quarta-feira, 28 de julho de 2010 By: Fred

[livros-loureiro] A enviar correio electrónico: A Alquimia homeopática - S.N.txt, A ALQUIMIA CHINESA - M. ELIADE.txt, A alquimia dos corpos - A. F. Cascais.htm


A alquimia homeopática


[] A Homeopatia é um sistema terapêutico baseado na máxima latina:
similia similibus curantur - ou seja; "semelhantes curam-se com
semelhantes". Introduzido pelo médico alemão Samuel Christian Friedrich
Hahnemann (1775-1843), utilizou muitas informações de médicos antigos,
inclusive de Hipócrates e Paracelso.

Quando o Dr. Samuel Christian começou a diluir em água e álcool
determinados elementos dos reinos animal, vegetal e mineral e a
prescrever como remédio, desejava encontrar uma solução para os efeitos
colaterais provocados por algumas fórmulas químicas. Por
causa desta singularidade, a alquimia homeopática assume um caráter
extremamente importante: ela se torna capaz de restabelecer o equilíbrio
do organismo como um todo, em vez de intervir apenas nos processos da
doença.

O princípio fundamental da Homeopatia consiste no emprego de agentes
específicos capazes de promover nos organismos sadios sintomas análogos
aos da enfermidade que se deseja curar. Hoje, reconhecida pelo Conselho
Federal de Medicina e pela Associação Médica Brasileira, comporta-se
diferentemente de outras especialidades da medicina.

O que significa a lei da semelhança? É a capacidade que uma substância
tem de curar num organismo doente os mesmos sintomas que ela provoca num
organismo são. Tomemos um exemplo de um remédio chamado Apis Melífica,
que nada mais é do que uma abelha inteira macerada e dinamizada pela
ligação água e álcool. Se a picada da abelha tem a capacidade de
provocar uma reação tão tóxica ao organismo, da mesma forma, ela pode
servir como uma espécie de antídoto para patologias semelhantes. O mesmo
se dá para o Arsenicum Nalbum, cuja substância básica é um veneno do
reino mineral. Preparado pela Homeopatia, ela é extremamente útil nos
processos gástricos, desequilíbrios de temperatura, distúrbios psíquicos
e temores.

Cada pessoa é considerada pelo homeopata, um universo particular, a
busca do similimum; por isso, a prescrição deriva de uma longa
observação e experimentação. Consagrada e procurada por muitas pessoas,
representa a medicina da Nova Era. Infelizmente, ainda existem aqueles
que não vêem seus benefícios. Se você teve oportunidade de tomar um
remédio homeopata e não sentiu melhoras, na verdade, o erro deve recair
na prescrição inadequada, fundamental em qualquer circunstância.

Para concluir, o Instituto Americano de Homeopatia deu a seguinte
resolução sobre os terapeutas que utilizam-se da Homeopatia: "O médico
homeopata é aquele que reúne aos seus conhecimentos médicos uma pesquisa
especial sobre terapêutica homeopata. Tudo o que diz respeito ao grande
campo da ciência médica lhe pertence por tradição, por herança e por
direito". Acredita-se que sua popularização através de
livros e revistas especializadas, facilite o entendimento do leigo e
aumente o interesse pela Homeopatia.

Monica Buonfiglio
"Lembre-se: agradeça tudo que você tem, pois só assim vc terá tudo que
você quer"


Angela Aparecida Gimenes
Cristaloterapeuta
Reikiana/3A
tel: 24-99-76-43-38
Miguel Pereira Estado do Rio de Janeiro

E-mail: angelagimenes@mplink.com.br

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A ALQUIMIA DOS CORPOS
A. FERNANDO CASCAIS


A ideia de uma alquimia dos corpos, que hoje começa a ser sugerida a propósito das sempre crescentes capacidades de manipulação das tecnociências biomédicas (Rifkin, 1998), nada tem de metáfora casual ou fortuita. Com efeito, não só a tradição alquímica privilegiou a manipulação dos corpos com as escassas possibilidades que então lhe conferia a técnica pré-moderna, como foi a memória viva dessa ambição transformadora que enformou o imaginário que conduz boa parte das explorações da biotecnologia contemporânea.

O legado da alquimia às ciências actuais encontra-se bem estabelecido desde há muito. Serge Hutin (Hutin, s/d) e Mircea Eliade (Eliade, 2000) adiantaram, na sua época, o que de essencial havia no contributo, para a moderna ciência da natureza, das efectivas práticas alquímicas, mais do que do pensamento hermético que as instruía. Abundam exemplos de técnicas e instrumentos de laboratório, medicamentos de base mineral, que os alquimistas legaram aos futuros físicos, químicos e médicos.

O sempre citado caso de Newton, tratado por inúmeros outros autores, ilustra de maneira irretorquível as continuidades que, paralelamente às rupturas, também moldaram a revolução científica moderna, ao contrário do que pretendem as narrativas que desavisada ou candidamente sublinham os hiatos e as descontinuidades radicais entre a ciência antiga, distorcida pela superstição e o empirismo ingénuo, e a ciência moderna, finalmente transfundida pela razão.

O que explica o aparente paradoxo de Newton, um dos fundadores da moderna ciência da natureza, persistir em se entregar a experiências alquímicas, de que deixou relatos minuciosos nunca publicados e redescobertos já só no século XX, é algo que a historiografia clássica da ciência sempre teve dificuldade em entender. Na verdade, Newton partilhava a ideia, comum entre os cientistas modernos, de que a nova ciência laboratorial tinha por missão aprofundar e alargar em novas condições técnicas e teóricas as antigas receitas alquímicas. Ou seja, a nova ciência tinha sobre a alquimia uma pretensão de eficácia, perseguindo o mito de uma verdadeira alquimia com a ambição de ter êxito onde a sua antecessora falhara. O que a ciência matemática da natureza traz para a oficina alquímica é, com o método e o aparato experimental, a teoria que passa doravante a conduzir a experimentação onde antes reinava a filosofia hermética. De resto, as concepções alquímicas não se podem reduzir a meros obstáculos epistemológicos à irrupção da nova ciência. Uma vez mais, Newton fornece o grande exemplo, se bem que também aqui se possa alinhar a leitura neoplatónica que Galileu faz da sua ciência, a qual não é apenas o recurso possível à única autoridade reconhecida susceptível de ser aduzida em favor da nova ciência contra a autoridade aristotélica da ciência medieval, mas antes se insere na revivescência do pensamento platónico na Renascença, o qual irá também pervadir a alquimia renascenista.

Com efeito, os alquimistas são os únicos a manter acesa a chama da experiência de laboratório, ainda que, é certo, ela não seja experimentação matematicamente conduzida, contra a ciência académica baseada na autoridade livresca. Mas será precisamente a afinidade entre a filosofia hermética, enquanto conhecimento iniciático da estrutura oculta do universo, e o conhecimento matemático, enquanto mathesis universalis, conhecimento do livro da natureza escrito em caracteres matemáticos e contraditório com as evidências empíricas, que permitirá a Galileu, primeiro, e a Newton, depois, conceber um deus ex machina, grande engenheiro universal, e o conhecimento científico como revelação de um conhecimento oculto, a teologia da revelação primordial oculta que um Newton nunca rejeitou. O estatuto epistemológico que ambos Galileu e Newton reservam para o conhecimento matemático, plasmado pelo neoplatonismo renascentista que também pervadia a alquimia da época, reconcilia assim a nova ciência da natureza com a teologia. Mas a interpenetração da alquimia e da ciência experimental da natureza irá ainda mais longe.

A dimensão emancipadora e utópica da ciência moderna irá beber na anterior vocação da alquimia de renovatio universal que passava pela mudança de todas as instituições religiosas, sociais e culturais cujo primeiro e indispensável passo era, precisamente, o da reforma da própria ciência em que homens como Newton se encontravam já empenhados. Já os alquimistas entendiam a criação divina do universo como um gigantesco processo químico que os fenómenos terrestres e celestes, incluindo os fenómenos do microcosmos do corpo humano, mais não faziam que reproduzir nas proporções que são as suas.

Nesta conformidade, o opus alchimicum é encarado como a continuação do projecto divino, outorgando ao homem criador a faculdade de regenerar e aperfeiçoar a obra do supremo demiurgo. A ciência moderna herda directamente da alquimia esta incumbência de prosseguir por meios humanos a obra divina, isto é, o controle dos fenómenos naturais, incluindo os relativos à conservação da saúde humana, até à promessa da eterna juventude e mesmo da imortalidade. A teologia optimista de Teilhard de Chardin constituiria a derradeira florescência deste pensamento, mas de que faz inegável eco a versão, plenamente laicizada, que dele dá a narrativa positivista de um progresso científico cumulativo, linear e indefinido e cuja máxima expressão é a religião da humanidade comteana. Aliás, o ideal de uma missão de cultivo de um saber oculto aos não iniciados e de magistério de influência sobre as instituições e as pessoas, reservada a uma elite de eleitos, herdá-la-á da alquimia mística a tradição maçónica. Só com a tecnociência moderna se secularizou a manipulação da natureza, doravante destituída de valor intrínseco, matéria prima ao serviço dos fins humanos em lugar de cosmos ordenado e limite normativo do labor humano, o qual, por sua vez, se vê privado do seu antigo carácter litúrgico e religioso.

