpresa, porém, era Winn.
Ficou muito contente ao ouvir a voz jovial do irmão:
- Tessa, Rae me disse que este é o final de semana de Grant com o menino. Sabe, Amy está resfriada e eu tenho de ir até Spruce Lake para falar com o dono de uma
casa que projetei. Como Rae vai ficar com a menina e eu não quero ir sozinho, achei que talvez quisesse me fazer companhia. O que acha?
- Spruce Lake? Acho aquela região tão linda! - Tessa conhecia o local, cercado por pinheiros, numa zona residencial recém-criada.
- Isso significa que você vai comigo?
Ela riu.
- Pensei em sair com algumas colegas, mas acho que fiz bem em desistir a tempo. É muito melhor ir com você e ver sua última criação. A que horas virá me pegar?
- Estou saindo agora mesmo. Estarei aí em dez minutos.
- Ótimo! Obrigada por se lembrar de mim. Eu já lhe disse que você é o melhor irmão do mundo?
- Você diz sempre, mas nunca me canso de ouvir. Bem, fique pronta depressa. E use um agasalho, porque as noites lá são frias.
Assim que desligou, Tessa correu a seu quarto, escolhendo uma calça de brim e um suéter vermelho. Sempre gostara de visitar as casas que Winn projetava.
Antes de se casar, ele lhe prometera construir para ela uma linda casa à beira de um lago.

Meia hora depois, Tessa levava as mãos aos lábios, numa expressão de pura surpresa e encantamento, ao se aproximarem, pela estrada sinuosa, de uma belíssima casa
que tinha tudo a ver com os mais lindos sonhos que Tessa já tivera.
- Minha casa! - ela exclamou, sem perceber.
- Isso mesmo - Winn confirmou, num sorriso.
Ele jamais fora cruel com a irmã, mas não fazia idéia da dor que ela sentia no momento.
- Não gostou, Tessa? - Ele percebia que havia algo estranho no olhar marejado com que ela fixava a casa.
- É claro que gostei... - Sua voz era fraca, suave.
Não queria que o irmão notasse o que sentia. Afinal, ele parecia estar tão feliz!

- Vá em frente! - Winn instigou. - Dê uma olhada por dentro enquanto espero pelo proprietário. Você pode entrar por aquelas portas de vidro, que levam à sala.
Tessa assentiu. Desceu do carro devagar, vacilante, observando a beleza do sol que se punha por trás das montanhas, emoldurando em tons dourados a farta linha de
pinheiros que cercavam o lugar.
A casa tinha dois andares e seu estilo rústico lembrava as construções do Velho Oeste, embora fosse equipada com todos os acessórios modernos imagináveis para garantir
conforto e bem-estar. O talento de Winn estava em cada detalhe.
Tessa abriu as portas de vidro e entrou na enorme sala de estar, parando por instantes. Não podia acreditar no que estava vendo: Alex, de pé junto à lareira, com
um sorriso incrível nos lábios.
Tessa não pensou duas vezes antes de sair correndo em sua direção, para um abraço saudoso, apaixonado. Seus lábios se encontraram na sofreguidão da saudade misturada
à paixão, numa explosão incontrolável de emoções.
Ela não conseguia falar, nem mesmo pensar. Aquele momento parecia ser eterno na felicidade que lhe trazia.
Nenhum dos dois ouviu os passos, mas a voz alegre trouxe-os de volta à realidade:
- Seja bem-vindo à família, Alex!
Eles se separaram de imediato, voltando-se para Winn, que sorria.
- Acho que minha irmã esperou a vida inteira por você.
Tessa escondeu o rosto no peito de Alex, embaraçada. Como pudera se esquecer de que o irmão ficara lá fora?
Winn continuava, ainda rindo:
- É óbvio que se esqueceram de minha indispensável presença, mas acho que vocês merecem ter seus momentos de privacidade mais do que quaisquer outras pessoas. Vou
voltar para casa e contar as novidades a papai e mamãe.