A vocação utópica da ciência moderna bebe pois na fonte alquímica, facto que começa por lhe conferir um carácter religioso, para, posteriormente, já numa fase de secularização adiantada, habilitar a ciência a apropriar à sua conta a dimensão de controle social que dantes era privilégio da religião. Neste sentido, será o próprio sucesso da revolução científica moderna a erodir o ideal que inicialmente o tinha orientado em mentes como a de Newton e que as narrativas da historiografia da ciência moderna longamente prevalecentes denegaram como a pudenda origo sobre a qual haveria que lançar um manto de discreção e reserva.

Autores mais recentes, como Pierre Laszlo (Laszlo, 1996) e Philippe Breton (Breton, 1997), esmiuçaram ainda os modos pelos quais o contributo também passou pela conceptualização - conceitos, terminologia e simbologia - e, no caso de Breton, especialmente pelo imaginário que inspira a prossecução das biotecnologias aplicadas ao humano, sobretudo nos domínios da genética e da vida artificial. Efectivamente, os mais recentes desenvolvimentos das tecnociências da vida vieram lançar uma luz inédita sobre os arquétipos que, a partir de estratos arcaicos, continuam a enformar o nosso imaginário da manipulação do vivo.

O que já se sabia para a química, que as práticas alquímicas estão em linha recta na linhagem que leva à emergência da ciência química, descobre-se agora, e reforçadamente, a respeito das biotecnologias: que, desta vez muitíssimo mais que as práticas alquímicas de outrora, são as concepções arquetípicas que as instruíam que hoje reencontramos a moldar e a conduzir a engenharia genética. Em palavras mais simples: o que o nosso mundo tecnocientífico se propõe fazer com o vivo em geral e os corpos humanos em particular exibe inegáveis afinidades, ao nível do imaginário que lhe molda os interesses cognitivos, com os sonhos alquímicos de uma Medicina universal.

A Medicina universal era, juntamente com a ars magna, ou grande obra, um dos aspectos em que se desdobrava a alquimia prática, a qual, por sua vez, mais não era que a aplicação da alquimia teórica, expressa na filosofia hermética. A alquimia prática incluía a procura da pedra filosofal, que tinha o poder de transmutar os metais vis em metais nobres, ouro e prata, sendo esta a ars magna; por sua vez, da liquefacção da pedra filosofal resultavam a panaceia universal, que permitia a reconstituição da saúde e a regeneração do corpo, e o elixir da longa vida, que possibilitava prolongamento da vida e a conservação de um estado de eterna juventude, a tanto correspondendo a Medicina universal.

O Renascimento irá acrescentar outros poderes àqueles que na alquimia medieval se atribuíam à pedra filosofal e, sobretudo, dois temas: o do Alkaest, um solvente universal capaz de dissolver todos os corpos, e o homúnculo, um ser humano artificial, cujo grande divulgador será Paracelso, na sua obra De natura rerum. Por seu lado, o tema de uma criatura humana artificial teve também a sua contrapartida na tradição alquímica judaica, com o golem. São estes que nos interessam aqui essencialmente.

Uma interpretação mística dos processos de depuração alquímica conducentes à obtenção da pedra filosofal pretende que estes mais não fazem que alegorizar as sucessivas purificações do ser humano na demanda do conhecimento total. A pedra filosofal aludiria assim, em última instância, ao processo de transformação do próprio homem rumo à perfeição, a iniciação que faz renascer e ressurgir espiritualmente, tal como os organismos vivos renascem da matéria putrefacta, e de que a grande epítome é a Fénix renascida das suas próprias cinzas. O iniciado apresenta-se deste modo como aquele que superou a sua condição humana de origem como obra maior da transmutação alquímica. Enquanto que a obra física se exerce exclusivamente sobre a matéria, na obra mística é o ser espiritual que há que transformar, consumando-se deste modo o poder ilimitado do espírito sobre a matéria. O modelo aqui presente é o do deus que morre e ressuscita, garantindo com isso a regeneração da humanidade e do mundo, mito já presente nos mistérios egípcios de Osíris e Ísis, que se encontra posteriormente nos mistérios órficos e no culto de Mitra, mas que os alquimistas não hesitarão em reconhecer no Cristo salvador. Por formular uma alternativa à doutrina oficial, esta interpretação coloca a alquimia em posição de suspeita e conflito com a Igreja, tanto mais que o iniciado tem a presunção de aceder a um corpo glorioso análogo ao de Adão antes da queda e que o comum dos pecadores só possuirá se lhe forem perdoados os pecados no Juízo Final.

Ora foi por intermédio da sua repercussão nas narrativas sobre o homem artificial que o imaginário alquímico se insinuou nos interesses cognitivos que hoje conduzem as tecnociências do vivo, aplicadas quer ao homem, quer aos demais seres vivos. A genealogia da criatura artificial foi bem traçada por Philippe Breton (Breton, 1997), que sustenta a continuidade das narrativas no facto de as mais recentes citarem as que as precedem para lhes apontar as deficiências técnicas e aapresentarem soluções que visam ultrapassá-las. De acordo com Breton, a modernidade será assim sucessivamente assumida pela magia, pela mecânica, pela automação, pela informática e pela biologia.

Na genealogia dos actuais ciborgs e andróides da ficção científica encontrar-se-iam antepassados tão ilustres como as estátuas animadas da antiguidade, desde o Egipto à Galateia grega, o golem rabínico da Praga do século XVII com uma longa lista de sucessores até ao século XX, o monstro de Frankenstein de Mary Shelley, a Olímpia de Ernst Hoffman e a Eva futura de Villiers de l'Isle-Adam, os robots de Karel Capek, de Fritz Lang que, em Metrópolis abre toda uma linhagem cinematográfica, de Isaac Asimov e Philip Dick, passando pela multidão de autómatos que têm no século XVIII a sua época de ouro. Foram as artes, e em particular a literatura e o cinema, que constituíram o veículo, por excelência, de transmissão do arquétipo alquímico da criatura artificial para as actuais tecnociências, as quais a reconfiguram no ser vivo – vegetal, animal, humano – de design.

A criação de seres de design, quer como inteligência artificial, quer como vida artificial, obedece ao pressuposto que uma e outra são entidades independentes dos respectivos suportes materiais. Assim pensava Langton, o teorizador da vida artificial (Boden, 1996) e assim pensavam Wiener, Turing e Von Neumann (Breton, 1997). A inteligência artificial assenta no pressuposto de uma indiferenciação entre carne e máquina, natural e artificial, os quais podem ser os suportes sucessivos e intercambiáveis daquilo que há de essencial e comum em todos os seres do universo a um mesmo nível de complexidade ou de evolução, o comportamento informacional. A reprodutibilidade dele torna-se assim possível em outras tantas réplicas biológicas ou maquínicas. A construção de um cérebro artificial encontra-se daquilo que é essa réplica por excelência: o computador. E a indiferenciação originária que ele não faz senão reproduzir é a indiferenciação do ser humano edénico antes da separação entre Adão e Eva e de todas as diferenças e rupturas que a partir daí opuseram entre si os indivíduos da única humanidade que realmente existe. Deste modo, a indiferenciação contemporânea do computador é uma indiferenciação de ordem genesíaca que refaz uma unidade e uma ordem originárias e que, ao proceder assim, repete o arquétipo alquímico da simpatia universal entre os elementos.

E é o mesmo arquétipo que encontramos nos projectos da engenharia genética, de construção de seres transgénicos, já em curso para fins industriais ou biomédicos, ou de quimeras biológicas, para fins por enquanto exclusivamente cognitivos. Também não são alheios a esse arquétipo o mapeamento e a sequenciação integrais do genoma humano, que visam possibilitar um conhecimento manipulativo que assenta na redução do vivo ao informacional do código genético. Identicamente, a vida artificial, tal como se exprime na prossecução da clonagem, e a vida humana artificial, tal como a almeja a clonagem humana pressupõem aquilo que Lewontin chamou o determinismo genético (Lewontin, 1998; Lewontin, 2000; Lewontin, Rose e Kamin, 1987) e que reduz o que há de essencial humano ao dado replicável. O clone humano transgénico, que pretensamente deveria repetir as características desejáveis do humano, aperfeiçoando-as para lá do que alguma vez poderia prometer a condição biológica humana (Rieusset-Lemarié, 1999), mais não é que a consumação do projecto demiúrgico de uma engenharia de melhoramento mediante a qual a tecnociência moderna faz seu o sonho alquímico da transmutação superadora da condição humana.

A informação, contida no ADN ou numa base de dados informáticos, surge assim como a nova pedra filosofal, a engenharia genética como o novo elixir da longa vida e o clone transgénico como o novo homúnculo ou o novo golem.

Referências Bibliográficas

Boden, Margaret, ed. et al. (1996), The Philosophy of Artificial Life. Oxford: Oxford University Press

Breton, Philippe (1997), À imagem do homem. Do Golem às criaturas virtuais, Lisboa, Intituto Piaget

Eliade, Mircea (2000), O mito da alquimia. Lisboa: Fim de Século

Hutin, Serge (s/d), A alquimia. Lisboa : Livros do Brasil

Laszlo, Pierre (1996), Qu'est-ce que l'alchimie? Paris : Hachette

Lewontin, Richard C. (2000), It Ain't Necessarily So. The Dream of the Human Genome and Other Illusions. New York: New York Review of Books

Lewontin, Richard C. (1998), Biologia como ideologia. A doutrina do ADN. Lisboa: Relógio d'Água

Lewontin, Richard C. ; Rose, Steven e Kamin, Leon J. (1987), Genética e política. Mem Martins: Publicações Europa-América

Rieusset-Lemarié, Isabelle (1999), La société des clones à l'ère de la reproduction multimédia. Arles: Actes Sud

Rifkin, Jeremy (1998), Le siècle biotech. Paris. Éditions La Découverte

 

 

A ALQUIMIA CHINESAProjeto Orientalismo apresenta


ALQUIMIA CHINESA


M. ELIADE

Rio de Janeiro, 2002.



A ALQUIMIA CHINESA
De certa forma, poder-se-ia dizer que, na China, não houve solução de
continuidade entre a mística metalúrgica e a alquimia. Marcel Granet já havia
feito a observação de que o taoísmo "tem suas origens nas confrarias de
ferreiros, detentoras da mais prestigiosa das artes mágicas e do segredo das
primeiras forças".[1] Ora, é nos meios taoístas e neotaoístas que se difundem as
técnicas alquímicas. Como se sabe, aquilo a que se dá o nome de "taoísmo"
acolheu e revalorizou um grande número de tradições espirituais de idade
imemorial. Recorrendo apenas a um exemplo, certos métodos arcaicos que visavam a
reintegrar a espontaneidade e a beatitude da "Vida animal" foram adotados e
cuidadosamente conservados pelos mestres taoístas; e, como tais práticas derivam
em linha reta de um protoxamanismo dos povos caçadores, isso vem demonstrar a
sua enorme Antigüidade (ver o nosso Le Chamanisme, pp. 402 s.).
É claro que não devemos confundir continuidade com identidade. A "situação" do
alquimista chinês não podia ser a do ferreiro nem a dos místicos arcaicos.
"Entre os taoístas, cujo forno alquímico é herdeiro da antiga forja, a
Imortalidade já não resulta (pelo menos depois da segunda dinastia Han) da
fundição de um utensílio mágico (que exigiria um sacrifício à forja), mas está
assegurada àquele que soube produzir o 'divino cinábrio'. Desde esse momento,
passou a haver uma nova forma de se divinizar: bastava alguém absorver o ouro
potável ou o cinábrio para se tomar semelhante aos deuses".[2] O alquimista,
sobretudo na época do neotaoísmo, empenhava-se em encontrar uma "sabedoria
antiga", superada, adulterada ou mutilada pela própria transformação da
sociedade chinesa. O alquimista era, ao mesmo tempo, um artesão e um letrado. Os
seus predecessores - caçadores, oleiros, ferreiros, dançarinos, agricultores,
místicos - viviam no centro de tradições que eram transmitidas oralmente,
mediante iniciações e "segredos de ofício". A princípio, o taoísmo voltou-se com
simpatia, ou até com fervor, para os representantes dessas tradições; esse fato
ficou conhecido como o entusiasmo dos taoístas pelas "superstições populares":
técnicas dietéticas, gímnicas, coreográficas, respiratórias, práticas extáticas,
mágicas, xamânicas, espíritas etc. Tudo leva a pensar que, ao nível "popular"
onde eram procuradas, algumas práticas tradicionais já haviam sofrido numerosas
alterações: basta lembrarmos as variedades aberrantes de certas técnicas
xamânicas do êxtase (cf. Le Chamanisme, pp. 398 s.). Os taoístas pressentiam,
porém, sob a crosta de tais "superstições", fragmentos autênticos da "sabedoria
antiga" e dedicavam-se a recolhê-las, terminando por incorpora-Ias à sua crença.