Com um aceno, ele se foi. Assim que Winn saiu, Alex tomou o rosto de Tessa e murmurou:
- Seu irmão sabe o que sinto por você. E, exatamente às cinco e trinta desta tarde, fiquei sabendo que já é uma mulher livre, que ganhou a guarda total e permanente
de seu filho. E estou aqui para reclamar você, Tessa Jenner. Se você me quiser. - A voz dele se embargava de emoção. - Eu te amo, Tessa. Desde o primeiro dia em
que a vi.
- Também amo você, meu querido. E soube que algo incrível mudaria minha vida assim que você tocou minha mão na primeira vez em que fui a seu escritório. Disse-me
que eu não perderia meu filho, lembra? Acho que amo você desde aquele momento.
- Tessa...
- É verdade! - ela o interrompeu com carinho. - Estes últimos nove meses têm sido um inferno para mim porque não podia vê-lo, não podia dizer-lhe o que eu estava
sentindo. Agora que essa tortura terminou, que estou aqui, entre seus braços, e sei que você também me ama, não quero mais nada da vida.
- Mas eu quero.
Ela o olhou, sem entender. Alex prosseguiu, sorrindo:
- Quero que se case comigo ainda hoje, embora eu saiba que isso é impossível.
- Impossível por quê?
- Porque Scotty vai precisar de um tempo para se acostumar comigo, com... nossa nova situação.
Tessa entreabriu os lábios, num sorriso maravilhoso.
- E se eu lhe disser que Scotty já sabe que amo você? É o nosso pequeno segredo, meu e dele. Ele me disse que você seria um "padrasto legal".
Alex apertou-a mais, feliz.
- Conheço um juiz que nos casaria a qualquer momento.
- E nós poderíamos voar para o Havaí logo depois?
- Se quiser...
- Não. Agora sou eu quem está pedindo o impossível. Não quero que se afaste de seus compromissos por minha causa.
- Pois saiba que, durante o tempo em que estivemos separados, eu arrumei um sócio.
- Mas isso é ótimo! Você precisava mesmo de alguém com quem dividir tantos afazeres, pois tem trabalhado demais.
- Eu fiz isso pensando em nós dois, Tessa. Vamos ser uma família daqui para a frente e transformaremos esta casa num lar. Quero estar sempre presente quando precisar
de mim. Já passamos tempo demais afastados um do outro.
- Concordo plenamente. - Tessa passou os braços ao redor do pescoço dele, murmurando, junto a seus lábios: - Não vejo a hora de começar nossa vida juntos.
- Vamos levar Scotty conosco para o Havaí. O que acha?
- Adoro você por dizer isso, mas creio que vou querer meu marido só para mim. Sei que Grant vai gostar de ficar um pouco mais com Scotty. Ele me parece bem mais
feliz agora, sabe? Depois, no domingo à noite, quando meu filho voltar para casa, poderemos contar-lhe a novidade; nós dois. Ele gosta muito de você, Alex. E vai
amá-lo, mais cedo do que imaginamos. Será um tipo de amor diferente do que ele tem pelo pai, mas será amor,
com certeza.
- Tessa, querida - Alex sussurrou, enfiando o rosto por seus cabelos -, eu gostaria tanto que meus avós a tivessem conhecido! Foram eles que me criaram e acho que
adorariam ver a mulher que escolhi para mãe dos meus filhos.
- Bem, os meus pais adoram você. Minha família toda, na verdade, o adora.
- E você? - Alex sorria, querendo ouvir, mais uma vez, a verdade que estava estampada nos olhos dela.
- Eu? Eu amo tudo em você: sua voz, seus olhos, sua boca, sua integridade, seu sorriso, sua coragem, seu caráter. Tudo. E cada vez mais.
Alex contemplava-a, encantado. Buscou-lhe mais uma vez os lábios, para outro beijo ardente. Depois, ainda muito próxima, Tessa murmurou:
- Mal posso esperar para rever Paul Wong e agradecer-lhe por tudo o que fez. Não fosse por ele, eu jamais teria conhecido você. E nem quero pensar no que teria
acontecido se Roger Thorn não tivesse nos recomendado seus serviços. Ou, pior ainda, se você não tivesse aceito o meu caso...
- Então, não pense, meu amor. Já enfrentamos todos os obstáculos e agora é nossa vez de viver e amar.

*******Fim***********

REBECCA WINTERS é uma autora consagrada, tendo ganho os prêmios National
Reader's Choice e Romantic Times Revieweis Choise. Seus livros apareceram na lista dos mais vendidos em 1995 e Rebecca foi nomeada Autora do Ano do Estado de Utah.
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