É nessa zona difícil de circunscrever, onde subsistiam tradições de inegável
Antigüidade - pois derivavam de situações espirituais superadas: êxtases e
sabedorias ligadas à magia da caça, à invenção da cerâmica, à agricultura ou à
metalurgia etc. -, nessa zona onde ainda se mantinham as intuições e
comportamentos arcaicos, refratários às vicissitudes da história cultural, é
nessa zona que os taoístas gostavam de recolher receitas, segredos, instruções.
Desse modo, pode-se dizer que os alquimistas taoístas, não obstante inevitáveis
inovações, retomavam e prolongavam uma tradição proto-histórica. Suas idéias
sobre a longevidade e a imortalidade pertencem ao mundo das mitologias e dos
folclores de âmbito quase universal. As noções de "erva da imortalidade", de
substâncias animais ou vegetais carregadas de "vitalidade", e que trazem em si o
elixir da juventude, bem como os mitos sobre as regiões inacessíveis habitadas
por Imortais, fazem parte de uma ideologia arcaica que ultrapassa os confins da
China. Não nos convém examiná-los neste ponto. (Ver alguns exemplos na Nota K.)
Contentar-nos-emos em assinalar em que sentido certas intuições encontradas em
estado elementar nas mitologias e ritos dos fundidores e ferreiros foram
retomadas e interpretadas pelos alquimistas. Será sobretudo instrutivo! destacar
o desenvolvimento ulterior de algumas idéias fundamentais relativas ao
crescimento dos minerais, à transformação natural dos metais em ouro, ao valor
místico do ouro. Quanto ao complexo ritual "ferreiros – confrarias –
iniciatórias - segredos de ofício", alguma coisa da sua estrutura se transmitiu
ao alquimista chinês, e aliás não somente a ele: a iniciação feita por um mestre
e a comunicação iniciatória de segredos continuaram por muito tempo a constituir
uma norma de ensino alquímico.
Os especialistas não chegaram a um acordo sobre as origens da alquimia chinesa.
Ainda se discutem as datas dos primeiros textos que mencionam operações
alquímicas. Segundo H. Dubs, o primeiro documento dataria de 144 a.C.: nesse
ano, um edito imperial ameaçava de execução pública todos aqueles que fossem
surpreendidos em flagrante delito de falsificar ouro.[3] Mas, como bem
demonstrou Joseph Needham[4], a falsificação do ouro não constitui propriamente
um "método" alquímico. Tanto na China como em outros lugares, a alquimia é
definida por meio de uma dupla crença: 1) na transmutação dos metais em ouro e
2) no valor "soteriológico" das operações realizadas com o objetivo de chegar a
esse resultado. As referências precisas a essas duas crenças são atestadas na
China desde o século IV a.C. Existe um consenso em considerar Tsu Yen, um
contemporâneo de Mêncio, como o "fundador" da alquimia (cf. Dubs, p. 77; J.
Needham, p. 12). No século II a.C., a relação entre o preparo do ouro alquímico
e a obtenção da longevidade-imortalidade acha-se claramente reconhecida por Liu
An e por outros autores (Needham, p. 13).
A alquimia chinesa constituiu-se como disciplina autônoma quando passou a
utilizar: 1) os princípios cosmológicos tradicionais; 2) os mitos relacionados
com o elixir da imortalidade e com os Santos Imortais; 3) as técnicas que
procuravam alcançar ao mesmo tempo o prolongamento da vida, a beatitude e a
espontaneidade espiritual. Esses três elementos - princípios, mitos e técnicas -
pertenciam ao legado cultural da proto-história e seria um erro acreditar que a
data dos primeiros documentos que os atestam nos informe também a sua idade. É
evidente a solidariedade entre a "preparação do ouro", a obtenção da "droga da
imortalidade" e a "evocação" dos Imortais: Luan Tai apresenta-se diante do
imperador Wu e assevera-lhe que pode realizar esses três milagres, mas só
consegue "materializar" os Imortais.[5] O mágico Li Chao-kiun recomenda ao
imperador Wu Ti da dinastia Han: "Sacrificai ao fomo (tsao) e podereis provocar
o aparecimento de seres (sobrenaturais); quando tiverdes feito aparecer os seres
(sobrenaturais), o pó de cinábrio poderá ser transformado em ouro amarelo;
quando o ouro amarelo tiver sido produzido, podereis fazer com ele utensílios
para beber e comer e então tereis uma longevidade prolongada. Quando a vossa
longevidade for prolongada, podereis ver os bem-aventurados (hsien) da ilha
P'ong-lai, situada no meio dos mares. Quando os tiverdes visto e houverdes feito
os sacrifícios fong e chan, já não morrereis" (Sse-ma-Ts'ien, vol. III, p. 465).
Outra personagem célebre, Liu Hsiang (79-8 a.C.) pretendia "fabricar ouro", mas
não obteve sucesso (textos em Dubs, p. 74). Alguns séculos mais tarde, Pao
P'u-tzu (pseudônimo de Ko Hung, 254-334), o mais famoso alquimista chinês, tenta
explicar o fracasso de Liu Hsiang, dizendo-nos que ele não possuía a "verdadeira
medicina" (a "Pedra Filosofal") e não estava espiritualmente preparado (porque o
alquimista devia jejuar durante cem dias, purificar-se com perfumes etc.). Além
disso, afirma Pao P'u-tzu, não se pode efetuar a transmutação num palácio: é
necessário viver na solidão, separado dos profanos. Os livros não são
suficientes; o que neles se encontra só serve para os principiantes, tudo o mais
permanecendo secreto e só se transmitindo por via oral, etc.[6]
A busca do elixir estava, portanto, ligada à procura das ilhas remotas e
misteriosas onde viviam os "Imortais": encontrar os Imortais era o mesmo que
ultrapassar a condição humana e participar de uma existência atemporal e
beatífica. A procura dos Imortais das ilhas remotas ocupou os primeiros
imperadores da dinastia Tsin (219 a.C.; Sse-ma-Ts'ien, Memórias, II, 143, 152;
III, 499; Dubs, p. 66).
A pesquisa do ouro implicava também uma investigação de essência espiritual. O
ouro tinha um caráter imperial: encontrava-se no "Centro" da Terra e tinha
relações místicas com o chüe (rosalgar ou sulfureto), o mercúrio amarelo e a
Vida futura (as "fontes amarelas"). É assim que ele é apresentado num texto de
122 a.C., Huai-nan-tzu, onde encontramos igualmente atestada a crença numa
metamorfose precipitada dos metais (fragmento traduzido para o inglês por Dubs,
pp. 71- 73). É possível que esse texto provenha da escola de Tsu Yen, ou até do
próprio Mestre (ibid., p. 74). Como vimos anteriormente (pp. 41-42), a crença na
metamorfose natural dos metais era comum na China. O alquimista nada mais faz do
que acelerar o crescimento dos metais: à semelhança do seu colega ocidental, o
alquimista chinês auxilia a obra da Natureza precipitando o ritmo do Tempo. Mas
não nos devemos esquecer de que a transmutação dos metais em ouro também
apresenta um aspecto "espiritual"; uma vez que o ouro é o metal "perfeito",
"livre" de impurezas - a operação alquímica procura implicitamente alcançar a
"perfeição" da Natureza, isto é, em última instância, a sua absolvição e
liberdade. A gestação dos metais no seio da Terra obedece aos mesmos ritmos
temporais que "ligam" o homem à sua condição carnal e decaída: apressar o
crescimento dos metais por meio da obra alquímica equivale a absolvê-los da lei
do Tempo.
O ouro e o jade, por participarem do princípio cosmológico yang, preservam os
corpos da corrupção. "Se introduzirmos ouro e jade nos nove orifícios do
cadáver, ele será preservado contra a putrefação", escreve o alquimista Ko Hung.
E T'ao Hung-Ching (século V) nos dá os seguintes esclarecimentos: "Se, ao se
abrir um antigo túmulo, o cadáver parece estar vivo dentro dele, sabei que
existe dentro e fora do corpo uma grande quantidade de ouro e jade. Segundo as
regras da dinastia Han, os príncipes e os senhores eram enterrados com suas
vestes ornadas de pérolas e estojos de jade destinados a preservar o corpo da
decomposição".[7] Pela mesma razão, os recipientes de duro alquímico possuem uma
virtude específica: prolongam ilimitadamente a vida. Ho Kung escreveu: "Se com
esse ouro alquímico fazeis pratos e baixela, e se comeis e bebeis nessa baixela,
vida longa terás".[8] O mesmo autor é mais explícito em outra ocasião: "O homem
verdadeiro faz ouro porque deseja, ao se servir dele como remédio (isto é, ao
assimilá-lo como alimento), tornar-se imortal".[9] Mas, para ser eficaz, o ouro
tinha que ser "preparado", "fabricado". O ouro produzido pelos processos da
sublimação e da transmutação alquímicas possuía uma vitalidade superior,
mediante a qual se podia obter a imortalidade.
Se até a erva chü-sheng pode prolongar a vida,
Por que não tentas pôr o Elixir em tua boca?
O ouro, por sua natureza, não causa dano;
Por isso, ele é o mais precioso de todos os objetos.
Quando o artista (o alquimista) o inclui em sua dieta,
Torna-se eterna a duração da sua vida...
Quando o pó dourado penetra nas cinco entranhas,
A névoa é dissipada como as nuvens de chuva pelo vento....
As cãs transformam-se em cabelos pretos;
Os dentes caídos são recolocados em seus lugares.
O velho amolecido volta a ser um jovem cheio de desejos;
A anciã em ruínas torna-se de novo jovem.
Aquele cuja forma mudou e que escapou aos perigos da vida
Tem por título o nome de Homem Real.[10]
Segundo uma tradição conservada em Lie Hsien Ch'üan chuan ("As Biografias
Completas dos Imortais"), Wei Po-yang, autor desse elogio do Elixir, conseguira
preparar as "pílulas da imortalidade": tendo engolido, com um dos seus
discípulos e com o seu cão, uma dessas pílulas, deixaram a Terra em carne e osso
e foram juntar-se aos outros Imortais (cf. Lionel Giles, Chinese Immortals, pp.
67 s.).
A "imortalidade corporal", o fim supremo dos mestres taoístas, era habitualmente
obtida quando se absorviam os elixires preparados em laboratório (cf. Needham ,
V, 2, pp. 93 s.). Um especialista da "alquimia externa" (wai-tan), o grande
iatroquímico do século VII, Sun Ssu-mo, não punha em dúvida a eficácia dos
elixires, nem a possibilidade de fabricá-los com o auxílio de receitas
tradicionais. No Prefácio da sua obra Tan ching yao chueh ("Fórmulas essenciais
dos alquimistas clássicos"), escreveu Sun: "Li, um por um, os livros das épocas
antigas; todos concordam em que o aparecimento de asas no corpo do adepto e a
sua ascensão nos ares são efeito do Elixir. Ao ler essas coisas, sempre sentia
um ardente desejo em meu coração. Só lamentava que a Vida divina fosse tão
remota, e tão inacessível a trilha através das nuvens. Contemplava inutilmente o
céu, não sabendo como atingi-lo. Comecei então a pôr em prática as técnicas de
preparação dos elixires, pela transmutação cíclica e pela consolidação das
substâncias no fogo, assim como pelas fórmulas suscetíveis de preparar o jade
potável e o ouro líquido. Mas essas técnicas são obscuras e difíceis, abstrusas
e imprevisíveis. Como alguém desprovido de uma virtude oculta poderia
compreendê-las?" (Tradução inglesa de Sivin, Chinese Alchemy, pp. 146-148.)
Entretanto, mais adiante no Prefácio, Sun tranqüiliza o leitor: "Tentei
pessoalmente numerosas fórmulas alquímicas compiladas neste livro, e sempre com
os melhores resultados. Dei, além disso, todas as indicações necessárias. Se
forem seguidas corretamente o seu sucesso estará assegurado"(p. 150).
Até estes últimos anos, os cientistas europeus consideravam a "alquimia externa"
ou iatroquímica (wai-tan) como sendo "exotérica", e a "alquimia interna" ou da
ioga (nei-tan) como "esotérica". Se essa dicotomia é verdadeira na opinião de
certos autores tardios (cf. p. 94), na origem o wai-tan "era tão esotérico
quanto a sua réplica ioga" (Sivin, p. 15, nota 18). Efetivamente, como acabamos
de ver, Sun Ssu-mo, ilustre representante da "alquimia externa", situa-se por
inteiro na tradição esotérica taoísta.
O alquimista transforma em coisa sua a homologação tradicional entre o
microcosmo e o macrocosmo, tão familiar ao pensamento chinês. O quinteto
universal, wu-hsing (água, fogo, madeira, ouro, terra) é assimilado aos órgãos
do corpo humano: o coração à essência do fogo, o fígado à essência da madeira,
os pulmões à essência do metal, os rins à essência da água, o estômago à
essência da terra (textos em Johnson, p. 102). O microcosmo que é o corpo humano
acha-se por sua vez interpretado em termos alquímicos. "O fogo do coração é
vermelho como o cinábrio e a água dos rins é negra como o chumbo", escreve um
biógrafo do famoso alquimista Lii Teu (século VIII A.D.).[11] Homologado ao
macrocosmo, o homem possui, no seu próprio corpo, todos os elementos que
constituem o Cosmo e todas as forças vitais que asseguram a sua renovação
periódica. Trata-se apenas de reforçar certas essências. Daí a importância do
cinábrio, que se deve menos à sua cor vermelha (cor do sangue, princípio vital)
do que ao fato de que, exposto ao fogo, produz o mercúrio. Ele encerra,
portanto, o mistério da regeneração pela morte (pois a combustão simboliza a
morte). Disso resulta que ele pode assegurar a regeneração perpétua do corpo
humano, e, conseqüentemente, a imortalidade. Pao P'u-tzu escreve que, se
misturarmos três libras de cinábrio com uma libra de mel e pusermos tudo para
secar ao sol a fim de, em seguida, fazermos da mistura pílulas do tamanho de um
grão de cânhamo, dez dessas pílulas tomadas durante um ano restituirão a cor
negra aos cabelos brancos e farão com que os dentes caídos tornem a crescer. Se
continuarmos a ingeri-Ias por período superior a um ano, alcançaremos a
imortalidade (texto em Johnson, p. 63; cf. Ware, The Nei P'ien, pp. 74 s.).
A coletânea de biografias lendárias dos Imortais taoístas, Lie-sien Tchuan -
atribuída a Lieu Hiang (77-6 a.C.), mas certamente reescrita no primeiro século
de nossa era - é um dos mais antigos textos que mencionam o cinábrio como droga
de longevidade. "No tempo dos primeiros Han, os alquimistas serviam-se do
cinábrio para obter ouro (o qual já não se consumia, mas era ainda transformado
em baixeIa mágica: etapa intermediária). Contudo, desde os primeiros séculos da
nossa era, acreditava-se que a absorção do cinábrio podia avermelhar todo o
corpo." (Max Kaltenmark"Le Lie-sien Tchuan, pp. 18-19.) Segundo o Lie-sien
Tchuan, um governador "absorveu cinábrio durante três anos e veio a obter a neve
sutil do divino cinábrio. Depois de tê-lo consumido durante cinco anos, foi
capaz de deslocar-se voando" (KaItenmark, pp. 146-147). Tch'e-fu "sabia produzir
mercúrio e purificar: o cinábrio, que ele absorvia com salitre: depois de trinta
anos (desse regime), tomara-se semelhante a um adolescente, e os seus pêlos e
cabelos estavam completamente rubros" (ibid., p. 271).
Mas o cinábrio também pode ser criado no interior do corpo humano, através
sobretudo da destilação do esperma. "O taoísta, imitando os animais e os
vegetais, põe-se de cabeça para baixo, fazendo com que a essência do seu esperma
tome a subir para o cérebro".[12] Os tan-t'ien, os célebres "campos de
cinábrio", encontram-se nas partes mais secretas do cérebro e do ventre: é neles
que se prepara alquimicamente o embrião da imortalidade. Esses "campos de
cinábrio" são também chamados de K'uen-luen. O K'uen-luen é ao mesmo tempo uma
Montanha do mar do Ocidente, morada dos Imortais, e uma região secreta do
cérebro, que compreende um "aposento semelhante a uma gruta" (tong-fang, termo
que designa ainda o quarto nupcial) e o "nirvana" (ni-wan). "A fim de que nele
se possa penetrar pela meditação mística, entra-se num estado 'caótico' (chuen)
semelhante ao estado primordial, paradisíaco, "inconsciente do mundo incriado".
(R. Stein, op. cit., p. 54.)
Há, sobretudo, dois elementos que merecem a nossa atenção: 1) a homologação da
Montanha mítica K'uen-Luen às regiões secretas do cérebro e do ventre; 2) o
papel atribuído ao estado "caótico", que, uma vez realizado pela meditação,
permite o ingresso nas regiões secretas dos "campos de cinábrio", tomando assim
possível a preparação alquímica do embrião da imortalidade. A identificação da
Montanha mítica K'uen-luen com uma parte do corpo humano confirma o que já
sublinhamos diversas vezes: o alquimista taoísta assume e prolonga uma tradição
imemorial, que comporta receitas de longevidade e técnicas de fisiologia
mística. Efetivamente, a Montanha do mar do Ocidente, morada dos Imortais, é uma
imagem tradicional e muito antiga do "Mundo em ponto pequeno", de um Universo em
miniatura. A Montanha K 'uen-luen possui dois andares, formados por um cone reto
sobre o qual se ergue um cone invertido,[13] tal como o forno do alquimista. Mas
também a cabaça se compõe de duas esferas superpostas; ora, a cabaça representa
o Cosmo em miniatura e desempenha um papel considerável na ideologia e no
folclore taoístas. Nesse microcosmo em forma de cuia reside a fonte da Vida e da
Juventude. O tema do Universo em forma de cabaça é incontestavelmente
antigo.[14] É, portanto, significativo que um texto alquímico proclame: "Aquele
que cultiva o cinábrio (isto é, a pílula da imortalidade) toma por modelo o Céu
e representa a Terra. Procura-os voltando-se para si mesmo e descobre então que
existe no seu próprio corpo, de maneira espontânea, um Céu em forma de
Cuia".[15] Na verdade, quando o alquimista alcança o estado "caótico" de
inconsciência, ingressa "na morada mais secreta do ser, num espaço de uma
polegada de forma quadrada e redonda" (R. Stein, p. 59). Por outro lado, esse
espaço interior possui a forma de uma cuia.
Quanto ao estado "caótico" obtido pela meditação e indispensável à operação
alquímica, muitos são os motivos por que interessa à nossa investigação. O
primeiro deles é a semelhança entre esse estado "inconsciente" (comparável ao do
embrião ou do ovo) e a matéria prima, a massa confusa da alquimia ocidental, em
que vamos insistir mais adiante (pp. 118 s.). A matéria prima não deve ser
compreendida unicamente como uma situação primordial da substância, mas também
como uma experiência interior do alquimista. A redução da matéria à sua condição
primeira de absoluta indiferenciação corresponde, no plano da experiência
interior, à regressão ao estágio pré-natal, embrionário. O tema do
rejuvenescimento e da longevidade pelo regressus ad uterum constitui um
Leitmotiv do taoísmo. O método mais empregado é a "respiração embrionária"
(t'ai-si). Mas o alquimista alcança também essa volta ao estágio embrionário
através da fusão dos ingredientes no seu forno. Um texto do moderno taoísmo
sincretista exprime-se nestes termos: "Eis por que o (Buda) Ju-lai (=
Tathâgata), em sua grande misericórdia, revelou o método do trabalho (alquímico)
do Fogo e ensinou os homens a penetrar de novo no útero para refazerem a sua
natureza (verdadeira) e (a plenitude do) seu quinhão de vida" (citado por R.
Stein, p. 97).
Acrescentemos que essa "volta ao útero", exaltada tanto pelos autores taoístas
quanto pelos alquimistas ocidentais (pp. 119 s.) nada mais é do que o
desenvolvimento de uma concepção mais antiga e difundida, já atestada em níveis
arcaicos de cultura: a cura obtida através de um retomo simbólico às origens do
Mundo, ou seja, pela reatualização da cosmogonia.[16] Muitas terapias arcaicas
comportam uma reiteração ritual da Criação do Mundo, que permite ao doente
nascer de novo e assim recomeçar a existência com uma reserva intacta de forças
vitais. Os taoístas e os alquimistas chineses retomaram e aperfeiçoaram esse
método tradicional: em vez de reservá-lo para a cura de diversas doenças
particulares, aplicaram-no antes de tudo para curar o homem do desgaste
provocado pelo Tempo, vale dizer, da velhice e da morte.
A partir de determinada época, a alquimia externa (wai-tan) passa a ser
considerada "exotérica" e opõe-se à alquimia interna de tipo ioga (nei-tan),
que, só ela, é declarada "esotérica". A nei-tan toma-se esotérica porque o
elixir é preparado no próprio corpo do alquimista, por métodos de fisiologia
mística, e sem o auxl1io de substâncias vegetais ou minerais. Pêng Hsiao, que
viveu no fim do século IX e na primeira metade do século X, faz no seu
comentário sobre o tratado Ts 'an T'ung Ch 'i uma distinção clara entre a
alquimia exotérica, que se ocupa de substâncias concretas, e a alquimia
esotérica, que só utiliza as "almas" dessas substâncias (Waley, op. cit., p.
15). A distinção tinha sido feita muito tempo antes por Hui-ssu (515-577 A.D.).
A alquimia "esotérica" está claramente exposta no Tratado sobre o Dragão e o
Tigre, de Su Tung-P'o, escrito em 1110 A.D. Os metais "puros", transcendentais,
são identificados com as diversas partes do corpo, e os processos alquímicos, em
vez de serem realizados em laboratório, desenrolam-se no corpo e na consciência
do experimentador. Su Tung-P'o diz: "O dragão é o mercúrio. É sêmen e sangue.
Vem do rim e se conserva no fígado [...]. O tigre é o chumbo. e sopro e força
corporal. Sai do espírito e é conservado pelos pulmões [...]. Quando o espírito
morre, o sopro e a força agem ao mesmo tempo que ele. Quando os rins se enchem,
o sêmen e o sangue fluem simultaneamente com eles".[17]
A conversão da alquimia em técnica ascética e contemplativa alcança a sua
plenitude no século XIII, quando se desenvolvem as escolas zen. O principal
representante da alquimia taoísta-zen é Ko Ch'ang-Kêng, também conhecido como Po
Yü-chuan. Eis como ele define os três métodos da alquimia esotérica (Waley,
Notes, pp. 16 s.): no primeiro, o corpo executa o papel do elemento chumbo, e o
coração o do elemento mercúrio; a "meditação" (dhyâna) fornece o líquido
necessário (à operação alquímica), e as centelhas da inteligência, o fogo
necessário. Ko Ch'ang-Kêng acrescenta: "Por esse método, uma gestação que exige
habitualmente dez meses pode consumar-se num piscar de olhos". São palavras
reveladoras; como observa Waley, o alquimista chinês pensa que o processo pelo
qual se gera uma criança é capaz de produzir a Pedra Filosofal. A analogia entre
o parto e a fabricação da Pedra está explícita nos escritos dos alquimistas
ocidentais (diz-se, por exemplo, que o fogo deve arder continuamente sob o
recipiente durante quarenta semanas, espaço de tempo necessário à gestação do
embrião humano).
O método preconizado por Ko Ch'ang-Kêng assinala o encontro de diversas
concepções tradicionais, algumas das quais de grande Antigüidade: há, antes de
tudo, a homologação de minerais e de metais aos organismos que "crescem" na
Terra como um embrião no seio materno; há, em seguida, a idéia de que o Elixir
(= a Pedra Filosofal) participa ao mesmo tempo da natureza de um metal e da
natureza de um embrião; finalmente, a idéia de que os respectivos processos de
crescimento (do metal e do embrião) podem ser acelerados de maneira prodigiosa,
efetivando dessa forma a maturidade e perfeição não só no nível mineral da
existência (isto é, produzindo o Ouro), mas também, e sobretudo, no nível
humano, produzindo o Elixir da imortalidade, porque, como vimos, graças à
homologia microcosmo-macrocosmo, os dois níveis - mineral e humano - se
correspondem. Uma vez que os processos alquímicos se desenvolvem no próprio
corpo do adepto, a "perfectibilidade" e a transmutação dos metais correspondem,
na realidade, à perfeição e à transmutação do homem. Essa aplicação prática da
alquimia esotérica estava aliás subentendida no sistema tradicional chinês de
homologação Homem-Universo: ao se trabalhar sobre determinado nível, obtinham-se
resultados em todos os níveis correspondentes.
Os outros dois métodos da alquimia esotérica recomendados por Ko Ch'ang-Kêng
representam variantes de um processo análogo. Se, no primeiro método, o corpo
era assimilado ao chumbo e o coração ao mercúrio, e os principais elementos
alquímicos eram despertados e ativados aos níveis físico e anatômico do ser
humano, no segundo eles o são aos níveis fisiológico e psíquico: na verdade, o
sopro é que agora ocupa o lugar do elemento chumbo e a alma o do elemento
mercúrio.
O que equivale a dizer que a obra alquímica se opera trabalhando sobre a
respiração e os estados psíquicos, praticando, portanto, uma espécie de ioga
(retenção da respiração, controle e imobilização do fluxo psicomental).
Finalmente, no terceiro método, o esperma corresponde ao elemento chumbo e o
sangue ao elemento mercúrio, enquanto os rins ocupam o lugar do elemento água e
o espírito o do elemento fogo.
Como não reconhecer nesses últimos métodos da alquimia esotérica chinesa certas
semelhanças notáveis com as técnicas indianas ioga-tântricas? Ko Ch'ang, aliás,
o reconhece implicitamente: "Se nos objetam que esse método é exatamente o dos
budistas zen, respondemos que, sob o Céu, não há dois Caminhos e que os Sábios
são sempre do mesmo Coração" (Waley, p. 16). Pode-se suspeitar que sobretudo o
elemento sexual seja de origem indiana. Acrescentemos que a osmose entre os
métodos alquímicos e as técnicas ioga-tântricas (que compreendem tanto a
retenção da respiração como a "imobilidade do sêmen") efetuou-se nas duas
direções: enquanto os alquimistas chineses vão buscar métodos específicos às
escolas taoístas de matiz tântrico, estas últimas utilizam por seu turno o
simbolismo alquímico (assimilando, por exemplo, a mulher ao crisol dos
alquimistas etc.).[18]
Quanto às técnicas de ritimização que levam à retenção respiratória, já faziam
parte da disciplina do alquimista chinês há muitos séculos. Pao P'u-tzu escreve
que o rejuvenescimento é obtido quando se consegue prender a respiração por um
tempo correspondente a mil batimentos cardíacos: "Se um velho alcançar esse
estágio, transformar-se-á num jovem".[19] Sob a influência indiana, certas
seitas neotaoístas, tal como as tântricas da "mão esquerda", consideravam a
retenção da respiração como um meio de imobilizar o sêmen e o fluxo psicomental;
para os chineses, a retenção simultânea da respiração e do sêmen assegurava a
longevidade.[20] Mas como Lao-tsé e Tchuang-tsé já conheciam a "respiração
metódica", e como a "respiração embrionária" é exaltada por outros autores
taoístas,[21] temos o direito de concluir pela autoctonia das técnicas
respiratórias: derivavam, tal como tantas outras técnicas espirituais chinesas,
da tradição proto-histórica a que antes aludimos, e que comportava, entre outras
coisas, receitas e exercícios que tinham por objetivo alcançar a perfeita
espontaneidade e beatitude vital. A finalidade da "respiração embrionária" era
imitar a respiração do feto no ventre materno. "Ao voltar à base, ao retomar à
origem, expulsa-se a velhice e retoma-se ao estado de feto", lê-se no prefácio
ao T'ai-si K'eu Kiue ("Fórmulas Orais da Respiração Embrionária").[22] Ora, essa
"volta à origem", o alquimista procurava alcançá-la, conforme acabamos de ver,
também por outros meios.

NOTA J
A ALQUIMIA CHINESA

Para uma orientação geral na história do pensamento científico chinês integrado
na história universal das ciências, ver George SARTON, An Introduction to the
History of Sciences, vols. I-III, cinco tomos (Washington, 1926-1948) e
sobretudo Joseph NEEDHAM, Science and Civilization in China, vols. I-V
(Cambridge, 1956). Para a história das artes metalúrgicas e químicas na China
antiga, ver Li Ch'iao PING, The Chemical Arts of Old China (Easton, 1948). B.
Laufer mostrou que tanto a massa liu li (que servia para fabricar vitrais)
quanto o caulim foram experimentados pela primeira vez pelos alquimistas
taoístas: cf. The Beginnings of Porcelain in China (Chicago, 1917, Field
Museum), pp. 142, 118 etc. Os sais de arsênico, com que trabalhavam os
alquimistas, foram empregados na agricultura e nas diversas indústrias; cf. M.
MUCCIOLl, "L'arsenico presso i Cinesi" (Archivio di Storia della Scienza, VIII,
pp. 65-76, esp. pp. 70-71). Sobre as aplicações das descobertas alquímicas nas
técnicas cerâmicas e metalúrgicas, ver E. von LIPPMANN, Enstehung und
Ausbreitung der Alchemie, l, p.156; II, pp.45, 66,178, etc. O essencial da
bibliografia relativa à alquimia chinesa pode ser encontrado no nosso livro Le
Yoga. Immortalité et Liberté (Paris, 1954), pp. 399-400, e sobretudo em NEEDHAM,
Science and Civilization in China, vol. I (Cambridge, 1974), pp. 2 s., 387 s.
Registremos as obras mais importantes: O. JOHNSON, A Study of Chinese Alchemy
(Xangai, 1928; ver também a monografia de B. LAUFER, Isis, 1929, vol. 12, pp.
330-332); A. WALEY, "Notes on Chinese Alchemy" (Bulletin of Oriental School of
London, VI, 1930, pp. 1-24); W.H. BARNES, "Possible Reference to Chinese Alchemy
in the Fourth or Third Century B.C." (The China Journal, vol. 23, 1935, pp.
75-79); Homer H. DUBS, "The Beginnings of Alchemy" (/sis, vol. 38,1947, pp.
62-86); Ho PING-Yü e Joseph NEEDHAM, "The Laboratory Equipment of the Early
Mediaeval Chinese Alchemist", Ambix, VII, 1959, pp. 57-115; Ts'ao T"EN CH'IN, Ho
PING-YÜ e Joseph NEEDHAM, "An Early Mediaeval Chine- se Alchemical Text on
Aqueous Solutions", ibid., pp. 122-158; Nathan SIVIN, Chinese Alchemy:
Preliminary Studies (Cambridge, Massachusetts, 1968; ver a nossa monografia em
History of Religions, 10, 1970, pp. 178-182); Joseph NEEDHAM. Science and
Civilization. vol. I (a história da alquimia terá prosseguimento nos quatro
volumes posteriores, atualmente em preparo). Entre as traduções dos textos
alquímicos, devemos destacar sobretudo: Lu-Ch'iang Wu e Tenney L. DAVIS, "An
Ancient Chinese Treatise on Alchemy Entitled Ts'an T'ung Ch'i, written by Wei
Po- Yang about 142 A.D." (Isis, 1932, vol. 18, pp. 210-289);id., "Ko Hung on the
Yellow and the White" (Proceedings of the American Academy of Arts and Science,
vol. 70, 1935, pp. 221-284). Este último trabalho contém a tradução dos
capítulos IV e VI do tratado de Ko Hung (Pao P'u-tzu); os capítulos I-III são
traduzidos por Eugen FEIFEL, Monumenta Serica, vol. 6, 1941, pp. 113-211 (ver
ibid., vol. 9, 1944, uma nova tradução do capítulo IV, ainda de Feifel), e os
capítulos VII e XI por T.L. DAVIS e K.F. CHEN, "The Inner Chapters of
Pao-pu-tzu" (Proceedings of American Academy of Arts and Sciences, vol. 74,
1940- 1942, pp. 287-325). Sobre o valor das traduções de T. L. Davis e
colaboradores, ver J. NEEDHAM, Science and Civilization, vol. I, p. 6 e Nathan
SIVIN, Chinese Alchemy, p. 15. James R. WARE deu-nos uma tradução completa do
Nei P'ien de Ko Hung em: Alchemy, Medicine and Religion in the China of A.D.
320: The Nei P'ien of Ko Hung (Cambridge, Mass., 1966; cf. nossas observações em
History of Religions, 8, 1968, pp. 84-85). A obra de Sivin, Chinese Alchemy, pp.
145-214, contém a tradução anotada de Tan ching yao chueh ("Essencial Formulas
from the Alchemical Classics") , obra atribuída a Sun Ssu-mo (século VI A.D.).
Ver também Roy C. SPOONER e C.H. WANG, "The Divine Nine Turn Tan Sha Method, a
Chinese Alchemical Recipe" (Isis, 1947, vol. 38, pp. 235-242). H.H. Dubs
acredita que a origem da alquimia deve ser procurada na China do século I V a.C.
Segundo esse autor, a alquimia só podia ter nascido numa civilização em que o
ouro fosse pouco conhecido e em que se ignorassem os métodos de dosagem da
quantidade do metal puro; ora, na Mesopotâmia, esses métodos eram difundidos
desde o século XIV a.C., o que torna improvável a origem mediterrânea da
alquimia (DUBS, pp. 80 5.). Mas essa opinião não foi aceita pelos historiadores
da alquimia (ver, interalia, F. Sherwood TAYLOR, The Alchimists, Nova York,
1949, p. 75). Dubs pensa que a alquimia foi introduzida no Ocidente pelos
viajantes chineses (op. cit., p. 84). Entretanto, segundo Laufer, não está
excluído que a alquimia "cientifica" represente na China uma influência
estrangeira (cf. LAUFER, Isis, 1929, pp. 330-331). Sobre a penetração das idéias
mediterrâneas na China, ver DUBS, op. cit., pp. 82-83, notas 122-123. Sobre a
provável origem mesopotâmica da ideologia alquímica chinesa, cf. H.E. STAPLETON,
"The Antiquity of Alchemy" (Ambix, V, 1953, pp. 1-43), pp. 15 s. Ao discutir
rapidamente a origem chinesa da alquimia (pp. 19-30), Sivin rejeita a hipótese
de Dubs (pp. 22-23). A crítica mais radical foi apresentada por Needham (vol. V.
1, pp. 44 s.), em que pese a ele também sustentar, embora por motivos muito
diferentes, que a alquimia é uma criação chinesa. Segundo Needham, a cultura da
China antiga era o único meio onde podia cristalizar-se a crença num elixir
contra a morte como a obra suprema do químico (pp. 71, 82, 114-115). As duas
concepções - a do elixir e a da fabricação alquímica do ouro - foram integradas,
pela primeira vez na história, na China, no século I V a.C. (pp. 12 s. etc.).
Mas Needham reconhece que a relação entre o ouro e a imortalidade era conhecida
na Índia antes do século I V a.C. (pp. 118 s.; ver nossas observações sobre esse
problema nas pp. 43, 99-100). Para o simbolismo alquímico da respiração e do ato
sexual, cf. R.H. van GULlK, Erotic Colour Prints of the Ming Period with an
Essay on Chinese Sex Life from the Han to the Ch'ing Dynasty, B.C. 206- A.D.
1644 (privately published in fifty copies, Tokyo, 1951), pp. 115 s.

NOTA K
TRADIÇÕES MAGICAS CHINESAS E FOLCLORE ALQUIMICO

Sobre o "vôo mágico" dos iogues e dos alquimistas, ver M. ELlADE, Le Yoga, p.
397. Sobre o "vôo mágico" na China, cf. ELlADE, Le Chamanisme, pp. 294 s.; sobre
o vôo dos Imortais taolstas, cf. Lionel G I LES, A Gallery of Chinese Immortals
(Londres, 1948), pp. 22, 40, 43, 51 etc.; Max KALTENMARK, Le Lie-sien Tchouan
(Biographies légendaires de Immortels taoistes de I'antiquité), traduzido e
anotado (Pequim, 1953), pp. 41, 54, 82, 146, 154. Um grande número de mitos e
crenças muito antigos concernentes à Imortalidade e aos meios de adquiri-Ia
foram retomados e revalorizados pelos alquimistas chineses. A tartaruga e o grou
eram considerados símbolos da imortalidade. Os autores antigos descrevem sempre
o grou em companhia dos I mortais (J.J. de GROOT, The Religious System of China,
Leyden, 1892 s., vol. IV, pp. 232-233, 295); desenham-se grous sobre os carros
fúnebres para sugerir a passagem â imortalidade (ibid., vol. IV, p. 359). Nos
quadros que representam os oito Imortais a caminho da Ilha sobrenatural, é o
grou que conduz a barca pelos ares (cf. WERNER, Myths and Legends of China,
Londres, 1924, p. 302). Ora, Pao P'u-tzu (= Ko Hung), assegura que uma pessoa
pode aumentar a sua vitalidade bebendo poções preparadas com ovos de grou e
carapaças de tartarugas (texto citado por JOHNSON, Chinese AIchemy , p. 61). A
tradição é antiga: o Lien-sien Tchuan conta que Kuei, enlouquecido, se
alimentava de canela e de girassol que ele misturava com miolo de tartaruga (M.
Kaltenmark, p. 119). Entre as espécies vegetais suscetíveis de proporcionar a
longevidade, a tradição chinesa destacava a erva chih (a "erva da imortal
idade"), o pinheiro, o cipreste e o pessegueiro. O pinheiro e o cipreste eram
tidos como ricos em substâncias yang (cf. J.J. de GROOT, op. cit., vol. IV, pp.
294-324). Depois de comer sementes de pinheiro, Yo Ts'iuan consegue sair voando.
"As pessoas dessa época que receberam essas sementes e delas comeram atingiram
todas uma idade de 200 a 300 anos" (M. KALTENMARK, Le Lie-sien Tchouan, p. 54;
cf. ibid., pp. 81,136,160. Sobre os pinheiros como árvores de longevidade, cf.
Rolf STEIN, Jardins en miniature d'Extrême-Orient, Le Monde en petit, Bulletin
de l'Ecole française d'Extrême-Orient, 42, Hanói, 1943, pp. 1-104, esp. pp. 84
s.). Por seu turno, Pao p'u-tzu escreve que, se alguém esfregar os tornozelos
com a seiva do cipreste, "poderá caminhar sobre as águas sem afundar"; se
esfregar o corpo inteiro, tornar-se-á invisível. O fruto do cipreste, seco,
reduzido a pó e colocado numa tocha, brilha com um clarão incomparável, e se
houver ouro ou jade enterrados na vizinhança, a chama tornar-se-á azul e
voltar-se-á para o solo. O homem que se alimenta desse pó dos frutos do cipreste
pode viver até mil anos" (texto reproduzido por De Groot, vol. IV, p. 287).
Quanto ao pessegueiro, sua resina, assegura ainda Pao P'u-tzu, torna o corpo
humano luminoso. Outras plantas comuns também gozam da fama de assegurar a
longevidade e de comunicar poderes mágicos. O Lie-sien Tchuan menciona a pereira
(p. 97), a canela (pp. 82, 119), o agárico (p. 82), as sementes de crucíferas
(p. 79), do acônito (p. 154), da angélica (p. 154), do girassol (p. 119) etc.
Não existe solução de continuidade entre as tradições folclóricas, o taoísmo e a
alquimia: o alquimista taoísta é o sucessor do pesquisador dos simples que,
desde tempos imemoriais, ia às montanhas, com uma cabaça, recolher sementes e
plantas mágicas. Cf., sobre esse tema, R. STEIN, Jardins en miniature, pp. 56 s.
e passim. Ver também Michel SOYMIÉ, "Le Lo-Feou Chan, étude de géographie
religieuse" (Bulletin de l'Ecole Française de l'Extrême-Orient [Saigon], XLIII
(1956), pp. 1-139, esp. pp. 88-96 ("La grotte-ciel"] e 97-103 ["Le soleil de
minuit"]).


Ficha técnica:
O presente texto é um extrato do Livro de Mircea Eliade Ferreiros e Alquimistas.
Lisboa: Relógio d'água, 1980.
Este texto serve para circulação interna, e sua distribuição é inteiramente
gratuita. Caso haja reprodução ilegal desta obra fora de nossa página, ou
cobrança pelo seu acesso, por favor, entre em contato conosco pelo endereço
editaru@bol.com.br


[1] Marcel Granet, Danses el Légendes de la Chine ancienne (Paris, 1928), p.
611.
[2] Max Kaltenmark, Le Lie-Sien Tchouan (Pequim, 1953), p. 18.
[3] O texto é reproduzido por H. Dubs, Beginnings of Alchemy, p. 63. Para uma
bibliografia essencial da alquimia chinesa, ver a Nota J.
[4] Science and Civilization in China, vol. V, 2, pp. 47 s. As opiniões de
Joseph Needham sobre a alquimia chinesa são apresentadas na nota J.
[5] Edouard Chavannes, Les Mémoires historiques de Sse-ma-Ts'ien (Paris, 1897
sq.), III, p.479.
[6] Ver o resumo feita por Dubs, pp. 79-80, e as indicações bibliográficas
suplementares em nosso livro Le Yoga, p. 287, nota 1. Sobre as traduções de Pao
P'u-tzu, ver a Nota J.
[7] B. Laufer, Jade, a Study in Chinese Archaeology and Religion (Chicago,
1912), p. 299. Cf. Ware, Nei Pien, p. 62. Tch'e-song tseu alimentava-se de jade
líquido: podia entrar no fogo sem se queimar e obteve a imortalidade; cf. M.
Kaltenmark, Le Lie-sien Tchuan, pp. 35 s.; ibid., p. 37, nota 2, onde se podem
ler outras referências à absorção do jade. Cf. também Le Yoga, de nossa autoria,
p. 284, nota 1.
[8] Tradução francesa de A. Waley, Notes on Chinese Alchemy, p. 4.
[9] Tradução inglesa de Johnson, A Study of Chinese Alchemy, p. 71. A respeito
do ouro potável, cf. Needham, op. cit., vol. V, 2, pp. 14, 68 s., 107 etc.
[10] Ts'an T'ung Ch'i, cap. XXVII, tradução inglesa de Waley, Notes on Chinese
Alchemy, p. 11. Esse tratado, o primeiro inteiramente dedicado à alquimia, foi
escrito em 142 A.D. por Wei Po-yang. Foi traduzido para o inglês por Lu Ch'iang
Wu, com uma introdução de Tenney L. Davis; ver a Nota J e o nosso Yoga, p. 285,
nota 1.
[11] Citado por W.A. Martin, The Lore of Cathay (Nova York e Chicago, 1901),
p.60.
[12] Rolf Stein, Jardins en miniature d'Extrême-Orient, p. 86.
[13] Sobre a proto-história desse simbolismo, cf. Carl Hentze, Tod,
Auferstehung, Weltordnung (Zurique, 1955), pp. 33 s., 160 s. e passim.
[14] Cf. R. Stein, Jardins en miniature, pp. 45 s. O tema da morada paradisíaca,
bem-aventurada e magicamente eficaz, acha-se associado, desde a mais remota
Antigüidade, ao tema da cabaça ou do vaso de gargalo estreito; ibid., p. 55. Os
mágicos, os alquimistas, recolhem-se todas as noites a uma cabaça; ibid., pp. 57
s. O modelo exemplar da cabaça é a gruta, morada dos Imortais e retiro secreto.
Era na escuridão da gruta que se processava a iniciação do adepto nos mistérios.
"Os temas da iniciação acham-se tão estreitamente ligados à gruta que tong
('gruta') acabou por significar "misterioso, profundo, transcendente" (R. Stein,
p. 44). "As grutas (mundo paradisíaco independente) são de acesso difícil. São
recipientes fechados, de gargalo estreito, em forma de odre" (p. 45). Sobre a
"gruta céu", ver Michel Soymié, "Le Lo-Feou Chan", pp. 88-96.
[15] Um comentário citado pelo P'ei-wen yun-fu, e traduzido para o francês por
R. Stein, p. 59.
[16] Cf. M. Eliade, "Kosmogonische Mythen und magische Heilung" (Paideuma, 6,
1956, pp. 194-204). Aspects du mythe, pp. 37 s. Sobre o regressus ad uterum no
ritual védico e a medicina indiana, ver adiante, p. 99.
[17] Citado por Waley, Notes on Chinese Alchemy, p. 15; cf. também Lu Ch'iang Wu
e T.L. Davis, An Ancient Chinese treatise on Alchemy, p. 255 (cap. LIX de Ts'an
T'ung Ch 'I).
[18] Cf. Eliade, Le Yoga, p. 396. R.H. Van Gulik, Erotic Color Prints, pp. 115
s. Jong Tch'eng Kong conhecia perfeitamente o método de "consertar e conduzir"
(expressão freqüentemente empregada para designar as técnicas sexuais taoístas,
"práticas da alcova"). "Ela ia buscar a essência na Fêmea misteriosa; o seu
princípio era que os Espíritos vitais que residem no Vale não morrem, pois por
meio deles se sustém a vida e se alimenta o sopro. Os seus cabelos, já brancos,
tornaram-se negros e os seus dentes, que haviam caído, voltaram a crescer. As
suas práticas eram idênticas às de Lao-tsé" (Max Kaltenmark, Le Lie-sien
Tchouan, pp. 55-56). Em Lao-tsé, a Fêmea misteriosa designa o Vale de onde se
originou o mundo; cf. R. Stein, op. cit., p. 98. Entretanto, no texto que
acabamos de citar, essa expressão prende-se ao microcosmo e a uma significação
fisiológica precisa (M. Kaltenmark, p. 56, nota 3). A prática consistia em
absorver a energia vital das mulheres com quem se mantinha uma relação sexual:
"Essa energia, oriunda das próprias fontes da vida, proporcionava urna
longevidade considerável" (ibid., p. 57). "Ko Hung afirma que havia mais de dez
autores que tratavam das práticas sexuais taoístas e que o essencial de todos
esses métodos consistia em "fazer retomar a essência para consertar o cérebro"
(ibid.). Cf. também ibid., pp. 84, 181-182.
[19] Traduzido para o inglês por Johnson, A Study of Chinese Alchemy, p. 48. Cf.
Ware, op. cit., pp. 59 s.
[20] Ver Eliade, Le Yoga, pp. 395 s.
[21] Ver os textos que reunimos em Le Yoga, pp. 71 s. A Antigüidade das práticas
respiratórias na China foi recentemente confirmada pelo descobrimento de uma
inscrição da época Chu; cf. Hellmut Wilhelm, "Eine Chou-Inschrift über
Atemtechnik" (Monumento Serica, 12, 1948, pp. 385-388).
[22] Tradução francesa de H. Maspéro, "Les procédés de 'Nourrir le Principe
vital' dans la religion taoiste ancienne" (Journal asiatique, 1937. pp. 177-252:
353- 430), p. 198.

 
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A ALQUIMIA CHINESA - M. ELIADE.txt
A alquimia dos corpos - A. F. Cascais.htm

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